Capítulo III
Da mesma forma que a tempestade interna destruía o que restava de seus sentimentos, Eren quebrava o silêncio confortante com berros ofensivos direcionados aos demais servos, cujos baixavam a cabeça a cada palavra pronunciada com clareza para que todos entendam seus papeis de inúteis na vida do Jaeger.
Enquanto isso, Mikasa encolhia os ombros e Armin desviava o olhar para os talheres de prata estranha, doente e perfeitamente organizados ao lado dos pratos planos e grandes, é claro que não estava confortável com isto, afinal, Levi chegara noite passada e já estava totalmente familiarizado com o local, relembrava-os de seus respectivos afazeres e ordenava-os quando Eren lhe pedia algo, exigindo para ser entregue imediatamente.
Eren bateu com a ponta dos dedos na mesa de mármore ritmicamente, aguardando que o novo mordomo servisse o chá que pedira segundos antes, ele era rápido, de fato. Um ponto positivo, pelo menos. Segurou o pulso do mais velho antes de que o mesmo se afastasse da mesa, lançando-lhe um olhar ameaçador, recebendo um indecifrável como resposta. Sereno, calmo, paciente. Levi o incomodava com estes pequenos detalhes.
— “Desejas algo, Vossa Alteza?” — Questionou após um breve aperto.
— “Não, apenas…” — Cortou a frase inacabada no pensamento, largando o homem e direcionando a atenção para o buffet feito para ele. — “Odeio teu comportamento.” — Completou antes de saborear os alimentos.
Levi manteve-se inclinado para frente, aguardando mais comentários por parte do Jaeger, porém notara os olhares tortos que recebia. Curiosos, diria, se não fosse a fúria cuspida:
— “Perdeste algo em mim, Rivaille?”
Ele engoliu em seco.
— “Sinceramente, sim, perdi.”
Eren arqueou a sobrancelha, curioso.
— “E o que seria?” — Soou baixo, quase inaudível.
— “A vontade de viver.” — Respondeu prontamente, abrindo um sorriso falso e arrumando a postura, deixando Eren boquiaberto. — “Porém já tinha conhecimento de que tal vontade se perderia quando aceitei servir a pobre criança quebrada.” — Continuou citando o discurso que planejara durante a noite, caminhando até o outro lado do salão, deixando os outros chocados com a ousadia. Ninguém tinha coragem de tratar Eren desta forma. — “No entanto, o que a vida de um mero servo tem de relevante para alguém como vossa mercê, Eren?” — Proferiu o nome do rapaz com gosto.
— “Como ousa, Levi…” — Mikasa vociferou dando um passo a frente, porém o rei ordenou para que não fizesse nada.
A ousadia do Rivaille era interessante, assim como a coragem fascinante. Sorriu de orelha a orelha.
— “Conte-me a respeito de ti, Levi. Creio que não sei absolutamente nada além de seu nome. Sequer sei tua idade.”
— “Não há nada de interessante para lhe contar.”
— “Nome da mãe?”
Os olhos azuis acinzentados perderam o brilho quando ouviu a pergunta.
— “Kuchel Ackerman.” — Sussurrou com pesar, desviando o olhar para as mãos por alguns segundos, depois voltou a fitar o jovem impressionado. — “É, sei o que estás a pensar agora. Foste minha mãe a mulher que sofreu com a maldição que um Jaeger criou. Satisfeito com esta informação?”
Apesar da postura fria, Eren conseguiu notar a dor em suas palavras, e o ódio. Por que estava ali, afinal, servindo aqueles que mataram sua mãe? Não o compreendia. O silêncio lentamente retornou para o cômodo, os servos alternavam o olhar entre Jaeger e Rivaille, ansiosos para a próxima fala e a extensão da conversa. Não podiam negar que havia tomado um rumo interessante; entretanto, seus desejos não foram atendidos. Eren continuou desfrutando do café da manhã e Levi, permaneceu calado enquanto o observava do outro lado, gélido.
Era assustador.
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Ao terminar a refeição, Jaeger pediu para que Armin e Mikasa acompanhassem-no até sua sala para que seus novos afazeres fossem finalizados mais cedo, mais tarde teria uma visita do Reino de Sina. Uma nova rotina difícil de ser adaptada para Eren.
Ajeitou seu manto de pelos nas costas e dirigiu-se formalmente ao seu local de trabalho, deixado por seu pai por anos e ao menos teve coragem de chegar perto daquele quarto. Mas agora, teria de o fazer por obrigação.
Não que odiasse seu pai, apenas desejo de tê-lo matado antes mesmo de sua mãe ser obrigada a casar com o homem e logo depois morta pelas mãos dos inimigos, Ackerman's. Não sabia se esse sentimento poderia resumir-se em ódio, pois chegava ser até mais do que sentia pelos inimigos. Seu pai o enojava.
Seu dedos passearem pela madeira polida da mesa, intacta, mesmo após séculos. Os olhos esmeraldinos se retesiavam, como se a cena passasse como uma fita em sua cabeça, voltava ao passado mais uma vez.
-“ Aqui que estava o corpo de Grisha?” – As primeiras palavras foram ditas, alertando seus dois subordinados petrificados ainda na porta pela cena de Eren tão calmo passeando pela sala. Eren nunca agiria assim perto de recordações de seu pai.
- “Sim, majestade.” – Concordou rapidamente Mikasa, suando frio pelo olhar que se cravou em si. – “Junto ao corpo da Rainha Carla Jaeger IV geração.”
- “Ah, sim.” – Curvou-se sobre a mesa e se deitou nela , passando a cheira-la com ansiedade. Sorriu admirado por ainda estar tão nítido o aroma de guerra que se exalava do cômodo, mesmos após anos. – “Ainda fede.”
- “Peço perdão, rei.” – A moça exaltou-se pelo Rei passar por aquela vergonha, dando um passo a frente e logo impedida pelo Jaeger.
- “Tudo bem, Mika.” – Se sentou sobre a mesa e a encarou por alguns instantes, se lembrando de cada terror passado naquele mesmo dia, em como o Reino Reiss se quebrou junto aos Jaeger’s. Já a mulher se assustou ao ser chamada pelo apelido de infância, Eren nunca usava consigo, e a ausência deste deixava-lhe assustada.
Logo na porta, o mordomo estava parado, carregando a pilha de papeladas para o Rei. Os olhos de águia muito bem concentrados na face do menino, que parecia se divertir com o fato de estar sentado onde seus pais morreram.
Tossiu falsamente e adentrou a sala que fisicamente parecia intacta, tudo ajeitado e sem pó. Nem marcas de sangue evidentes na mesa, nem parecia uma cena de assassinato.
- “Oh, Ackerman!” – Eren virou em direção ao citado, quase beijando a montanha de papéis jogados sobre a cômoda a frente de si antes de qualquer coisa dita.
- “Rivaille, senhor" – Seco – “E peço perdão por entrar sem vossa permissão. Entretanto, a reunião está marcada para hoje às 4:30 da tarde junto ao primeiro ministro de Sina.”
- “Eh?” – Sem humor soltou, pegando uma das folhas e lendo-a em puro tédio. – “ Como? Isto é de 5 anos atrás!”
- “Sim, majestade.” – Confirmou em sua postura séria, mesmo que por dentro se divertisse pela expressão assustada do jovem. – “As empregadas estão trazendo o resto do que ficou.”
- “Com sua licença, Rei.” – As moças citadas adentraram no mesmo instante da frase ser finalizada.
- “Mas... Mas...” – Montanhas de folhas preenchiam ainda mais seu escritório, umas ficando até no chão ao lado da mesa por não haver espaço o suficiente. Estático encarou aquilo boquiaberto, como ficaria suas flores?
- “ Vosso Senhor tem exatamente...” – Sacou seu relógio de mão preso no jaleco corretamente alinhado e contou pontualmente os segundos. – “ Bem, sem contar com vossa reunião com Erwin Smith, general do batalhão de Maria. Marcado exatamente às 3:00 da tarde. Ainda lhe restam 8 horas e 50 minutos, majestade.”
- “Um momento ...” – Perplexo murmurou, pelas primeira vez após anos estava com obrigações tão pesadas que não sabia por onde começar.
- “Se deseja ver tuas flores, terá de se apressar.” – Praguejou divertido, mesmo que disfarçadamente, e saiu da sala junto às empregadas em seu encalço. “ 8 horas , 49 minutos e 40 segundos.” - Apertou-a e pôs em seu bolso. – “Em ponto.”
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O balançar dos galhos de árvores lembravam-no de Kuchel, tão despreocupada enquanto regava suas lindas flores no jardim privado; o sorriso fraco porém verdadeiro conseguia iluminar o dia sombrio daquela pobre criança.
Levi suspirou e deu breves batidas na porta, adentrando o escritório e encontrando o jovem com a cabeça apoiada na mesa, Eren cochilava entre os amontoados de folhas e documentos, quando aproximou-se do maior, notara que o mesmo já havia concordado com várias propostas feitas para seu reino. Entretanto, tinha uma que a mão trêmula do Jaeger cobria, de um reino que Mikasa informara ser traiçoeiro; O reino Sina pedia-lhe, novamente, dinheiro emprestado e Eren, ganancioso como era, recusou de forma ofensiva, completando a carta com “Já roubaste teu povo pobre uma vez, qual problema há fazê-lo de novo?”. Levi balançou a cabeça e deixou sobre uma parte livre da mesa a bandeja limpa de prata, encheu o copo com a água gelada do jarro e apalpou o braço de Eren para despertá-lo.
O Jaeger resmungara.
— “Alteza, levante-se. Aqueci a água para seu banho, e trouxe-lhe algo para beber.” — O balançou novamente, sentindo a mão do outro acariciar a sua. Ele murmurava um nome. Historia? — “Jovem Alteza?”
— “Historia, amor, deita…”
Amor? Um gosto amargo desceu pela garganta, queimando tudo.
— “Quem seria a senhorita Historia?” — Pôs a pergunta para fora. Não gostaria de roer-se para fazê-la.
— “Minha… Minha amada.” — Eren sorriu apaixonadamente, surpreendendo o mais velho. E ele era capaz de amar? — “És tão bela, a mais linda de todas. Pedi-lhe em casamento, mas…” — A contorção de seus lábios se desfez e as pálpebras tremeram. Prestes a acordar. — “Mas ela não me amava.”
— “Por isto és frio. Tentas esconder as dores passadas e afogá-las em ódio?” — Riu — “Crees que conseguirá escapar?”
— “Cala-te” — Eren resmungou, apertando a mão coberta pela luva com ódio. Ergueu o rosto com a expressão irada e empurrou o empregado. — “Quem és tu para falar desta forma comigo?!”
— “Um mero servo.” — Declarou num tom frio, desviando as íris azuis acinzentadas para a janela embaçada pela chuva que caía naquele fim tarde. — “A falta de vida em vosso coração seria causado pelo amor não correspondido que sentira por essa senhorita que mencionou, imagino.” — Estalou a língua no céu da boca e voltou a atenção para o Jaeger, cujo havia se levantado e estava prestes a lhe bater. — “Pronto para banhar-se?”
— “Vejo que de sentimentos tu não entende, Levi.” — Comentou, irritado — “Por acaso já se apaixonou?” — Perguntou sem interesse. Parecia debochar do Rivaille, irritá-lo, porém…
— “Ainda não, vossa majestade. E não pretendo. Amor és somente um…”
— “Uma perda de tempo.” — Vociferou, olhando para a palma de sua mão e relembrando vagamente da sensação do toque de Reiss. — “Levi, eu o proíbo de apaixonar-se.”
— “Entendido.”
— “Tu pertences a mim, e somente a mim. És meu mordomo, minha propriedade.” — A cada passo que dava na direção do Rivaille, o tom de voz se alterava para mais possessivo. — “Se morrer, não o perdoarei.”
— “Entendido.” — Curvou-se para ele, segurando a destra do rapaz lhe beijando ali. — “Juro total lealdade à vossa alteza.”
Eren sorriu de canto e puxou a mão bruscamente, ordenando para que o mordomo o acompanhe até o quarto.
Após ser despido e limpo pelas mãos cuidadosas de Levi, cujo não demonstrara incômodo ou repulsa enquanto o fazia, fora vestido com o pijama que sua mãe pediu para ser costurado com os melhores tecidos pelos melhores costureiros. O mais novo deitou-se na cama e abraçou os joelhos; estava cansado, não somente do dia, mas de tudo. Da vida, da família, do cargo… Por que tudo tinha que ser tão odioso?
— “Levi, abra as cortinas” — Ordenou, desanimado, contemplando o jardim coberto pela noite estrelada. Suspirou e apoiou o corpo nos travesseiros. — “Entretenha-me, Rivaille.”
— “Como?”
— “Apenas o faça. Não quero dormir.” — Puxou o cobertor até os ombros e enterrou o rosto na maciez.
Levi sentou-se na beirada da cama, virado para a janela, e pousou as mãos no colo; Eren o observou, atento, ignorando totalmente suas queridas flores.
— “Levi, sua mãe… C-como ela era?”
Silêncio.
— “Bela, gentil, amável… Ela era uma mulher extraordinária.” — Respondeu baixo. Soava triste e perdido. — “Kuchel Ackerman foste a única pessoa que realmente amei nesta vida de merda.”
— “Sentes falta?”
— “Pergunto-me quem não sente” — Riu.
Eren calou-se por uns momentos.
— “Historia foste a primeira garota que conheci, depois de Mikasa, claro. No entanto, quando vi que estava apaixonado, perdi completamente a noção. Como resultado, eu a perdi. E junto dela, perdi tudo.” — Relatou Eren, erguendo os olhos esmeraldinos e chorosos para Rivaille. Por algum motivo, ele o acalmava, confortava. Sentimentos que há anos não sentira. — “Levi, todos que conheci prometeram não me abandonar, mas veja agora. Estou sozinho.”
— “Não está. Eren, olhe ali” — Apontou para a janela, onde estavam os dois refletidos. — “Eu estou contigo, aqui e agora.”
Silêncio novamente.
— “Prometes nunca me deixar só?” — O jovem murmurou no escuro, afundado na cama. Levi levantou-se e pegou o candelabro apagado, parou na porta e o fitou antes de se retirar.
— “Sim, senhor.”
Era obrigação, este era o combinado. Mesmo que significasse mentir; mas a questão era: estava mentindo para Eren ou para si?
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