"— Itsuka, eu gosto de você." Miroslava lembrava claramente do gosto das palavras em sua boca. Ela também lembrava da sensação que a resposta da garota que gostava havia deixado em seu ouvido.
— Desculpa, mas eu... eu gosto de outra pessoa…
Ela sentiu medo de não ser mais próxima da garota doce e determinada que gostava de pintar unhas e sempre segurava os dedos da amiga, analisando o formato de suas unhas e suas longas mãos de pianista. Por isso, quando Itsuka posteriormente perguntou se ela aceitava fingir ser sua namorada para causar ciúmes em Manyuda — o garoto que ela de fato gostava —, Miroslava disse sim; disse sim, porque imaginou que nada doeria mais do que a distância entre elas, apesar de estarem tão perto.
Nunca ocorreu à Miroslava que a situação poderia ficar pior — ela aprendeu que sempre pode.
[...]
Kirari Momobami era conhecida como a anfitriã das melhores festas do campus. Com o dinheiro do clã Bami e Sayaka — sua namorada cuja capacidade de planejamento era melhor que a de todos ali — à sua disposição, todos os eventos aconteciam as mil maravilhas, e sempre contavam com a presença de todos os alunos.
E já que, para todos, estavam namorando, Itsuka e Miroslava obviamente marcaram presença. Ao entrarem na mansão das irmãs Momobami, todos os olhares estavam focados no mais novo casal, no vestido florido de Itsuka, e no visual totalmente vermelho de Miroslava, que tanto queria que a garota ao seu lado o notasse.
— Os pombinhos vão querer cerveja? — Um dos garotos perguntou, e Miroslava estava prestes à recusar pelas duas quando Itsuka agarrou o copo de plástico vermelho e bebeu tudo em apenas um gole, com os olhos fixos em uma única direção.
Apesar de não ter ficado surpresa, Miroslava certamente ficou decepcionada ao se deparar com os olhos curiosos de Manyuda encarando os de Itsuka.
— Amor, você se importaria se eu ficasse com o seu? — Ela sente Itsuka acariciar seu braço com uma expressão apaixonada, e Miroslava apenas assentiu positivamente, se tornando impossível convencer a si própria de que seus sentimentos eram recíprocos. Aquele olhar era uma armadilha, uma atuação quase impecável, e Miroslava faria qualquer coisa por ela — até mesmo ser aquela que à ajudaria a conseguir beijar outros lábios.
Tal como com o copo anterior, Itsuka o esvaziou em poucos segundos, mantendo o olhar em Manyuda. Foi tão igual que Miroslava teve a sensação de déjà vu. Depois dos dois copos, a menina de cabelos cor de caramelo enlaçou seus dedos nos de Miroslava, que queria passar o resto da noite assim, mas sua mão logo ficou solitária novamente enquanto as duas se sentavam em uma roda para jogar verdade ou desafio.
Runa se inclinou em direção ao meio da roda e girou a garrafa de vinho que movimentava o jogo. A ponta da garrafa apontou para Yumeko, que escolheu verdade. A pergunta foi feita por Midari, que decidiu questioná-la se beijava garotas.
— Eu beijo garotas como eu bebo cerveja — Yumeko começou a dizer, reunindo a atenção de todos a sua volta — Todos os dias, principalmente em horas comerciais, porque o risco de ser pega torna tudo mais excitante.
Todos riram e Yumeko dirigiu uma piscadela para ninguém específico. Agora, era a vez de Yumeko girar a garrafa. Após alguns segundos de suspense, a garrafa apontou para Yumemi, que escolheu desafio.
— Poste um vídeo agora para seus milhares de seguidores no TikTok dizendo o quanto você os despreza.
Terror alcançou a expressão de Yumemi por um momento; fazer aquilo destruiria sua reputação, e era dela que seu sonho dependia. Por isso, a aspirante a cantora disse, confiante:
— Verdade.
— Hm… — Yumeko estava com a sua usual expressão divertida, apesar de estar pensativa, com dedo no queixo e tudo — Quanto você tem na sua conta?
— O suficiente para fazer com que você desapareça por causas misteriosas. — Yumemi respondeu sem ao menos piscar. Todos na sala gargalharam, inclusive Yumeko, que não se sentia ameaçada por nada. Sem dizer uma palavra, esperando que o holofote invisível saísse de cima dela, Yumemi gira a garrafa.
E, dessa vez (como você, leitor, esperava), a ponta da garrafa apontou para Itsuka. Com um sorriso no canto da boca, Itsuka respondeu “desafio” antes mesmo de ser questionada sobre sua escolha. Yumemi também sorriu, sabendo que sairia dos holofotes. Um desafio para o mais novo casal popular da faculdade sempre teria mais atenção do que uma conta bancária entre jovens ricos.
— Itsuka, você é um doce, então eu vou deixar que você tenha um desafio fácil. — Todos na roda sabiam que Itsuka Sumeragi era apenas um doce anjo em aparência física e na frente de professores, então ficou óbvio que o comentário era apenas uma brincadeira. — Seu desafio é beijar sua namorada na boca. E, claro, seguindo as regras de beijos durante o jogo, pelo menos dez segundos.
Fácil. Teoricamente, era fácil. Não havia nada mais fácil do que beijar a própria namorada, até porque aquilo já deveria fazer parte do dia-a-dia de ambas. Não havia nada mais fácil do que amar Itsuka Sumeragi. Mas na prática, não era. Não era fácil beijá-la quando as emoções eram falsas, não era fácil amá-la quando ela não te amava de volta, quando seu sentimento não era uma via de mão dupla e o gosto dos lábios dela nos seus era apenas para ganhar a atenção de outro alguém.
Deveria ser fácil, mas não era; era difícil, mas mesmo assim Miroslava o fez. Ela permitiu que Itsuka chegasse perto vagarosamente e grudasse os próprios lábios nos dela. Permitiu que as pequenas mãos de Sumeragi brincassem na pele de seu pescoço, encostando levemente em seu cabelo curto.
Aquela cena havia vivido por tanto tempo nos sonhos da Honebami, mas não era desse jeito. Muitas vezes era, sim, em uma festa; ela usava a mesma roupa vermelha, e Itsuka, o mesmo vestido florido, e aqueles lábios também tinham gosto de morango. Mas, em seus sonhos, Manyuda não estava do outro lado do salão conversando com Suzui com um copo vermelho em mãos, sem desviar o olhar delas.
— Vamos para algum lugar mais quieto. — Miroslava sussurrou, porque ela também sabia mentir. Itsuka piscou para o grupo com um sorriso nada bobo, como se para comunicar para todos na roda o que aconteceria no tal lugar mais quieto. Depois, deixou-se ser guiada por Miroslava pelo salão.
— Para onde você tá indo? — Itsuka perguntou ao ver que Miroslava caminhava em direção da porta. — Manyuda ainda está aqui.
— Eu sei. Eu vi — Miroslava se corrigiu. —, mas eu preciso ir para casa. Eu… — Respira fundo. — Eu não lido muito bem com álcool.
Ela também sabia mentir.
— Ah, certo. — Itsuka respondeu, como se ela se importasse. Miroslava quase poderia fingir que a garota estava triste ao vê-la ir. — Te vejo amanhã na aula. E beba bastante água, ajuda com o álcool.
Depois de assentir, Miroslava começou a caminhar pela rua escura, e Itsuka, a voltar para a festa.
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