Sábado. Folga da minha mãe.
Eu estava no sofá, conversando com Eunbin pelo telefone, quando uma buzina soou do lado de fora. Fui correndo abrir a porta, mas minha mãe foi ainda mais rápida.
— Oi Chanyeol! — disse ela, toda sorridente. Apareci logo atrás, ansioso demais para esperá-lo entrar.
Pela primeira vez, reparei logo de cara na aparência de Chanyeol. Ele estava todo vestido de preto, contrastando com a pele clara. O cabelo estava bagunçado daquele jeito que eu adorava ver. Me segurei no lugar, a ponto de guardá-lo em meu bolso e sair correndo do mundo. Eu queria manter Chanyeol só pra mim.
— Oi, senhora Byun — disse Chanyeol se curvando. Ele me olhou com um sorriso, se curvando outra vez. — Oi, Baekhyun. Teve bons sonhos essa noite?
Abri um sorriso cínico.
— Engraçado. — Desviei da minha mãe e fui saindo pela porta. — Tchau mãe, até mais tarde.
— Não pede permissão mais não? — perguntou minha mãe. Chanyeol começou a me puxar pela entrada da casa até o portão. Dei de ombros e o segui em silêncio.
Chanyeol subiu na moto e me entregou o capacete. O olhar dele se encontrou com o meu, e percebi como ele estava tenso, quase tremendo no lugar. Era estranho.
— Chanyeol? — chamei, preocupado. Ele ligou a moto e desviou o olhar.
— Se quiser me abraçar bem forte, sua melhor chance é agora. — disse Chanyeol quando subi. Obedeci imediatamente, envolvendo a cintura dele com os braços. Ele encarou a rua. — Vamos lá. Tenho que te mostrar uma coisa.
><
Como se fosse novidade, paramos na frente de um prédio. Parecia vazio, mas haviam luzes acesas.
Desci da moto e permiti que Chanyeol me guiasse pela calçada. Ele não me levou para dentro do prédio, apenas contornamos seus arredores até a parte de trás.
Ali, Chanyeol pegou minha mão e me puxou para debaixo de uma árvore. Ficamos escondidos entre alguns arbustos e plantas. Ele apontou para o céu.
— Viu, lá em cima? — perguntou ele. Olhei ao redor, tentando encontrar o que ele apontava. Chanyeol praticamente virou meu rosto na direção certa.
— Ali.
No topo daquele prédio, vi um par de asas. Um pequeno clarão de luz se fez presente, e percebi que era Sooyoung. Ela estava mais uma vez atirando flechas. Procurei em meio as pessoas que passavam nas ruas ali perto para encontrar o alvo. Eu estava ficando bom naquele jogo de observação.
Encontrei um casal em especial com um comportamento estranho. Eles estavam andando juntos. A garota parecia brava, discutindo com o rapaz junto dela. No final, eles acabaram soltando as mãos com violência. A garota ficou para trás, uma expressão desolada no rosto, e o cara simplesmente saiu correndo. Vai saber o que estava passando pela cabeça de dos dois. Um segundo depois, uma flecha atingiu o peito da garota e desapareceu. Ela olhou em volta e saiu correndo também. Olhei outra vez para Sooyoung. Ela estava começando a bater asas, e voou para longe.
— O que aconteceu? — perguntei, apreensivo. Chanyeol estava com uma expressão sombria.
— Eles eram namorados. O cara acabou de ver a ex com outra pessoa. Sooyoung atirou uma flecha nele, fez ele ir atrás dela. A garota também foi atrás do ex dela. Eles tinham um relacionamento abusivo. Ela vai tentar voltar com ele.
— Como sabe disso? — perguntei. Os olhos de Chanyeol piscaram em branco.
— Eu vejo as marcas nas almas deles. Eles estão voltando para relacionamentos que jamais deram certo, nem darão. — Chanyeol balançou a cabeça. — A maldição está se intensificando.
Ele encarou o lugar onde Sooyoung estava antes, e então se afastou.
— Vamos embora.
Senti o frio assim que ele saiu dali. Mais uma vez, fitei o ponto de onde Sooyoung partiu, e a rua onde os amantes se separaram. Então virei as costas, e segui.
Afinal de contas, é isso que sabemos fazer de melhor. Viramos as costas para tudo. Ao ver algo diferente, que precisa de ação imediata, mas que foge de nosso controle ou conforto, viramos as costas e fugimos. Sequer seríamos humanos se não fizéssemos isso? É assim que corremos de todos os problemas, pulando de galho em galho até que um se quebre e nos leve ao chão. Somos macacos medrosos, cães frágeis, gatinhos indefesos, touros descuidados. Somos delicados o suficiente para quebrar, afiados o suficiente para cortar, frios o bastante para machucar. E, ao ver o mundo ruir, continuamos a rir e dançar como se tudo estivesse bem.
Não está tudo bem. Não consegue ver? Como pode continuar vivendo, vendo o mundo em chamas ao seu redor? Como pode continuar vivendo, se o mundo acabou?
Mas vivemos. Seguimos. Para sempre, até o dia em que tudo acaba.
><
As flechas que Chanyeol atirava estavam raivosas. Cada uma delas atingia a parede com uma força grande demais para ser pura prática. Chanyeol estava descontando seu ódio nas flechadas.
Eu sabia que ele estava com raiva de verdade, porque nem teve paciência para ir a algum terraço qualquer. Estávamos em um terreno abandonado perto da estrada, em um lugar afastado, com apenas algumas casas e nenhum carro. A moto estava estacionada perto do muro que era castigado uma flecha de cada vez. Chanyeol estava com as mangas da blusa arregaçadas até os cotovelos, e um olhar cortante. Eu deveria estar com medo daquele humor dele, que por sinal surgiu do nada durante o caminho, mas eu já estava acostumado demais com ele para me intimidar.
Ergui os olhos por um segundo, desviando a atenção da pedra que estava usando para afiar o canivete de Chanyeol, e olhei para ele. Era como olhar para um pássaro irritado, bicando as grades da gaiola enquanto a porta estava escancarada para que saísse.
— As flechas não tem culpa da sua raiva — comentei. Chanyeol parou o que fazia e me encarou. Olhei para ele. — Nem o muro.
— Não estou com raiva.
— Sei — resmunguei com um sorriso sarcástico.
Chanyeol jogou o arco no chão e abriu os braços.
— O que você quer que eu faça, então? Não posso fazer nada com essa situação, então me diga, qual é o plano? — Ignorei Chanyeol e continuei afiando a lâmina, tocando-a com o polegar para testar. — Hein? Diga, o que você quer?
Ergui os olhos. Eu estava prestes a atirar a faca nele.
— Quero que você pare de se fingir de sonso e vá de uma vez por todas acabar com a maldição. — Me desencostei dos pedaços de concreto onde estava apoiado e me aproximei. — Você sabe o que tem que fazer, sabe a profecia, tem tudo em mãos. Vai fazer alguma coisa.
— Acha que não estou trabalhando nisso?
— Acho, mas não vejo utilidade em trabalhar algo que poderia ser resolvido. — Revirei os olhos. — Você tem a faca numa mão e o queijo na outra, mas ao invés de cortar e comer está jogando o queijo fora e enfiando a faca dentro do próprio...
— Não posso fazer nada até superar meu medo — interrompeu Chanyeol.
— Olho. Você está enfiando a faca no olho e se fingindo de cego. Medo não existe de verdade, Chanyeol. É só uma historinha que seu cérebro conta pra te afastar de perigos, e da vida real. Medo é uma ilusão, é psicológico, não existe de verdade. Você só precisa decidir acabar com ele e pronto.
Chanyeol abaixou os braços, decepcionado.
— Você não entende, Baekhyun. Não entende o que é ter medo de verdade. — Ele balançou a cabeça. — Você deve ter algum tipo de problema.
— Problema? Eu não tenho problema nenhum, você é que tem. — Larguei a pedra no chão e fui me aproximando em passos irritados. Não conseguia conter minha raiva, nem abaixar o tom da voz. — Você fica se lamentando e fazendo birra sobre algo que pode simplesmente resolver. Guarda segredinhos como se estivéssemos em uma eterna festa do pijama do ensino fundamental. O problema está em uma de suas mãos, a solução está na outra, e você se recusa a resolver. Enquanto isso, pessoas sofrem.
Chanyeol ergueu as sobrancelhas, surpreso.
— É isso que você pensa de mim? Acha que estou aqui perdendo tempo porque quero, e não porque não consigo simplesmente largar meus medos? Nem todo mundo é louco como você, Baekhyun. Não consegue entender isso?
— Não, Chanyeol, o que eu não consigo entender é você — exclamei, batendo os pés com força. — O que custa parar por um segundo com esse seu drama super interessante e atirar uma maldita flecha em alguém? É isso que você precisa, perder o medo? Então atire logo. Não vai acontecer nada, você vai acertar o alvo. Deixa de ser covarde e faz isso de uma vez.
— Não sou covarde — respondeu ele. Estávamos praticamente gritando um com o outro. — Eu tenho uma parte humana. Não me culpe por sentir medo. Não posso fazer nada.
— Pode sim, mas parece que você não quer fazer nada. Então não fica aí todo arrepiado atirando flecha em muro, querendo resolver um problema sem ir atrás da resposta.
— Eu estou indo atrás da resposta, estou tentando, mas nem tudo funciona tão rápido, as coisas precisam de tempo para amadurecer.
Eu já não entendia nenhuma palavra daquela conversa dele. Chanyeol estava inventando coisas, criando causas e consequências que nem sequer existiam. E tudo por medo. Eu estava irritado com aquela situação, e Chanyeol não colaborava.
— Você está procurando a resposta? — perguntei, apontando o canivete para Chanyeol — Onde está procurando resposta? Nas flechas que atira em paredes de concreto?
— Eu estou procurando a resposta em você! — exclamou ele, tomando o canivete das minhas mãos. Só então percebi como estávamos próximos. Chanyeol estava quase gritando, algo extremamente raro. Ele era irritado, mas não explosivo. Eu estava tirando ele do sério. — Eu estou tentando encontrar a resposta em você, Baekhyun. Não sei como você faz, precisa me ensinar. Você é a resposta.
— Por que eu? Não tem nada acontecendo comigo, eu só estou aqui. — Passei as mãos pelo cabelo, inquieto. — Eu não sei o que dizer, não sei lidar com essa sua loucura. Resolve o problema, está tudo na sua mão, vamos simplesmente quebrar essa maldição e ir embora.
— Não funciona assim, não é tão simples e eu não posso apressar tudo desse jeito, não podemos correr na frente da profecia.
— Então só deixa de ser um medroso e atira a flecha! — gritei.
Foi ali que Chanyeol explodiu.
Ele jogou longe o canivete e veio na minha direção. Achei que fosse me deitar na pancada, mas ele se aproximou, segurou meus punhos com uma mão e me puxou com a outra. Ele me beijou com pressa, violência, com um calor que excedia todos os limites. A irritação subiu a temperatura dele, estava fervendo em cada canto. Deixei a sensação me envolver.
Eu ainda estava irritado. Puxei os cabelos na nuca de Chanyeol e prendi seu lábio entre os dentes, tentando causar dor a ele, tanta dor quanto ele estava me causando. Era só Chanyeol chegar perto que meu peito começava a apertar, meu estômago se revirava, tudo saía do lugar. Eu já não sabia mais lidar com aquele temperamento dele, as manias, a teimosia absurda. Descontei minha raiva na boca dele, beijando-o com tanta força quanto o impacto de suas flechas. Eu queria atravessá-lo tal como uma flechada, um corte limpo e efervescente. Chanyeol era precioso demais, inteligente demais para se deixar levar por um medo qualquer. Eu só queria que ele percebesse aquilo de uma vez por todas.
Meu corpo reagia a Chanyeol, indo de encontro a ele. Fui empurrado até sentir o concreto em contato com minhas costas outra vez. Chanyeol me prendeu no muro, as mãos subindo e descendo pela minha pele em traços de fogo. A boca dele parecia esquentar mais a cada movimento. Nada mais existia além daquele momento. Eu queria que durasse para sempre. Ao mesmo tempo, queria xingá-lo mais e mais, até que algum juízo chegasse à cabeça dele.
Não deixei Chanyeol se afastar. Assim que ele tentou escapar, puxei-o de volta pela gola da blusa e o beijei mais uma vez, só para sentir o gosto. Eu conseguia sentir nossas bocas se movendo em uma sincronia perfeita, as línguas se encontrando como se tivessem sido feitas para estarem juntas. Não existia nada mais perfeito, não tinha sensação mais maravilhosa que aquela.
Desci os lábios da boca de Chanyeol pelo pescoço, tentando desesperadamente manter o contato. Não queria nem imaginar o frio que seria se ele se afastasse. Mordi a pele macia, e recebi um som baixo em resposta. Chanyeol apoiou as mãos no muro, ainda mais próximo, limitando meu espaço. Ele parecia entregue daquele jeito, com os olhos fechados e os lábios entreabertos, buscando ar. Apesar disso, não me enganei. Chanyeol era mestre na arte de escapar quando a coisa ficava séria demais. Prendi o quadril dele junto ao meu com as mãos, os dedos enrolados no cós da calça jeans preta. Chanyeol estava próximo, mas nunca parecia ser o suficiente. Ele sempre estaria distante demais, mesmo que nossos corpos se fundissem em um só. O que eu queria era me misturar à essência dele, não queria deixá-lo ir.
De repente, Chanyeol subiu as mãos diretamente para meu rosto. Aproximou a boca da minha, mas não o suficiente para tocá-la, e me olhou nos olhos.
— O que você quer? — sussurrou ele. Balancei a cabeça, me livrando do aperto dele. Tentei beijá-lo outra vez, mas Chanyeol foi rápido em desviar e se afastar.
Fiquei encostado no muro, observando ele caminhar alguns passos para longe. O frio foi tomando conta de mim, lentamente, até eu estar congelando. Ergui os olhos para o céu, tentando entender aquilo tudo, tentando encontrar o equilíbrio necessário para ter coragem de me perguntar o que diabos estava fazendo comigo mesmo, o que estava sentindo, por que estava beijando Park Chanyeol? Estava tudo correndo para fora de meu controle, tudo rápido demais. Eu só queria parar e respirar. Queria Chanyeol ali comigo, queria a boca dele sobre a minha. Eu estava enlouquecendo, e nem tinha tempo para pensar sobre a razão
Chanyeol pegou o arco e o canivete do chão. Puxou da moto os dois capacetes e me estendeu um deles.
Olhei para ele com certo deboche.
— Não — disse. Chanyeol fechou os olhos e soltou um som parecido com um rosnado.
— Baekhyun, não me faça enfiar esse capacete na sua cabeça e te arrastar até sua casa — ameaçou ele. Puxei o capacete de suas mãos e joguei no chão.
— Não vou embora, não quero ir. Quero que você pare de fugir e atire as malditas flechas, quero que me conte a verdade, quero que venha até aqui e me beije outra vez. — Chanyeol abriu os olhos. Não tive medo daquele olhar, por mais intenso que fosse. — Vai, vamos ver se tem coragem de vir me beijar de novo, vamos ver se tem coragem de levar isso até o final. Quero ver até onde você vai, quero que pare de fugir.
Chanyeol balançou a cabeça silenciosamente. Foi quando percebi que não conseguiria tirar mais nada dele. O Park Chanyeol equilibrado e frio estava de volta. Não tinha mais como tirá-lo do sério naquele estado, era uma batalha perdida.
Ele me ofereceu o capacete outra vez, então eu aceitei.
Chanyeol me levou de volta para casa. A tarde estava prestes a se tornar noite, e o Sol começava a dar sinais de sono. Me apoiei nas costas de Chanyeol e fechei os olhos.
Na porta de casa, desci da moto e entreguei o capacete. Chanyeol nem sequer me olhou, apenas acelerou para longe. Talvez toda a pressão tenha sido demais. Apesar de ele precisar de eventuais choques de realidade, pressioná-lo tanto não era o mais indicado. Chanyeol não funcionava daquele jeito, e eu deveria saber. Comecei a me arrepender. Por baixo da raiva e do medo, o olhar dele carregava certa mágoa. Mágoa aquela que eu havia causado, chamando-o de medroso e tirando dele a pouca coragem que já tinha. E, apesar de ter tido todos os motivos plausíveis para me irritar, comecei a questionar a necessidade daquela briga. Poderia ter sido evitada.
Passei o resto do sábado me martirizando, refletindo e reclamando sobre minha burrice. No final, estava fazendo exatamente a mesma coisa que Chanyeol. Todas as respostas estavam na minha frente mas eu me recusava a ver.
Não éramos tão diferentes assim. Eu tinha uma mania idiota de ser insensível. Chanyeol tinha uma mania mais idiota ainda, de se fingir de estúpido. Talvez fôssemos perfeitos um para o outro. Falhos, irritados, e covardes. Éramos parecidos até demais. Dois idiotas.
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