Shizumi era sua estrela, era seu pedido, e neste Natal, ela brilhava como sua estrela, uma que brilhava intensa e fortemente a luz-do-dia, era seu maior e melhor presente que poderia ter.
Tanaka sabia que havia tirado a maior sorte quando se casou com a garota, nem tentava jogar loterias, pois sabia que perderia.
Seus olhos brilhavam com o reflexo de Kyoko colocando cada bolinha de natal na árvore, que ainda usava aquele velho par de óculos desde o ensino médio, moldados em seu corte que agora passava do ombro. Ela estava em um suéter verde com uma rena em relevo nela, parecia um pijama tão quente e confortável que Tanaka não podia evitar se enrolar em seu abraço quando tinha uma oportunidade.
— Ryu, sabe que não vou conseguir terminar isto a tempo. Preciso muito das minhas duas mãos!
— Você tem a mim, tenho duas mãos.
— E não usa nenhuma. Por favor. Se não vai ajudar, não atrapalhe.
Ele apenas riu, sentando ao lado da esposa enquanto depositava um beijo ao topo da cabeça e pegava alguns enfeites, sem saber o que fazer e os colocando em qualquer lugar que seus olhos tocavam. Os mesmos que, logo após, Kyoko só podia retirar e realocá-los em lugares mais harmônicos.
Uma árvore verde com pontos brancos que simulavam neves e enfeites dourados vinham em forma de pequenos embrulhos, miniaturas de papais-noéis, renas pequenas com seus narizes vermelhos e bolinhas reflexivas que brilhavam conforme rodavam nas unhas longas da mulher que sorria, alegre em seu serviço.
Como podia Ryunosuke não amar a mulher que, agora, carregava seu sobrenome? Que levava seu coração em si, que tinha seu destino em mãos?
— O que você quer de Natal? — A pergunta foi um simples sussurrar. Faltavam pouco mais de uma semana e não havia pensado nisso. Ele se virou, com as sobrancelhas unidas em uma expressão dramática.
— Não comprou meu presente? Eu comprei o seu, deveria devolver? Ainda dá tempo, sabe…
— Não foi o que eu quis dizer… Coisas irreais, sabe? Não materiais, podem até ser físicas, mas, eu não sei, sonhos? Como… como uma família, por exemplo.
— Você é minha família, não é? Por que eu pediria mais?
— Oh… sim, eu iria querer um sundae de morango com amendoim em cima.
— É inverno! Como você iria tomar sorvete no inverno?
— Tanaka Ryunosuke, você é lerdo, eu não sei mais o que falar para você.
— Tanaka Kyoko, você deveria falar com mais clareza se sabe que sou burro.
— Grávida, eu estou grávida, Ryu. Eu vou ter um bebê seu.
— Hahaha, é uma piada, certo? Não entendi muito bem, mas… Não… É sério? Eu vou ter uma criança? Nós vamos ter?
[...]
Havia tantas coisas para se fazer. Desde a pintura do quarto, exames médicos, berço, roupas e até uma bolsa pronta para a maternidade. Eram coisas que só usaria daqui a uns três meses.
Tanaka realmente não se importava se era hoje ou daqui meses, ele só poderia estar empolgado. Um fruto do amor da infância que tinha por Kyoko Shizumi, amor pela sua amiga e, agora, esposa.
Os dias passavam e a neve caía em flocos, amontoado na frente da porta. Eram tempos difíceis onde todo cuidado era pouco.
A barriga de seis meses não era tão visível, mas ainda era o motivo do orgulho de Tanaka, que passava noites deitado no colo de Shizumi, contando sobre a época das façanhas do vôlei enquanto sentia falta dos antigos colegas.
Pensando nisso, a própria bolou um plano que envolvia os que ainda estavam no Japão e, ainda mais, os que estariam livres no Natal. Ela queria dar um presente de suma importância para Ryunosuke, pegando-o desprevenido, não que fosse algo muito difícil, visto que ele era fácil de enrolar. Tudo o que ela precisava fazer era dizer que tinha uma consulta perto da quadra central de Miyagi e usar o evento como um pretexto… Então, após avisar sobre a consulta e ver seu marido acreditar tão facilmente, ambos foram em direção à grande surpresa de Natal.
Os chutes da criança em seu ventre pareciam conversar com a alegria interna que ela passava, pois rever as pessoas que cresceu junto, amigos e família era algo que mexia com seu coração. Cada um seguiu vastos caminhos que poderiam ser ditos como muito bem frutíferos. O orgulho de ter sido rodeada de pessoas incríveis queimava em seu peito, queria dividir a novidade com todos eles o mais rápido possível!
Com tudo, o que passou em frente aos seus olhos foi sua vida. Aconteceu tudo muito rápido, em minutos. Havia muito gelo na estrada e os pneus não se sustentaram quando o carro derrapou, levando-os a encontrarem o lado oposto da rodovia.
O escuro tomou conta de seus olhos e a chamou como quem ninava uma criança.
Quando os olhos de Kyoko se abriram, o barulho a incomodou, ela estava preocupada demais com seu bebê. Onde estava seu marido para fazê-los pararem, e seu corpo, por que doía tanto? Qual motivo era de parecer que tudo rodava quando ela se segurava firmemente no ferro que a cama tinha?
Os olhos focaram na luz branca acima de si.
— Doutor, paciente está consciente! Quarto 302, ela parece tonta, devemos fazer uma tomografia para ver se não teve algum dano cerebral na batida. — Uma voz desconhecida a fez levantar, mãos a seguraram à força até que ela não pudesse se mexer mais. O breu a dominou novamente.
Quando seu corpo finalmente se movimentou, uma mão segurou a sua em acalanto.
— Hey, calma, sou eu, Ryu! Preciso que você se acalme e que não faça nenhum movimento brusco. Precisamos conversar. — Sua voz trazia uma paz falsa que a deixou desconfortável, era algo que não sabia explicar quando olhava o marido do dia a dia, ele era alguém extremamente energético e agora parecia ter olheiras profundas. Quanto tempo havia dormido? Ela notou que o marido estava com um pijama hospitalar, notando estar com um igualmente no próprio corpo. Ele segurava um suporte de soro que estava cravado em uma agulha em sua veia, parecia com tanto sono que cairia ali mesmo.
— Ryu! O que aconteceu? O que aconteceu com você? Que lugar é esse?
Por mais que ela soubesse a resposta para a maioria das coisas, não soube assimilar o que havia acontecido. Só recebeu um suspiro longo, Tanaka tinha as sobrancelhas franzidas e os olhos inundados como uma enchente que chegou em uma vila pequena e se devastou.
— Não quero seu perdão, é minha culpa. Eu estava tão ansioso que não tomei cuidado. Eu… Eu deveria cuidar de vocês dois e agora…
Ignorância era uma benção, fingir que não entendia as palavras era o que mais queria fazer, mas o chute que esperou nunca veio de seu ventre, apenas o vazio e a solidão do corpo, que tinha um coração pulsante, porém não uma alma vívida, não agora, não mais.
[...]
Os dias passaram conforme uma música, uma melodia melancólica, que se arrastava junto às estações do ano, e agora era outono novamente. Depois do dia que sofreram o acidente, ambos se afastaram dos afazeres por um tempo, levando mais tempo para se normalizar do que imaginaram. O quarto incompleto permaneceu assim, ninguém teve coragem de desmontá-lo. Uma parte por lembranças dos dias coloridos e outra pela vaga esperança de que um dia ele seja usado. Mesmo que o médico tenha lhe falado que eram mínimas.
Era Halloween, eles não deixaram de comprar doces e colocá-los dentro de uma vasilha perto de lanternas de abóboras na porta, algumas teias e aranhas de plástico desciam pela maçaneta.
Saeko havia passado mais cedo para enfeitar a casa, querendo que ao menos isso fosse uma alegria a eles, um dia não os mataria em viver, não que eles tivessem disposição, mas não sabiam negar nada a ela com aquela alegria que a família de Ryu levava.
Mesmo abatida, Shizumi retirava os doces do forno. Eles eram brilhantes com suas coberturas de clara em ovos, fios de marshmallow desenhavam fantasmas na superfície com rostos em botões de chocolate. Ela sorriu para sua obra-prima, eles eram meio tortos pelo calor que os derreteu demais, não era um problema, ainda pareciam deliciosos. O cheiro chamou a atenção dos outros dois que faziam a decoração interna.
— O que era pra ser? Sério, parece um poodle — o primeiro a “elogiar” foi Tanaka, que ria enquanto colocava a cabeça em seu ombro.
— Pare de incomodar minha cunhada, Ryu! Lógico que são teias de aranhas. O pontinho preto é definitivamente uma aranha! Olha!
— Oh, talvez você tenha razão, parece que estão fugindo do forno! Você é mesmo um gênio, querida! — Mesmo sabendo que era apenas provocações, deixou ser beijada e não os retrucou. rte vai além do que se pode ver, é o que se pode imaginar. Porém, não poderia dizer que eram realmente bonitos, mas pareciam deliciosos.
Cada um pegou um, o som da crocância fez com que Shizumi parasse de mastigar. Um gosto azedo invadiu seus lábios e ela cuspiu no lixo, lavando os lábios ali mesmo na pia da cozinha, sentindo a boca salivar pela ânsia.
— Hey, calma, você ‘tá bem?
— Sério, pare de fingir que essa coisa está boa, eu quase morri com isso, vamos jogar fora…
— Não, calma, do que você está falando? — Cautela genuína era o que Tanaka tinha sobre a garota, tudo poderia ser pelo trauma, então ele a deixou falar, respirar e se situar. — Tá bom pra caralho! Eu te juro, não mentiria mesmo se fosse a sua comida. Olha a Saeko comendo tudo, ela comeria se fosse ruim?
— Eu… não sei… Para não fazer desfeita? Eu senti gosto de azedo e minha bile voltar. Tem certeza que não foi a bolacha? Será que comi algo ruim? Ando meio zonza há algum tempo.
O silêncio pairou com tanto torpor. Ninguém queria falar, ninguém queria sofrer, ninguém queria se agarrar, mas já estavam na esperança.
— Quanto tempo? — Saeko não terminou a frase, “Há quanto tempo foi sua menstruação?”
— Não sei, vem pouco desde o acidente.
— E prevenção? Qual vocês usam? — E uma negação dupla em resposta. Um segundo depois, em desespero, a mais velha estava com o celular em mãos, marcando um exame completo. Nada de esperanças, nada de se apegar a felicidade pequena que vinha do fundo das entranhas. Não suportaria ver o irmão cair na depressão dos últimos três anos que se foram. Não queria o ver com os olhos-vermelhos, culpando-se, não queria vê-lo desperdiçar a família e se afastar da mulher que ama desde a infância, não queria ver a pequena garota, que parecia uma flor de lótus, quebrar como uma pétala congelada em meio a neve que lhe tirou tudo o que tinha.
[...]
O médico estava olhando para três pessoas em um pequeno consultório e ele não poderia entender o que esse papel significava para a vida deles.
— Vou te encaminhar para o ultrassom. Seu beta HCG me diz positivo.
— E o que é isso? É grave? — A voz do bendito fruto entre as mulheres era tremida, o doutor sabia que era um medo enrolado à esperança graciosa, pessoas mentiam, seus olhos jamais, aquele brilho que levava os olhos castanhos.
— Parabéns, senhora Tanaka, eu devo dizer que está grávida! Não posso te dizer com exatidão o tempo, por isso vou lhe passar para obstetra! Assim, qualquer dúvida que tiver, você pode tirar por lá.
Anos atrás, nesta mesma época, estava sofrendo o luto que achou jamais sair, o limbo que a sufocou era imenso e a atolou. Amigos tentavam a tirar de casa e sempre era a mesma desculpa: “Não posso” ou um simples “Acho que não vai rolar”. Sempre se isolando do mundo, renegando a um Deus que poderia ou não existir. Um universo que conspirou contra a felicidade de sua família e, agora os mesmos que amaldiçoou, hoje agradecia.
Desta vez, era seguir à risca toda e qualquer coisa dita em consultas. Nada de esforços físicos, alimentação boa em dia, descanso. Não era algo difícil de se cumprir, era apenas tedioso.
A barriga não demorou a apontar, menor do que esperava. Era provavelmente uma criança pequena, menor do que o esperado. Shizumi involuntariamente costumava comparar o tamanho do bebê ao do que se foi, da criança que seria seu irmão mais velho, ele seria parecido com Ryunosuke ou mais consigo? O sorriso brotou em seus lábios como jamais havia estado antes. Agora poderia saber, queria a energia do pai na criança.
[...]
— Vamos, você demora mil anos para se arrumar, Ryu, qual o seu problema? Você nem tem cabelo!
Ela recebeu um olhar que continha mágoa falsa com aquele bico em seus lábios e esfregou a protuberância elevada em seu ventre. A barriga realmente não parecia de alguém que estava para completar 9 meses. As luzes de Natal piscando refletiam o rosto do marido, o sorriso que ele tinha era tão magnífico, era algo que jamais cansaria de ver. Ficando na ponta dos pés, ela plantou um beijo em seus lábios e se afastou, arrumando a armação da ponta do nariz.
— Preciso ficar pronto. Não é só ano-novo, pode ser o nascimento do nosso filho! Como ele vai me reconhecer se eu não estiver apresentável?
— Ele vai te amar de qualquer forma. Venha, vamos jantar… — O som engasgou na garganta da mulher, que segurou a barriga e soltou um "uh" em resposta quando viu o líquido inundar o chão. — Ryu… a bolsa, ela estourou!
Depois do acidente, Tanaka não pegava no volante, foi por isso que o menos arriscado era pegar um carro de aplicativo para o hospital, que, por sorte, era poucos quilômetros de casa, embora o tráfego fosse um desastre na noite da virada.
Ele tentava distraí-la sempre que ela gritava palavras desconexas enquanto gotas de suor caiam por seu rosto… Ele estava vindo, ele pensou, sabia disso. Seu peito estava brilhante, cheio de vida quando pensou em ter uma família novamente, mesmo com altos e baixos, permaneceram firmes e, acima de tudo, juntos.
Já fazia horas desde a entrada de Kyoko na sala de parto. Tanaka quis estar com ela, mas no menor sinal de sangue, ele teve um leve apagão, sendo forçado a esperar do lado de fora. No ano-novo era complicado as coisas na maternidade, muitas idas e vindas de enfermeiras, médicos com prontuários e muita gente correndo.
Não sabia o que estava acontecendo, não ganhava nenhuma notícia, não escutava sons até que alguém parou em sua frente. Trajado de azul-claro com máscara, luvas e touca, ele segurou ambas as mãos em frente ao corpo.
— Senhor Tanaka Ryunosuke, eu imagino? Poderia me seguir? — O enfermeiro não esboçava sentimento algum. Será que era um robô? Espantou a imagem de fios saindo por baixo do macacão cirúrgico que usava, e então ele viu, através do vidro, deitado dentro da incubadora, grandes olhos castanhos mirando ele, pareciam refletir luzes, não, o mundo todo neles, cristalinos como mel contra a luz. Mãos enluvadas para não se arranhar. Uma lágrima solitária escapou quando ele sorriu para a pequena figura.
Passos apressados tomaram conta de sua audição, já que o lugar se encontrava mais silencioso que a sala de espera.
— Senhor Tanaka, eu sou o doutor Miyamura, preciso falar sobre sua esposa…
Não, ele não deveria estar com esse rosto. Não deveria falar nada. Não deveria estar aqui.
Ele sabia. Ele, mais que ninguém. Virou o rosto para a criança que ainda o olhava, agora parecia atravessar sua alma despedaçada.
— Bem-vindo! Parece que somos apenas nós, Tanaka Keiji. Garanto que esse nome soa bem a você, que vai seguir em frente e ser corajoso e forte…
A frase morreu em seus lábios quando os fogos soavam ao fundo, meia-noite
e pessoas comemoravam o ano-novo na rua. Ele ainda encarava a criança. Eram apenas eles e mais ninguém no mundo.
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