A cama macia aprazerava sua pele e aconchegava seu corpo. O cheiro de naftalina inebriava suas narinas. Anthony sentia-se confortável dormindo no beliche de baixo, mas seu momento de repouso foi abruptamente interrompido pelas figuras de branco que surgiram no aposento. Encarou uma delas, as auxiliares de laboratório que estavam sempre com o mesmo padrão de vestes.
— Anthony Swank e Joshua Banks. — chamou uma das ajudantes. — Hora da revisão. — completou.
O castanho se levantou encarando o colega de quarto que estava de pé ao lado da cabeceira esquerda do beliche. Os fios claros, a pele alva branca, e os olhos que Anthony nunca sabia se eram verdes ou azuis estavam serenos. Joshua assentiu se apressando a juntar-se as figuras de branco, enquanto o outro se moveu com lentidão na direção da auxiliar da direita.
— Estende o braço. — ordenou fazendo Anthony acatá-la imediatamente.
Mirou uma pistola no pulso do rapaz fazendo-o sentir leves choques pelo corpo, mas que durara pouquíssimos segundos. Em seguida o mesmo fora feito com seu parceiro de quarto Joshua, e cautelosamente ambos foram guiados para o lado de fora, andando pelos corredores enquanto eram escoltados pelas mulheres de branco. A tensão era mútua. O castanho podia sentir o amigo Joshua tão tenso quanto si. Apesar daquele tipo de coisa ser frequente, nunca era simples.
Passaram por vários corredores longos e extensos até se encontrarem numa sala redonda que assemelhava-se a uma ala hospitalar. Foram levados com pouca delicadeza para dentro do aposento, sendo periodicamente separados. Cada auxilar levara um para seu assento específico grafado com seus próprios nomes.
— Sente-se. — ordenou, e sem contestar o rapaz o fez.
Acomodou-se no assento especial tendo ambos os braços estendidos. Visualizou a auxiliar que preparava uma seringa. Seria mais uma coleta de sangue e depois tudo ficaria bem. Foi o que Anthony pensou. Inspirou ar pelos pulmões logo expirando e soltando gás carbônico. Molhou a garganta com saliva ao ver a auxiliar se achegando com a seringa. Instantaneamente sentiu a agulha espetar sua veia enquanto seus olhos vagavam pela ala branca e absurdamente limpa que cheirava a éter. Suas íris castanhas pausaram exatamente nele, no homem maior de 1,83cm. Enrugou a testa quando seus olhos se encontraram. Darren se levantara da cadeira que antes usava, agora limpando o braço e sendo levado para o lado de fora do aposento. Não desgrudaram os olhos até o homem deixar o recinto.
— Concluído. — ditou a mulher de branco sinalizando para Anthony se levantar do assento.
Com lentidão o rapaz se ergueu sendo concomitantemente levado para o lado de fora. Logo o cheiro de éter se desfez fazendo o castanho girar os olhos pelos corredores á fora, visualizando a sombra do homem maior se afastando periodicamente. Seu coração batia forte. Molhou os lábios ao ser puxado pelo braço sendo levado de volta aos seus aposentos. Anthony sentiu agonia. Não esperava ver Darren na sala de revisão, não agora. De repente seu interior se agitou em ansiedade, precisava se apressar o quanto antes. Era necessário ser rápido e sorrateiro.
Em breve tanto Anthony quanto Joshua estavam de volta. Foram deixados pelas auxiliares que desapareceram ao terminar o serviço. Suspirou interno tentando se equilibrar emocionalmente, precisava ser forte, não podia fraquejar num momento como esses, tão decisivo.
— Sempre que tem revisão eu sinto fome. — Joshua comentou ao se sentar no beliche de cima, qual usava. — Parece que tirar sangue me deixa desnutrido, é estranha a sensação. — dizia casualmente, até que percebeu que o amigo estava distante. — Ei, Thony! Tá tudo bem? — questionou.
— Sim. — respondeu secamente retornando os pensamentos ao agora. — Em breve um dia tudo isso irá acabar. — comentou fazendo o outro franzir a testa.
— Acredita mesmo nisso?
— Sim. — confirmou em voz baixa. — Tudo tem seu tempo para acontecer. — ressaltou num tom deveras misterioso, cujo fizera Joshua rir bisonho.
— Você fala de um jeito que quase me convence... De certa forma chega a ser meio assustador. — disse estalando os dedos de ambas as mãos.
Anthony não respondera nada, apenas ficou em silêncio. Tocou no local que antes fora espetado pela seringa retirando o algodão sobre a superfície. Suspirou ao se lembrar dos olhos verdes na sala. Teria que agir rápido, ou tudo estaria perdido.
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Sua consciência foi retornando aos poucos, gradativamente, sem cessar. A sua frente havia um trio, dois rapazes sentados e uma garota que andava para lá e para cá, repetidas vezes. A medida que as imagens iam ganhando forma Anthony pôde constar que era Emma a sua frente, e que os outros rapazes se tratavam do Kevin e o oriental que certamente não deveria estar ali. Olhou em volta percebendo que estava dentro da gruta e que suas vestes estavam secas. Inclusive verificou o interior de suas roupas, rapidamente se dando conta de que a réplica do mapa não estava mais consigo tomando um súbito susto. Encarou o trio a sua frente procurando pelo mapa com desespero, até que o encontrara estendido em cima de um cristal.
— O quê... — sussurrou encarando o mapa há vários centímetros de distancia. Lhe assustou saber que haviam vasculhado suas roupas.
— Olha só, a bela adormecida acordou. — o oriental zombou riscando-o com seus olhos puxados.
— Sorte não ter perdido esse aqui. — Kevin disse apontando para o mapa no centro, ao meio de todos.
— O que aconteceu? — Anthony questionou sacudindo a cabeça de leve.
— Ah sério isso? — Emma replicou revirando os olhos num bufo. — Caímos no rio, o nevoeiro venenoso, hum? — disse arqueando as sobrancelhas. — Sério essas suas crises de amnésia estão me irritando profundamente. — completou ao cruzar os braços sentando-se num outro cristal rochoso da gruta.
— O mapa secou, acredito que em breve teremos uma pista boa de como passar pelo labirinto. — Kevin disse tentando ser otimista.
Anthony se ajeitou de onde estava analisando a situação, se recordando claramente do nevoeiro, das cenas no rio, e dos detalhes frescos do sonho que acabara de ter. O laboratório, as mulheres de branco, o quarto, o beliche e aquele rapaz magro de cabelos claros que de alguma forma lhe lembrava o Kevin. Molhou a garganta sentindo aflição. Coçou a nuca ao se recordar da silhueta masculina grande e robusta do homem maior de olhos verdes; Darren Codlerman. Sim, ele sabia de quem se tratava, e por algum motivo que Anthony ainda desconhecia o sentimento de culpa lhe envolveu. Encarou os três sentindo um nó se formar em sua garganta, logo jogando a pergunta seguinte ao grupo.
— Quem foi quê-
— Foi eu. — Emma respondeu de supetão. Todos os olhos pairaram nela. — Qual é? Não sou idiota. Eu sabia que Anthony iria conseguir o mapa. — afirmou com certa notoriedade. — Ele pode parecer tedioso as vezes, mas não é nenhum bocó. — completou.
— E o que ele tá fazendo aqui? — o das Rochas interrogou apontando a cabeça para o oriental intruso.
— Ora, ora, isso não foi muito amistoso. — respondeu com desdém. — Vocês precisam de mim, eu preciso de vocês. Uma troca justa. — falou encarando o mapa logo em seguida.
— Eu desmaiei. — afirmou olhando para todos a sua frente. — E o que acontece depois?
— Kevin está certo quando diz que nenhum sistema é perfeito. Na minha Comarca lidamos constantemente com todos os tipos de tecnologias. Elas são estudadas e integradas na maior parte das vezes, alimentando a sede da Cohab. — o oriental explicou com embasamento.
— Então você vem de lá, da Comarca das Ciências. — Anthony afirma entendendo a situação com clareza.
— Aprende rápido. — retrucou com um sorriso de canto. — Jihoon para você bonitão. — falou rapidamente voltando sua atenção para a réplica do mapa. — Estão vendo esses trajetos e percursos? Pode parecer confuso de primeira, mas o intuito de todo dédalo é de fato confundir. Precisamos achar o coração do labirinto, lá encontraremos o calcanhar de Aquiles.
— A falha do sistema. — Kevin completou.
— Exato. — Jihoon reafirmou.
Houve um súbito silêncio entre os quatro. Silêncio esse que fez Anthony questionar diversas coisas como o fato do rapaz da Comarca das Ciências saber de tais detalhes importantes. Coisas assim o fizera se recordar da própria Comarca, da sua antiga morada que hoje não havia sobrado sequer uma lembrança para constar. Anthony suspirou fechando os olhos simultaneamente, inflando os pulmões de ar. Em sequência encarou o rapaz de olhos puxados, indagando-o.
— Como é lá? Na sua Comarca... — perguntou com cautela. Além dele próprio, os outros pareceram igualmente interessados naquela questão.
— Grande, um local bastante abastecido. Digamos que nos dão certos privilégios pela RICV usufruir de nossas tecnologias. — respondeu com tranquilidade.
— Por isso que vocês são tão bons no manejo das armas. — Kevin acrescentou.
— Agradeço pelo elogio, mas na verdade a Comarca das Armas se sobressaí melhor nesse quesito. — refutou simultaneamente.
— Imagino que em ambas as Comarcas não deva existir tanta pobreza e fome. — Emma disse num tom deveras arisco. — Uma vez que a maldita Cohab tenha grande interesse pelo que elas produzem.
— Claro, mas sem a energia que vocês produzem eles não conseguiriam ir muito longe também. — o oriental retrucou no mesmo passe. Emma pensou em refutar, mas se calou. Dessa vez ficara sem uma boa resposta.
— Vocês devem ter uma boa garantia de vida por todo o tratamento especial. — Anthony se manifestou atraindo olhares para si. Talvez seu comentário tenha soado maldoso ou venenoso, mas não fora sua verdadeira intenção.
— Oh... — Jihoon o encarou iniciando sua fala. — Creio que o tratamento especial dessa vez se deva a você, garoto das Rochas. — respondeu projetando um sorriso de canto.
— Do que está falando? — interpelou desentendido.
— É o único da Comarca das Rochas na BWCD-47. Curioso, não? — Jihoon retrucou.
Anthony não entendeu o que o rapaz das Ciências quisera dizer com aquilo, mas uma ligeira pontada em seu âmago o deixou tonto e incomodado. O que afinal de contas deveria significar ser o único de uma Comarca em tal zona de teste?
— Talvez sejas o único em todas as zonas de teste, o que te torna no mínimo uma rara exceção. — continuou a falar.
— E como pode saber disso? — Anthony retrucou com certa amargura.
— Num é óbvio? — Jihoon riu torto. — De qualquer forma, todos sabemos que as Comarcas mais afetadas pelo vírus TDC foram a das Rochas, Horta, e Gado. — completou ao final.
Anthony sabia disso; o rapaz tinha pela ciência de que sua Comarca fora devastada brutalmente pelo vírus, e que lá existia muita pobreza. Mas ainda não sabia qual conexão aquilo haveria de ter com o fato de ser o único das Rochas nessa zona de teste. Agoniado ficou, desamparado... O castanho só desejou que tal tortura e flagelo desaparecesse de sua mente conturbada. Sequentemente aquela já conhecida voz mecânica surgiu despertando a atenção de todos, anunciando uma nova mensagem.
— Atenção para a contagem progressiva de eliminados. — advertiu mecanicamente, continuando. — Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze, quatorze, quinze, dezesseis, dezessete, dezoito, dezenove, vinte, vinte e um. — concluiu fazendo uma curta pausa ao final, brevemente retornando a fala. — Bem-vindos ao segundo estágio da BWCD-47. No fundo do rio fora disponibilizado itens separadamente, cada qual correspondendo ao número de usuário dos demais participantes. Deverão buscar o item correspondente grafado com os números designados. Tais peças servirão de auxílio no labirinto. Não será válido pegar o item que não for correspondente ao seu. Todos terão aproximadamente meia hora para realizar a tarefa com o auxílio da fruta anapnéo. Boa sorte!
Então a voz mecânica se dissipou fazendo Anthony levar a destra ao canto inferior esquerdo do abdômen, tocando superficialmente na região onde havia sua marcação grafada com um treze. Segundo os parâmetros deveria buscar o item correspondente ao seu e nada mais além disso. Conhecia a fruta anapnéo, apesar de nunca tê-la usado já ouvira sobre; uma fruta geneticamente modificada capaz de ativar e prolongar a capacidade respiratória de baixo d’água. Na Comarca da Pesca sendo frequentemente usada por pescadores em seu ofício, bastante útil por sinal. Suspirou encarando os outros a sua volta; todos estavam tensos por conta do próximo estágio.
— Estamos em onze agora. — Kevin frisou aos demais.
— Esse número ainda será reduzido, pode apostar. — Jihoon ressaltou com convicção.
Apesar de curioso pelo que haveria a sua espera debaixo do rio, Anthony também estava tenso. Estava se aproximando do labirinto. Mais um pouco chegaria no coração, no calcanhar de Aquiles como dissera Jihoon. Sentia que precisava de qualquer forma terminar está missão, por si mesmo e pelas lembranças que residiam dentro de si. A qualquer momento todas essas memórias tomariam forma e seriam ativadas. Anthony estaria preparado pelo último suspiro. Suspiro esse que daria somente quando saísse dessa prisão qual foi colocado, essa fora sua promessa pessoal.
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