Mais uma vez Dazai acordava fora de casa, dessa vez nem mesmo estranhou, afinal, a primeira coisa que viu ao abrir os olhos foi a figura de Akutagawa ao seu lado, aparentemente já acordado, mas sem se mover. Ele já parecia ter tomado banho, e até se trocado, já que suas roupas estavam diferentes; ele estava usando uma calça preta cheia de rasgos e costuras, em sua mão um par de luvas também rasgadas, utilizava uma jaqueta jeans preta desbotada rasgada e com diversos botons e patches costurados a mão, em seu pescoço uma gargantilha de spikes e seus olhos cobertos por uma sombra preta forte, e por baixo da jaqueta uma camiseta com "ratos de porão" escrito.
— Tenho que ir embora — murmurou Dazai, sentando-se na cama. Ryuunosuke se sentou também, concordando em um murmúrio. Osamu havia ficado o fim de semana na casa do garoto, parte por insistência deste, e também por sua falta de coragem em encarar Fyodor ou Chuuya. Ele já conseguia sentir o gosto do arrependimento em sua língua.
— Hoje vou tocar em um bar, quer ir? Posso te emprestar alguma roupa, de lá você vai para casa.
— O seu Tachihara vai estar lá? — perguntou com um meio sorriso.
— Vai. Ele é o baterista — respondeu simplista, soltando uma pequena risada. Akutagawa se levantou da cama rumando para cozinha, gritando algo sobre trazer algo para comer. Dazai suspirou e deu uma olhada pelo quarto bagunçado, se afundando no travesseiro novamente.
Por que ele havia feito isso? Por que ele havia traído o seu Chuuya, o seu Fyodor? Ele sempre foi de certa forma impulsivo com certas coisas, principalmente decisões que ao princípio parecem certas, e mesmo que ele fosse o tipo de pessoa que pensa em todas as possibilidades, ele tende a pensar somente depois de já ter dado o primeiro passo. Tentava não se julgar, tentava não se odiar, afinal, naquele momento soou certo, soou certo que ele abandonasse emocionalmente os dois. Divagava em pensamentos frustrados, onde tinha sempre de se prender a ideia de que fez isso por um objetivo maior, eles poderiam sofrer agora, mas talvez o ódio perpetue em Fyodor e Chuuya, sobre ele e por ele, e assim a raiva persistiria no lugar do arrependimento e da falta.
Ele odiava a ideia de que traria a dor aos seus garotos, mas se ele quisesse o ódio dos dois, ele teria de lutar contra a culpa e a dor pessoal.
— Aqui suas roupas — Akutagawa lhe chamou a atenção, colocando uma sacola com as vestes agora limpas de Dazai, este que murmurou um agradecimento. — Já são três horas, a gente pode comer alguma coisa e sair.
— Tudo bem — respondeu, se levantando preguiçosamente, começando a retirar as suas roupas de dentro da sacola para trocá-las.
— Por que não vai com uma blusa minha? — perguntou, olhando-o de canto enquanto começava a arrumar a cama. Dazai o deu um meio sorriso, e largou as roupas de volta na sacola.
— Certo, você quer fazer ciúmes no seu Tachihara~ — Akutagawa não respondeu, apenas terminou de arrumar a cama rapidamente e foi ao seu guarda roupa, tirando de lá uma de suas camisas prediletas, jogando a Dazai.
— Não a suje, nem manche — resmungou. Dazai afastou-a olhando a estampa, e assim como as outras camisetas de Akutagawa, também era uma de banda.
— "Megadeth. Rust in Peace"? — perguntou, Akutagawa balançou os ombros e andou com seus pés rastejantes até o banheiro.
Dazai olhou a roupa em sua mão por algum tempo, antes de passar a vesti-la. Colocou-a em seu corpo, vendo que assim como as outras roupas do Ryuunosuke, aquela também parecia ter sido comprada um número a mais do garoto. O rapaz vestiu o restante de suas roupas, e então caminhou até a cozinha, encontrando um prato com ovos mexidos recém feitos, que aparentemente já estavam frios, imaginou que Akutagawa tivesse feito antes de tomar banho. — Quantas horas vai ser o show? — perguntou, pegando o prato de ovos mexidos.
— Começa às seis, vamos abrir para outras duas bandas.
— Onde vai ser?
— Em um bar de rock, não é muito longe, só uns minutos daqui. Podemos beber alguma coisa até o horário do show, e depois posso te deixar em casa se quiser.
— Não precisa — murmurou, enfiando o garfo na boca. Akutagawa deu de ombros, encarando Dazai comer de forma entediada.
Não demorou muito até que eles já estivessem fora de casa, não conversaram muito no caminho, o silêncio que se mantinha entre eles era de certa forma confortável, então apenas se mantiveram quietos até que chegassem ao bar. Era um local quase escondido, com uma escada subindo a um segundo andar, onde mesmo cedo, já podia-se ver uma certa quantidade de pessoas espalhadas, todas elas com roupas escuras, maquiagens marcantes, muitas tatuagens e tudo o que Dazai já esperava ver ali. Os dois caminharam até os fundos, onde havia uma mesa com um pequeno grupo de pessoas sentadas conversando.
— Aku! Você chegou — uma garota loira disse, sorrindo abertamente se levantando para dar um abraço desajeitado no rapaz, ela utilizava uma jaqueta cheia de patches e botons, a lateral de seu cabelo era raspado, a calça escura que ela vestia também haviam desenhos, mas não tanto quanto na jaqueta que por baixo desta, ela utilizava uma camisa escrita "Megadeth", assim como a que Dazai usava. Ao seu lado estava uma outra de cabelos escuros e espetados, o seu visual era semelhante ao da garota loira, ela também utilizava uma jaqueta, esta sendo sem mangas por cima de uma blusa onde o A de anarquismo estava desenhado, usando também uma calça xadrez verde com uma bota escura por cima. E, ainda sentado, havia um rapaz ruivo vestindo uma saia xadrez também verde que cobria suas pernas até os joelhos, uma camiseta escura rasgada e um número a mais do que o seu tamanho, sem mangas com um símbolo que Dazai não pode identificar desenhado; aparentemente também pintado a mão.
— Demorou — Tachihara disse, levantando o olhar à Akutagawa, e imediatamente seus olhos encontraram Dazai, arqueando uma das sobrancelhas. — Quem é esse?
— Dazai Osamu — respondeu o rapaz, indo a frente com um pequeno sorriso.
— Estamos nos conhecendo — complementou Akutagawa, olhando diretamente nos olhos do outro.
— Entendi — murmurou. Akutagawa apresentou-os desajeitadamente; Gin, Tachihara e Higuchi.
O olhar de Dazai caiu em Gin, vendo a mesma com os olhos arregalados, piscando de forma perplexa.
— Então… — Ela desvia o olhar e limpa a garganta. — Deixa… Bom… Devemos começar a arrumar os instrumentos, então?
Akutagawa concordou com a cabeça e andou na direção dos fundos, sendo seguido pelos outros ali, que apenas deram um pequeno aceno à Dazai. Enquanto andavam, e ali iniciava uma conversa sobre algo que Dazai não realmente prestava atenção, Akutagawa usou como oportunidade para dar uma breve explicação sobre o funcionamento do lugar, sobre como eram os shows ali, e o que eles fariam enquanto não começava.
— Então… É isso que você faz pra viver? — Dazai perguntou, olhando Gin que parou em frente a uma porta nos fundos, abrindo-a.
— Não exatamente, meio complicado viver de música, mas sei lá, é mais ou menos isso, eu acho?
— Uh… Entendi. Legal — murmurou, balançando a cabeça positivamente. Eles entraram em uma sala com os equipamentos já prontos, o local havia sido montado com cuidado e os instrumentos estavam arrumados de forma organizada.
Dazai ficou parado de pé perto da porta enquanto via-os se dispersar pela sala, que parecia grande demais para acomodar tão pouco, observava em silêncio, sentindo-se um pouco pressionado por aquele ambiente estranho que ele tinha certeza que o causador de toda aquela estranheza era ele, e a sua presença ali, e manteve-se tanto nessa linha de raciocínio, que mal percebera que Tachihara permaneceu parado onde estava, observando Dazai.
— Não esperava ver o Aku com alguém — ele comentou simplesmente, atraindo a atenção do rapaz, que até então não havia prestado atenção.
Olhou para Tachihara silenciosamente por algum tempo, como se sua mente não acreditasse que ele realmente havia vindo conversar com ele, ou seja lá o que ele estivesse tentando fazer agora.
— É meio surpreendente para mim também. Estar com alguém. — Sem ser Fyodor… Fazia tanto tempo desde a última vez.
O olhar de Dazai permaneceu fixo em Tachihara por algum tempo, sem conseguir pensar em algo além de perguntas simples em sua mente, até que seu silêncio prolongado passou a soar desconfortável, então ele finalmente se obrigou a falar:
— Então… você e ele…?
Não sabia ao certo o que queria responder, e nem sequer se sentia muito confortável respondendo, mas a presença daquele rapaz o incomodava, principalmente agora que ele parecia tão curioso quanto a ele, provavelmente enciumado ou incomodado.
— Você escutou. Se conhecendo — soltou as palavras, mas a verdade é que ele queria engoli-las e trancá-las em um baú.
Tachihara acenou positivamente com a cabeça, cruzando os braços, seu olhar não parecia raivoso, ou pelo menos não aparentava nada além de… Vazio? Parecia vago, para ser exato. Dazai olhou-o com curiosidade pelo canto do olho, ele parecia diferente do que havia se permitido pensar por alguns instantes, imaginou que fosse um badboy ridículo que não queria aceitar sua sexualidade, e bom, o último pode ser verdade, mas ainda não combinava bem com ele… Talvez ele fosse só… Patético.
— Parece não ter gostado disso — Dazai afirmou, virando-se para ele, finalmente encarando-o por completo, seu tom de voz sério, não era de provocação ou rigidez.
Tachihara abriu a boca para responder, mas parecia estar tendo dificuldade em formular algo para responder, ele permaneceu em silêncio por alguns segundos antes de voltar a falar.
— Não é isso — murmurou em um tom baixo, evitando olhar diretamente nos olhos de Dazai.
No momento em que o rapaz de cabelos castanhos percebeu o comportamento de Tachihara, percebeu mais uma vez, que ele não sabia ao certo porque estava ali, porque havia se enfiado naquela situação, sabia que no momento em que fez soou certo, legal, talvez fosse o impulso o mandando fazer, porque agora mesmo acabara de chegar naquele lugar, e já estava em uma conversa desconfortável.
No silêncio vazio que ficou entre os dois enquanto ambos pareciam afundados em pensamentos, Osamu particularmente mais se questionando do que permitindo-se ter respostas, permaneceu por um momento apenas encarando Tachihara com os olhos semicerrado, procurando algum pequeno sinal de emoção em seu rosto, sem sucesso algum. Mesmo com a sua curiosidade gritando desesperadamente em seu ouvido, o rapaz permaneceu preso nas suas cordas vocais sem falar nenhuma palavra. Sendo o próprio Tachihara a quebrar o silêncio com um suspiro desengonçado.
— Toca alguma coisa? — perguntou de maneira casual.
— Não toco.
— Não entendo.
— O que?
— Você é tão… Comum.
— O que quer dizer com isso? — Semicerrou os olhos, mesmo que soubesse exatamente o que o garoto queria lhe dizer. Tachihara olhou para Akutagawa brevemente, que agora ajudava Higuchi a desmontar a bateria para levar ao palco.
— Olha pra ele — murmurou, apontando para Ryuunosuke com os olhos.
— O que?
— Você… Ugh. — Suspirou. — Esqueça.
Dazai decidiu por fim, deixar aquilo morrer, saiu de lá, sentando-se em uma mesa perto do palco, manteve-se quieto ali, olhando pouco a pouco cada instrumento e equipamento ser montado e colocado ali.
Nunca se imaginou em um lugar assim antes, será que Chuuya gostaria disso? Fyodor talvez não… Mas Chuuya… O que ele gostava além de literatura, o que ele fazia quando não estava com ele? O que ele estava fazendo agora?
Dazai se sentiu um idiota por pensar em Fyodor e Chuuya em um momento assim, logo após de foder com tudo. Mesmo que eles não tivessem conhecimento agora, ele faria como que eles soubessem logo.
— Quer beber alguma coisa? — Akutagawa pulou do palco, andando em direção a Dazai, sentando-se em frente dele. Os equipamentos acabavam de ser montados, e ao olhar por cima do ombro do garoto à sua frente, julgou que agora eles apenas afinavam os instrumentos.
— Não, tô tranquilo.
Akutagawa olhou-o em silêncio, deitando a cabeça na palma da mão.
— Vocês tocam o que mesmo? Punk rock?
— Não, metal. Eu te falei ontem.
— É — murmurou. — Não conheço muito de metal.
— Imaginei. Você só escuta os clássicos, não me surpreende.
— Sim.
— Sabe, eu não sei porque te convidei pra vir aqui hoje.
— Não sei porque eu aceitei. — Sorriu. Akutagawa sorriu de volta, encostando-se na cadeira, suspirando profundamente.
— O que vocês conversaram? — Apontou para Tachihara com o olhar. — Eu vi vocês na porta aquela hora.
— Disse que eu sou muito comum.
— Ele está nos comparando.
— Eu sei.
— Então….
— Por que metal? — Dazai interrompeu. Sorrindo quando Akutagawa fez uma careta.
— É minha banda favorita.
— Mas vocês não são punks?
— Sim — respondeu simplista, balançando os ombros. — Ele parecia incomodado? — Voltou em Tachihara.
— Sim, ele é estranho, quieto. Igual você.
— Igual a você — retrucou, dando ênfase no “a”.
— Não sou sempre assim — Dazai respondeu. — Quero ir embora.
— Então vai.
— Não, eles vão estar lá.
— Está com vergonha?
— Sim.
— Akutagawa! — Escutaram a voz de Tachihara, ele já estava sentado na bateria, olhava para o rapaz com um olhar acusatório, Ryuunosuke balançou os ombros e se levantou.
— Bom, fica ai então. Você pode voltar pra minha casa se quiser, mas uma hora vai ter que voltar pra sua casa. Vê o show, pode não ser seu estilo mas eu me garanto na guitarra.
— Tudo bem — murmurou. Akutagawa se virou, subindo no palco com um pulo. Dazai observou-o em silêncio, enquanto ele se posicionava em frente ao microfone, com uma guitarra escura pendurada em seus ombros, afinando-a.
A medida que os minutos passavam, e agora eles tocavam apenas para aquecer, o bar enchia, pessoas que aparentemente estavam do lado de fora, entravam, e se sentavam nas mesas, pouco a pouco enchendo mais e mais, até que não houvessem lugares para sentar, e algumas tivessem de ficar em pé. Quando o horário de início chegou, pontualmente, Higuchi se aproximava do microfone para apresentar a banda.
— Mais uma vez, tocando Megadeth aqui, é um prazer ter todos aqui. Espero que possam curtir o nosso som, e fazer muito barulho! Muitos de vocês aqui já nos conhecem, mas vale apresentar novamente para alguns visitantes ou convidados. — Olhou para Dazai. — Eu sou a Higuchi, guitarrista solo, na segunda guitarra, no rítmico temos Akutagawa, na batera Tachihara, e no baixo, Gin — falou o nome de cada um deles, apontando, recebendo gritos a cada nome. A garota ao terminar as apresentações, se afastou do microfone, dando espaço para Akutagawa, o que fez Dazai rir brevemente.
Ele não queria apresentar a banda mas poderia cantar em frente a todos?
Akutagawa agarrou firme o microfone, sem olhar para ninguém em especial, apenas para a multidão. Sem falar uma palavra, ele fez um gesto na direção de Tachihara. Os três músicos se entreolharam, e em uma ordem muda, a banda iniciou a primeira música. Era um som cru, rápido da junção de todos os instrumentos, parando o tempo separadamente.
— Let me introduce myself. I'm a social disease. — Olhou para o público, vendo que imediatamente era reconhecido a música que eles tocavam. — Come for your wealth leave you on your knees…
Assim que o que Dazai julgou ser uma “introdução” terminou, os acordes que vieram a seguir, pesados, quase agudos, de uma forma peculiar e sutil, iniciaram.
A música era estranhamente familiar para Dazai, ou pelo menos ele acreditava que era. Talvez tivesse escutado em algum lugar em algum momento, não sabia dizer quando ou onde, só que no fundo de sua memória a melodia soava familiar. Os integrantes estavam sincronizados, todos na mesma velocidade e ritmo, sem desvios, mas mesmo assim, os riffs de guitarra e bateria faziam um som único, fazendo Dazai levantar a mão, quase inconscientemente para bater com os dedos na mesa, tentando acompanhar a música junto da banda.
Em determinado momento, talvez após uma ou duas músicas, houve um burburinho de pessoas, o que de primeiro, fez Osamu achar ser uma espécie de discussão, sendo obrigado a se levantar, mas assim que o fez e teve uma visão melhor do que acontecia, encontrou o meio onde as mesas ficavam vazio, bem, exceto pela grande quantidade de pessoas que corriam e se empurravam, como uma roda, se viu assustado, fascinado também, Akutagawa e seus colegas de banda pareciam acostumados com aquela energia, e mesmo que seja algo que o Osamu nunca tinha visto antes, era… Legal.
Bom, ele não mentiria dizendo que aquilo parecia algo de seu interesse, porque não, ele não se via em um lugar assim novamente, não por vontade própria, aquele não era o seu tipo de música, não era o seu tipo de ambiente… Mas realmente, era legal.
As músicas passaram, e aquela roda parecia nunca descansar, as pessoas continuavam a cair no chão, rindo, se empurrando, e em seguida se levantando, voltando a pular para a roda, e bem, Osamu se viu tão distraído com aquilo, que mal percebeu que mal percebera o tempo passar, e então, Higuchi anunciava a última música.
O que era a música iniciou, com os mesmos ruídos altos e estridentes de antes, mais melodiosos, que se encaixavam perfeitamente com a voz de Akutagawa. Dazai continuava a bater de leve na mesa com seus dedos, sentindo sem perceber seu corpo mover junto com a música, mas de um jeito diferente. De forma mais calma, balançando a cabeça suavemente à medida que as cordas da guitarra gritavam.
— Things will be better when I'm dead and gone. Don't try to understand, knowing you I'm probably wrong! — Ao escutá-lo cantar, Dazai imediatamente franziu o cenho.
Essa música. Ele definitivamente já escutou… Onde era mesmo? Esforçou-se para lembrar, fechando os olhos com força, colocando a mão sobre a testa.
— Still you'd turn away. Now as I die for you. My flesh still crawls, as I breathe your name!
Os olhos de Dazai se arregalaram, ao que ele conseguiu pescar algumas poucas palavras no inglês, e então se lembrou.
“— E isso é um poema também? Sempre quis saber, não soa como um — Dazai sentava-se na mesinha de Chuuya, lendo seu caderno de poemas pela décima vez, enquanto o rapaz o olhava sobre os ombros.
— Não. É uma música. Tanizaki chegou em casa com alguns dvds, disse que o amigo dele o emprestou e tal, eram alguns shows de bandas de metal. Aí eu escutei isso, decidi escrever porque parecia… — Ele não terminou sua frase, apenas se afastou, saindo do quarto. Algum tempo depois, ele apareceu com um pequeno rádio e uma caixinha com DVDs, pondo sobre a mesa, ele tirou um deles, e colocou dentro do rádio. Dazai observou-o silenciosamente enquanto ele pulava as músicas, escutando o começo de todas elas, até que uma lhe pareceu familiar.
Eles mantiveram-se em silêncio, até que o trecho escrito no caderno passasse na música, e Chuuya falasse em voz alta, como havia escrito no caderno, não em inglês.
— Ainda sim você se afastava. Agora enquanto eu morro por você. Minha carne ainda rasteja enquanto eu suspiro seu nome.
Escutaram o restante da música, e então Dazai não perguntou mais nada, nunca questionou, mas sentiu no fundo de seu peito, que era sobre ele, e sua forma de sempre sabotar sua relação com Chuuya, afastando-se, voltando, e machucando-o de novo, e de novo.”
Dazai não se lembrava de escutar Chuuya ouvindo nada parecido com isso tempos depois, lembra somente de ouvi-lo resmungar uma vez que haviam levado os DVDs embora, mas não deu muita atenção na época. Fora uma memória esquecida, e que agora para ele, parecia que ela voltava somente para fazê-lo se sentir pior.
— My whole life is work built on the past. But the time has come when all things shall pass. This good thing passed away — Ryuunosuke cantou a última parte da música, mas quando buscou por Dazai, ele não estava mais ali, havia somente um papel sobre a mesa.
— Parece que o seu cara foi embora — Ryuunosuke ouviu Gin falar atrás dele, suspirando, ainda olhando para a mesa vazia, enquanto a multidão se recompunha de um show animado.
Dazai se apressou a sair do bar, sentindo o peso de suas memórias apertar seu peito. Enquanto Akutagawa terminava de cantar a última música, ele estava já nas ruas escuras e movimentadas, tentando afastar os pensamentos que insistiam em vir à tona. Caminhava sem rumo, apenas tentando se distanciar da agitação do bar e da culpa dolorosa em seu peito.
Ele sabia que teria que enfrentar Fyodor e Chuuya eventualmente. Sabia agora que suas ações recentes não tinham justificativa suficiente para os danos causados, ele havia feito isso para Chuuya incontáveis vezes, buscava por justificativas esdrúxulas que nem mesmo faziam sentido, somente para se sentir melhor consigo mesmo, e a sua última, era de longe a pior.
Força-los a se afastarem? Dormindo com alguém? Porra isso era terrível, ele era terrível. Por que ele fazia isso? Por que tomava decisões assim?
Ele queria encontrar uma solução, um meio de amenizar a dor que sabia que causaria. Talvez ele estivesse apenas tentando se punir, porque se tivesse pensado desde o princípio, saberia que se arrependeria disso, pensou se talvez no fundo, lá no fundo, ele quisesse só que essa tortura avassaladora da culpa recaisse sobre ele.
Afinal, a culpa foi o que sentira pela maior parte da sua vida, a diferença, era que a partir de certo momento, ele era realmente o culpado de todo o caos da própria vida, não conseguia aceitar que as coisas às vezes pudessem ser… Boas, e tinha que estragar tudo por estar acostumado com a miséria.
Sentia seu corpo todo doer, como se tivesse corrido uma maratona inteira. Seus olhos lacrimejavam enquanto ele caminhava, mas ele não sabia se era pelo vento que soprava em seu rosto, ou porque estava prestes a chorar. Seus passos eram pesados, desajeitados, sua mente estava tão confusa que ele sequer sabia como ainda conseguia andar em linha reta.
Sua mente piscava e piscava sem parar, dizia-no para simplesmente virar a esquina subir as escadas de um prédio qualquer e pular, mas então, lembrava-se que ele era um covarde, puramente, covarde, queria morrer, mas nunca realmente se dava o trabalho de conseguir.
O sentimento era quase insuportável. Não era como se Dazai não tivesse experimentado tudo isso antes, ele era um velho veterano nisso, no entanto, desta vez era diferente, desta vez tudo parecia de fato mais claro, ele havia percebido, que tudo era culpa dele, toda a merda da sua vida, era culpa dele, e da sua instabilidade.
As mãos tremiam, e seu corpo parecia mais pesado. Sentia como se tudo a sua volta estivesse confuso. O barulho dos carros, das pessoas, não fazia sentido, o cheiro de álcool e cigarro das ruas parecia sufocante, mas ele continuava a andar, tentando impedir que cada pensamento em sua mente viesse à tona, tentando se segurar com todas as força que tinha e…
— Dazai-san? — Levantou a cabeça, encontrando sentado no meio fio, um rapaz conhecido, havia o visto há alguns dias. Cabelos loiros, platinados em um corte estranho, traços faciais delicados, e estatura média. O rosto dele pareceu se iluminar momentaneamente, mas não durou muito ao perceber o quanto o mais velho tremia, ele se levantou do chão e andou em direção à ele. — O que faz aqui? — perguntou, como se tentasse obter algum sinal do motivo de Dazai estar daquela forma.
— Em um show — respondeu brevemente, não conseguindo realmente focar em Atsushi.
— Oh, sério? Você não parece do tipo que curte essas coisas, aqui tem muitas coisas do tipo, bares de rock, lojas de música, fiquei surpreso em te ver aqui — falou, com a voz calma, parecendo até cuidar de cada palavra que saía de seus lábios.
— Eu vim com um amigo, não é meu estilo — Dazai murmurou sem energia, estava se sentido estupidamente cansado, sua cabeça parecia pesada, e um formigamento incômodo se espalhava por suas mãos. Um arrepio inesperado percorreu seu corpo. Atsushi parecia prestes a dizer algo, mas Dazai o interrompeu, perguntando: — Por que está sentado no meio fio?
— Ah… bom, — ele deu de ombros, — Estava esperando alguém. — Atsushi cruzou as mãos à frente dos bolsos, ainda encarando Dazai profundamente preocupado. — Você não parece bem. Está com frio?
— Não, estou bem — insistiu Dazai, tentando convencer a si mesmo também, sem sucesso. — Quem está esperando?
O rapaz platinado não respondeu, e em vez disso observava Dazai com um olhar analisador.
— Meu pai, veio comprar alguma coisa pro violino da minha mãe, não lembro exatamente o que.
— Essa horas? — Olhou para os lados, como se buscasse por alguma loja de instrumentos aberta.
— Meu pai é amigo do dono. E minha mãe estava ficando louca porque queria tocar.
— Entendo.
Atsushi olhou para Dazai em silêncio, então deu-se conta de que provavelmente seu pai o encontraria com o rapaz, e percebeu que não seria uma boa ideia dado que sabia sobre como o tio não se dava bem com o irmão.
— Você já comeu? — perguntou Atsushi, inocentemente.
— Sim, comi — mentiu Dazai com facilidade. No fundo não havia comido nada, apenas uma barra de chocolate no bar, depois de se esgueirar por todos aqueles homens gritando.
Mas mesmo se estivesse, sabia que dificilmente conseguiria comer.
Atsushi deu um breve aceno afirmativo, ainda encarando Dazai com preocupação estampada em toda seu rosto. O mais velho desviou o olhar sem querer, não conseguindo encará-lo por muito tempo, seu corpo ainda tremia.
— ... Por que você está me encarando assim? — perguntou após um breve silêncio, sem conseguir disfarçar a expressão de desconforto em seu rosto. Atsushi deu um meio-sorriso.
— Você me lembra um daqueles cães abandonados na rua, feridos e com medo — a comparação estranha surpreendeu Dazai, que levantou as sobrancelhas e encarou o mais jovem.
— Como chegou nessa conclusão tão ridícula? — Dazai perguntou, tentando soar irritado, mas saindo algo parecendo mais com uma reclamação de um filho para o pai.
Atsushi colocou uma mão no queixo, pensando.
— Hm, você está tremendo, seus olhos estão lacrimejando, tem uma ferida no seu pescoço, além de estar com uma cara miserável. — Atsushi apontou, tentando soar sério. Uma ferida? Dazai franziu as sobrancelhas, levando as mãos à região apontada por Atsushi, se encolhendo em constrangimento ao perceber que deveria ser um chupão.
Decidiu não contar isso ao garoto.
— Isso ainda não explica a parte que eu seja um cachorro — rebateu Dazai, irritado, mas tentando não ser maldoso. Atsushi parecia refletir, pensando.
— Bom, você tem cara daqueles cachorros que passaram a vida inteira na rua, magros, machucado, e que não confiam em ninguém.
Dazai apenas olhou para Atsushi profundamente indignado, mas ao mesmo tempo incapaz de achar uma boa desculpa para desmentir-lo. Seus ombros caíram, ele estava cansado demais para pensar em algo do tipo.
O rapaz mais jovem riu da situação, colocando a mão na frente do rosto para tentar abafar o som.
— O quê? — Dazai perguntou, mais irritado. Atsushi negou rapidamente com a cabeça, tentando conter a risada. Um arrepio percorreu o corpo do mais velho, como se de fato o frio tivesse o atingido agora. Ele fechou os olhos, esperando que o rapaz falasse.
Atsushi olhou Dazai por um instante, percebendo a forma como ele tentava esconder o mal-estar, notando a palidez em seu rosto.
— Você está com frio? — O mais jovem insistiu, tirando rapidamente a enorme jaqueta que estava usando, e a colocando sobre os ombros largos de Dazai. O maior olhou em volta, confuso, mas colocou a jaqueta com um aceno de cabeça.
Dazai colocou as mãos nos bolsos da jaqueta, agradecendo ao gesto com um breve sorriso. Ele queria poder dizer alguma coisa engraçada ou sarcástica, porém, sua cabeça parecia cada vez mais nublada, e sua língua pesava.
— Bom… Eu acho melhor eu ir agora — Atsushi murmurou, sabendo que seu pai logo sairia da loja, provavelmente demorara por estar conversando com o dono, mas fazia tanto tempo que ele não duvidava que ele aparecesse a qualquer momento.
Dazai concordou, balançando a cabeça levemente. Era o melhor para ambos, pensou, queria dizer algo, dar um abraço de agradecimento, mas suas ações eram lentas e pesadas.
Atsushi encarou Dazai uma última vez, ainda com expressão preocupada, então se despediu com um leve aceno, murmurando um adeus baixo. Ele pareceu hesitar por um instante, como se fosse dizer algo, mas mudou de ideia. Dazai permaneceu imóvel, assistindo enquanto Atsushi se afastava. Seus olhos voltaram a lacrimejar, e ele queria chorar. Ele levou sua mão aos bolsos de sua calça, ligando o celular que estivera desligado há algum tempo, esperou-o ligar em silêncio, quase ansioso, e assim que o fez encontrou inúmeras chamadas perdidas, primeiro de Oda, e depois, muitas outras de Chuuya e Fyodor.
Ele clicou no contato de Fyodor, começando a chamar, não levanto mais do que alguns segundos para que ele atendesse.
— Oi. Você pode vir me buscar? — murmurou, sua voz quase inaudível.
— Onde está? — Fyodor atendeu instantaneamente, parecia alarmado. Dazai engoliu com dificuldade, tentando ignorar a forma como seu estômago se contorcia no fundo de seu corpo.
— Não sei. Tem muitas lojas de instrumentos aqui, bares, pichações… — respondeu com voz rouca, tentando manter a calma. Não queria preocupar Fyodor, não quando o diria a verdade ao encontrá-lo, mas ao mesmo tempo, não conseguia esconder que algo estava errado.
— Tudo bem, eu sei a onde é — respondeu prontamente. — Mas preciso de um ponto de referência, de onde vai me esperar. — Osamu concordou em um murmúrio. E com o telefone na orelha, Dazai continuou a andar lentamente, tentando encontrar pontos de referência. — Você está bem? — perguntou Fyodor com a voz preocupada, tentando ouvir qualquer detalhe em volta de Dazai.
— Um parque em frente à um centro de ensino de música — ignorou a última pergunta, andando em direção ao parque.
— Já estou saindo — Fyodor disse, e Dazai conseguiu perceber o som das chaves em suas mãos batendo entre si, e a forma como seus passos pareciam ser desajeitados. — Fique aí.
— Tudo bem — respondeu por fim, desligando o celular, e se sentando no banco do parque.
Dazai permaneceu imóvel no banco, respirando fundo, tentando ignorar a forma como tremia incontrolavelmente, mesmo debaixo da jaqueta. O frio parecia ser capaz de penetrar através de toda a malha de roupas que usava. A mente dele estava tão nublada que quase sentia como se estivesse bêbado.
Suspirou profundamente, deitando a cabeça no encosto do banco.
Ele era tão fodido.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.