Quando você passa muito tempo olhando para o nada, é como se tudo ao seu redor realmente desaparecesse. Penso que esse seja o meio mais próximo de tele transporte que temos, você é capaz de viver vidas e realizar grandes feitos em uma fração de segundo. Eu gostava dessa sensação, não que eu precisasse de uma outra realidade para ser feliz, mas a tranquilidade me caía muito bem.
E era assim que eu estava naquela manhã ensolarada de 11 de janeiro, sentado na única cadeira daquela imensa sala e encarando a porta, sem realmente olhá-la. O céu é algo muito relativo para cada pessoa que o olha, ele sempre parece diferente, pois reflete os seus sentimentos a cada momento. É como se lesse as suas emoções e se adaptasse a elas. Eu achava aquilo magnífico na maioria do tempo, mas naquele momento minhas emoções estavam vazias, assim como aquela sala branca.
Demorou um tempo incalculável para que a porta fosse aberta, tinha a sensação de que se a eternidade pudesse ser medida, aquilo chegaria bem próximo. Ao me ver, Rafael sorriu sem graça, o que me deixou preocupado. Todos se davam muito bem no céu, mas de todos os arcanjos, Rafael era de longe meu preferido. Eu o tinha como um irmão mais velho, e não importava a situação, ele sempre estava com um sorriso no rosto e uma solução para qualquer problema.
– Ele está te esperando. – Disse Rafael ao passar por mim.
Respirei fundo e me levantei, caminhando lentamente para onde ele havia acabado de sair. Eu não sabia porque estava tão nervoso, talvez fosse a ansiedade de entrar pela primeira vez naquela sala. Foram poucas as vezes que tive a oportunidade de ficar frente a frente com Deus, e aquela para mim era uma grande realização. Estaria saltitando de alegria, se não fosse a preocupação sobre o motivo daquele chamado tão inesperado.
Para a minha grande surpresa, assim que cruzei a linha da porta, toda aquela inquietude desapareceu num passe de mágica, sobrando apenas a tranquilidade. A sala era pequena e aconchegante, branca como todo o resto, e havia apenas uns quadros coloridos na parede, uma escrivaninha e duas poltronas. Atrás da escrivaninha, com sua barba e cabelos brancos, Deus me olhava com o mesmo ar bondoso que sempre o via.
– Me chamou senhor? – Pergunte ao fechar a porta. – Sim, Luan, pode se sentar.
Ele disse ao me indicar a cadeira acolchoada em frente à mesa. Me sentei e esperei que ele falasse. A sala tinha cheiro de Jasmim e Sândalo, e isso era tranquilizante. Ele me analisou por um tempo, para só então começar.
– Está tudo bem com você, filho?
– Sim, senhor. – Respondi um pouco confuso.
– Está precisando de alguma coisa? Alguma ajuda? – Era como se ele lesse a minha alma a cada palavra.
– Não senhor.
– Ótimo. – Ele disse ao sorrir gentilmente. – Eu tenho uma missão para você.
– Para mim? – Estava realmente surpreso, e lisonjeado ao mesmo tempo.
– Sim, é uma grande missão. Hoje uma linda garotinha vem ao mundo, e a sua missão é protege-la de todo mal.
– Como um anjo da guarda? – Não estava entendendo muito bem.
– Exatamente.
– Mas… – “Estou sendo rebaixado?”, pensei.
Suas mãos estavam entrelaçadas em seu colo, e seus pequenos olhos azuis varreram a minha expressão.
– Luan, ser um anjo da guarda é uma grande responsabilidade, pois você tem uma vida nas mãos. O homem é minha imagem e semelhança, tudo aquilo que fizeres para um filho meu, fará também a mim. Se o proteger, também me protegerá.
– Mas por que eu, senhor? – Indaguei. Não que eu não gostasse dos humanos, eu apenas não sabia lidar com eles.
– Porque você é um dos meus melhores anjos, e sei que é capaz.
– Obrigada. – Ainda não estava totalmente certo se queria realmente abandonar o céu que sempre fora a minha casa, e ir viver na Terra junto aos humanos.
– Você pode vir nos visitar quando quiser, e tenho certeza que nos veremos em breve, filho. – Disse ele, tranquilizando meus pensamentos.
– Tudo bem senhor, eu aceito.
– Ótimo, filho. Fico feliz que possa contar com você.
– Sempre, senhor. – Disse sorrindo, e ele sorriu de volta. Apesar de toda aquela mudança que estava prestes a acontecer, eu me sentia feliz em ser útil, e pela confiança que estava sendo depositada em mim.
– Então vamos? Já está quase na hora. – Ele disse se levantando.
– Já? – Me levantei um pouco aturdido, pensando que não iria me despedir de ninguém, mas então me lembrei que aquilo não era um adeus. Ele acenou gentilmente com a cabeça, e eu acenei de volta.
– Vamos.
Voar era uma das coisas que eu mais gostava de fazer, era tranquilizante e libertador. Era como se não houvesse mais nada com o que se preocupar, além de limpar a sua mente e sentir o vento batendo em seu rosto. Em pouco tempo estávamos em uma pequena sala de hospital. Deus estava parado ao meu lado, enquanto eu observava a mulher que estava deitada na cama ao centro, cercada por médicos e enfermeiras. Ela se contorcia, e eu só conseguia pensar na dor que ela estava sentindo. Então um choro de bebê desviou a minha atenção, o nos braços do médico pude ver uma garotinha miúda toda ensanguentada.
– É ela? – Perguntei a Deus, ele acenou.
Observei enquanto cortavam o seu cordão umbilical, enrolavam ela em um cobertor e colocam sobre a mãe. Me aproximei cauteloso, queria olhá-la de perto. Ela tinha grandes olhos escuros, e eles fixaram em mim, parando de chorar. Naquele momento eu senti como se algo tivesse ganhado vida dentro de mim, como se eu tivesse ganhado um coração humano e ele estivesse pulsando forte no meu peito.
– Ela é linda! – Disse me virando para trás, mas Deus não estava mais lá, minha missão já havia começado.
Me sentei na beirada da cama, estava encantado. Como um ser tão pequenino poderia ser tão mágico?
– Você vai se chamar Sophia. – Ouvi a mãe dizer, mais os olhos da pequena ainda estavam em mim. Eu sabia que de alguma forma ela podia me ver ali.
– Sophia. – Repeti lentamente. Eu gostava do som que aquele nome tinha. Com as pontas dos dedos toquei sua mãozinha, enquanto ela bocejava de sono. – Olá Sophia, eu serei o seu anjo da guarda. – Disse sorrindo sem perceber.
Eu sabia que todo o vazio dentro de mim havia se preenchido. O que antes eu julgava felicidade, não chegava nem perto do que eu sentia naquele momento. Aquela garotinha havia trazido cor a minha vida, como o sol que nasce em um dia nublado. Ela era meu sol, e eu nunca sairia do seu lado, protegendo-a de tudo aquilo que a pudesse fazer mal.
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