— Ugh! carne de urso! De novo não… — reclamou a pequena Wendy torcendo o rosto no momento que fitava o animal caído na varanda. — E ele é fedorento... — Tampou o nariz.
Gajeel havia o carregado sozinho até ali sem a ajuda das duas que de cara deixaram claro que não conseguiriam aguentar o peso do urso, o que o ofereceu uma bela dor nas costas.
— O gosto parece tão ruim assim? — indagou Lucy perdida em seus pensamentos, mas não deu muito caso, estava ansiosa para ver Natsu de uma vez. Ansiava para vê-lo bem o quanto antes, afinal, havia levado toda aquela situação como responsabilidade própria.
— É frescura dela, tem o gosto comum como todos os outros. — Levy revirou os olhos.
— Mentirosa! — lançou.
— Ei, não chame sua irmã mais velha de mentirosa!
— Você me diz essas coisas porque não vai ser você que vai ter que retirar a pele dele… ter que separar e… ugh! — choramingou a pequena, tampando os olhos com as mãos para um choro contido. — Nojento… fedorento, e o gosto é muito forte, nem temperando com pimenta!
— Pensei que a Levy era boa na cozinha — disse a loira assustada. — Tão pequena e precisa desmembrar um urso, coitadinha… a Levy é uma péssima irmã.
— Não é?! Por favor, me socorra!
— Mais tarde podemos fazer isso juntas, que tal? — Sorriu.
— Claro!
— Nossa, que belo encontro de garotas… — A azulada maior jogou no ar. — Até minha irmãzinha vai tentar roubar a minha melhor amiga, nem acredito!
Lucy sorriu gentil observando Wendy inflar as bochechas para a irmã.
— Wendy, onde está a senhora Grandeeney?
— Ah! Quase me esqueci — respondeu. — Sobre isso… ela pediu para eu te chamar quando você chegasse, acho que era algo importante.
— Mais tarde a gente se vê, Lu! — Acenou, respondida por outro aceno da loira.
A loira assentiu silenciosamente e partiu pela pequena casa para o quarto em que Natsu estava, dando três toques na porta antes de abrir a porta de madeira escura ao ouvir o “entre” do outro lado da porta.
— Grandeeney? — chamou, sendo atendida em seguida.
O cômodo estava abafado e quente, de onde todo aquele calor vinha era uma questão óbvia, portanto se perguntou mentalmente o motivo da mudança já que quando dormiu ali a elevação de temperatura era manipulada apenas pelo clima.
— Lucy… enfim você chegou. — Enxugou o suor que escorria pelo canto da testa pela grande temperatura no quarto. — Poderia abrir as janelas para mim?
Ela levou a visão para os olhos cansados da albina e depois para o corpo adormecido de Natsu, qual teve um melhor ponto de vista quando a mesma foi para o lado à que assim consiga vê-lo melhor. De primeira ele aparentava estar normal, com o rosto descansado e o lençol cobrindo até a clavícula.
Foi até a janela e a abriu, deixando o pequeno apoio que servia para manter a abertura sem que o vidro escorregue, repetindo o mesmo com a janela ao lado. O vento aos poucos foi refrescando o quarto, se misturando a todos os resquícios de calor e os levando para fora.
— Aconteceu alguma coisa? — indagou começando a sentir a garganta apertar, a má expectativa na feição dela a traz preocupações.
Por sua vez, suspirou e massageou a testa, nem um pouco satisfeita com o próprio resultado.
— Minha magia, não sou capaz de curá-lo completamente. — Foi direta ao admitir num olhar sério e fadigado. — Nem com o ingrediente mais potente de poder puro… é a primeira vez que lido com isso. Consegui atrasar grande parte dos sintomas, mas… — Retirou os óculos e os pendurou na gola da blusa. — ...eu nunca tratei de um demônio, ainda sim, tenho certeza que não é algo comum para eles.
Ela puxou o lençol até o abdômen, mostrando as finas escamas transparentes que se estendiam no braço esquerdo e as garras que iniciavam a crescer aos poucos, no outro braço, a tatuagem em forma de ondas contínuas que seguia em um vermelho forte e vibrante.
A marca no braço exalava uma grande quantidade de poder, não possuía a real certeza do que seria, ainda sim sentia um leve tremor com a sensação esmagadora que trazia ao peito.
A loira arregalou minimamente os olhos, observando com atenção aqueles detalhes que pareciam o consumir, o ver naquele estado a fazia se lembrar das sensações de quando o viu pela primeira vez, ou mais… não sabia o motivo, mas a lembrava do maior medo de Natsu à respeito do poder que sempre se esforçou para controlar.
Só conseguia imaginar que aquilo era tudo culpa sua, se tivesse sido forte talvez Natsu não teria se sacrificado por ela.
Havia ouvido com clareza que portava um poder precioso, que era uma parte importante de Mavis e isso significava ser de suma importância... no entanto, do que o adiantaria se pela segunda vez não foi capaz de o proteger? Pela segunda vez, Natsu ficou a beira da morte e ainda foi pelo o bem dela.
— Esse jovem está se transformando enquanto dorme, Lucy. Porém, isso é o óbvio a se dizer, diria que é mais como uma recuperação involuntária — falou após o silêncio contínuo da loira. — Em um braço, a sua parte demoníaca, e no outro que era para ser a humana, está ocupada por essa marca que mais se assemelha a uma enorme massa de poder demoníaco. Tudo isso enquanto ele queima de febre. Já conseguiu entender o que está acontecendo, certo?
— Natsu — sussurrou se aproximando em gestos calmos, ainda que a expressão no rosto deixava claro o seu mal estar. — Isso é culpa minha, se não fosse por mim ele não estaria assim... — O apertou a mão, subindo pela marca para o abraçar o pescoço tampouco se preocupando com a elevada temperatura corporal. — ...me desculpa.
Grandeeney a fitou preocupada, o corpo do rosado fervia, no entanto, não era um detalhe que iria a impedir. Não evitou o olhar triste ao observá-los, vendo a única lágrima silenciosa cair pelo peitoral de Natsu, foi quando notou as minúsculas partículas douradas que rodeavam o corpo dela para serem sugadas pela tatuagem. Em estado de completa surpresa, puxou a garota pelo braço e a empurrou para a cama, dando nenhuma satisfação para os glóbulos castanhos confusos de Lucy.
— G-Grandeeney? — indagou desordenada no tempo que ajeitava a postura na cama. — Hã… acabei ficando tonta do nada.
— Ele puxou o poder dela inconscientemente…? Antes ele só fazia com magias e semelhantes — murmurou surpresa, tateando o braço para analisá-lo melhor de perto. — Não, foi realmente inconsciente?
Soltou um grunhido quando a pele queimou a ponta de seus dedos, retirando os dali seguidamente para cerrar o pulso como meio de apartar a dor de queimadura.
— O que aconteceu? — perguntou Lucy não entendendo nada do que ela murmurava.
A temperatura corporal de Natsu passou a extinguir toda a marca, se iniciando da ponta dos dedos para consumir o aspecto dourado com vermelho, dando fim à parte dos ombros qual subia a pequena camada de fumaça alaranjada quanto mais queimava a marca.
O encarou incrédula quando ele entreabriu os olhos opacos, piscando-os repetidamente ao os acostumar com a claridade.
— O Natsu… acordou? — Lucy disse incrédula, o dando um abraço apertado quando a saudade lhe preencheu o peito, o enlaçando o braço em volta do pescoço.
Ele passeou com os dedos pelas suas costas, forçando a vista para conseguir enxergar entre toda a cabeleira loira que ocupava seu campo de visão. O pequeno calor confortante deixava rastros na pele, porém… era um toque diferente.
— Espera um pouquinho, sobrinha. — Chamou a atenção. — Tem certeza que é mesmo ele?
Com a pergunta, a encarou sem entender o que queria concluir sem desvencilhar do abraço, levando o rosto para cima em seguida à que assim consiga ver o rosto do rosado com clareza.
Seus olhos não eram mais os verdes calorosos que passava a presenciar todos os dias, eram vermelhos e opacos. Isso a magoou profundamente.
— Na...tsu? — chamou sem certeza ao tentar o tomar a atenção, mas fora ignorada quando ele não lhe deu sequer algum sinal de estar no mesmo ambiente que ela, totalmente perdido em si.
Perdeu a respiração ao encarar a intensidade daquele vermelho-vivo, travando no lugar de imediato no momento que não conseguiu ter nenhuma reação seguinte, somente a desesperança que a consumia aos poucos.
Sem dizer alguma palavra, avistou o lugar em volta detalhando cada pequeno acerto no cômodo, parando em Lucy. Uma pontada no coração o alfinetou quando avistou o rosto choroso, que fora sequenciado em confusão mas que ainda sim deixado de lado como apenas uma situação caótica.
— A condição do contrato se virou contra ele — começou a albina pensativa, se surpreendendo à medida que concluía os próprios pensamentos. — E se ele está aqui, vivo, o que esse jovem perdeu? — Lucy deixou com que lágrimas caíssem.
— Não me diga que... — sussurrou em um fio de voz.
“— Eu tenho medo, Lucy.”
Ela o soltou, deixando os movimentos de Natsu livres e sentou-se no chão com mundo a desabar. Aqueles olhos... eram os mesmos de quando o viu pela primeira vez, se não sendo pior já que estes não demonstravam nenhum remorso ou humanidade, eram piores por não apresentarem nada que não seja a ira.
O coração de Lucy doía, e como dói.
— Eu preciso… voltar ao normal… ou... — falou confuso abrindo e fechando a mão em movimentos contínuos, aparentando exercitar rapidamente os ossos mal acostumados. — Não… preciso matar o Igneel. Aquele desgraçado...
A mão escamosa aos poucos foi-se modificando, completando os restos daquilo que era apenas finas camadas vermelhas. Apertou os olhos com forte dor de cabeça e vários pensamentos indo e vindo em uma confusão eterna, aos poucos sendo substituídos pela fúria que o poder do fogo carrega consigo.
Natsu respirou fundo, se acalmando numa frieza incomum no momento que se ordenou totalmente.
— Isso não pode estar acontecendo — disse, deixando com que a franja loira caia no rosto e as lágrimas passassem a escorrer com abundância. — E é culpa minha.
— Não é culpa sua… — Ela tentou consolar.
Se levantou da cama ecoando o barulho de molas de um colchão velho, passou por Lucy e depois por Grandeeney que precisou dá-lo caminho para que passe pela porta.
As palavras de Loke entraram pela cabeça da loira como uma foice, afetada e cega pelo que antes era somente uma visão irreal e que agora a machuca profundamente.
Levy, que naquele instante iria para o quarto procurar pela amiga, topou com ele no corredor se dirigindo para a porta, abriu a boca para falar, porém fora interrompida quando a loira passou correndo em direção à ele enquanto enxugava todas as lágrimas do rosto.
— Por favor… não me diga que vai embora. — Enfim reagiu, tentando ao máximo não deixar que toda a tristeza que sentia controlasse a situação.
Natsu parou no lugar ao ouvir a voz dela, voltando o pé que apartaria a descer um degrau da escada, por fim a fitando de canto de olho.
— O Natsu nunca iria…
— Não deixei de ser o Natsu — completou.
— Então, por quê? — disse ainda desacreditada, tremulando com a voz chorosa sem desviar dos olhos do rosado.
— Naquela noite me sacrifiquei para você que você viva, por que está chorando? — disse. — Não consigo te compreender, deveria me agradecer.
— Não era isso que eu queria! — exclamou. — Não queria que você ficasse assim…
Por sua vez, suspirou, virando o torso completamente para Lucy.
— Quanto egoísmo, acha que é a única com direito de escolher?
O sol da manhã o batia nas costas, dando o tom repleto de luz para a pele bronzeada e os cabelos róseos, usava somente a calça, o que tornava o abdômen livre. Os olhos, enquanto escondidos pela falta de sol possuem um aspecto mais escuro.
No lugar da tatuagem que tinha sido extinguida havia outra diferente no lugar, formando um dragão vermelho e laranja nas pontas.
— N-Não! Eu… — Ela se embaralhou enquanto dizia. — Como consegue me tratar com tanta frieza?!
— Sinto muito. — Os olhos de Natsu se tornaram frios, os cerrando de forma considerável e levantando levemente o rosto. — A única coisa que restou em mim, foi o ódio.
— Não consigo acreditar que tenha deixado ser consumido...
Se aproximou parando próximo ao seu rosto e a levantou o queixo para se encararem olho a olho.
— Deixado me consumir? — Soltou um riso abafado. — Me sinto perfeitamente bem.
Ela tremeu sendo observada com atenção, cada simples movimento não escaparia daquela imensidão vermelha que outrora foi um verde requintado e tranquilo.
— Ainda não entendeu o que está acontecendo aqui, certo? — diz. — Como foi uma antiga cliente minha, irei te explicar o básico sendo o mais curto e grosso possível: não há mais nenhuma parte humana em mim, pois ela morreu.
Sem crença alguma ficou em silêncio, abriu a boca como se fosse dizer algo em seguida, porém nada saiu, somente os rastros chorosos que seguiram a bochecha até os dedos do mesmo, este que as enxugou com um sorriso sarcástico nos lábios.
— Ah, minha amada Lucy. — Ironizou. — Não há melhor resultado que esse. No fim, você continua viva e eu possuo a liberdade precisa para cobrar pelo que o Igneel fez. — A acariciou a bochecha com as garras dragônicas. — Deveria me agradecer por ter feito isso por você, não?
Acompanhou o sorriso de canto com os glóbulos castanhos e brilhantes de umidez, não perdendo nenhum movimento brusco ou calmo que aquele Natsu rodeado em indiferença fazia, um sentimento recíproco de atenção dos dois.
— Você me quer do seu lado, não quer? — ele disse. — Vejamos… talvez eu possa atender o seu desejo. O que acha, faria um pedido a mim?
— Eu… — Tentou pronunciar qualquer coisa, em estado de choque não obteve nenhum sucesso.
— E claro, você me oferecerá a sua alma, Lucy Heartfilia — sussurrou rouco próximo ao ouvido, dando um leve arfo voluntário após. Arrepiou todos os pelos possíveis do corpo. — Dessa vez, farei questão de te levar, eu prometo. Você não ficará mais sozinha.
Ela se afastou bruscamente o empurrando pelos ombros, corada e com o coração pressionado, as paredes da garganta apertaram-se pela emoção perplexa. Era uma face nunca vista de Natsu com a diferença que o brilho no olhar desta parecia reluzir de um modo muito mais maligno, é claro que não poderia aceitar.
— Foi como imaginei — concluiu. Fez um sinal com as mãos e saiu, voltando a seguir o caminho para bem longe.
— Natsu… não vá embora… — murmurou estendendo a mão a ele, portanto já estava longe demais em meio à floresta. — Por favor…
E assim, com a visão borrada pelas lágrimas, Natsu se foi.
Deveria desistir dele? Afinal foi-lhe dito com todas as letras por ele que deixou de ser um humano, se fosse o caso… quer dizer que não possui mais a capacidade de a amar? De corresponder todos os sentimentos que se possível a deixariam a ponto de um infarto?
Mas… e se fosse atrás? A última coisa que queria era a ser dirigida com frieza por Natsu, e sabe mais como ninguém interpretar o gênio do rosado, a julgar que não sente mais nada além do ódio, ia a ver apenas como uma pedra no caminho. Na sua cabeça, não seria capaz de presenciar essa dor.
Uma parte de si gritava para desgrudar os pés do assoalho de madeira e correr o mais rápido possível para o alcançar e o fazer voltar ao seu juízo normal: o Natsu que ama com todas as forças e rezou por todas as noites para que ele acorde bem, apesar disso, não conseguia mover um músculo.
— Lu? — Ouviu a voz abafada de Levy, perdeu o juízo o suficiente para não ter a noção de nem ouvir ao redor. — Está tudo bem?
Olhou para trás com a leve tontura balançando os sentidos, sua cabeça girava como nunca, chegou a se perguntar como o amor era capaz de a fazer passar tão mal assim.
Os passos ecoados e cheios de ruídos da azulada aproximaram-se para a rodear em um abraço, estava claro o quão Lucy se perdeu.
Ela saiu correndo na direção contrária a que ele foi, desviando dos braços de uma Levy preocupada. Passou pelo enorme caminho de pedras sem se preocupar se toparia com algum urso, na verdade, não se importaria com um ferimento enorme se isso significasse desviar toda a dor no coração, a dor do amor.
Ao ter chegado em frente a cachoeira, procurou a caverna de folhagens que escondia o seu novo lugar preferido, o campo de flores amarelas que a desconectam da realidade. A melhor solução que conseguiu pensar para um coração partido.
E lá fitando o enorme céu que juntava nuvens de chuva ao longe, chorou.
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