13 de abril de 2034.
- Isso é uma brincadeira? – falo, incrédulo.
- Não. – Sérgio responde, sério.
- Marcos, quieto, deixe-nos ouvir o resto. – Bia repreende.
- Não vou ouvir mais nenhuma dessas bobagens.
- É o desejo dele, tem que respeitar.
- Só se for o desejo dele de fuder com a minha vida. – aumento o tom de voz.
- Olha a boca garoto! – minha mãe fala.
Levanto chateado e saio. Ao colocar o capacete, ouço a voz da minha irmã:
- Marcos! Espera!
Subo na moto, não quero conversar agora. Quando estou pronto para dar partida, ela se põe a minha frente.
- Calma, vamos conversar.
Ignoro, acelerando.
- Você não vai sair daqui antes de falar comigo. – aumenta o tom de voz.
Quando percebo que não desistirá, desligo o motor e retiro o capacete, irritado.
- Vai defendê-lo agora?
- Porque essa irritação toda? – tenta entender.
- Não viu o que ele fez?
- Não ouvi nada demais.
- Claro, porque você é a filhinha perfeita que ficará com a fábrica e um aumento de salário e eu sou a ovelha negra que continuará pobre.
- Mas ele deixou uma parte do dinheiro para você.
Rio ironicamente.
- Em formato de uma proposta de emprego naquela merda de fábrica.
- Devia estar agradecido.
- Pelo que? Ser feito de idiota de novo, achando que ele tinha mudado desde a última vez que o vi?
- Ele só queria o seu bem.
- Não, ele queria que eu me dobrasse as vontades dele e desperdiçasse oito horas do meu dia sendo seu empregado, sempre foi assim.
- E pra que esse barulho todo, não pode ao menos tentar?
Ignoro sua pergunta, me negando a repetir todos os motivos pelo quais odeio aquele lugar.
- Ele sabia o quanto esse dinheiro ajudaria a mim e ao futuro de Theo, mas mesmo assim preferiu impor essa condição ridícula, porque no fim das contas, ele só se importava com si mesmo.
Bia abre a boca para argumentar, mas rapidamente encaixo o capacete, ligo a moto e vou embora.
~ <> ~
No dia seguinte, me arrumo para o casamento que começará daqui quarenta minutos. Visto a blusa e a calça social que peguei empestado de Caio, juntamente com um sapato social velho que já possuía. Quando abotoo o cinto, vejo que minhas gordurinhas ficaram a mostra, então opto pelo suspensório.
Em outra ocasião nem me preocuparia em parecer tão elegante, mas tenho que mostrar o máximo de profissionalismo sempre, além do fato de que bermuda e chinelo não são vestimentas muito apropriadas para um casamento.
Pego meus equipamentos, o celular e a chave de casa e me direciono até a minha fiel escudeira e companheira de longa data: Alexia.
- Marcos! – uma voz feminina me chama a atenção antes que suba na moto.
Trata-se de Helen, a proprietária da casa, ela mora a dois quarteirões daqui e já posso adivinhar o motivo da sua aparição.
- Oi Helen. – sorrio.
- Oi. – fala brevemente. – Está com o dinheiro do aluguel?
Ela é curta e grossa, como de costume.
- Estou indo consegui-lo. – abro os braços, mostrando meu traje.
Ela permanece com a feição sóbria. É difícil fazer com que essa mulher esboce qualquer reação.
- Então posso voltar amanhã?
Respiro fundo. Sei que sou o errado nessa história, mas não lhe custaria nada exercitar melhor sua paciência.
- Depois de amanhã terei o dinheiro.
Com um aceno de cabeça ela se despede, sorrio e abano a mão livre, deslizando rapidamente o olhar para sua bunda e pensando se ela seria tão mal-humorada assim na cama. Coloco o capacete e saio.
Chego faltando trinta minutos para a cerimônia. Após estacionar, agilizo para organizar minhas coisas e montar a máquina.
- Você é o fotografo? – ouço uma voz feminina, enquanto encaixo o cartão de memória na câmera.
Uma mulher, aparentemente mais velha que eu, se aproxima.
- Sim. – tento soar o mais simpático possível.
- Sou a mãe da noiva. – se apresenta. – Antes do casamento começar, quero que fotografe o local da cerimônia e depois o salão de festas. – indica as direções à medida que fala.
- Ok.
- Tente fazer pelo menos uma pegando o espaço todo.
- Certo.
Sorri e vai em direção à entrada do salão, arrumando os pequenos arranjos dispostos na parede. Clientes, sempre arranjando algo para fazer de última hora.
Como tenho pouco tempo, deixo minha mochila com a recepcionista do clube e carrego o essencial até a área da cerimônia.
Observo antes de começar, a fim de decidir quais os melhores ângulos.
O lugar é grande, um tapete vermelho se estende do arco branco, adornado com flores plásticas, até o altar. Cadeiras acolchoadas e vasos de planta decorados com pintura manual ficam ao lado do tapete. Quase metade das cadeiras é ocupada pelos convidados. Atrás do altar, um belo painel de flores naturais recebe os toques finais. Olho para cima e admiro o teto vazado e os candelabros dourados.
Coloco uma lente grande angular e procuro o canto que me dará uma melhor visão do todo.
Mesmo após conseguir um bom clique, acho que a foto ficaria mais bonita se o local estivesse vazio. Troco para uma lente funcional 35mm e fotografo os detalhes da decoração.
Adentro o salão onde ocorrerá a festa, e fico impressionado. O local é quase o dobro do outro em tamanho. Grandes mesas retangulares estão espalhadas pelo salão, e acima delas há arranjos de flores. Nunca entenderei porque pessoas ricas gostam tanto de planta em casamento. Na extrema esquerda, vejo a mesa onde será colocado o bufê, e no fundo do lugar, homens terminam de montar a pista de dança, com direito até a globo de espelhos.
- Passando! – meus pensamentos são interrompidos.
Olho para trás e rapidamente abro espaço para as pessoas que carregam o bolo, que não poderia ser nada menos do que uma obra de arte em andares.
Antes do meu próprio casamento, achava tais coisas fúteis, mas percebi que cada detalhe é importante nesse dia mais do que especial.
Faço o mesmo processo com a câmera e acabo demorando um pouco mais do previsto por me empolgar com os diferentes ângulos e possibilidades que o lugar me oferece.
Para a maioria das pessoas, uma foto não é nada mais do que uma imagem estática, mas para mim, é o que temos mais próximo de uma máquina do tempo, onde podemos ver o passado no momento que quiser, e com o período de um estalar de dedos, somos capazes de congelar e eternizar um acontecimento.
Quando percebo, a música já começou do outro lado do clube, e os padrinhos estão sendo alinhados para entrar. Corro para fazer meu trabalho, cumprimentando alguns convidados e me posicionando próximo ao altar.
O noivo entra sorridente, juntamente com uma mulher que julgo ser sua mãe. Depois é vez dos casais de padrinhos. Percebo que várias emoções emanam das pessoas em volta, algumas sorriem, outras choram e algumas só estão entediadas.
Alguns cliques saem perfeitos, outros nem tanto. Só tenho que pedir para um casal de padrinhos parar um instante, pois estavam andando muito rápido.
Pego algumas reações interessantes dos convidados. Utilizar somente uma lente durante um evento como esse apesar de prático, é algo um tanto desafiador, pois tenho que usar toda a minha expertise para encontrar ângulos diferenciados.
A marcha matrimonial anuncia a chegada da noiva. A limusine entra pelo portão do clube. Após estacionar, o motorista ajuda a mulher a sair. Confesso que ela é uma das noivas mais bonitas que já vi.
A mulher, que aparenta ter pouco mais de trinta anos é conduzida pelo pai até a ponta do tapete, onde pega o buquê ornamentado com flores rosa e brancas.
Faço várias fotos enquanto ela está parada, acenando para os convidados. No momento que começa a caminhar, brinco com o zoom, conseguindo um efeito bacana e imagens espetaculares.
De repente, após um clique, a mulher se transforma em Aline. Pisco algumas vezes e ela continua lá, com seus cabelos ondulados, presos de um lado por um adorno brilhante; seu rosto radiante. Sorri para mim, e sinto um misto de confusão e felicidade.
Os olhos percorrem todo seu corpo, que é valorizado pelo vestido de mangas longas e bem acinturado. Empolgado, levo a câmera aos olhos, mas em outro clique, ela desaparece.
Tento esconder a confusão que sinto, e ao perceber a mãe da noiva a observar, retorno ao trabalho.
Enquanto a cerimonialista fala algumas palavras, capto a expressão dos noivos, que é um misto de felicidade e nervosismo. No instante dos votos, tento pegar o máximo de reações possíveis. Sempre achei que fotos onde a pessoa está agindo espontaneamente são mais bonitas.
Entre uma foto e outra, ouço as palavras dos dois e me seguro para não rir. Seus discursos são cheios de juras de amor e rimas bobas. Somente um tolo acreditaria em amor eterno. Tais textos podem funcionar numa cerimônia como essa, mas na vida real, as coisas são muito mais difíceis.
Após a fatídica frase: ‘‘agora vos declaro marido e mulher’’, corro para o arco branco e capto a saída dos dois.
Noivos e parte dos convidados se direcionam até a parede de flores na lateral do salão. Pego a mochila com a recepcionista, armo o tripé e coloco a lente grande angular na câmera.
Durante a próxima meia hora, me concentro nesse pequeno ensaio fotográfico dos noivos e dos convidados.
A mulher, sempre muito animada, faz poses, cara e bocas e chama as pessoas para fazer o mesmo, por sua vez, o homem parece a par de toda a agitação, mostrando a mesma pose e o mesmo sorriso em todas as fotos.
Por pedido da noiva, permaneço mais alguns minutos ali, para fazer registros só dos dois. Sugiro poses e eles as executam de forma satisfatória. Nesse momento percebo que talvez o homem seja tímido, o que justifica sua forma contida de agir.
Seguindo para a festa, troco a lente novamente e fotografo a parte do bufê e a mesa onde estão os noivos e seus convidados pessoais. Enquanto confiro as últimas imagens tiradas, agarro uma taça de champanhe de uma garçonete e bebo escondido.
As pessoas pulam e dançam ao som de música sertaneja, enquanto fico no canto tentando captar bons momentos. Algumas mulheres seguram a barra do vestido, a fim de ter mais liberdade de movimento, outras preferem se manter nos passos curtos.
Durante a valsa dos noivos, consigo tirar fotos maravilhosas, e ao conferi-las, constato que emanam pura paixão.
~ <> ~
Passa das duas da manhã, só restam os convidados bêbados na pista de dança e um pouco do bufê. Cheguei a provar da comida e estava realmente boa. Quando estou indo em direção a recepção, alguém chama a atenção:
- Gostou da festa? – ouço uma voz masculina.
É o noivo, seus cabelos loiros estão desarrumados e ele já não mais usa gravata.
- Estava ótima. – falo de forma simpática.
- Quer um pouco? – me volto para a garrafa de uísque em cima da mesa redondo pequena.
Penso por um instante, se algum dos meus contratantes me visse bebendo, provavelmente não aprovariam, mas como estou acompanhado do seu genro, creio que não haverá problema, além de que nunca dispenso uma bebida grátis.
- Sim. – me aproximo.
Ele serve uma dose e levo o copo à boca, apreciando o líquido.
- O que nos leva a fazer tais decisões na vida, hein? – pela forma como fala, percebo que está um pouco bêbado.
- Do que está falando?
- Disso. – mexe os braços indicando o nosso redor.
Reflito, tentando entender que tipo de resposta ele quer ouvir, mas acabo não chegando a uma conclusão.
- Não sei.
- Você é casado?
- Já fui.
Acena com a cabeça, parecendo gostar do que ouviu.
- Por quanto tempo?
- Dez anos.
Mostra-se impressionado.
- Dez anos é muito tempo.
- É... – apesar de na teoria parecer muito tempo, na prática, é algo que passa rápido.
- E se separou por quê?
Se eu ganhasse cinco centavos a cada vez que alguém fizesse essa pergunta, já estaria rico.
- Vários motivos. – respondo de forma evasiva, como sempre.
Ele mira o nada ficando quieto por alguns segundos. Continuo a tomar a bebida.
- Acha que devo contratar um advogado logo? – quebra o silêncio.
Tento entender o que quer dizer.
- Pra que?
- O divórcio. – fala de forma calma.
Não sei se fico assustado ou dou risada.
- Acho que não deve pensar em divórcio tão cedo.
Ri, virando o que ainda resta no copo.
- Posso te contar uma coisa? – balbucia as últimas palavras.
- Sim.
Faz sinal para que me aproxime, mas interrompe abruptamente, colocando mais uísque no copo.
- Eu queria a irmã dela, mas o Sr. Oliveira nunca me deixaria ficar com ela, então casei com a outra. – sussurra.
Demora alguns segundos para entender o tamanho da bagunça em que ele está metido.
- Você casou com ela só pra ficar perto da irmã?
Acena com a cabeça de forma exagerada. Viro o que resta no meu copo, segurando a vontade de rir.
- Quer mais? – aponta para a garrafa.
- Não, tenho que guardar minhas coisas.
- Vai lá. Foi bom conversar com você. – abre um sorriso.
- Foi bom conversar com você também. – devolvo o gesto.
Tento um aperto de mão, mas ele está muito bêbado para isso, então só sigo meu caminho.
~ <> ~
Passo parte da madrugada editando as fotos e escolhendo as melhores para o álbum, levando em conta que tenho somente cem espaços para preencher e quase o triplo disso em imagens.
Antes do meio dia, ainda sonolento, vou até a gráfica de Charles, um amigo que sempre me dá um desconto na impressão das fotos e confecção do álbum.
- Eai Charles.
- Oi Marcos, quanto tempo.
Nos cumprimentamos.
- É, quanto tempo, trabalho está difícil ultimamente.
- Imagino.
- Mas consegui um casamento ontem.
- Que legal!
- Preciso que imprima as fotos. – estendo o pendrive.
- Certo. São quantas?
- Cem.
- 13x18?
- Sim.
- Daqui uma hora e meia estarão prontas.
Assinto, depois me despeço e sigo para casa.
Acabo dormindo demais e só vou pegar as fotos no final da tarde, prometendo a Charles pagar depois. Em seguida levo o objeto direto para a casa do cliente. Colo o adesivo com o nome dos noivos na capa e bato na porta. Quem atende é uma mulher na faixa dos vinte anos, a qual usa um uniforme branco e cinza.
- Quero falar com Gregório Oliveira.
- Qual o interesse?
- Vim trazer o álbum de casamento da filha dele.
- Certo, só um minuto.
Aguardo até que ela retorne com um envelope, me entregando. Dou o álbum, juntamente com a cópia digital. Ao conferir o cheque, logo percebo que há algo errado.
- Está faltando dinheiro.
Ela parece confusa.
- Foi isso que ele deixou.
Confiro o envelope novamente, mas só há aquele pedaço de papel.
- Tem certeza?
- Sim.
- Posso falar com ele?
- Ele saiu.
Respiro fundo, tenho que encontrar uma solução, dependo desse dinheiro para fazer muita coisa.
- Espere um pouco, vou ligar para ele. – digo.
Acena com a cabeça, ainda segurando o álbum. Um pouco irritado, procuro o número na lista de contatos. Depois de vários toques sou atendido.
- Alô.
- Oi Gregório, é Marcos, o fotógrafo do casamento. – falo de forma gentil.
- Oi meu rapaz, já deixei seu dinheiro em casa, pode ir buscar.
- É sobre isso mesmo que quero falar, acabei de conferir o cheque e está faltando dinheiro.
Silêncio se segue.
- É... é que estamos passando por um momento de crise, e acabei gastando mais do que o planejado com o casamento, tempos difíceis, você sabe.
Acordo, mas por dentro já me enraiveço, prevendo o rumo que a conversa tomará.
- Mas a gente já tinha combinado o valor.
- Eu sei, mas peço que entenda a minha situação.
Eu tenho que entender a situação de um cara rico? Tá certo.
- Vamos conversar, pode me pagar depois.
Silêncio.
- Sinto muito, mas é que realmente estou vivendo uma situação complicada com os meus negócios, mas vou indicá-lo pra uns amigos.
- Mas é que...
Ouço o bip continuo do telefone, desligou na minha cara. Aquele velho caloteiro filho da puta desligou na minha cara.
Após guardar o aparelho, penso em pegar o álbum e descartá-lo na lata de lixo mais próxima, mas sabendo que correria o risco de enfrentar um processo, prefiro fazer o que qualquer pobretão no meu lugar faria: despeço-me da moça e sigo para casa, me contentando com o que recebi.
Debruçado sobre as contas, escrevo tudo que tenho para pagar em uma folha de papel. Com a ajuda do celular, calculo meus gastos principais, percebendo que com a quantia que possuo, a única coisa que ficará em débito é o aluguel.
Levo as mãos ao rosto, praguejando e desejando que o velho vá à falência. O valor que cobro por evento é previamente pensado para suprir minhas despesas mensais, como água, luz, manutenção da câmera, aluguel, internet, além de uma porcentagem para alimentação. Faço isso visando que se conseguir um trabalho por mês, consigo sobreviver até o seguinte, onde a luta recomeça.
Penso e repenso soluções possíveis. Helen virá amanhã e tenho que ter esse dinheiro, já é o quarto mês que pago atrasado.
Poderia pegar um empréstimo no banco, mas é um valor pequeno e provavelmente os juros dobrariam a quantia; poderia pedir para um dos meus amigos, mas creio que nenhum deles está em condições nesse momento; poderia pedir para minha irmã, mas depois do que meu pai fez, prefiro ficar longe do dinheiro da família Bragança.
Gasto os neurônios imaginando o que fazer, ficando até com dor de cabeça. Odeio quando as situações fogem do meu controle.
De repente algo me vem, posso pedir à Francine, sei que ela ganha mais de dois salários de aposentadoria, então dinheiro não será problema.
Caminho até sua casa. Respiro fundo e bato na porta da mulher.
- Oi Marcos. – parece feliz em me ver.
- Oi. – ostento o meu melhor sorriso. – Sei que isso é chato, mas preciso da sua ajuda.
- Em que? – mostra-se prestativa.
Tomo coragem para falar, pois por algum motivo me sinto tímido.
- Fiz um trabalho ontem...
- Que bom! – me interrompe. – Aonde?
- Um casamento.
- Amo casamentos.
Sorrio, assentindo.
- O problema é que a pessoa que me contratou não pagou o valor integral, e eu meio que estou sem dinheiro pro aluguel. – faço uma pausa, para que compreenda. – E queria saber se pode me emprestar esse dinheiro.
Percebo que está pensativa.
- De quanto precisa?
- Trezentos.
- Olha... – parece decidir o que fazer. – Essa quantia fica complicada.
Não consigo disfarçar a frustração, ela era minha última opção.
- Não tem nem a metade? Sabe como Helen é, se não paga-la amanhã é possível até que me despeje.
- Desculpe, querido. – diz, triste.
Não me contento com a resposta. Como uma mulher de sessenta anos pode gastar tanto dinheiro no período de um mês? Pelo que sei, seus filhos são independentes e ela não tem quase nada a pagar.
Não permito que o desespero tome conta, e uma ideia surge, mas a repudio logo em seguida.
Parte de mim insiste que prossiga com a ideia, mas outra quer ir para casa e chorar.
- Marcos?
Ela me mira, confusa. Há quanto tempo estou parado e em silêncio?
- É...
Decido seguir a ideia.
- Você sabe o quanto preciso desse dinheiro. – estico o braço, pegando em sua mão direita.
A mulher olha para o gesto e fica ruborizada.
- E se arranjar pra mim, posso te recompensar de outra forma. – falo de forma mais lenta, umedecendo os lábios ao final.
Arrependo-me das palavras logo que saem da minha boca. Que porra estou fazendo?
- Eu posso ver se dou um jeito. – diz, gentilmente. – Pelo menos uma parte.
Por maior que seja o peso na consciência, já que comecei, tenho que ir até o fim nisso.
- Agradeço muito. – pendo a cabeça para o lado e abro um sorriso de canto de boca, ato ao qual Aline nunca resistia.
- Não tem o que agradecer, você sempre foi tão bom para mim. – percebo o nervosismo em sua voz, juntamente com um toque de felicidade.
Com toda certeza eu vou pro inferno.
Viro e começo a andar em direção a minha casa.
- Marcos, espera!
Não consigo conter o sorriso, nem eu acredito que isso está realmente funcionando. Mas logo em seguida o arrependimento me toma, Francine não merece ser enganada dessa forma. Minha mente é um conflito de emoções nesse momento.
Retorno, já sentindo o calor e o cheiro de chorume, juntamente com a voz do tinhoso em minha orelha esquerda, me chamando.
- Lembrei que tenho um dinheiro que iria levar para a igreja amanhã, pra ajudar a comprar comida para os moradores de rua, mas posso te dar.
Sorrio em agradecimento. Primeiro seduzindo velhinhas e agora tirando alimento de mendigo, parabéns Marcos.
A mulher se apressa em direção ao quarto, enquanto aguardo na entrada. Não demora até que retorne com a quantia.
- Lhe pago logo, prometo.
- Certo. – sorri.
Devolvo o gesto, sabendo que não cumprirei a promessa por tão cedo, mas é mais fácil inventar desculpas para Francine do que para Helen.
Quando me preparo para ir embora, sou surpreendido por um aperto na bunda. Seguro a vontade rir e viro a cabeça, lançando-lhe um sorriso envergonhado. Ela por sua vez, nem disfarça que cometeu o gesto, umedecendo os lábios.
Um pouco assustado e constrangido, me apresso até a residência, com medo de ser atacado ali mesmo.
~ <> ~
Na noite do dia seguinte, estaciono a frente do bar que meus amigos e eu costumamos ir. O lugar sempre com seu estilo acolhedor e um pouco rústico. Olho para dentro, vendo poucas pessoas no balcão e nas mesas, o que me causa estranhamento, mas deve ser por causa do horário. Caio sempre marca de sair cedo, pois se chegar tarde em casa, enfrentará a ira de sua esposa.
Busco por algum de meus amigos na varanda que possui cinco mesas, e não demoro a localizar a cabeça mais linda do Brasil.
- E aí, rapaz.
- E aí Marcos.
Nos cumprimentamos com um toque de mão.
- E Nick?
- Atrasado como sempre.
Sentamos e pedimos uma cerveja. Segundos depois, o senhor autoestima chega, abordo de um Uno cinza. O carro parece novo.
- Qual é a desse carro? – falo, curioso.
- Comprei essa semana.
Ele nos cumprimenta.
- A loja do seu tio está dando tanto dinheiro assim? – Caio parece impressionado.
- Estamos passando por um bom momento. – sorri. – E a loja não mais é do meu tio, é minha agora.
Fico surpreso.
- Como conseguiu tal proeza? – digo de forma descontraída.
- O velho não ia lá há muito tempo, bastou jogar um papo e um pouquinho de sentimentalismo e ele assinou os papéis rapidinho. – se gaba.
- Seus pais já sabem? – Caio indaga.
- Ainda não, mas farei questão de esfregar na cara deles. – expõe. – Ei chefia, traz uma cerveja ai pra mim. – fala em direção ao balcão.
- Pra que isso cara, você já é adulto, deixa seus pais em paz. – falo.
- Nunca esquecerei do que disseram quando me expulsaram de casa Marcos, não descansarei até prová-los que estão errados.
- E isso foi há o que? Vinte anos?
- Não importa, escreverei na lápide deles se precisar.
Suspiro, me contentando de que não mudarei sua opinião.
- E Mari, como está? – me direciono a Caio.
- Um tanto fogosa, ultimamente. – sorri, levando a garrafa a boca.
- Está em que mês?
- Entrando no quarto.
- Isso é normal nesse período. – digo. – Aproveite enquanto pode, pois daqui a uns três meses ela não conseguirá sentir seu cheiro sem querer te dar um soco.
Ri.
- Ontem fizemos três vezes e ela ainda queria mais.
- Compra um vibrador. – Nick se pronuncia.
- Vou comprar um e enfiar no seu rabo, o que acha? – Caio fala de forma agressiva.
- Calma Cabeça, só dei uma sugestão. – fica na defensiva.
- Até concordo com Nick, pode ser uma boa ideia. – digo.
- Porque caralhos compraria um vibrador se ela tem um de carne e osso para usar? – exalta a voz, se arrependendo logo em seguida.
- Talvez o vibrador faça um melhor trabalho. – Nick ri.
Caio o encara, chateado, decidindo relevar o comentário.
- Pensa em quando chegar em casa cansado, pode ser útil. – esclareço.
- Melhor não, deixa que eu me viro.
Tomo um gole da bebida. Tenho que aproveitá-la o máximo possível, é a única que terei pela noite. Nesse momento o garçom chega com a cerveja do meu amigo.
- E quando virá o seu Nick?
- O meu o que?
- Bebê. Eu já tenho o meu, o de Cabeça está vindo daqui uns meses, só falta você.
Ri, se divertindo com a fala.
- Claro, pode deixar, vou engravidar uma desconhecida por aí, só para abrirmos um clube dos papais.
Todos dão risada.
- Eu faço as carteirinhas. – Caio diz, entre gargalhadas.
- Falando sério, fico melhor com minha solteirice.
- Pensei que estava namorando. – digo, tentando parar de rir.
- Demos um tempo.
- De novo! – Caio exclama.
Não me surpreendo com a informação.
- Acontece. – sinto o desânimo em sua voz.
- Vocês já estão pior que ioiô. – Caio toma mais um gole da bebida.
Nick se volta para o celular, nitidamente constrangido e o silêncio prevalece por alguns segundos.
- Sabem minha vizinha? – digo de forma abrupta.
- A velha? – Nick questiona, ainda encarando o aparelho.
- Sim. – respondo. – Dei em cima dela ontem.
Recebo olhares arregalados e confusos em resposta, como previa.
- Por quê? – Caio busca entender.
- Estava precisando de dinheiro pro aluguel e ela tinha.
Depois de um segundo de silêncio absoluto, os dois começam a gargalhar.
- É sério isso? – Caio se mostra incrédulo.
- O pior que sim. – não consigo conter o sorriso.
- Não sabia que estava fazendo bico como gigolô, as coisas estão tão difíceis assim? – o outro brinca.
- Vai se fuder, Nick. – digo de forma descontraída, enquanto tomo outro gole.
Continuam com a chacota até a chegada da segunda rodada. Passo minha cerveja para Nick.
- Vai beber as duas? – Caio questiona.
- Com certeza. – Nick parece animado.
- Mas não está esquecendo alguma coisa? – mexe a cabeça discretamente na direção do carro.
- Você dirige pra mim.
- Nem pensar.
- Qual é, Cabeça, faz esse favor.
- Não. Toda vez que saímos para beber, você fica com essa conversinha, e eu que tenho que bancar a babá de bêbado.
O homem dá de ombros.
- O Marcos me leva então.
- Se cair da moto no meio da rua, te deixo lá. – aviso, em tom de brincadeira.
Sorri, bebendo metade da garrafa de uma vez.
Alguns minutos passam e Nick me chama a atenção, desvio o olhar do celular e o miro.
- Tem duas gatinhas a sua esquerda que não param de olhar pra cá.
Olho discretamente na direção indicada, percebendo as belas mulheres na mesa ao lado, as duas parecem ter pouco mais de vinte anos.
- Escolhe. – fala baixo.
- Quando abandonará essa fixação por meninas novas, hein? – devolvo.
- E porque abandonaria?
- Talvez porque já tenha idade para ser pai delas.
- Não ligo para isso. – desdenha. – E quem gosta de velha aqui é você meu amigo.
Percebo Caio tentando conter o riso.
- Só estou dizendo que há mulheres com mais experiência por aí, que podem somar mais a sua vida do que um par de peitos siliconados.
- Mas eu amo peitos siliconados. – brinca.
- Passo, pode ficar com as duas se quiser.
- Você quem está perdendo.
Desconsidero o comentário, assistindo enquanto ele vai cambaleante até a outra mesa.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.