10 de julho de 2034.
Trinta minutos de caminhada depois, finalmente alcanço algo aberto. A boca saliva ao avaliar os cardápios expostos, mas olho para baixo e vislumbro o volume saliente da minha barriga. Decido buscar uma opção mais saudável.
Após andar mais um pouco me deparo com algo peculiar, um bar que só vende sucos. Estranho a princípio, especialmente quando leio o cardápio exposto com variedades de misturas. Resolvo entrar.
- Bom dia. – o atendente vem em minha direção.
- Bom dia. – encosto no balcão.
Pego um dos cardápios e com um sorriso ele diz que posso ficar a vontade. O lugar é pequeno e combina bastante com a atmosfera praiana, com as paredes e os móveis em branco e verde. Não há muito público, sendo dois homens em uma mesa e um casal em outra, também há uma mulher ruiva que mexe no celular, quatro cadeira à minha esquerda.
Fico em um sério dilema ao analisar a cartilha que tenho em mãos, é muita coisa. Algumas misturas parecem nojentas e outras saudáveis demais para mim.
- Quero um de caju, com acerola e mel. – falo.
O atendente estica a cabeça para o plástico.
- Número 36.
- Isso. – confirmo.
Sorri e atravessa uma cortina verde à direita.
- Marcos? – ouço uma voz feminina.
Viro e vejo a mulher ruiva sorrir. Demora um pouco, mas a reconheço:
- Olivia!
- Meu deus, como está diferente com essa barba. – vem ao meu encontro e nos abraçamos.
- E você está igual.
Ela ri e só depois percebo os cabelos mais longos, presos em um rabo de cavalo.
- Como está a vida? – sentamos lado a lado.
- Isso é uma pergunta ampla. – rio brevemente. – Bem normal se quer saber.
- Normal como? Quero os detalhes Marcos.
Busco na mente o que falar.
- Meu pai faleceu; voltei a morar com Nick, porque estava sem dinheiro, mas agora as coisas estão se normalizando...
- Meus pêsames. Quem é Nick mesmo?
- Meu amigo, aquele com olhos verdes, cabelo bagunçado.
Ela pensa um pouco, olhando para o nada.
- Ah, sei. – conclui. – O que chorou quando assistimos Star Wars. – ri.
- Esse mesmo. – devolvo o gesto.
- Lembro dele repetindo com o Darth Vader a frase: ‘Luke, eu sou o seu pai’, e aplaudindo depois.
- É a cena favorita dele.
Ela se diverte com o comentário.
- E você, muitas novidades?
- Muitas. – fala, animada.
No mesmo instante arrependo de perguntar, Olivia é do tipo de pessoa que ama falar sobre a vida, lembro que era difícil mantê-la quieta por muito tempo. Mas no fundo não a julgo já faz anos que não nos vemos, creio que é possível acontecer bastante coisa nesse meio tempo.
- Fui promovida e sou a responsável pelo departamento de mídia social há dois anos.
- Que legal. – fico surpreso.
- Não é!? Sabe que sempre gostei dessas coisas, afinal não vivo sem o celular, e já fazia por diversão na faculdade, mas poder ganhar com o que gosto é um sonho, e receber para isso é melhor ainda.
- Imagino.
- Até apareci em uma reportagem, menino, me deixa procurar o vídeo. – mexe no aparelho e logo o estende em minha direção.
Nas imagens ela veste um terno rubro e fala com a repórter em meio ao ambiente de trabalho, computadores e mesas se estendem às suas costas.
- Passou na Bahia toda, não é um máximo!?
- Com certeza. – admiro.
- Não vai acreditar, eu casei. – muda de assunto abruptamente, pousando o aparelho no balcão.
- Quando?
- Há uns três anos. – revela. – Desculpa não convidar, é que com aquele negócio entre você e Aline não queria que as coisas ficassem estranhas.
- Sem problemas. Quem é o sortudo?
- Foi, no caso, não estamos mais juntos.
Fico chocado com sua fala.
- Mas já? Por quê?
- Achei que tinha encontrado meu príncipe encantado, alguém que me aturasse, mas ele pensava de uma forma muito diferente. – diz. – As pessoas estão certas ao dizer que só se conhece alguém de verdade quando se divide um teto com ela.
Concordo com a cabeça.
- Mas não nos divorciamos, só estamos dando um tempo. – suspira. – Como pode algo que parecia tão certo dar errado?
- À vida tem dessas. – as semelhanças me atingindo como socos.
Ri brevemente.
- A pior parte disso é que engravidei.
A mulher não para de surpreender. Arregalo os olhos em resposta.
- Ela tem quase dois anos agora. Quer ver a foto?
Antes que possa responder, ela saca o celular e mostra a tela de bloqueio. Sentada no que parece ser uma cama, um bebê de pele morena ostenta os poucos fios de cabelos presos por um arco rosa com um laço da mesma cor.
- Que fofura, muito linda. – sorrio. – Como se chama?
- Maria Clara. – responde. – Esse foi o primeiro dia que conseguiu ficar sentada sozinha.
Percebo o brilho nos olhos, conseguindo compartilhar do sentimento.
- E onde ela está?
- Com o pai. Hoje é minha folga e só queria ficar longe de todo aquele choro, fraldas e mamadeiras.
Sorrio por educação, notando a ironia. Enquanto uns buscam qualquer oportunidade para ficar perto do filho, outros querem “se ver livres” dele.
Minha bebida chega e a arrasto para mais perto, a fim de usar o canudo.
- O que aconteceu com a mão? – indaga.
- Machuquei no trabalho. – já estou ficando farto de contar essa mentira.
- Não sabia que fotografia era tão perigoso.
Penso em como completar.
- Foi na fábrica onde trabalho.
- A da sua família?
Aceno positivamente, tomando um gole do suco, que surpreendentemente é delicioso, a combinação de sabores é muito boa.
- Falava tão mal daquele lugar que nunca pensei que trabalharia lá.
- Nem eu.
Olivia ri e levemente toca meu peitoral.
- Ainda trabalha com Aline? – indago.
- Sim. Em departamentos diferentes, mas sim.
Não sei como continuar. Tenho vontade de perguntar cada detalhe da vida atual da minha ex-esposa, mas contenho tal impulso, tomando mais suco.
- Vi Theo semana passada, está uma graça, e bem parecido com você, claro que sem essa barba. – volta a falar quando percebe que fiquei mudo por muito tempo.
Sorrio.
- O viu aonde?
- Numa loja de brinquedos no Centro, com Eric. – diz. – Pobre garoto, se não fosse Eric, viveria preso em casa, pois Aline parece que mora no escritório. Já falei umas mil vezes para tirar umas férias, mas ela só faz se entulhar mais de trabalho.
Incomoda um pouco o que ouço, mas tento não transparecer.
- O que vai fazer no resto do dia? – indaga.
- Não sei, ficar aqui pela praia e depois voltar pra casa talvez.
- Vem dar um volta de bicicleta comigo.
É só nesse momento que noto seu vestuário: calça legging e top, ambos cinza. Fazia atividade física antes de parar aqui.
- Não tenho bicicleta. – justifico.
- Tem um lugar perto daqui que aluga.
- Você quer mesmo que eu vá, né? – falo em tom descontraído.
- Será divertido, prometo. – sorri. – Além de que está precisando. – bate na minha barriga algumas vezes e lanço um olhar julgador.
Penso enquanto tomo outro gole de suco. No final das contas, ela pode estar certa, e tinha certeza que o próximo destino depois daqui seria minha cama.
- Está bem.
Olivia vibra. Acabo com o restante do líquido, pago, e saímos.
Leva cerca de vinte minutos até chegar ao lugar, preencher a ficha e pegar a bicicleta. Ajeito a bolsa com a câmera na garupa e seguimos pela ciclovia que há ao lado da orla. Coqueiros de um lado e grama do outro, apesar do sol no ponto alto, a brisa ameniza a sensação térmica. Observo as pessoas e os resquícios de mar ao longe. Passamos por tendas que oferecem massagens e fico tentado a parar. A pista vermelha de duas vias por onde pedalamos é só parte de um caminho muito mais largo. Famílias caminham do lado esquerdo, na continuação da estrada de pedrinhas brancas e pretas que passei mais cedo. Ocasionalmente vejo bancos em formato semicircular e um parquinho cheio de apetrechos e brinquedos, os quais nunca notei das outras vezes que vim.
Olivia, ao lado, faz o mesmo que eu, contemplando a paisagem e se enchendo de vitamina D. Quando ultrapassa, não consigo deixar de olhar sua bunda, a malha apertada delineando os glúteos, mas logo miro o coqueiral, afastando os pensamentos eróticos.
Ao final da ciclovia, quando penso que dará meia volta, ela prossegue, atingindo o asfalto.
- Para onde está indo?! – grito, mas a mulher ignora.
Tento pedalar mais rápido para alcançá-la, mas já estou bem cansado. Não tenho outra escolha a não ser continuar seguindo-a em meu próprio ritmo e torcer para que faça uma pausa.
Dez minutos se passam e ainda estamos na BA-099, já transpomos as fachadas dos condomínios de luxo, restaurantes e hotéis em construção, e muito matagal.
- Olivia! – falo quase sem fôlego.
Ela olha para trás e sorri.
- Vou parar, pra mim já chega!
Demoro, mas enfim cumpro a ameaça, praticamente caindo da bicicleta em meio ao mato na beira da estrada. Ao notar que fiquei para trás, a mulher dá meia volta.
- O que aconteceu?
- Para onde... está... me levando, caralho. – falo, ofegante.
- É uma surpresa.
- Podia... ter avisado... antes. – recupero o ar aos poucos, sentindo o suor descer pelas costas.
- Aí não teria graça. – fala de forma divertida. – Vamos, levanta.
- Só mais um pouco. – abaixo a cabeça e mostro o indicador.
Ela tira a garrafa metálica do quadro da bicicleta e me entrega. Bebo o líquido como se se minha vida dependesse disso. Após alguns minutos continuamos.
O que vejo é só relva, de todos os lados, por metros e metros. Por segurança pedalamos pelo acostamento, e Olivia diminui o ritmo para que eu não me canse muito e consiga chegar seja aonde for, vivo.
Em determinado momento vejo uma placa indicando que a praia do Forte está a dez quilômetros. Será que esse é o destino? Porque ela me levaria de uma praia para outra?
Aproximadamente vinte e cinco minutos depois, avisto alguns comércios de beira de estrada, como borracharias, postos de gasolina, e venda de carros usados. A civilização se faz presente aos poucos, casas e sobrados se espalhando por aquele cenário campestre.
Sofro durante uma subida e quando chego ao ponto mais alto só quero sentar e chorar, estou muito cansado. O cabelo gruda na testa e a regata no corpo. Até a bunda soa, umedecendo a cueca e o short.
Ignoro qualquer tipo de fauna, flora ou rio devido à exaustão, nesse momento não sei discernir beleza de feiura. Uma placa informa que estamos entrando na área de proteção ambiental do litoral e nesse instante lembro que é nessa região que se localiza a base do Projeto TAMAR. Sempre quis ir, mas nunca tive a oportunidade. Será que Olivia está me conduzindo para lá? A possibilidade me anima.
Cinco minutos depois ela desvia para uma estrada recém-asfaltada e completamente despovoada. De repente para.
- Vai roubar meus órgãos... agora? – tento brincar, mas estou sem fôlego para isso.
Ela só se limita a sorrir e começa a empurrar a bicicleta mata adentro.
- Agora seguimos a pé.
- A pé?!
- Para de reclamar, será rápido.
- Foi o que disse antes, há quinze minutos! – dou ênfase às últimas palavras.
A mulher desconsidera o comentário e avança. Olho de um lado para o outro, concluindo que, se me dispus vir até aqui pedalando, carregar a bicicleta pelo matagal não será nada.
Minutos de caminhada depois, alcançamos um descampado gigantesco e logo avisto as ruínas de uma construção.
- Onde estamos? – indago.
- Larga a bicicleta aí e vem. – ela pousa o objeto no chão.
Pego a bolsa da câmera e faço o mesmo. Olivia agarra minha mão, apressando até a trilha que leva para o local.
- Ainda não me respondeu. – tento acompanhar seus passos agitados.
- Nasceu em Salvador e não conhece esse lugar? – fala em tom surpreso.
- Não. Deveria?
- Claro, é um dos monumentos mais antigos do Brasil.
- Que é exatamente...
- É o Castelo Garcia D’Ávila, não é lindo?
Vislumbro o que posso no tempo que tenho, mas logo perco a construção de vista quando nos aproximamos de um prédio branco ao lado das ruínas.
- E porque me trouxe até aqui? – procuro entender.
- Porque é maravilhoso, ué. – diz como se fosse algo óbvio.
Me detenho a rir de sua personalidade que às vezes se mostra espontânea demais. Na entrada do prédio, visualizo um grupo de pessoas em seu interior, uma delas parece dar uma palestra ou no mínimo explicar algo. Puxo a mulher abruptamente para o lado, onde ninguém possa nos ver.
- Porque algo me diz que não poderíamos estar aqui dessa maneira?
- Relaxa, faço isso sempre.
- E porque não entramos pela porta e sim pelo meio do mato?
- Marcos, não teremos problema algum, prometo. – a voz soa terna. – O que aconteceu com você? Era mais corajoso antes.
- Criei uma coisa chamada juízo.
Ela ri.
- Vamos, se não perderemos o resto da explicação.
A mulher me puxa para dentro e logo somos notados pelo homem de meia idade na outra extremidade do cômodo.
- Desculpe, acabamos nos atrasando. – ela mente, entrelaçando o braço no meu.
- Sem problemas, estamos no início.
Repreendo-a com o olhar, mas Olivia só me encara por alguns segundos, como se dissesse: ‘Segue o plano’.
Pela arquitetura e pelo estilo do banco onde nos acomodamos, logo percebo que o local se trata de uma capela antiga.
Toda a estrutura é construída em mármore branco, que nitidamente sofreu os efeitos do tempo, pois apresenta diversas manchas amareladas e alaranjadas. Há estátuas de santos à direita e esquerda, embutidas em vãos na parede. Olho para cima e me deleito com a visão da cúpula, com suas linhas vermelhas geométricas que formam o desenho de uma estrela de seis pontas, ligada a cada pilar, e no interior, diversos círculos, partidos em pedaços por mais linhas.
- A Capela de Nossa Senhora da Conceição foi construída em 1551, juntamente com o restante do forte. Ela foi planejada para retratar as capelas medievais que existiam na Europa naquela época. – o homem sob o grande arco a nossa frente explica.
Em um movimento instintivo, tiro a câmera da bolsa e a ergo devagar, mas Olivia impede com a mão.
- Agora não Clark Kent.
Obedeço, mesmo contrariado. Minhas mãos formigando para capturar o ambiente bucólico.
Corro os dedos banco da frente, onde estão duas mulheres. O objeto é feito de forma simples e seu acabamento é fantástico, sem contar a alta qualidade da madeira. É possível até ver os “nós” e as “vinhas” do material, dando a impressão de que foi retirado da árvore nesse formato, e não feito por alguém. Direciono o olhar para o piso de pedra, que parece um monte de tijolos encaixados um ao lado do outro.
- A capela tem sido restaurada pelos moradores locais através dos séculos e até hoje é usada para encontros religiosos e casamentos. – o guia completa.
Após dar outras informações históricas as quais não presto atenção, o homem nos deixa livre por alguns minutos para explorar e admirar o local.
O grupo de pessoas é pequeno, mas é o suficiente para me atrapalhar de conseguir cliques perfeitos. A iluminação do ambiente também não ajuda. É uma tarefa quase impossível capturar uma imagem decente das estátuas folheadas a ouro no fundo da capela. Após muito estresse, desisto e me contento com as poucas fotos que tirei.
O guia logo interrompe, chamando no lado de fora, e nos conduz até as ruínas.
- Gostando? – a ruiva indaga.
- O lugar é realmente bonito. – admito.
- Falei que seria legal, senhor resmungão. - sorri, convencida. Devolvo o gesto.
Passamos pelo o que o homem chama de sítio arqueológico, expondo que atualmente ainda ocorrem escavações e que o castelo é fonte de estudo constante, pois ainda guarda “segredos”. Pelo caminho há placas que resumem a história do lugar, mas não me dou o trabalho de lê-las, afinal temos um guia.
Cruzamos uma das fileiras de arcos da construção. As pedras escuras e cheias de limo compõem o redor. A grama que cobre essa área provavelmente foi plantada recentemente, pois reluz verdejante sob os raios de sol do começo da tarde.
- Como citei anteriormente, O Castelo Garcia D’Ávila, ou Casa da Torre, foi construído entre 1551 e 1624. A construção demorou quase um século, pois naquela época, parte da matéria prima foi importada da Europa.
- Vai dizer que não conseguiam encontrar pedra aqui no Brasil. – Olivia comenta de forma sarcástica, me tirando uma risada.
Fotografo como posso, tentando ao máximo fazer cliques do meu agrado. Nos encaminhamos para outras áreas da estrutura, tão destruídas quanto a anterior. Peças de ferro se estendem pelo percurso para evitar que danifiquemos o piso original.
Ao deixarmos a parte mais escura e subir para andaimes no primeiro andar da estrutura, preparo a câmera.
- O forte foi erguido por ordens de Garcia D’Ávila, almoxarife do primeiro governador-geral do Brasil, Tomé de Sousa. O lugar se tornou uma das primeiras grandes edificações portuguesas em território brasileiro. Este é também o único castelo construído em estilo medieval de todo o continente americano. – o guia diz.
Não paro de me impressionar com a estrutura, imaginando como era no passado. De repente noto barras de ferro no interior dos vãos que antes comportavam janelas.
- Para que serve isso? – pergunto, elevando a voz acima das conversas, a fim de ser ouvido.
- Esses armamentos metálicos servem para dar maior sustentação. Eles e outras adaptações, como o andaime onde estamos, foram feitos para facilitar a visita ao castelo e garantir a conservação da estrutura original. – o homem a frente do grupo responde.
Seguimos por corredores de metal improvisados, subindo mais um lance de escadas até o segundo andar. A princípio a claridade incomoda, não há nada que nos ampare do sol. Mas quando os olhos se acostumam fico boquiaberto, a visão é deslumbrante.
Coqueiros e outros tipos de relva se estendem por metros a frente, e mais ao fundo lá está o mar, azul e brilhante; o céu com poucas nuvens completa a paisagem. Abro espaço no grupo, até próximo do guia, tentando encontrar um local perfeito para tirar as fotos.
A cada clique é como se capturasse o paraíso através das lentes, e mesmo assim as imagens não fazem jus ao que pode ser observado a olho nu. As cores vibrantes do ambiente me hipnotizam.
O grupo retorna, com o homem dando mais informações, mas permaneço ali. As ruínas do térreo se estendem aos pés, um pequeno batente de aço parcialmente enferrujado nos separa.
- Não me canso dessa vista. – Olivia suspira.
- Quantas vezes já veio?
- Muitas. – ri brevemente. – Sempre que tenho tempo. Estou ficando em um edifício perto da praia do forte.
Volto a me concentrar na câmera, fazendo questão de registrar cada detalhe daquele lugar. De repente uma mão interrompe a atividade e Olivia me puxa para o beijo. Pego de supetão, demoro alguns segundos para entender o que está acontecendo, mas logo retribuo, agarrando sua cintura com a mão engessada e aproximando os corpos. Seus lábios finos tocam os meus e rapidamente as línguas entram em sintonia.
- Sempre te achei gostoso. – arfa quando nos separamos.
- Mesmo agora todo suado e fedorento? – brinco.
- Agora não, mas dá pro gasto. – irrompemos em risadas.
Afasto as mechas da testa e voltamos as caricias.
- Quer ir para minha casa? – propõe.
~ <> ~
O apartamento localizado a um quarteirão da praia é luxuoso. Tenho cuidado ao entrar e para não esbarrar em nada.
- Não liga a bagunça. – fecha a grande porta branca.
- Chama isso de bagunça porque não viu minha casa. - lhe arranco risadas.
- Onde está morando?
- No Cabula ainda, só que estou ficando na casa de Nick temporariamente, mas já busco algo que será meu, quero sair logo do aluguel.
- É a melhor coisa que fará. Também tenho esse objetivo, só estou aguardando as coisas se ajeitarem com meu marido. – a última palavra sai mais sentimental do que planejara.
Olivia tira o tênis e a meia, e a sigo até a cozinha.
- Água? – oferece.
- Por favor, bem gelada.
Ela serve a nós dois.
- Vou tomar banho, quer vir?
Termino o líquido e aproximo rapidamente o nariz das axilas, fazendo uma feição exagerada:
- Acho que estou precisando. – gracejo.
Um sorriso corta seus lábios, ela se aproxima e me beija.
- Tem uma sacola ou um pedaço de plástico? – indico o punho engessado.
- Vou ver.
A mulher distancia em direção a área externa e resolvo explorar um pouco a residência. Vejo uma sala de televisão, um banheiro e um quarto com cama de solteiro e um berço. Nas andanças finalmente chego ao quarto de Olivia. Há uma enorme cama de casal redonda à direita e um armário espelhado à esquerda, o qual toma quase toda a extensão da parede, sobrando espaço somente para a entrada do closet.
Atrás de mim, escondido por uma porta marrom, há um banheiro. Sem pudores, já começo a tirar a roupa, permanecendo de cueca. Observo meu reflexo cansado, o cabelo similar a um porco espinho molhado, e o topete completamente grudado na testa, formando uma franja. Rio brevemente e lembro que tenho que cortar o cabelo logo.
- Marcos? – a voz da mulher ecoa.
- No quarto!
Ela chega e para um instante, a observar.
- Se sentindo à vontade, hein. – brinca.
- Desculpa, tenho essa péssima mania de sair me espalhando pela casa dos outros. – seu comentário me deixa um pouco acuado.
Olivia dá de ombros, sem se importar com minha inconveniência.
- Achei isso, serve? – mostra um pedaço de papel celofane verde. Contenho a risada.
- Serve, só precisarei de uma fita.
Assente, providenciando rapidamente. "Embrulho” a mão machucada, e orgulhoso exibo o trabalho digno de uma criança.
- Parece um ovo de páscoa, mas tudo bem. – ressalta, me fazendo rir.
Sem cerimônias livra-se das vestimentas, permanecendo com a lingerie que não forma par perfeito, o sutiã é roxo e a calcinha vermelha. Miro suas curvas, coxas torneadas e braços definidos. Perante tal corpo escultural, fico até acanhado com minhas gordurinhas. Quando percebo, os cabelos ruivos já estão soltos, praticamente remodelando o rosto oval. Passos tranquilos, e as bocas encontram novamente. Aproveito cada segundo do afago prolongado, onde as línguas movem sabendo exatamente o que fazer.
- Te ajudo com a última peça. – com olhar malicioso, suas mãos arrastam a cueca devagar, em expectativa.
Os gracejos e sons que produz com a boca colocam um sorriso em meu rosto. É surpreendente como nos comportamos como um casal experiente, sem medos ou vergonhas. Nesse quesito, nossa conexão foi instantânea.
Ao revelar o membro flácido, Olivia analisa por alguns segundos e depois retorna a mim, sei exatamente o que seu olhar quer dizer. Mas é como Nick fala: ‘Não julgue um guerreiro antes que sua espada esteja empunhada e pronta para a batalha’.
O sutiã atinge o chão e tenho uma grata recompensa. Os seios praticamente saltam da peça que parecia comprimi-los, se mostrando maiores. A ereção desponta e não reprimo o instinto, agarrando e massageando-os. Prefiro seios menores, pois permitem maior controle, mas não nego que os grandes são uma diversão à parte.
Beijo o pescoço brevemente, descendo para o colo e enfim abocanho o seio esquerdo enquanto estimulo o direito, permaneceria aqui por horas, como uma criança serelepe em uma loja gigante de doces. Mas Olivia interrompe, erguendo meu rosto e ocupando os lábios. Tem ferocidade na ação, empurrando-me em direção a pia. Apoio e continuamos as carícias. O tesão domina e não importo com o cheiro ou a textura que o suor causa à sua pele. Completamente ereto, o membro fricciona entre os corpos, igualando o calor interno ao externo.
- Temos que tomar banho. – fala, ofegante.
- É, temos. – chupo o pescoço, encontrando a boca em seguida.
A mulher distancia de súbito, retirando a peça inferior e adentrando o boxe. Sigo sem pensar duas vezes. A predominância de azulejos pretos constroem um ambiente mais intimista.
Água quente escorre pelos corpos enquanto os beijos prosseguem. Ela passa o sabonete, mas descarto, virando-a contra a parede de forma brusca. Uma mão massageia o seio direito e a outra afasta as mechas ruivas molhadas, correndo lentamente com a língua do ombro ao pescoço, eriçando os pelos. O aperto da palma direita intensifica enquanto deslizo a esquerda até o clitóris. Olivia arfa e pragueja baixo, aumentando meu tesão. Com certa dificuldade e algumas tentativas, encaixo o membro pulsante entre as nádegas, que o englobam de forma aconchegante e erótica. Através de movimentos verticais esbarro na entrada da vagina, e ela geme, ansiando me sentir tanto quanto anseio preenchê-la. Mas não o farei, não agora pelo menos.
A ruiva escapa do aconchego e me encara, tomando o controle ao agarrar o pênis com movimentos masturbatórios. As línguas entrelaçam agitadas, porém logo retardam de volta ao ritmo anterior. Não sei o que é melhor, seu beijo ou a pressão contínua com que segura a intimidade. A mistura dos dois é certamente uma amostra do paraíso.
O âmago ferve e gemidos me escapam. Deixo o furor dominar, puxando os fios da nuca, e o estalo do tapa em sua bunda reverbera pelo cômodo. Olivia berra, assustada, e depois sucumbe em risos. Aperto cada centímetro da lateral do tronco e coxas, liberando o desejo que me consome. Quando o intervalo entre as contrações do abdômen diminui exponencialmente seguro seu antebraço.
- Vai me fazer gozar assim. - o coração martela no peito e respiro ofegante.
- Essa é a intenção. - seus lábios vergam cheios de malícia.
Alcanço novamente sua boca, não conseguindo permanecer ali por muito tempo devido à agitação que sobe da pélvis e arrebata o restante do corpo.
- Geme pra mim, seu puto.
A língua passeia em seu pescoço e aos poucos abandono as travas de comunicação. Os sons guturais crescem em volume e tonicidade. Sustento em seus braços, delirando com a massagem na glande, que acelera progressivamente. O abdômen acompanha a respiração descompassada, e por vezes esqueço como expirar, tomado pelo comichão inebriante que alcança a base do membro. Antes que possa impedir, o inevitável ocorre. Cerro os olhos e as pernas bambeiam, seguido do relaxamento. A testa pende sobre seu ombro, recuperando o ar. As poucas gotas de esperma, como de costume, são avistadas no abdômen e na mão da outra, que comemora aos beijos.
- Que pauzão gostoso. - solta em meio as caricias, e devolvo um sorriso satisfeito. É raro encontrar mulheres que sabem te satisfazer manualmente.
Após se lavar, ensaboamos um ao outro. Delineio as curvas com as palmas, dando atenção especial aos seios. Olivia arranha minhas costas, estapeando a nádega esquerda com delicadeza, e permanecendo mais tempo nas coxas e abdômen. Com a espuma do shampoo, molda meu cabelo imitando o visual do personagem Nino, do castelo Rá-Tim-Bum, e gargalhadas preenchem o ambiente.
Já seco e cheirando a lavanda, arranco o celofane e direcionamos ao quarto. Passo a cueca pelas pernas da melhor maneira que consigo quando uma mão interrompe:
- Nada disso, não terminei com você ainda. - o olhar arde em tesão e as palavras surpreendem.
Sou jogado contra o lençol branco, usufruindo da maciez. A mulher engatinha até minha boca e reiniciamos a ação. As mãos em todos os lugares: massageando, acariciando e apertando. Ponho-me por cima e ela afasta as pernas em sinal de desejo, mas ainda não estou pronto. Beijo o pescoço, descendo até minha área favorita, onde junto os seios, abocanhando e aproveitando ao máximo.
- Eles são tão maravilhosos... - suspiro enquanto rodeio o mamilo direito com a língua.
- Continua chupando. - atiça, os pés correm agitados das minhas costas até a bunda.
Lambida pra cá, sugada pra lá, e nada de ereção. Retorno a sua boca, com certeza esse toque surtirá resultado. Chupo a língua intercalando com mordidas nos lábios, a mulher reage na mesma intensidade, esticando e alcançando o membro flácido, o que me enche de insegurança. Não posso falhar agora, não com ela.
Aumento a potência dos toques em um ato desesperado para recuperar a rigidez, mas não funciona. Os minutos passam e Olivia parece cada vez mais investida no momento, não cessando os gemidos. Sua área intima encharca em lubrificação. Chupo o pescoço tentando não demonstrar a chateação. A cabeça matuta e de repente algo me vem. Com um caminho de beijos chego entre suas pernas, a maneira perfeita de ganhar tempo até que o dito cujo resolva levantar, e ainda satisfazê-la. Entretanto, quando encosto no clitóris as madeixas são puxadas:
- Não precisa..., vem logo e me fode. - a voz sai impaciente.
Desnorteio por alguns segundos, sem saber como contornar. Pensa Marcos, pensa.
- Quero te ver gozar. - uso o tom sedutor a fim de disfarçar o pânico.
- Você vai. Agora coloca tudo, quero te sentir.
Sem escolha, regresso até encara-la, as respirações quase fundindo. O beijo é tão inerte e murcho quanto meu pênis, mas persisto na performance, como se nada acontecesse:
- Vou ao banheiro, rapidinho.
- Não demora. - umedece os lábios com um selinho.
Agilizo, fechando a porta com cuidado e encarando os azulejos escuros, como queria camuflar neles e fugir dessa situação. Miro o espelho e depois a virilha, esse filho da puta tem que ficar de pé.
A mão vai da base à cabeça o mais rápido possível, até o ponto de vermelhidão e ardência, mas só obtenho um terço da elevação, perdendo em seguida. Solto o ar pesadamente, alisando os cabelos em um misto de irritação e desânimo:
- É sério isso? - sussurro, as mãos na cintura - Tem uma gostosa te querendo. Viu o tamanho daqueles peitos? - bufo, exasperado. - Sei que é a segunda vez e estou exigindo demais, mas entende o meu lado.
O membro tomba para a direita, não poderia se importar menos.
- Lembra de anos atrás quando a imaginava nua? Todas as fantasias e a vontade de transar com ela? Agora você pode. Não tem Aline, ou casamento. Você é um pau solteiro, se comporte como tal.
- Está tudo bem, Marcos? - Olivia fala do outro lado.
- Claro! Mais um segundo. - volto para baixo: - Mostra um sinal de vida pelo menos, deixa que cuido do resto, só colabora, por favor.
Deixo a torneira derramar por um tempo para disfarçar, abrindo a porta perante o olhar ávido da mulher, que muda ao perceber a falta de atividade na área íntima.
- Onde paramos? - forço um sorriso, aconchegando ao lado. Agora vai.
O chamego reinicia, mas a mente não consegue focar. A eminência da broxada paira como uma bomba-relógio, prestes a explodir e revelar o cenário embaraçoso. Ela apalpa a virilha, mais uma vez encontrando a flacidez indesejada. A frustração chega a níveis insuportáveis, interrompo o beijo e permaneço de cabeça baixa, praguejando e me odiando profundamente.
- Desculpa, estou meio cansado. - não tenho coragem de encara-la, soltando a primeira coisa que vem na cabeça, mesmo sabendo que desculpa nenhuma justificará.
Silêncio se segue até que a pele macia da sua palma acarinha a barba:
- Quer ajuda?
Espero ver em seus olhos o mesmo descontentamento que cobre os meus, mas encontro solidariedade genuína, além de excitação. Aceito com curtos acenos de cabeça, esforçando para absorver um pouco da animação. Sua língua me envolve aos poucos, partindo da boca em direção ao pescoço e depois até a virilha.
- Relaxa. - as pupilas claras encontram as minhas, enquanto a mão direita alisa e arranha o abdômen.
Levemente inclinado para trás apoio no colchão e respiro fundo, expurgando a negatividade. A maciez dos lábios passeia tranquilamente pelos testículos e pênis, com o hálito cálido causando arrepios. Deposita beijos demorados e breves lambidas. As mechas avermelhadas são agilmente amarradas em um coque, e agradeço internamente. Prossegue com toques leves e úmidos na área interna das coxas, retornando aos testículos, onde suga um, desencadeando a onda efêmera que me faz estremecer.
- De novo. - peço.
Obedece entusiasmada. Dessa vez prolonga a sucção, expelindo de forma abrupta e ainda mais excitante. O sossego do estimulo é brevemente interrompido pela parte do cérebro que alarma com o fato de não haver ereção, mas bloqueio, querendo curtir o momento.
Seus truques trazem irrigação à área, substituindo o tom esbranquiçado, e desencadeando arrepios agradáveis, os quais atingem níveis estratosféricos quando suga a glande com o mesmo efeito de antes. E então abocanha tudo, dançando a língua de maneira que nunca experimentei antes. Os gemidos fazem o caminho para fora em ambas as partes, é satisfatório saber que ela aproveita tanto quanto eu. Lábios pressionam a base e sobem lentamente, carregando o sangue até a outra extremidade. Na terceira repetição o membro começa a encorpar dentro de sua boca, e agradeço todos os deuses, santos e o universo, controlando para não pular de alegria ou perder o que já foi conquistado.
Com movimentos cada vez mais entusiasmados, o membro finalmente retorna ao estado de glória, mas Olivia não para, deixando a saliva escorrer, na qualidade principal que um bom boquete deve ter.
- Camisinha... – falo entre gemidos.
Ela se apressa à cômoda ao lado do móvel e faz as honras. Admiro suas habilidades manuais, são poucas as mulheres que sabem colocar um preservativo com tal destreza.
Quando inclina para o beijo, a surpreendo com um movimento brusco, ficando por cima. Os amassos seguem empolgados enquanto as bocas se tocam, e uma ideia me vem.
- Fica de quatro. - obedece. A excitação estampada na face.
Penetro devagar, sentindo sua umidade. Continuo em um ritmo confortável, mas a mulher pede que acelere, e é isso que faço. Tomado pelo fervor de hormônios, falo palavras obscenas e lhe estapeio a bunda. Por sua vez, ela responde com gemidos e palavrões.
À medida que o tempo passa ela pede que vá mais e mais rápido. Meu pau desliza facilmente, devido a grande quantidade de lubrificação. O barulho alto criado pelo encontro de peles me excita.
Depois de alguns minutos alcanço o meu limite, fazendo pausas para descansar. Meu interior está em chamas e suor escorre pela têmpora. Alterno a distribuição de peso entre os joelhos, e às vezes ergo uma das pernas, a fim de amenizar a dor e o incômodo por permanecer em uma só posição em um longo período de tempo. Gozar antes proporcionou vantagens e desvantagens. Por um lado consigo durar mais dessa vez, mas por outro fico muito mais cansado. De repente sinto a base das costas doer:
- Ai caralho! – reclamo.
- O que foi? – fala, ofegante.
- Câimbra.
Não consigo disfarçar a careta. Permaneço parado e massageio a área.
- Quer trocar de posição? – indaga.
- É uma boa. – respiro fundo, movimentando o quadril para os lados.
Retiro o membro e praticamente desabo ao seu lado. De forma rápida, ela se põe acima.
- Melhor?
Aceno positivamente. Olivia tem certa dificuldade na penetração, mas a ajudo. Rebolando em minha virilha, ela volta a aproveitar o momento. O balanço dos seios é hipnotizante, dou sinais para que debruce e assim possa desfrutá-los melhor, mas a mesma não parece entender. Me contento em apalpá-los, estimulando os mamilos rijos. Seu corpo estremece.
- Filho da puta! – exclama, creio que mais por prazer do que por raiva.
Seu quadril mexe com mais ferocidade e em determinado momento leva uma das mãos à intimidade. Segundos de estimulação depois, chega ao orgasmo com um gemido alto:
- Ah! Gostoso do caralho! – acerta dois tapas em meu peitoral e relaxa em seguida.
Assusto um pouco com sua reação, mas acabo achando graça. Meu ego cresce ao saber que consegui satisfazê-la. Continuamos da mesma forma até que minha vez chegue.
- Isso foi bom. – conclui.
- Foi mesmo. – tento recuperar o fôlego, deitado ao seu lado.
Aproxima-se, correndo os dedos por minha tatuagem. Percebo o brilho da satisfação na face.
- Se transava desse jeito com Aline, não entendo porque ela te deixou. – brinca.
- Nem eu.
Articulo de forma efêmera, quero dar um descanso à mente, pelo menos por hoje.
- Falando em ex... – viro de lado, apoiando no cotovelo para encará-la. – Prometa que voltará para seu marido.
Revira os olhos.
- Não sei.
- Dê mais uma chance a ele, nenhuma relação é perfeita. – argumento. – Por experiência própria, sei o tamanho do erro que está cometendo.
- Então também sabe qual é a sensação de estar com uma pessoa que não quer. – rebate.
- Isso é a rotina falando. Dormir e acordar ao lado da mesma pessoa todos os dias é difícil, mas a felicidade que ela te proporciona vale todo esse esforço, afinal, você o escolheu.
Ela se mostra reflexiva.
- Além de que isso pode afetar sua filha. Criar uma criança em casas separadas é um trabalho que não quer ter, acredite.
- Não sei se sirvo para esse tipo de vida. – mira o teto. – O que tivemos foi divertido, queria mais disso.
- Diversão é algo passageiro, uma ilusão para te fazer pensar que está bem. – falo. – A verdade está nos relacionamentos que construímos e nos sentimentos envolvidos. Sei o que está passando, pois já tive as mesmas dúvidas, mas aprendi que é importante ir além da superfície, das emoções momentâneas. Não permitir que tais paranoias nos dominem.
Olivia ouve com atenção.
- Como teve certeza que queria o divórcio? – indaga.
Engulo em seco, memórias amargas retornando aos poucos.
- Nunca tive. – suspiro. – Simplesmente aconteceu. E é por isso que a estou alertando.
Percebo a emoção em seu olhar. Um “filme” de momentos, bons e ruins, deve ocupar a mente.
- Converse com ele pelo menos, Ok? Sem brigas, sem acusações, só uma conversa.
Acena positivamente, os olhos marejados. A conforto com um abraço.
~ <> ~
Ao chegar em casa, troco de roupa e passo o restante da tarde no computador, depois peço uma pizza, preciso repor as calorias que gastei hoje. Quando escurece, olho no celular, já passou bastante do horário de Nick retornar do trabalho. Mas provavelmente está na casa de alguém, bebendo.
Por volta das nove horas, retiro o lixo, e ao mirar a rua percebo o automóvel do meu amigo parado em frente à casa, o interior escuro.
- Nick? – aproximo.
Sem resposta. Chamo outras vezes, mas o silêncio predomina. Logo percebo uma silhueta, abro a porta e acendo a luz de teto, me deparando com o homem debruçado no volante, a cabeça baixa.
- O que...
Me interrompo ao mirar suas mãos, cobertas de sangue. A preocupação me toma e começo a checar se está ferido.
- Nick, fala comigo.
Levanto sua cabeça, expondo a expressão que é uma mistura de desespero e tristeza.
- O que aconteceu?! – aumento a voz.
Permanece calado, encarando o nada. Levanto a camisa e checo as pernas, mas nada parece lesionado.
- Fala alguma coisa, caralho! – digo, enérgico, me arrependendo em seguida.
Adentro o veículo e seguro seu rosto entre as mãos, o olhar distante, parece alheio à realidade. Então noto algo grande embrulhado em lona no banco de trás, o cheiro que exala é ruim.
- Cara, deixa eu te ajudar, fala o que aconteceu.
De repente irrompe em lágrimas e o abraço. Nunca vi Nick nesse estado. Permanecemos ali até que balbucia algo:
- O mataram... na minha frente. – soluça.
Volto a encará-lo, os olhos esbugalhados e a expressão preocupada, sem acreditar no que ouvi.
- Q-quem?
Relanceia para o lado, em direção à lona. Quando percebo estou tremendo, o coração acelerado quase saindo pela boca. Penso em ligar para a polícia ou ambulância, mas resolvo entender os fatos primeiro.
- Quem fez isso?
Ele só chora, sem pronunciar uma palavra. Compreendendo que interrogá-lo não levará a nada. Ajudo o homem a sair do carro e conduzo com certa dificuldade até a casa. O coloco na cama e corro até o banheiro, encontrando um calmante tarja preta. Nem eu sei por que ele guarda esse tipo de medicamento, já que não usa. Cogito dar o comprimido todo, mas imaginando que será uma dose muito forte, parto ao meio. Passo na cozinha e encho um copo com água.
- Beba, se sentirá melhor. – administro o remédio e ele engole.
Ajeito meu amigo na cama, deitado, ele ainda soluça e funga. Na sala, ando de um lado para o outro, pensando no que fazer. As informações flutuam na mente. Pego o telefone para ligar para a polícia, mas um calafrio percorre a espinha. E se meu amigo for preso? Afinal todas as circunstâncias apontam para isso. Por mais que tenha a certeza de que ele não matou quem quer que seja aquele no banco traseiro do carro, ainda me pergunto por que o trouxe até aqui.
Vou em direção ao veículo. Por sorte a rua está tranquila, não há trânsito e os vizinhos permanecem reclusos em suas casas. Congelo em frente à porta traseira, com a mão na maçaneta, mas desisto. Pressiono uma mão contra a outra, a fim de parar a tremedeira.
- Calma. Pensa. – falo para mim.
Tenho que mover o carro daqui, mas para onde? Não consigo imaginar um local em que simplesmente esconderei um automóvel. Recosto na lateral do carro e sento no chão, levando as mãos ao rosto. Quem será o cadáver? O que aconteceu? Só consigo lembrar dos homens ameaçando a mim e Nick. Pela forma animalesca como nos trataram, não duvido que também cometeram esse assassinato. Sinto uma pontada na mão esquerda e encaro o gesso parcialmente sujo.
Não sei se é por causa da quantidade de perguntas sem resposta ou da maluquice da situação, mas começo a me imaginar naqueles programas policiais sensacionalistas que passam na hora do almoço. Nick e eu sendo conduzidos até a viatura, os repórteres em cima, tentando conseguir uma manchete enquanto cobrimos o rosto. Gargalho de nervoso, mas ao mesmo tempo uma ideia me vem.
Começo a digitar no celular, mas logo me atento a um detalhe, ativando o modo anônimo de busca. Com uma rápida busca pela internet, encontro um local onde geralmente desovam corpos. Acredito que se encontrarem mais um cadáver lá, não desconfiarão e muito menos chegarão até nós.
Adentro o veículo e abro uma das janelas, para amenizar o fedor. Rodo a chave que já está na partida e parto.
O coração se mantém acelerado o tempo inteiro. Olho para os lados constantemente, temendo que alguém perceba o conteúdo do banco traseiro. Ligo uma música para distrair, mas nada tira da cabeça que possivelmente estou cometendo um crime.
O painel pisca indicando a gasolina está acabando. Praguejo. Ainda falta muito a percorrer, serei obrigado a parar em um posto de gasolina.
Estaciono, e antes que o frentista me atenda, já adianto informando o valor e entregando o cartão de crédito de Nick. O homem moreno estranha, mas segue para fazer seu trabalho. Quando libera o uso, encaixo o bocal na abertura do tanque. Suo muito, distribuindo sorrisos com quem cruzo o olhar. Tento ao máximo tampar a visão da parte traseira do carro. O tempo despendido no posto parece uma eternidade, termino o abastecimento e o frentista entrega o cartão e a nota fiscal.
Saio da cidade em direção à Simões filho. Uma estrada de terra prolonga adiante e olho ao redor à procura de qualquer construção ou pessoa. Nada. Paro, desligo o carro e respiro fundo.
Parado em frente à porta traseira, me sinto acovardar, mas dessa vez não penso, abro e agarro a ponta da lona. Na contagem de três, puxo, mas o corpo é pesado e se move pouco. De repente um dos braços escapa, pendendo fora da lona. Observo aquilo e só tenho tempo de virar para o lado antes de vomitar.
Limpo a boca e checo o redor, ainda estou sozinho. O lugar é tão quieto e soturno que até temo ser assaltado. Após alguns minutos encarando o cadáver, tomo coragem e volto a puxá-lo, fazendo pausas para não vomitar novamente. Uso o apoio da dobra do antebraço esquerdo por causa da mão machucada.
No final da tarefa, em um movimento desajeitado, deixo que despenque sobre meus pés e afasto imediatamente, com nojo. Mais da metade do corpo está descoberto, constatando se tratar de um garoto de aparentes vinte anos. Ninguém que eu conheça.
Vistorio o ambiente novamente e suspiro, me perguntando por que tive essa ideia estúpida. Usando parte do tecido, arrasto até onde é possível. E quando estou pronto para ir, lembro que provavelmente a lona pertence à Nick. Retorno, e contendo a ânsia, desenrolo o corpo, descartando o objeto sujo de sangue no banco de trás.
Com uma última olhada para trás, torço que tudo corra bem. Agilizo para o automóvel e acelero. A perna direita tremendo constantemente, a respiração entrecortada, e a sensação constante de que serei preso.
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