A manhã chegou para Butters que acordou de seu sono profundo, confuso e desconfortável pelo jeito que havia dormido na noite passada. Percebeu que aquela cama e aquele quarto não era o seu, talvez isso tivesse colaborado para esse tal desconforto. Abriu lentamente os olhos e se sentou na cama, ainda cansado, tentou despertar completamente.
Olhou em volta e analisou o quarto, desde a cabeceira velha até os pôsteres de mulheres seminuas — ou completamente nuas — colados na parede, dando uma caracterização única do indivíduo daquele quarto, que inclusive, não estava na cama com ele.
Tinha uma vaga lembrança de Kenny se deitando ao seu lado na cama e dormindo com ele ali, mas acordar sem seu amado loiro ao seu lado foi um pouco decepcionante. Mas não iria reclamar e nem ficar chateado por isso. Por ser um convidado "ilegal", não sabia se deveria sair do quarto e procurar pelo anfitrião, até pensou em esperar ali, mas sua ansiedade não contribuía.
Olhou pela janela que havia pulado na noite passada e observou o céu azul e algumas nuvens brancas passearem, se perguntando o que seus pais estariam fazendo agora. Será que sua revolta era o bastante para fazê-los enxergar que estavam exagerando e errados em castigar Butters injustamente?
Não… apenas uma fuga não seria o bastante. Acabou soltando um suspiro muito cansado e se apoiou no parapeito da janela, fechando os olhos apenas para sentir a brisa em seu rosto. Mesmo tendo dormido a noite toda, estava exausto.
— Pensativo? — a voz de Kenny ecoou pelo quarto após a porta do quarto ser aberta pelo mesmo. Leopold sorriu, virou-se para olhar o loiro que estava apenas de toalha, indicando que havia acabado de sair do banho. Butters cortou e voltou a olhar para a janela.
— Céus, Kenny! — tampou até os olhos apenas para não vê-lo sem roupa. Aquilo era constrangedor para Butters, não para Kenny que parecia se divertir com isso.
O garoto pobre deu uma risada alta, achando tão adorável aquela reação de Butters.
— Qual é? Não tem nada aqui que você já não tenha visto, Buttercup. — provocou indo até seu velho guarda roupa pegar uma cueca, vestir um short laranja e uma camiseta branca.
— Idiota! É diferente, ok?
— Não tem nada de diferente, Butters — Kenny riu se jogando na cama, agora vestido. Engatinhou até Butters e o derrubou para se deitar, ficando em cima dele, impedindo que ele saísse.
O loiro começou a protestar e a rir um pouco.
— Kenny, seu idiota! Sai — tentou empurrar o outro, mas não teve sucesso. Kenny olhou em seus olhos e sorriu, deixando o pobre Butters envergonhado e com as bochechas rosadas.
— Caralho. Você é lindo demais! Eu te adoro por inteiro, Leo — sabendo que o garoto embaixo de si não ligaria, se aproximou para selar seus lábios por alguns segundos, tendo retorno. Butters estava tão vermelho como um camarão.
— Para com isso — pediu.
— Certo, certo! Aliás, ainda tem umas coisinhas que compramos ontem. Você dormiu e nem comemos nada. Nem o sorvete!
— M-Mas… os seus pais não vão estranhar? — perguntou inseguro, se lembrando de tudo o que aconteceu na noite passada.
— Eles saíram.
— E seus irmãos?
— Estão na escola.
Ah, sim. Escola… eles deveriam estar nela também, mas aquele era o último lugar para qual iria. Provavelmente o conselheiro e a direção já estavam sabendo a fuga de Butters, se tocasse um dedo naquele prédio, seus pais seriam alertados e ele seria obrigado a voltar para casa receber seu castigo.
— Você deveria ter ido também. — falou sério. Kenny suspirou saindo de cima de Butters e se deitando ao seu lado, olhando para o teto acabado do seu quarto.
— E deixar você aqui sozinho? Nem fodendo.
— Eu sei me virar, ok?
— Você fugiu de casa sem nem pensar em trazer dinheiro com você. Não pensou onde ia passar a noite e nem no que ia comer. Provavelmente nem saberia como se virar na manhã seguinte, isso se você continuasse vivo, claro. Foi muita sorte eu ter te encontrado, Butters!
O outro loiro fez beiço, emburrado e chateado. Kenny estava certo, ele acabaria morrendo por culpa da sua falta de preparo — e talvez ele desejasse isso —, mas não queria admitir. Apenas queria estar bem longe de seus pais. Viver com eles já era uma enorme provação da sua bondade.
— Desculpa ter falado assim… eu só estou preocupado com você. — Kenny falou por fim quando viu que não teria nenhuma resposta de Leopold.
— Eu sei… eu só estou cansado e não sei o que fazer. Talvez eu tenha sido muito idiota por ter fugido… — se arrependeu. Kenny suspirou.
— De qualquer forma, é melhor você pensar no que vai fazer agora. Pretende continuar foragido ou vai voltar?
Era uma pergunta importante na qual Butters precisava pensar com cautela. Voltar seria tipo, aceitar o seu destino cruel vivendo com seus pais. Continuar foragido significa aprender a se virar e ser independente, e Butters não sabia qual das duas eram a melhor opção. Queria perguntar para Kenny, mas não poderia viver dependendo dos outros para sempre.
— Eu…
Sem resposta. Kenny suspirou novamente.
— Certo, depois você pensa nisso. Está cedo, então vamos comer as besteiras que compramos. Vem! — se levantou da cama arrastando Butters com ele até a cozinha, onde estava os salgadinhos prontinhos para serem devorados.
Dito e feito.
Os garotos comeram os salgadinhos e depois foram para sala ver qualquer programa bobo que esteja passando na televisão, enquanto comiam o sorvete e conversavam sobre qualquer coisa, menos o assunto que aflige Butters desde a noite passada. Eles brincaram, se beijaram e quase dormiram.
Meio dia estava quase chegando e a qualquer momento os irmãos de Kenny chegariam em casa também. O problema maior seriam os pais do McCormick. Logo eles se arrumaram para sair de casa, passar um tempo em qualquer outro canto e voltarem mais tarde.
De mãos dadas, caminhando pela rua comercial de South Park, Butters parou abruptamente, puxando um pouco Kenny para trás com o impacto. Olhou para o loiro com uma cicatriz no olho esquerdo e esperou que ele dissesse alguma coisa.
— Eu… eu acho que decidi.
Esperou a conclusão.
— Ken… por mais que eu odeie ficar com eles e ser tratado da pior forma, acho… que não estou pronto para sair de casa e viver independente assim. Não sou como você ou os outros caras e… talvez seja melhor voltar para casa e encarar eles.
— Se essa for a sua decisão. Eu vou apoiá-lo, Leo. — Kenny falou segurando a bochecha esquerda de Butters, acariciando. Sorriu quando se aproximou para beijá-lo, sendo essa sua tarefa favorita do dia. Gostaria de poder ficar assim com ele em todo lugar, mas não era fácil para eles igual era para o casal gay mais amado da cidade.
O beijo foi longo e durou bastante, onde sentimentos eram transpassados e fortificados. Butters queria continuar ali debaixo da asa protetora de Kenny, que fazia um ótimo papel de namorado não assumido ainda. Terminando aquele longo beijo com selinhos, Kenny tentou sorrir e mostrar que estava orgulhoso da sua decisão.
— Eu… queria poder fazer algo, Leo. — murmurou baixinho, ainda acariciando sua bochecha, vendo o loiro fechar os olhos e aproveitar.
— Tudo bem se não puder… seria pior para mim… e para você — respondeu, afastando a mão de Kenny e a segurando. Com um sorriso confiante, voltou a caminhar, dessa vez em direção a sua casa.
Não era uma caminhada longa, apenas se certificaram de caminhar bem lentamente. Não houve conversa durante o caminho, pelo contrário, era silencioso escutando apenas o som de suas respirações, passos e barulhos ambientais. A mente de Butters estava como uma turbina barulhenta, cheia de pensamentos e vários deles era de medo.
Kenny percebia a confusão em seu rosto, talvez não fosse uma boa ideia voltar para onde tudo começou, mas já era tarde demais. Kenny e Butters já estavam parados em frente a casa do segundo citado, este que apertava com força a mão de Kenny.
Queria dizer a ele que ia ficar tudo bem, mas… no mesmo instante a porta da frente se abriu e Butters soltou sua mão rapidamente, vendo seu pai furioso sair da casa até seu filho. Kenny queria defender Butters, mas não podia. Não agora. Não ele!
— Leopold 'Butters' Stotch! — pronunciou o nome completo do garoto que se encolheu, mas não se escondeu atrás de Kenny. Apenas estava preparado para aceitar seu castigo. — Ah, você é o garoto McCormick, certo? — Kenny assentiu em silêncio — Sinto muito pelo trabalho que esse pequeno imbecil causou a você.
Kenny mordeu os lábios, porém respondeu.
— Butters não me deu trabalho nenhum! — queria dizer muito mais, porém se segurou.
Aparentemente foi ignorado, pois Stephen pegou no pulso de Butters com força e começou a arrastá-lo para dentro de casa. Na porta de entrada, estava a mãe de Butters, Linda Stotch, apenas observando de canto. Kenny queria fazer alguma coisa, mas ainda não… não era o momento certo, por isso segurou seus impulsos.
— Você não sabe o tamanho da encrenca que se enfiou, seu moleque! — grunhiu irritado e Leopold apenas assentiu calado, evitando olhar para trás onde provavelmente estava Kenny, vendo tudo.
Quando a porta se fechou, não perdeu tempo em correr para um lugar mais afastado e escondido. Nas suas costas, carregava uma mochila com seu uniforme. Aquele que irá salvar Butters da surra que tomaria. Trocou de roupa e naquele momento, Kenny havia se tornado Mysterion, o cara aspirante a super herói que livrava as ruas de crimes. Como o Batman, só que ao invés de rico ele é pobre.
Não era do seu feitio aparecer de dia, mas aquele era especial. Voltou para casa dos Stotch com a fantasia e observou cada uma das janelas, para descobrir o que Stephen ia fazer. Lá estavam eles, no quarto de Butters discutindo com ele sobre sua "malcriação", pouco se importando se ele havia se machucado depois de ter fugido.
Em algum momento daquela discussão, Stephen levantou a mão para bater em seu filho, e foi nesse momento que Mysterion agiu, entrando pela janela e segurando o pulso do pai do loiro atrás de si. Com um olhar ameaçador e uma voz que mostrava toda sua dominância, sabia que eles reconsiderariam.
— O que pensa que está fazendo, Sr. Stotch? — perguntou, vendo o olhar confuso e nervoso do mais velho.
O garoto fantasiado conseguiu escutar um murmúrio vindo de Butters "Kenny…" algo que o deixou esperançoso e feliz. Continuaria sua façanha até convencer os pais daquele garoto que tanto gostava.
— Q-Quem é você?
— Oh, Stephen! — a mulher colocou as mãos por cima dos lábios surpresa e chorando horrores — Ele é aquele super herói que está sempre ajudando os policiais, Mysterion.
Apenas a menção do nome do tal super herói fez Stephen se estremecer, conhecendo bem que aquele tipo de pessoa lutava por uma causa justa — não que ele acreditasse estar errado em punir seu filho. Mas se ele estava ali, tinha um motivo.
— O que veio fazer aqui?
— Quer mesmo saber? — Kenny soltou o pulso do Stotch, o empurrando para trás o fazendo quase cair no chão. Seu timbre era sério, suas expressões também, então logo começou a abrir a boca para falar — Já faz um tempo que venho o observando, Sr. Stotch, e percebi o quão abusivo você é com seu filho.
— O… quê?
— Isso mesmo o que você escutou! Acha que eu não sei? De todas vezes que bate nele sem motivo e o deixa de castigo por coisas que ele não fez? Afirma dizer que ele é incontrolável, sendo que o único incontrolável aqui é você! O senhor deveria procurar outras formas de criar o seu filho, como por exemplo, escutar o que ele tem para dizer, respeitar o seu espaço, entender que ele sofre na escola todos os dias e sofre ainda mais em casa pela falta de compreensão dos próprios pais. Você acha isso justo? Acha que esse é o método mais simples de educar seu filho? Por favor, me poupe! — tentava a todo instante segurar a raiva que sentia de Stephen Stotch por ser a principal causa de Butters sofrer.
O mais velho da casa engoliu em seco, pensando seriamente em suas atitudes. Se todo esse tempo estava sendo vigiado, então não poderia continuar com aquele método e precisaria inovar para algo melhor. Em momento algum ele pensou em entender o lado de Butters.
— Eu compreendo, Sr. Mysterion, mas Butters precisa ser castigado. É a maneira mais eficiente para isso. Faço pelo bem dele!
— Abusar fisicamente e psicologicamente dele é para o bem dele? — Kenny se exaltou — Destruir com sua autoconfiança e autoestima é para o bem dele? É a forma mais eficiente? Cara, vai se foder! Essa é a coisa mais ridícula que escutei em toda minha vida.
— Então o que você sugere que eu faça?
— Diálogo! Converse com ele, veja o lado dele e tente entendê-lo e você vai descobrir o quanto seu filho é… maravilhoso, gentil, carinhoso e… incrível. — Kenny precisava se controlar ou levaria aquilo para o lado pessoal. — Tantas formas de cuidar dele… e vocês ainda acreditam que bater e castigar é a solução. Pensem nisso! Estarei de olho, de qualquer forma.
Stotch não disse nada. Parecia que estava levando bronca de um adolescente de 17 anos que estava muito apaixonado pelo seu filho — o que de fato era o caso. Mas não pensou muito nisso e apenas concordou com Mysterion. A última coisa que gostaria era de se envolver numa briga com um super herói que era supostamente o anjo da guarda de Butters.
— Certo, nós… nós vamos pensar nisso. Vamos deixar vocês conversando e… — ele não tinha palavras, apenas segurou a mão da esposa e saiu do quarto de Butters deixando Mysterion e Butters sozinhos.
Quando a porta se fechou, o loiro correu para abraçar o mascarado, com um grande sorriso no rosto. Kenny suspirou aliviado e abraçou de volta o seu menino.
— Você enlouqueceu de vez, Ken — falou deixando uma risada fraca, se afastando um pouco do loiro mascarado.
— Eu disse que queria ajudar.
— E então você pensou que, mesmo se o Kenny não conseguir, o Mysterion ia dar um jeito, é isso? — sorriu pequeno.
— Está correto!
— Oh, hamburgers! — voltou a abraçar Kenny, sorrindo um pouco besta. Aquilo seria o bastante para deixar seus pais um pouco mais afastados. — Obrigado!
— Ei, ei. Eu só aceito uma coisinha de agradecimento — sorriu travesso e Butters revirou os olhos.
— Não vou transar com você! — Butters falou revirando os olhos e sorrindo em seguida, vendo Kenny fazer biquinho.
— Tem certeza? Eu ainda não te convenci.
— Não, Ken, não. — riu.
— Certo, certo. Que tal outra coisa? — sugeriu.
Butters não respondeu, apenas agiu. Se aproximou e tirou a máscara e o capuz de Mysterion, revelando o lindo rosto de Kenny. Segurando os dois lados da cabeça do loiro, tocou seus lábios gentilmente, iniciando mais um de seus beijos incríveis. Mas aquele era diferente.. tinha todos os sentimentos que Butters carregava dentro de si.
— Eu te adoro… — sussurrou durante o beijo, recebendo um sorriso de Kenny.
Quando se separaram, estavam ofegantes. Era melhor que eles terminassem naquele dia, ou o pai de Butters iria desconfiar e então todo plano iria por água abaixo.
— É melhor eu ir. — Se despediu vestindo novamente a máscara e o capuz — Te vejo na escola amanhã, Buttercup. E… eu te amo para caralho, ouviu? Eu te amo!
Aquela foi a despedida mais gay que Kenny já deu em toda sua vida, mas tudo bem, ele não se importava. Saiu pela janela da mesma forma que entrou e correu para longe, se escondendo pelos cantos até encontrar um lugar onde consiga se trocar. Butters apenas o acompanhou com os os olhos e um sorriso no rosto.
Suspirou. Talvez isso mantivesse seus pais "sob controle" e ele teria um pouco de paz. E agradecia Kenny por existir e fazer parte de sua vida. Sem ele, não saberia o que fazer. Por isso o amava tanto!
Fim!
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