Era noite. Helô estava animada para conversar um pouco mais com Flávio, um amigo de Yone, que foi a responsável por apresenta-los no dia anterior. Pelo pouco que falaram, ele parecia um homem inteligente e viajado. Além de muito bonito. Há dias ela só saía de casa para trabalhar, então, aquela era a oportunidade perfeita para relaxar e quem sabe, finalmente conseguir se envolver com alguém. Ela escolheu ir ao Encanto da Vila, pois adorava apresentar esse lugar para as pessoas. Só não contava que, chegando lá, daria de cara com Stenio.
– Não, não é possível. – Ela pensou alto.
– O que? – Perguntou Flávio.
– Nada. Só um conhecido com quem eu tive uma última conversa um pouco... desagradável.
– Você quer ir pra outro lugar?
– Não, imagina. Por isso, não.
De longe, Stenio a cumprimentou com um sorriso tímido enquanto erguia uma garrafa de cerveja em sua direção. Ela devolveu o cumprimento com um aceno e rapidamente os dois desviaram o olhar um do outro. Essa pequena interação foi o suficiente pra que seu coração disparasse e ela sentisse um desejo incontrolável de ir ao encontro dele. Mas, ao invés disso, sentou junto com Flávio na mesa que ele escolheu e prometeu a si mesma que daria atenção somente àquela conversa. Acontece que, de onde ela estava, era possível acompanhar todos os movimentos do ex. Então, passados alguns minutos, ela já não podia evitar observá-lo.
Ele parecia animado. Já devia ter abraçado umas cinco ou seis pessoas desde que ela chegou, sempre com muito entusiasmo, rindo feito bobo pra gente que talvez ele nem conhecia. Inclusive, essa era uma das coisas que ela mais admirava nele, a simpatia e a forma como tratava as pessoas. A verdade é que ele sempre foi a parte simpática e sociável do casal. Tanto que após o segundo divórcio, ela poderia contar nos dedos a quantidade de festas em que esteve. Sem ele, sua vida social era quase nula e ela sabia que isso precisava mudar. Não era justo viver apenas para o trabalho.
Mais alguns minutos se passaram e ela já nem sabia ao certo sobre o quê estava conversando. Trabalho? Viagens? Ela só ouvia, sorria e concordava, mas a verdade é que aquele papo não poderia estar mais desinteressante. Parece que ela se enganou em sua primeira impressão. Sorte do rapaz que ele era bonito.
- E você, Helô? Me fala mais sobre sua vida, o que você gosta de fazer...
- Eu? Ah, eu... eu trabalho muito. No pouco tempo livre que eu tenho, gosto de ler, ver filme antigo... Gosto de sair pra comer e de vez em quando é bom sair à noite, como estamos fazendo hoje.
Ela até buscou algo a mais pra falar, mas achava difícil surpreender quando o assunto não era trabalho. Enquanto jogava mais algumas palavras soltas para o rapaz, percebeu uma mulher se aproximar de Stenio de um jeito, digamos, diferente das outras pessoas no local. Ela tocou no braço dele, se cumprimentaram e começaram a conversar empolgados. Apesar de saber que Stenio preferia as morenas, aquela loira era muito bonita e Helô não pôde deixar de notar a forma que ela sorria, como se ele fosse o cara mais engraçado do mundo.
“Certeza que tá de flerte com essa aí, por isso nem fez questão de se aproximar de mim.” Ela pensou.
De repente, a mulher pegou a garrafa de cerveja da mão dele, tomou um gole e devolveu pra que ele bebesse também. Ver aquela cena fez a delegada ter uma reação totalmente inesperada. Seu coração acelerou, sua respiração se tornou ofegante, seus olhos encheram de lágrimas. Para ela, compartilhar bebida era algo muito íntimo, e mais... era algo íntimo dos dois. E agora, ele fazia isso com outra mulher, bem ali na frente dela.
Na última vez que estiveram juntos, ela havia deixado claro que entre eles não tinha mais volta e que, por isso, as recaídas não faziam nenhum sentido. Pediu pra que ele se afastasse dela, parasse de mandar flores e deixasse de aparecer subitamente na sua casa. Chegou a dizer que o melhor para os dois seria encontrar outros parceiros. Que ela iria tentar e que ele deveria tentar também. Foi uma conversa dolorosa, mas necessária. Pelo menos, era assim que ela pensava naquele dia.
Mas, agora, diante da realidade que ela mesma provocou, ela sentia ciúmes. Muito ciúme. Sua vontade era levantar daquela mesa, se aproximar do ex-marido e mostrar para aquela oferecida qual das duas ele seguiria. Obviamente, ela não podia fazer isso, então, o que restou foi fingir que havia recebido uma mensagem urgente da delegacia, se despedir apressadamente de Flávio e sair do bar mais depressa ainda, quase como uma fugitiva.
Stenio, que disfarçadamente, também estava de olho nela, percebeu a movimentação, ficou preocupado e achou melhor ir atrás, só pra ter certeza que estava tudo bem.
– Helô! Helô, espera! Aconteceu alguma coisa?
– Nada demais. Coisa de trabalho... eu preciso ir. – Ela disse, tentando evitar contado visual.
– Você tá de carro?
– Não, eu tinha vindo de carona. Mas, já tô pedindo um taxi pelo aplicativo.
– Ah, para com isso, Helô, eu te levo.
– Não! Eu não quero que você me leve a lugar nenhum. Volta pro bar! Aquela loira bonitona deve tá te esperando. Vai lá! – Ela disse um pouco exaltada.
Stenio não esperava essa resposta.
– Do que cê tá falando? Claro que eu posso te levar, ela não tá me esperando, eu acabei de conhecer aquela mulher, a gente só tava conversando.
– Dividindo bebida com quem acabou de conhecer? Cuidado, heim?! – Ela disse e riu com deboche.
– Helô, pera aí, você tá com ciúmes, é isso? – Stenio questionou, um pouco incrédulo.
– Que mané ciúme, o quê? Tá maluco? Você é muito convencido mesmo, né Stenio? Imagina eu com ciúme de você. Eu quero mais é que você divida sua bebida, sua casa, sua vida, com essa mulher aí ou com qualquer outra, não importa. O importante é você me deixar em paz. Eu quero que você me deixe em paz, tá me entendendo?
– Não, eu não tô te entendendo! Se não tá com ciúme, pra que tanta agressividade? Eu não vim atrás de você aqui, eu já tava aqui quando você chegou, lembra? Eu vi que você chegou com um cara, não quis atrapalhar e por isso nem me aproximei. Você acha que eu não senti nada? Você acha que foi fácil pra mim ficar vendo você de papinho com aquele idiota? Não foi fácil. Mas, eu fiz o que você me pediu da última vez que a gente se falou. Eu deixei você seguir sua vida. Não era isso que você queria?
Ele se aproximou dela de tal forma, que conseguiam sentir a respiração ofegante um do outro. Segurou seus braços e olhou dentro dos seus olhos.
– Me responde, Helô!
Ela engoliu o choro, mas era impossível disfarçar o quanto estava alterada.
– Eu pensei que você só dividia a sua bebida comigo. – Disse manhosa.
Stenio sorriu. Era tão difícil ouvi-la falando de uma maneira tão direta sobre seus sentimentos que aquilo o deixava até meio bobo.
– Meu amor, ela me pediu um gole e eu não consegui negar. Você sabe que eu não conseguiria negar nem pra ela nem pra ninguém. Só fui educado.
Helô soltou forte o ar, virando o rosto pra outra direção. Aquela era a desculpa mais esfarrapada de todas, no entanto, ela amoleceu só de ouvi-lo chama-la de “meu amor”.
– Helô, qual a importância disso se a única que me interessa dividir alguma coisa é você? É com você que eu quero dividir todas as bebidas, é com você que eu quero dividir minha cama, minha vida, meu corpo. Só com você. Não me interessa mais ninguém. Você sabe disso, não sabe?
– Para, Stenio. Eu... eu não sei o que me deu. Você tem razão, você só tá fazendo o que a gente combinou. Vamo esquecer essa noite, vamo esquecer essa conversa, me deixa ir pra casa... hum?
Ela disse isso enquanto apertava o braço dele ainda mais forte e ele sabia exatamente o que aquilo significava.
– Deixa eu te levar em casa, então. Meu carro tá aqui do lado, eu não vou te deixar ir sozinha. Vamos?
Ele saiu puxando ela pela mão como nos velhos tempos e ela não hesitou.
Bastou entrarem no carro pra que ela fizesse o queria ter feito desde a hora que chegou naquele bar e o encontrou de surpresa. Ela o beijou com a urgência de um adolescente que está há dias longe do primeiro amor, porque era assim que ela se sentia quando estava com ele. Só com ele. E por mais que ela lutasse contra isso, por mais que ela sugerisse que os dois deviam buscar a felicidade em outras pessoas, hoje mais uma vez ela teve a prova de que não era capaz de vê-lo no caminho de mais ninguém. Só no seu.
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