A mulher entrou dentro de casa respirando fundo e extremamente cansada. Passou a noite fora e sua maquiagem borrada e rosto inchado não negava que nem havia dormido.
Ela entrou pela porta dos fundos, então havia entrado direto pela cozinha, onde ela caminhou até à geladeira e tirou uma garrafa com água gelada, pegando uma tijela rasa e despejando toda a água ali, afundando o rosto na mesma, sentindo o frescor da água.
-Noite longa? - ela escuta Maria perguntar, sua parceira de muito tempo, uns sete anos especificamente. A confiança entre ambas foi mútua, logo estavam morando juntas e era assim até hoje.
-Muito longa. - A mulher respirou fundo enquanto falava e passava a mão pelo rosto, borrando a maquiagem. Se virou e olhou para a mexicana, observando ela guardando algo em uma lancheira.
-Quer que eu leve vocês a escola? - Pegou a jarra a enchendo novamente e colocando dentro da geladeira, saindo de cima do salto e em seguida e os pegando na mão, sentindo o solo do pé doer sobre o chão, a fazendo soltar um baixo gemido de alívio e dor.
-Não, eu estou bem. - Fechou o zíper da lancheira de unicórnio, a colocando sobre a mesa. - Acho que você deveria parar de se preocupar tanto comigo e com ela e se preocupar mais com você. - A mulher olhou para a loira enquanto cruzava os braços.
Vera revirou os olhos e passou por ela, começando a sair da cozinha.
-Já conversamos sobre isso, Maria! - Continuou andando e a mexicana foi a acompanhando. - E Hannah? Como ela está? - Entrou no próprio quarto e se jogou na cama, fechando os olhos e sentindo seus músculos relaxarem de forma breve.
-Está calçando o tênis agora, e com saudades da mãe dela, com certeza ela vai aparecer aqui em..
-Mamãe. - A menina entrou no quarto já com a mochila que também era de unicórnio e devidamente uniformizada para a escola.
-Oi gatinha. - A mulher se sentou e abriu os braços para a menina de seis anos, que logo se aproximou e abraçou a mãe com força e um sorriso contido.
Hannah era uma menina amável, mas havia puxado toda a personalidade da mãe. Contida e discreta, como Vera havia a ensinado.
Vera preferia que a menina fosse daquela forma, afinal, foi a mesma que havia a ensinado a ela ser daquele jeito. As únicas de confiança para a criança, era a mãe e a Maria, que a menina conhecia desde quando se entendia por gente.
-Mamãe, a onde dormiu? - A menina a olhou curiosa, inclinando a cabeça levemente para o lado. Outra característica predominante da menina era aquilo, a curiosidade sem fim, o que dificultava nas respostas que Vera inventava. Ela não poderia contar a menina que não dormiu em casa porque estava atendendo clientes tarados em uma boate. Bom. Ela considerava aquilo melhor que o seu emprego passado.
-Eu tive que resolver umas coisas do trabalho. - Acariciou os fios loiros da filha.
-E que coisas você teve que resolver? - Olhava nos olhos da mãe, esperando que ela respondesse todas suas dúvidas sobre do porque ela não havia dormido em casa, como havia feito outras vezes e Hannah perguntou todas as anteriores e perguntaria todas as próximas.
-Quando você chegar da escola a gente conversa, tudo bem? Agora vá, ou então irá se atrasar! - Olhou para a Maria, fazendo um aceno de cabeça, para que levasse a criança.
-Vamos cariño, tu mamá necesita dormir. - Ela pegou na mão da jovem e ambas acenaram para à mulher se despedindo e logo saíram de casa.
Vera respirou aliviada e levantou, caminhando até o banheiro e ligando a torneira da banheira em uma água bem quente. Tudo o que ela queria, era banhar e dormir.
Enquanto a banheira enchia, ela caminhou até o espelho e começou a desfazer o penteado que ela usava. Era um coque elegante. Que já não estava mais tão elegante assim, visando que estava extremamente rebelde.
Tirou os grampos um a um e desfez qualquer nó que aparecesse no meio do caminho. Após isso caminhou de volta para o quarto, porém parou no meio do caminho quando um homem a agarrou por trás tampando sua boca e colocando uma arma perto do seu maxilar. Quando ela pensou em fazer alguma coisa, ela observou outro homem no canto do quarto, em pé e os observando sério.
-Calma, eu vou falar e você vai ouvir. Beleza? - Ele começou a caminhar lentamente com ela em direção da cama, ainda estando atrás do seu corpo. - e só para deixar claro: nossos chefes sabe a onde você mora, onde a Hannah estuda, o endereço da professora dela, Srta. kennedy, a rotina da sua empregada e seu horário de atendente no bar. Entendeu?
A mulher apenas acenou positivamente, se sentindo nervosa com a situação. Porém Vera sabia lidar bem com os seus sentimentos, aprendeu isso quando era do mundo do crime.
-Ótimo. Sente-se - O homem prosseguiu falando e ela obedeceu, olhando para o outro homem antes de se sentar, observando ele colocar a arma na cintura quando teve a visão melhor do cara. - A uns dias atrás dormiu com um homem, não é mesmo? George Baudelaire. Da próxima vez, precisamos de um favor. Pratique sadomasoquismo com ele. - O outro homem que até agora não havia dito nada, jogou duas algemas sobre a cama, chamando a atenção da mulher. - Algeme-o e cuidaremos de tudo. Só queremos conversar com ele. O que você acha?
-Diga a melhor parte. - Ela enfim escutou a voz do outro homem que por um momento, ela pensou que fosse mudo.
-A melhor parte é que você sai livre. Assim como sua filha, a professora e sua empregada. Faça isso para nós e sairá viva. Caso contrário, bem… Sabemos onde encontrar você, certo? - A mulher ficou quieta, sem responder o homem e apenas o encarando. - Preciso te dar umas porradas para eu saber se entendeu o que eu disse?
Ela fez uma feição nada amedrontada e negou, sem o responder ainda.
-Preciso arrastar sua empregada para cá e da umas porradas nela então? - ele aproximou o rosto do dela com uma cara debochada e um sorriso presunçoso. - e então? Não tem nada a dizer?
-A Maria não é minha empregada. - Ela falou simples, dando de ombros.
•••
A mulher entrou no grande hotel de forma elegante, com um salto agulha e um sobretudo cinza escuro cobrindo seu belo corpo. Seus cabelos loiros e ondulados soltos em cascatas e uma maquiagem leve, mas marcante.
Entrou no elevador e apertou o botão da cobertura, esperando paciente até que chegasse ao andar.
Logo saiu da lata com as algemas em mãos e as enfiou no bolso do sobretudo. Logo um capanga de George abriu a porta da cobertura e ela entrou por ali, caminhando pela sala e seguindo até a porta da suíte, onde tinha um outro subordinado do homem em pé.
-Só você pode melhorar o humor dele. - Falou enquanto caminhava com a mulher até a porta.
-O que foi dessa vez? A esposa dele? - ambos pararam em frente da porta.
-E o que mais seria? - Ele abriu a porta para a mulher e ela entrou, já vendo o homem sentado na poltrona no canto do quarto. Ela seguiu direto para a bancada onde tinha uma bandeja com bebidas e colocou um copo de uísque, temperando com duas pedras de gelo.
-É incrível como advinha minha mente. - O homem falou com um sorriso malicioso no rosto, vendo ela se aproximar com os dois copos na mão e entregando um a ele.
-Algo de interessante? - ela perguntou com um sorriso e colocou seu copo sobre a cômoda, tirando o sobretudo e mostrando seu belo corpo com um conjunto preto colado ao corpo, uma saia longa e uma blusa. Ela logo sentou sobre a cômoda e cruzou as pernas, olhando para o homem na poltrona a sua frente.
-Estou pensando no meu amigo. - Ele começou. - Romulo McCabe. Ele é guia turístico em Flórida Keys. Você é de lá, não é?
-Gainesville!
-É mesmo, esqueci! Alguns meses atrás, o Romulo estava dirigindo para Miami e ficou preso no trânsito. Algum acidente, sei lá. A estrada estava congestionada. Ele estava na rampa e levou uma pancada de um Ford Pantera 1971 vermelho-cereja. Você conhece o Pantera?
-Não quero parecer ignorante, mas não. - Falou não muito curiosa, mas demonstrando estar.
-Nossa, estou surpreso. Pela sua profissão, pensei que tivesse roubado alguns.
-Antiga profissão. - Ela fez questão de corrigir o mais velho.
-Antiga. Sim. - Soltou uma breve risada. - O pantera foi exportado para os EUA pelo grande fabricante italiano de automóveis de Tomaso. Mas enfim, o Romulo sofreu a batida e desceu do carro. O dono do Pantera estava transtornado. Não conseguia acreditar. Eles inspecionaram os dois carros e perceberam que não havia absolutamente, decididamente, nenhum dano visível. Quero dizer, nada. Nem mesmo um arranhão. Mas aí a esposa do cara do Pantera saiu do carro e disse: “Esperem. Ninguém se mexe até a polícia chegar”.
-Mesmo eles sendo os culpados. - Observou.
-Pois é! Então eles ficaram esperando por 1h30. Finalmente o policial chegou e eles explicaram. O policial deu uma olhada no Pantera e disse: “Estão brincando? Não vou reportar isso. É bobagem. Sugiro que entrem nos carros e vão para casa.”
Enquanto ambos conversavam e o homem relatava a história sobre o acidente do seu tal amigo, os capangas de mais cedo chegavam na cobertura.
-Ontem o agente de seguros do Romulo ligou e disse: “Lembra aquele cara da batida?” Então eu disse: “Lembro”. Então ele continuou: “Dez minutos depois que ele chegou em casa, ele morreu de hemorragia cerebral.”
-Não acredito. - A mulher falou com um sorriso em choque.
-Era um problema pré-existente, uma coincidência bizarra sem qualquer ligação. Mas isso significa que o cara, graças à queria esposa, passou os últimos minutos de vida dele esperando a polícia por causa de um acidente banal. - Ele se levantou e foi até a cama, se deitando. - É lindo, não é?
-Eu poderia colocar isso em você. - Ela se levantou mostrando a algema em sua mão delicada. - Tirar esses problemas da sua cabeça. - ela se deitou de forma lateral na cama.
No Corredor
Quando os dois homens estavam entrando na cobertura, eles não contavam com o filho de George bem atrás deles, e de alguma forma impediu eles de entrar na cobertura do homem.
-Pai? - O homem bateu na porta do quarto do pai, se identificando para ele. - A barra está limpa.
-Entre. - O filho do homem entrou no quarto e parou na entrada do cômodo. - Nós os pegamos!
-Os dois?
-Os dois!
-Mortos?
-Mortos!
-Bom, já que já ajudei vocês a pegarem os palhacinhos, estou indo embora. Não preciso dos detalhes. - A loira se levantou e colocou o sobretudo novamente, agora a barra estava limpa e ela poderia ir embora sem estar preocupada com a segurança da filha e de Maria.
Diferente do que todos pensavam, ou do que você pensava! Ela não obedecia dois homens amadores que achavam que sabia o que estava fazendo. George era poderoso o suficiente para dar conta de dois merdas e ela não precisaria perder seu tempo obedecendo dois patetas.
-Como vai Dazy? - Chamou pelo apelido que a mulher era conhecida por todos, ninguém sabia seu verdadeiro nome, além de Maria, sua filha e uma outra pessoa.
-Nada mal, Júnior. - Sorriu para o homem que era a cópia do pai, só que uma versão bem mais nova e burra. - Bom, estou de saída. Sei que precisam ficar a sós. - Começou a caminhar em direção da saída.
-Ei… Espere. - George a chamou e fez um leve esforço para se levantar da cama, enquanto a mulher voltava a se aproximar dele. Pegou na mão dela e continuou. - O que você fez essa noite foi muito mais do que o esperado. Não vou esquecer isso.
-Não há de que. - Ela sorriu fraco, sabia qual era o melhor lado de jogar e não era burra para não revelar ao George.
-Aqui. - ele tirou uma nota alta de dentro do paletó dele. - Para Hannah, compre uma roupa bonita para ela.
-Imagina, não precisa disso George! - Ela foi sincera em suas palavras.
-É apenas um presente para sua filha! Por favor, aceite isso como forma de agradecimento.
Ela pegou o dinheiro sem responder mais nada e se virou, voltando a andar e saindo da cobertura, descendo novamente para o hall do prédio e poder enfim ir embora.
-Dazy? - Ela se virou confusa com o chamado, mas logo deu um sorriso ao reconhecer quem era. - Oh meu Deus.. Dazy Walski!
O homem a olhava com um brilho nos olhos, ele estava surpreso por encontrar a mulher depois de tanto tempo.
-Está hospedada aqui? - Perguntou ainda meio sem jeito, ainda estava muito surpreso.
-No hotel? Oh, não! Só vim encontrar uma pessoa mesmo! - Respondeu simpática.
-negócios?
-Eu poderia perguntar a mesma coisa. - Ela apontou com a cabeça para a mulher que o homem estava acompanhado e a olhava de forma estranha.
-Poderia. - Ele respondeu sem graça, olhando disfarçadamente para a mulher também.
-Quando você saiu? - Ele se referiu a cadeia.
-Há quatro meses. Bom comportamento.
-Bom comportamento? Estou surpreso.- Sorriu estalando os dedos da mão esquerda. - Mas fico feliz em ouvir isso. Trabalhando?
-Meio período em um bar.
-Em um bar?
-Servindo bebidas em copos em troca de gorjetas. - Respondeu dando de ombros. - Está casado? - perguntou temendo um pouco da resposta, mesmo que negasse para si mesma.
-Não..não. Só com o trabalho, se isso conta!
-Que fofo. - Ela respondeu sorrindo, sem acreditar muito na resposta do homem. - É ela? - Voltou a olhar para a morena, fazendo ele fazer o mesmo gesto.
Ele engoliu em seco olhando para o chão e meio incomodado com a pergunta.
-Ela é uma colega, só estamos trabalhando. - Falou com as mãos dentro do bolso da jaqueta.
-Não está infiltrado, certo?
Ele não respondeu e preferiu dar outra resposta.
-Foi bom ver você! - Falou sério dessa vez.
-Espero que não, a menos que estejam disfarçados de policiais.
-Fico feliz que tenha sido solta. - fez um breve aceno de cabeça.
-Gentileza sua. - se virou e começou a andar. - Até mais Patrick. É assim se foi.
Quando esteve enfim fora daquele hotel, ela pode respirar fundo, pensando no homem enquanto entrava em seu carro. Ela pensava que não o veria nunca mais. Não por escolha, mas por desencontros.
A história deles era um pouco confusa, e talvez um pouco complexa, mas Vera acreditava que havia sido a única real. Apesar dela não ter tido tempo de provar aquilo, já que não demorou a ser presa.
Águas passadas, não é mesmo? Não adiantava ficar remoendo o que passou.
Não demorou a chegar em casa e percebendo que tudo já estavaoescuro, ela chegou no quarto da filha e acariciou o rostinho branco de porcelana.
-Eu te amo, minha gatinha. - Beijou sua testa e assim foi para seu quarto, podendo enfim descansar após o longo dia.
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