⁂
O pranto que começou silencioso foi se tornando mais forte e os soluços vieram. A maquiagem junto das lágrimas fazia os olhos de America mais e mais vermelhos, até que lhe dificultasse abri-los.
Seus soluços não eram, no entanto, o único som que ela poderia ouvir. As vozes regressaram a sua mente, baixas no começo, e gradativamente foram se tornando mais altas, mais altas, até se tornarem quase insuportáveis “Tem desconto?”, “Ei, quando terminar a vez dele me avisa? Eu pago os quinhentos!”, “Vai ver ela precisava de dinheiro, morta de fome como a família dela é”.
America lembrava claramente daquela noite, como se ela jamais tivesse acabado. E nisso, todas as lembranças boas que teve depois daquilo foram silenciadas. Restava só a dor, a humilhação. Por que as pessoas foram tão cruéis? Será que não merecia a mínima compaixão? Ela se pegou pensando.
Tentou reunir forças para levantar dali e pegar o antidepressivo em cima do criado mudo. O frasco de plástico era novo, ela tinha tomado uma única pílula, de modo que restavam ainda trinta e cinco lá dentro.
Trinta e cinco, ela se pegou pensando. Era uma pílula para cada ano da sua vida miserável. Deveria tomar apenas uma por dia no caso daquele remédio, mais que isso teria efeitos graves, e trinta e cinco... imaginava que fosse letal.
O quanto sentiriam a falta dela? Sua filha e sua afilhada estavam crescidas, eram suas herdeiras legais... uma bandeja de prata comportava uma jarra de vidro com água e um copo emborcado estavam tentadoramente do lado do frasco branco.
Fora do quarto, Champak tinha ido atrás de Sophia, era a única a estar em casa agora que poderia confortar America já que seu patrão e Eadlyn tinham saído há horas.
Bateu na porta do quarto cinco vezes para ser ouvido. Foi só aí que Sophia tirou os fones. Estava até então no PC assistindo on-line as aulas de seu curso já que não era seguro nem para ela e nem para o resto do campus que ela fosse presencialmente.
Se estivesse no jardim ou na varanda teria ouvido os gritos da madrinha. Porém, a grossa porta de madeira polida era um bom abafador de som, além dos fones de ouvido. O caderno cheio de esquemas coloridos com marca-texto e canetinhas eram provas de que não tinha ouvido o que aconteceu lá embaixo.
Com uma caneta prendendo os cabelos foi atender a porta e só então soube que sua madrinha havia discutido lá embaixo. O mordomo não deu detalhes da discussão, só alertou que talvez a senhora America precisasse de algum consolo já que saiu muito desgastada da sala de estar.
Sophia mal o esperou terminar de falar, quis saber o que tinha mesmo acontecido com sua madrinha e uma única pessoa ali poderia lhe dizer toda a verdade. Cruzou o corredor apressada
America destampou o frasco, agarrou um punhado de pílulas e lentamente levou até perto da boca. A visão estava diminuída pelos olhos vermelhos e encharcados.
Parou, se lembrou da água, encheu o copo até a borda. Colocou um único comprimido na boca e o sentiu dissolver na língua. O copo com água estava na mão esquerda, conforme o comprimido derretia e tornava sua boca amarga.
America se pegou pensando nos primeiros passos de Sophia, que andou primeiro que Eadlyn. Lembrou de sua filha escondida em seu quarto, usando os seus sapatos, imensos para os pezinhos pequenos, com uma blusa que para a menina seria um vestido longo, os lábios borrados de batom e sua afilhada na outra ponta, com o rosto cheio de pó e sombra e um colar de pérolas.
Ela abaixou a mão, apertando o restante do punhado de comprimidos e outras lembranças vieram. Lembrou do choro de Eadlyn quando ela a levou para a escolinha pela primeira vez, sua filha não a queria soltar a mão.
Viu Sophia segurar a barra do sobretudo, também sem querer ficar sozinha ali, foi só quando ela prometeu que voltaria logo que Sophia sossegou. Eadlyn continuou emburrada por mais alguns minutos até a mãe lhe prometer que a levaria para fazer compras.
Era como se estivesse passeando pelo tempo, teve vislumbres das apresentações de suas meninas, delas acompanhando as irmãs de Raj ao ritmo do bangla quando tinha algum evento no palácio.
Delas a obrigando a passar vergonha junto. Lembrou do sorriso de Raj quando ela cedia ao bangla, ele sorria divertido e ela ficava vermelha como os cabelos, ironicamente seu rosto não ficava tão vermelho quando os dois estavam a sós e ela dançava para ele, só ficava quando... a dança era interrompida.
Viu em lembranças sua própria mãe e se recordou do quanto ela tinha sido importante em sua vida, no quanto sentiu a falta dela durante o linchamento, durante a gravidez, o parto e os primeiros cuidados com a filha. Se America fosse embora, nem Eadlyn e nem Sophia teriam mais aquele amparo, ela se sentiu mal por negar a suas meninas a coisa que ela mais sentia falta, o abraço e o consolo de uma mãe.
Por último, se lembrou da sogra. Sim, ela e a mãe de Raj tinham uma relação enrolada, não tinha mel ali, mas também não tinha fel, America lembrou de uma das frases favoritas de sua sogra indiana “uma mulher só deve realmente abaixar a cabeça se for para admirar os próprios sapatos, do contrário, ela só deve fingir que abaixa até encontrar uma solução”.
Uma solução. America não viu uma, mas tinha que procurar, tinha que achar um jeito de sair daquele limbo onde tinha se enfiado. Lembrou da luta de Kriss pela vida, sua amiga lutou até o último suspiro para viver, e o que America queria? Seguir o caminho inverso?
Então percebeu que se abrisse mão da sua vida, não mereceria a confiança que Kriss depositou nela. Estaria deixando tudo para trás, tudo, até o amor das meninas.
Sim, ela faria falta e percebeu isso quando a pílula amarga já tinha sido quase toda dissolvida pela saliva.
Dessa vez Sophia não bateu na porta, entrou direto tamanha era a preocupação que estava. Pois mesmo que Champak não tivesse lhe dado detalhes, só o nervosismo dele já dizia muito.
— Madrinha!
Ela entrou se deparando com aquela cena, o pânico se alastrou por cada célula de seu corpo, entendeu na hora o que estava acontecendo.
America derrubou no chão o copo e o restante das pílulas quando viu Sophia ali. O copo se estilhaçou em pedaços, os comprimidos se espalharam pelo piso
America ficou petrificada, sem conseguir se recompor, não teria como esconder o quanto tinha chorado. Sophia correu até ela e America deixou a cabeça pender para o ombro da afilhada e ficou ali sem dizer nada por um longo tempo. Não, não podia ir embora, tinha que resolver tudo, tinha que encontrar uma solução.
— A senhora ia... — a voz da garota saiu tensa e chorosa — ia tomar todas elas?
Sabia a resposta. Se não fosse, não teria motivos para todas aquelas pílulas estarem na mão de sua madrinha no segundo em que entrou.
— Ia, amor — sussurrou America mal conseguindo falar — mas desisti.
Quis falar mais, porém não conseguiu, a voz não saia, só as lágrimas saiam. Sophia também chorava em desespero por ter visto sua madrinha querida tão perto da morte, tão perto de partir para sempre como sua mãe verdadeira a quem não pôde sequer guardar lembranças, tão perto de a deixar também.
— Pelo amor de Deus não me deixe também, mamãe... — Sophia soluçou e se calou quando percebeu que tinha dito “mamãe”, não “madrinha” como sempre dizia — quer dizer...
O choro de America cessou no ato tomado pela surpresa. Ela levantou a cabeça e olhou para a Sophia. As lagrimas tinham feito o rímel e a sombra cobrirem seu rosto como tinta, ainda assim, um sorriso se formou em seus lábios. Um dos poucos sorrisos verdadeiros que tinha dado a algum tempo, seu coração pesado se fez um pouco mais leve e o carinho daquelas palavras lhe acalentou como se fosse uma lareira em um dia frio.
— Mamãe? Me considera sua mãe, meu amor?
America perguntou agradecendo por não ter tomado aquelas pílulas, céus, agora que a loucura a tinha dado trégua percebeu o tamanho da estupidez. Apertou Sophia contra si com toda a força que conseguia.
Ela não estaria deixando uma filha e uma afilhada, estaria deixando duas filhas, uma de sangue e uma de coração.
— Sim, mamãe. — Soluçou a garota — fica brava se eu a chamar assim?
Sophia perguntou já que America lhe corrigia quando criança, corrigia não dizendo que não era sua mãe, mas falando de Kriss, que a mamãe Kriss a estava olhando do céu e Sophia com o tempo entendeu que America era sua madrinha, mãe de Eadlyn, e que a sua era outra, uma que não estava mais ali.
— Eu adoraria, minha filha.
A voz de America não passava de um sussurro quase inaudível. Minha filha, poucas coisas seriam mais verdadeiras para ela. A mulher tremia, as mãos estavam frias, não só isso, seu corpo estava gelado.
Sophia percebeu e entre o choque e as lágrimas que tinham lhe encharcado a face em consequência dele, conduziu a mãe até a cama e a fez se sentar ali.
Pegou o celular de America e procurou veloz pelo número da psiquiatra, ligou e pediu que ela viesse com urgência mesmo com os protestos da paciente, que por sinal não foram muitos, pois mal conseguia falar ou mesmo protestar por nada.
America agora estava encostada no travesseiro, Sophia se sentou do outro lado e afagando os cabelos da sua mamãe sussurrou:
— Eu amo a senhora demais, mamãe. Promete para mim que não vai nos deixar, promete?
As palavras dela se misturaram ao choro como se fossem um só. America, emocionada com a reação de Sophia, com o amor que a garota tinha para com ela a ponto de lhe considerar uma mãe, soluçou de volta:
— Eu prometo que nunca vou deixar vocês.
America encostou a cabeça no colo de Sophia que lhe afagava os cabelos enquanto tentava conter a próprias lágrimas. Sequer sabia o que tinha acontecido ainda, America não estava em condições de falar.
Teria que esperar um pouco mais para saber, por enquanto, lhe bastava saber que sua mãezinha de coração não tinha lhe abandonado, Deus... só a ideia de imaginar como seria lhe estilhaçava a alma.
Sra. Evans não conseguia mais falar, permitiu que as lágrimas fluíssem mais livremente já que não conseguia mesmo contê-las. Ficaram as duas ali, uma do lado da outra. America drenando uma pequena parcela de sua dor e Sophia tentando entender o que tinha ferido tanto a única mãe que conheceu.
⁂
Quando Raj e Eadlyn chegaram, a garota estava empolgada com o primeiro emprego. Achou que seria um castigo mais humilhante, porém, ainda não via como aquilo poderia ser um castigo. Pudera, ainda não começara para ter noção dos prazos e das horas gastas naquilo, estava ainda só com a parte interessante na cabeça.
Era seria auxiliar de uma das decoradoras do Shopping, cuja construção não tardaria a começar.
A verdade é que não tinha prestado muita atenção no que sua chefe lhe dissera, parou na parte que ela ajudaria a selecionar opções de cores, mobiliário e acessório. Então as duas fariam um filtro que seria entregue a Raj e aos outros dois sócios para ser negado ou aprovado.
Raj não tinha ainda jogado um balde de água fria na empolgação de Eadlyn, Estela, a decoradora, já tinha sido instruída a tal. Avisou que mesmo que se tratasse de sua ex-enteada ela deveria cobrar da garota o que cobraria de qualquer auxiliar.
Ele estava com outros assuntos na cabeça, na mão estava um conjunto de joias digno da realeza. Eram pérolas, verdadeiras, várias delas e com certo valor histórico por terem pertencido a uma princesa indiana. O valor absurdo daquilo não era em vão, era um chamariz, e junto com a festa à fantasia que planejava, uma isca.
Adam tinha perguntado a Raj o quanto ele se importava com America, e o indiano respondeu no idioma que o psiquiatra entende muito bem para não deixar dúvidas.
Tinha é claro, conversado com a polícia e sua equipe de segurança, a ideia era ousada, porém, possível. Adam até então não tinha cometido erros que fornecessem à polícia uma pista que fosse, o endereço de IP do qual vieram os e-mails não era dele, era de um cúmplice e o celular usado para dar aquela ordem havia sido totalmente destruído.
Partindo da ideia óbvia de que Adam queria brincar com o psicológico de America, seria frustrante para ele acreditar que não estava conseguindo.
America ainda não sabia, mas ia voltar a sair de casa com frequência, ia parecer bem e discretamente voltar realmente a ter todo um acompanhamento médico para se tratar.
E Adam, que queria arrancar dinheiro para se manter escondido, teria que ver uma importante fonte debochar dele como se o psiquiatra não fosse uma ameaça.
Na menor das hipóteses, ele desistiria com o tempo de chantagear America porque isso custava caro e não lhe dava retorno. De graça e livre vontade ninguém aceitaria ser preso por ele, e mesmo a chantagem custava dinheiro para se manter. Na maior, a raiva e frustração lhe fariam pisar em um galho seco de árvore, fazendo um ruído alto o suficiente para a polícia o encontrar.
Uma fuga como a dele, com diversos países na cola por conta das milhares de vítimas não era uma coisa pequena ou barata. Ele precisava de uma fortuna para se manter “livre”, e o dinheiro que tinha longe do rastreamento da polícia uma hora ou outra teria que acabar, aliados se vão quando o dinheiro falta e o perigo espreita.
O conjunto de pérolas faria muito alarde, aliás, já estava fazendo. Ele pediu a atendente que “sem querer” desse a entender que ele havia comprado aquilo.
Para quem seria aquele presente? Para a ex-esposa? Havia outra mulher na vida do Dono do Oriente? Adam saberia muito bem quem usaria aquele conjunto e também sabia que para alguém dar um “singelo” presente como aquele. Bom... havia uma mensagem clara ali e o psiquiatra parecia esperto o bastante para entendê-la.
Era o velho jogo de vencer pelo cansaço. Só que Adam não teria descanso, e era até melhor ser pego pela polícia do que por alguma vítima ou familiar.
— Senhor, posso dar uma informação não solicitada?
O mordomo perguntou quando Raj entrou em casa, o estava esperando. Raj suspirou aguardando outra bomba.
— Quando pede autorização é porque pouca coisa não é.
De fato, quando queria Champak se metia bastante, agora, no entanto, parecia preocupado.
— A senhora America teve um começo de crise.
— Minha mãe? Onde ela está?
Perguntou Eadlyn mudando de tranquila para preocupada em segundos, a expressão de Raj não foi muito diferente.
— No quarto, a senhorita Sophia está com ela.
Mal terminou de falar e Eadlyn já sumiu para ver a mãe. Raj permaneceu ali.
— Não é tudo que tem a me dizer, é, Champak? — Se o mordomo conhecia bem seu patrão, o inverso também acontecia.
— O pai da garota esteve aqui, eles tiveram uma briga. — Confessou lembrando do escândalo que foi e do quanto ela deve ter sofrido com aquilo.
— Ela contou? — Raj quis saber.
Ele sempre aconselhou America a contar, pois notou o quanto aquilo a sufocava, ela, no entanto, nunca fez isso. Dizia que tinha medo, que os tramites de crianças com pais em países diferentes era muito complicado.
Que mesmo ela nos Estados Unidos seria difícil porque se Maxon batesse o pé seria complicado para ela ficar indo e voltando para Inglaterra, lugar que não mais gostava, que não mais se sentia em casa.
Estava certa quanto a dificuldade, porém, tirar a guarda dela era algo quase impossível, e quando ele dizia isso ela citava a depressão.
Era um bom argumento, no entanto, ela teria bons advogados à sua disposição e Maxon não deveria ser louco de sujar o nome tirando uma filha da mãe sendo que ele poderia ser boicotado já que America era famosa.
Haveriam modos de se entenderem, ela era uma mulher casada, tinha uma família equilibrada, nem que ele usasse as fotos daria em algo para o juiz já que, mesmo que ele as considerasse verdade, ela não era mãe ainda e agora sua conduta era exemplar.
Agora ao que parece, todas as desculpas tinham acabado, e o medo também já que aquilo tinha sido feito. Eadlyn já tinha seus dezoito, ainda assim, Raj sabia o impacto que aquilo tinha para America. Reviver o passado deveria ser doloroso para ela, porém, era um mal necessário já que ela nunca esqueceu daquilo.
— Qualquer idiota teria entendido, acho que ele entendeu. Ela irá dar o exame de D.N.A.
Confirmou Champak.
— Obrigado, sei que se preocupa com ela.
— Está coberto de razão, senhor. — Falou Champak tocado o ombro do patrão.
Raj foi até a escada, mas parou.
— Por favor, encontre e chame todos os médicos dela. Os telefones estão perto do fixo.
— Farei isso.
Ele queria uma conversa com quem estava tratando de America. Queria agora que Eadlyn e Sophia soubessem a situação da mãe para que America tivesse no que se apoiar para sair daquele mar negro no qual estava quase toda submersa.
Quando Eadlyn Evans entrou naquele quarto e viu sua mãe com a cabeça encostada no colo de Sophia, as mãos cobrindo o rosto e os cabelos desgrenhados foi como levar um soco no estômago.
Piorou ao notar que Sophia também chorava, bem menos do que sua mãe, naturalmente, mas chorava e parecia muito preocupada.
Os cacos de vidro ainda estavam sobre o chão, junto com alguns dos comprimidos que não tinham ido para debaixo da cama ou de outro móvel depois da queda.
A senhorita Evans não era idiota, isso era mais do que o suficiente para entender que não se tratava de um simples início de crise.
Caminhou apressada até a cama, pisando com o salto alto em algumas das pílulas.
— O que é isso, mãe? Adam mandou algo? Fez algo?
Eadlyn quis saber. Notou então que a mãe tremia, incapaz de dizer algo que fosse compreensível, a voz tinha simplesmente lhe escapado.
— É melhor deixamos ela descansar um pouco — murmurou Sophia ainda tensa — Chora, mamãe. Deixa sair, nós vamos entender.
Completou a garota. Eadlyn se calou, levou alguns segundos para absorver o “mamãe” dito por Sophia. Percebeu que as duas tinham conversado algo antes, algo íntimo.
Não teve muitos ciúmes, apesar de não conseguir evitar algum por não ser exclusiva, cresceu dividindo a mãe com Sophia. Era natural para ela aceitar, já que tirando o fato de chamar a outra de afilhada, America sempre as tratou igual em tudo.
Sempre foram irmãs, ainda que quase nunca se chamassem assim com uma entonação natural.
Eadlyn sussurrou um pedido de desculpas. Disse apenas uma palavra, mas que servia para diversas cenas, estava se desculpando por não ser a mais fácil das filhas, por ter decepcionado sua mãe mesmo que essa ainda não soubesse de sua gravidez e principalmente, por não estar ali a consolando junto de sua irmã antes.
Dito isso tocou o pulso da mãe, estava frio. Não sabia o quão grave eram as crises da mãe antes disso. Agora que via a mulher que lhe servia de inspiração, que parecia ser uma muralha imponente e incapaz de se curvar, ali, chorando e tremendo sem parar, sem conseguir pronunciar uma sílaba que fosse foi que entendeu que sua mãe não era imbatível. Que ela também tinha os seus altos e baixos, suas fraquezas, sua mãe era humana e não divina como ela a tratava.
Um arrepio lhe percorreu a espinha. Perguntou para Sophia se ela já havia chamado ajuda, quando a outra respondeu que sim, Eadlyn se pôs a segurar com força a mão de sua mãe murmurando repetidamente “vai passar, mamãe. Seja o que for vai passar, a sua família está aqui, Sophia e eu te amamos muito”.
Os olhos de Eadlyn se encheram d´água, emocionada demais, abalada demais com aquilo, era mais racional, queria saber o que tinha acontecido ali. Porém, ver sua irmã e sua mãe chorando daquele jeito fazia tudo parecer muito grave e ela acabou por se render ao choro também.
America tirou as mãos do rosto para olhar para a filha, o calor produzido pelas palavras de Sophia dobrou com as de Eadlyn. As tinha, eram suas meninas, suas, ninguém as tiraria dela, ninguém.
Não iria deixá-las, não podia, America precisava das filhas tanto quanto as filhas precisavam dela para lhes dar a direção.
“Amo vocês mais que tudo” foi tudo o que com muito custo America conseguiu falar entre os penosos soluços e as incessantes lágrimas.
Raj, depois de interrogar Champak por mais alguns minutos subiu também. Ficou parado no pé da porta. America já estava tendo algum consolo, estavam as três na cama, America deitada no colo de Sophia, Eadlyn do outro lado da cama massageando os cabelos da mãe, as lágrimas escorriam pelo rosto das três.
Ele alternava a visão entre aquelas três mulheres a quem considerava como ainda sendo a sua família, seu amor e suas enteadas, e os cacos de vidro junto com os comprimidos espalhados pelo chão.
Não era difícil deduzir o que tinha acontecido. A conversa com as médicas de America era mesmo vital e devia ser assistida também pelas duas garotas, cuja infância já tinha passado a algum tempo. Eram adultas, já era mais que hora de dar um basta naquilo.
Os olhos dele ficaram marejados e a raiva de todos os responsáveis por aquilo se alastrou com força.
A vontade de se vingar de cada um dos Schreave era grande, mas, era evidente que esse direito era de America e de ninguém mais. Era ela quem tinha que lutar contra os fantasmas de seu próprio passado. Era ela quem deveria dar as cartas daquele jogo, cabia a ele ver como ela iria cortar aquele baralho.
O tempo passou, America foi medicada, tomou um banho rápido e um calmante forte, acabou adormecendo com suas filhas ao seu lado.
Devagar, Eadlyn e Sophia deixaram o quarto quando viram que a mãe realmente dormia. O chão já fora limpo por uma criada e os outros frascos de remédios tinham sido confiscados por Raj, não mais ficariam à mercê de America enquanto ela não o convencesse de que estava controlada.
Raj estava no andar de baixo com a médica que estava a lhe passar as instruções de como administrar aquela medicação, não confiava mais na palavra de America sobre aquilo.
As duas irmãs saíram do quarto e foi só então que Sophia conseguiu puxar Eadlyn para um cantinho e confirmar com todas as letras as suspeitas da outra.
— Ela ia tomar todos eles, Eady. Todos os comprimidos do frasco, de uma vez.
Eadlyn cerrou os punhos, os olhos se arregalaram e ela suou frio. As lagrimas voltaram a manchar o rosto que já tinha sido seco das primeiras, aconteceu isso com as duas.
Eadlyn nunca tinha se sentido tão emotiva e nem tão preocupada, Sophia também não tinha experimentado todo aquele medo de um novo abandono.
— Você tem certeza?
— Eu vi — confirmou Sophia — Quando entrei ela derrubou o copo e os frascos, disse que não faria mais aquilo, parecia arrependida, mas ainda tenho medo.
— Sabe o motivo?
— Estou tão por fora quanto você.
Permaneceram em um silêncio doloroso, cada uma tentando decifrar os motivos que seriam capazes de levar America a uma tentativa de suicídio, nenhuma conseguiu.
Champak as interrompeu chamando as duas para conversar com os médicos. Foram apressadas atrás de respostas.
Aquela era a primeira vez que tinham sentido um medo real de perder a mãe. A primeira vez que sentiram tão intensamente o quanto a amavam e o quanto eram amadas por ela.
Ambas estavam dispostas a fazer de tudo para ajudar sua mãe a se reerguer daqueles escombros. Não importava o que tivesse acontecido e nem o tamanho das pilastras e entulhos que haviam caído sobre ela, seriam retirados, um a um.
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