Chris estava vendo aquela gravação inacreditável de novo e de novo, não entrava na cabeça o fato de que o seu “sonho” foi pego em câmera, na verdade ele nem sabia o motivo de estar tão surpreso, dado a situação atual dele nada mais deveria o surpreender; mas ainda sim, de alguma forma ainda não deixava de o assustar, se criaturas como aquele que estava o perseguindo existe, o que impede de outras coisas surreais como aquela existirem também? Isso foi o que Chris andou pensando, e achava que isso tudo não chegava nem ser a ponta do iceberg, podia sentir isso.
O dia passou impressionantemente rápido e tranquilo, no dia seguinte após ter tido mais um pesadelo ele foi para a escola e se encontrou com Travis, o garoto tentou falar o que aconteceu no dia anterior, mas o outro respondia que não se lembrava da parte que um homem esguio apareceu, muito menos que Vector o atacou… A criatura provavelmente deve ter usado a habilidade de causar alguma amnésia na pessoa, e Chris sabia disso por causa de suas experiências anteriores, no entanto ainda não sabia explicar o motivo que causa isso, apesar de ser inútil levantar esse questionamento. Chris comentou sobre isso com Aliza, ela não sabia o que falar naquela situação visto o quão inesperado isso foi; o garoto percebeu a atitude estranha que a menina havia adotado nos últimos tempos, ela se comporta de uma forma, mas na outra ela age de uma maneira completamente diferente, oscilando entre letargia e irritação; sempre que Chris perguntava pelos acessos de raiva repentinos, ela achava alguma maneira de desconversar; o sentimento de impotência perante a situação que estava fora de seu controle era imensa, não podia fazer nada a não ser viver um dia após o outro, semana após semana e mês após mês, provável que este último evento seria a última coisa mais “relevante” que aconteceria consigo durante um tempo. O Vector após aquele incidente só olhava torto para Chris e após algum tempo, ele parou de ir para a escola e nunca mais foi visto… Os pais dele que são completamente desconhecidos espalharam panfletos de desaparecido por toda a cidade, o que era muito estranho considerando que foi depois de toda aquela confusão acontecer.
O Chris deixará a câmera ligada para filmar qualquer coisa, vai filmar o seu sono, coisas do seu cotidiano, partidas no seu vídeo game, até que algo aconteça. Seria desse jeito a partir dali. Durante as suas olhadas que fez do vídeo de sua câmera, percebeu que antes da gravação acabar piscava uma mensagem na tela por um milissegundo, Chris voltou várias vezes e desacelerou a imagem para tentar captar a mensagem, o que foi um pouco complicado, mas eventualmente conseguiu, estava escrito: “Você estará ‘seguro’ nos próximos meses, aproveite-os e aguarde até a chegada da data de primeiro de outubro, bastante coisa estará a sua espera.”
— Primeiro de outubro? Essa data… É o meu aniversário! — Indaga Chris para si mesmo chocado com o que via na tela, agora não queria que os dias passassem só para descobrir o que seu aniversário o reservava, mas de qualquer forma, não podia-se fazer nada e o garoto já se conformou rapidamente com isso.
Um dia após o outro era como ele iria “viver” até o dia da fatídica data chegar, iria ficar longe dessas coisas e botar seus pensamentos para longe disso, estava tão focado nesses acontecimentos que parecia até que sua vida se resumia a essas desgraças do inferno, mas não era bem assim, ele tinha uma vida, e uma imagem; e não deixaria que tudo aquilo lhe tirasse o brilho apesar de que já havia tirado, só botava uma máscara de bem-estar para disfarçar seu desespero de saber coisas que outros não sabem, e não poder contar com quase ninguém da sua família, ninguém para o confortar… Ele era o que confortava, que brincava e que sai para lugares e convidar os outros, mas ninguém o conforta; é isso o que Chris é, um ser humano normal tentando sobreviver em um mundo de mistérios que vão se mostrando imprevisíveis, e que vai se revelando ser mais louco e mais doentio do que parece, não existem heróis para as pessoas se tornarem ou para elas serem socorridas… Existem pessoas comuns, algumas são vilões sem heróis, e outras, pessoas somente más.
* * *
Lukas estava em seu apartamento assistindo televisão, tinha sorte do chefe do seu trabalho ser alguém bom, se não ele já teria sido demitido da última vez que acordou em um floresta junto de Maycon, nada aconteceu com ele nessas semanas, o que ele estranhou, não estava reclamando e queria que continuasse assim. Alguém bate na porta de seu apê, o mesmo se levanta indo até a porta e abrindo, recebendo Maycon.
— Hey. — Diz Maycon sorrindo.
— Opa, você por aqui? — Pergunta Lukas abrindo espaço para Maycon passar, fechando a porta logo em seguida.
— Sim, eu tava com o resto do pessoal da gangue e com o Ethan falso… Eu decidi vim pra cá, minha mãe e irmã estão bem. — Diz Maycon já se jogando no sofá.
— Veio aqui para jogar um pouco de videogame? — Pergunta Lukas já indo para a televisão.
— Sim, sim… Aproveitar um pouco do tempo que a gente tem sem aquelas merdas malucas acontecerem.
— Eu percebi que está tudo muito normal, não que eu esteja reclamando, mas ainda sim é estranho.
— Pois é…
Os dois ficam em silêncio e começam a jogar videogame, quando não estavam saindo ruas afora, eles ficavam no apartamento de Lukas e jogavam um pouco visto que Maycon não tinha um videogame em casa. O menor fora adotado por uma família que passa dificuldades, no entanto eram bem amáveis com ele e fazia de tudo para conseguir sustentá-los, sabia que sua mãe sozinha não dava conta e esse foi o principal motivo de ter entrado para a gangue do Ethan, parecia desonesto ser um delinquente por dinheiro, só que o mesmo não conseguia um emprego normal que pagasse muito. Já o Lukas… Maycon não sabe ao certo pelo qual o amigo está nessa, mas ele acredita que o Ethan esteja precisando dele por ele ser uma “criança esquecida” assim como o próprio Maycon é.
Televisões, especialmente as de tubo lembravam o garoto do passado, não sabia o motivo desses eletrônicos em específico lhe trazerem memórias tão longínquas, por mais que estivesse aos poucos se esquecendo de seu passado as televisões meio que o lembravam de detalhes soltos, como um ponto de checagem, com Lukas era a mesma coisa também, sempre que ambos olhavam para uma tela estática por muito tempo eles lembram de suas noites no antigo orfanato, Maycon se lembra de uma noite silenciosa assistindo um canal fora do ar com o áudio no mudo, que época aquela memória se dava? O início dos anos 2000? Lembrar a data e o ano exato era difícil, mas se recorda de acordar no meio da noite, ir para a sala do orfanato e encarava a tela chovendo. O pequeno Maycon estava sentado no sofá com uma regata branca e shorts pretos simples, não era muito comum o garoto usar blusas que expusessem muito os seus braços, sempre colocou blusas de mangas longas e isso tem um motivo, seu braço esquerdo era coberto de tatuagens pretas contendo símbolos estranhos incluindo aquele com um círculo e um “X”, se alguém olhasse muito tempo para os desenhos poderiam causar dor de cabeça até mesmo para o próprio dono da tatuagem, o pequeno não sabia como conseguiu aquelas marcas, mas segundo uma das cuidadoras do orfanato ele já nasceu com elas… Como isso era possível?
— Maycon? — O pequeno escuta seu nome sendo chamado por uma voz distorcida e distante, ele não se vira para encarar a pessoa que o chamou, já sabia que era a cuidadora do orfanato mais próxima dele. — Acordado de novo?
— Sim… — Responde em uma voz quase muda, ele sente a figura da mulher sentando ao seu lado no sofá, o motivo da voz soar tão distorcida é que o mesmo não lembra do rosto ou da própria voz da mulher, onde era para estar sua face estava coberto por estática semelhante a da televisão que encarava. — Eu não consigo dormir…
— É aquele homem de quem você fala?
— Sim, mas… Quando eu fecho os olhos eu vejo fogo se espalhando pelo meu quarto.
— … O Lukas está dormindo?
— Está sim…
— Ótimo… Escuta, o fogo não está aqui, não pode te machucar e quando elas aparecerem eu vou estar lá para te proteger.
— Mas e se você não estiver lá?
— Eu vou estar lá… Mas se eu não estiver, o Lukas vai estar, sempre se mantenham juntos não importa o que aconteça.
— Mas se alguém nos adotar e tomarmos caminhos separados?
— Um dia vocês vão se encontrar… Às vezes o mundo não parece gigante quanto parece, e eu sinto que um dia vocês vão estar junto, não sei como… Mas vocês vão.
— Obrigado… — O pequeno Maycon sorri um pouco pelo o que a mulher falou. — Ei… - - - -
— Sim?
— Como foi que eu e o Lukas chegamos no orfanato?
— Opa… Hah, o Lukas me perguntou a mesma coisa uns dias atrás.
— Como foi?
— Você chegou no orfanato dois anos depois do Lukas e foi quase a mesma coisa dele, duas pessoas estranhas chegaram e entregaram um bebê recém-nascido que era você… Eles explicaram seu nome e sua “marca de nascença”. — Diz a mulher se referindo ao braço tatuado de Maycon.
— Não fazem ideia de quem eles sejam?
— Não, sinto muito.
— O que essa tatuagem significa?
— Que você está “marcado” — Diz a mulher com bastante relutância. Mas logo tenta mudar de assunto. — Mas enfim, vamos para a cama? Se quiser eu posso ficar lá até você dormir.
— Pode ser… — Diz Maycon encerrando a conversa por ali, ele pega na mão da mulher e vai sendo guiado para seu quarto.
As noites eram desse jeito, ele ou o Lukas ficavam parados na frente da televisão e a mulher tinha que guiá-los para suas camas; assim como Maycon, Lukas também tinha sua marca que era mais escondida, sendo localizada bem nas costas. O rosto das outras crianças órfãs naquele eram um mero borrão para os dois, eles conversavam com alguns, no entanto não lembram de seus rostos, já outras nem faziam questão de lembrar por não gostarem dessas em específico; o orfanato era um lugar pacífico, mas assim como em qualquer lugar sempre tem alguém desagradável, mas não chegava a ser um grande problema, tanto que nem esses problemas eles se lembram mais; as outras crianças que eram mais fechadas em seus grupinhos achavam Maycon e Lukas estranhos, não só pelas marcas que carregavam, mas pelo comportamento estranho deles de ficarem acordados até tarde vagando pelo orfanato, ou ficarem assistindo um canal fora do ar; o mais velho costumava sempre depois do almoço ou algum horário da tarde a ficar no matagal, o orfanato ficava adjacente à uma floresta que era separado do resto da construção. Em um ponto dos fundos a parte inferior da cerca era solta, sendo suficiente para alguém puxar e passar por baixo; Lukas fazia isso quando ninguém estava vendo, pois sabia que era proibido, somente Maycon sabia disso e não contava para ninguém, o mais novo já perguntou para o mais velho se ele podia ir junto, porém Lukas falava que preferia ficar sozinho, mas que se ele quisesse podia ir junto, Maycon nunca teve coragem então sempre o deixava sozinho.
Sempre que Lukas voltava de seu passeio pela mata, algumas vezes ele regressava de sua caminhada completamente lânguido e com uma expressão perturbada, como se visse algo horrível que o assustava tanto ao ponto de seu sangue desaparecer de sua face. Maycon nunca havia perguntado, mas já devia saber o motivo disso, visto que ambos são marcados a dupla era vigiada pela mesma criatura de terno e chapéu sem face… Por algum motivo ele aparecia no meio da área de lazer das outras crianças, que não pareciam vê-lo, mesmo estando completamente exposto e nem tentando se esconder ninguém o via, somente os dois conseguiam o enxergar o que fazia os cuidadores tratarem aquilo como se fosse imaginação deles, mas para eles não era; ele estava em todos os lugares, e eles não sabiam o motivo disso, não sabiam quem ele era ou do porquê daquilo. Mas eventualmente viriam a saber.
Desde que Lukas e Maycon chegaram no orfanato, o lugar andou recebendo visitas de uma mulher estranha, ela era loira, vestia preto e tinha uma máscara estranha semelhante ao fantasma da ópera, na qual só cobria uma parte do rosto, este modo de se vestir atraía a atenção das outras crianças que inventam apelidos para se referir à estranha moça. Ela vinha uma vez ao mês ou até com menos frequência, só que nunca era para adotar uma criança e sim conversar com a dona do lugar ou com as cuidadoras, Maycon não sabia o assunto das conversas e tava curioso; já Lukas não parecia tão interessado em descobrir quanto o seu amigo, como sempre, o mais velho nessa época nunca ligou para nada e preferia ficar sozinho com seus pensamentos, já o mais novo era curioso e impulsivo.
Ainda sobre a estranha moça, ela era muito doce e gentil com ambos em específico, tanto que em uma manhã de natal ela deu presente para os dois em uma de suas visitas ao orfanato; para o Maycon ela deu um lenço de caveira que Maycon sempre usaria dali para frente como máscara, já para o Lukas ela deu uma estranha máscara de porcelana, na qual era estranhamente macabra, mas que o garoto pareceu gostar; mesmo que garoto mais novo nutrisse uma consideração pela mulher, não entendia por que não os adotava logo ou o motivo das conversas em particular dela… Na próxima visita ele descobriria.
Fim.
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