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QUANDO O CARRO ESTACIONOU NA FRENTE DAQUELE RESTAURANTE, Daphne teve a certeza de que algo grande estava para acontecer. Sua postura ficou rígida, as mãos começaram a transpirar, o susto durou poucos segundos, Maxon sequer percebeu, estava mais interessado nos próprios pensamentos, ele mesmo estava uma pilha de nervos.
Devidamente recomposta, Daphne relaxou, forçou um sorriso e com o tom de voz mais calmo que conseguiu, perguntou:
— Há algum motivo especial para você me trazer aqui?
— Na verdade, há.
Maxon respondeu antes de sair do carro, sua esposa acabou prendendo um strass de sua blusa no cinto de segurança e demorou quase um minuto para conseguir tirar sem danificar a peça. Quando Maxon abriu a porta do carro para ela, seus pais já haviam estacionado um pouco atrás.
Amberly, ao se aproximar de Maxon, perguntou pela quarta vez qual o motivo de estarem ali. Não queria mais surpresas do que já tivera naqueles anos.
— Lá dentro explicarei, vamos?
Maxon garantiu.
Daphne se agarrou ao ombro do marido como se estivessem ainda vivendo um mar de rosas.
Clarkson nada disse, estava apático por ter chegado a mesma conclusão que Daphne chegara. Aquele jantar não seria boa coisa e a melhor estratégia seria fingir estar surpreso, não preocupado ou com medo do que estivesse por vir, isso seria quase como uma confissão à sabe-se lá o que.
Entraram.
— Boa noite, sou Maxon Schreave há uma mesa reservada...
Disse para a recepcionista que deu lhes um sorriso e gentilmente lhe pediu antes de ele completar a frase:
— Documento, por favor. — Maxon entregou a carteira de identidade e após alguns segundos, ela anunciou — Certinho, me acompanhem por gentileza.
America não poupou esforços ou dinheiro em sua pequena vingança. É verdade que a própria vida já havia se vingando por ela, entretanto, um pouco mais de veneno lhe pareceu cair bem. O restaurante que ela escolheu era o mais caro de Nova York, e tudo ali mostrava o porquê.
Todas as mesas estavam ocupadas por pessoas cujos saldos bancários possuíam no mínimo seis dígitos. America havia reservado uma mesa bem afastada das demais, a uma curta distância de onde fora montado o palco onde a orquestra estava se apresentado.
A brincadeira a havia custado um bracelete de safiras. Com as contas bloqueadas, decidiu presentear a esposa do gerente do restaurante, conhecido seu de anos, com o bracelete.
Peter Johnson aceitou o pagamento adiantado com um brilho nos olhos, o valor do bracelete sem dúvidas ficaria além da conta que sua cliente deixaria. “Uma provável comissão”, ela tinha dito ao telefone.
Era uma joia bonita, mas sem apelo sentimental para ela, ao contrário da correntinha de ouro branco que colocara para a ocasião, pois fora a primeira joia que comprara para si.
A atendente acompanhou a família Schreave até a mesa. Haviam cinco cadeiras no total.
Tanto Clarkson quanto Daphne não deixaram escapar esse detalhe, se a mesa fora reservada com antecedência, outra pessoa ocuparia o quinto lugar, um restaurante com esse prestigio não erraria em algo tão simples.
— Querem pedir alguma coisa agora?
A moça perguntou entregando-lhes o menu de bebidas enquanto eles ocupavam os assentos.
— Vamos esperar, obrigado.
Maxon anunciou, Daphne, ainda em sua falsa cordialidade deu um sorriso e simulou estar bastante à vontade.
— Não estou entendendo, por que nos trouxe aqui?
Clarkson perguntou sem mais aguentar ficar sem saber o que estava acontecendo, certamente aquilo não era um jantar em família.
— Porque esse é o jeito mais rápido e fácil de eu ter a resposta para uma pergunta que está me deixando louco, pai.
Respondeu finalmente dando a Clarkson a confirmação de que não deveria baixar a guarda. Daphne estremeceu, depois como se nada demais tivesse acontecido segurou a mão do marido.
— E que pergunta é essa, meu amor? Por que não falou comigo sobre?
— Falei e você me disse que era idiotice acreditar na tal hipótese.
Do lado de fora, uma limusine parou. Um dos seguranças abriu a porta, o escarpin dourado de America tocou o chão, com o outro pé repetiu o movimento. Ela saiu da limusine e seguiu para o interior do restaurante acompanhada pelos seguranças particulares e os agentes do FBI.
Seu trabalho lhe rendeu fama e dinheiro, bem como uma considerável perda de privacidade. Mesmo antes de estar sendo investigada já não poderia andar para lá e para cá sozinha.
Peter Johnson a recebeu na recepção e pessoalmente a acompanhou até a mesa, tentando manter uma conversa animada, o bracelete havia despertado o seu bom humor.
As mãos de America tornaram-se gélidas conforme ia se aproximando da mesa. Ao primeiro vislumbre da família Schreave sentiu sua respiração ficar pesada, diminuiu o passo, tinha de se acalmar antes de fazer aquilo. Ocorre que falar era bem mais fácil do que fazer.
A família Schreave ainda não tinha se dado conta de sua presença. Daphne, Amberly e Clarkson ainda interrogavam Maxon buscando respostas mais satisfatórias. As cabeças dos quatros se viraram no momento em que Peter e America chegaram à mesa reservada. O quinto assento estava lá, vazio, à espera dela.
America respirou fundo, forçou um largo sorriso e como se estivesse no mais absoluto controle da razão cumprimentou:
— Boa noite. — Clarkson perdeu a cor do rosto, Daphne não reagiu de forma muito diferente do sogro — Adiantados, admiro essa pontualidade.
Ironizou enquanto o gerente puxava a cadeira para que ela se sentasse. America retirou o sobretudo branco que usava por cima do vestido e Johnson o acomodou no encosto do assento.
— Obrigada, Sr. Johnson.
Cordialmente ela agradeceu ao se sentar à mesa onde três de seus convidados a encaravam perplexos. Aquilo era a última das possibilidades a lhes passar pela cabeça.
America deu um sorriso debochado ao lembrar-se de quando frequentava a mansão da família Schreave, de como se sentia deslocada lá e do quanto Clarkson e Daphne se empenhavam em ampliar essa sensação. Em lembrá-la que aquele não era o lugar dela. Agora, era America a anfitriã.
Ainda assim, as lembranças iam e vinham em uma velocidade absurda, inundando seus pensamentos conforme ela caminhava.
Maxon vasculhava o salão à procura do funcionário do laboratório, queria o resultado em mãos o quanto antes.
— O que essa mulher faz aqui?
— Calma, Daphne.
Maxon pediu quando a esposa não conseguiu conter o habitual tom de desdém e desprezo com o qual sempre se dirigia à America.
— Eu fiz a reserva, ma chérie. — Respondeu como se não tivesse prestado atenção no deboche da outra. — Já pediram? Estou com um pouco de sede.
Continuou simulando a mesma tranquilidade que teria se estivesse em uma reunião de negócios.
Peter a entregou o cardápio e preparou o bloco de anotações, America era a cliente mais influente que ele teria no restaurante naquela noite, a atenderia pessoalmente.
Enquanto isso, Sra. Evans concentrava seus esforços em memorizar a cena atual, tinha de dar um jeito de calar as vozes em sua cabeça, cada uma delas.
— Que palhaçada é essa, Maxon?
Foi a vez de Clarkson reclamar pela audácia do filho. Como ele ousava fazer uma surpresa desagradável daquelas? Maxon começou a murmurar alguma coisa, mas America o interrompeu, em uma tentativa de calar as vozes estridentes que ecoavam por sua cabeça.
— Não contou a eles? — Ela fingiu se importar, — Pode deixar que eu mesma conto, mas antes, Sr. Johnson, será que poderia nos trazer uma garrafa de champanhe? — Pediu após dar uma boa olhada no cardápio, principalmente nos preços — Pode ser francês, não é Daphne? Te traz nostalgia?
America perguntou se divertindo com a cólera que emanava de Daphne feito fogo a consumindo por dentro.
Clarkson afrouxou o colarinho, a mera presença de America lhe fazia lembrar de tantos problemas que o fazia se arrepender de não ter terminado aquilo tudo antes.
Se tivesse feito, nada disso estaria acontecendo agora. Sua vida teria sido tão mais simples se não tivesse deixado provas, mas não, comemorou cedo demais a vitória.
— Como se você entendesse de champanhe francês.
Daphne sibilou ainda demostrando estar profundamente ofendida. Seus pensamentos também viajavam longe, imaginava qual era o assunto a ser tratado e aquilo não lhe fazia nem um bem ao seu orgulho.
— Tem razão, — America respondeu de forma tão desdenhosa e cínica quanto a outra — não sou especialista em champanhe, tenho muito mais apreço por vinho. Siciliano, de preferência, mas como essa é uma ocasião comemorativa... — America fechou o cardápio para debochar melhor — Qual safra me indicaria?
Perguntou a Peter com o mesmo tom que ouvia Daphne usar na escola, como se o valor fosse um mero detalhe. Amberly parecia estar assistindo a uma partida de beisebol, olhava de um lado para outro tentando entender o que estava acontecendo com sua família.
Maxon ainda olhava para a direção de onde America viera à espera do resultado.
— Temos uma excelente garrafa de Dom Pérignon da safra de 1969.
Anunciou orgulhoso o gerente.
— Excelente sugestão. — America concordou. — O que sugere de prato principal?
Era como se não tivesse plateia, ao passo que metade da plateia esperava cada vez mais furiosa enquanto a outra metade ansiava por uma resposta clara.
Maxon queria saber onde estava o teste e Amberly queria saber o motivo de estarem ali em companhia de America.
— A lagosta à thermidor vêm recebendo as melhores críticas.
O gerente falou calmamente contrastando com o clima pesado que se instaurou naquela mesa.
— O que acham? — Indagou America como quem se importa e em uma cordialidade ácida e fingida — Eu gostaria de um prato que não levasse carne.
Completou.
Sequer pretendia comer, acreditava que o exame chegaria antes da entrada, mas já era hábito seu lembrar de sua mudança alimentar por associação. Havia se acostumado tanto que retirou completamente a carne de seu cardápio, lhe custou pouco, já de doces não abriria mão de jeito nenhum, nem mesmo de uma boa taça de vinho para afogar as magoas.
— Ah sim, você é vegetariana. — Peter murmurou como quem se desculpa — Que cabeça a minha, recomendo o ravióli de vegetais à moda da casa.
— Maravilhoso. — Ela aprovou e só então voltou sua atenção para sua atônita e rancorosa plateia — E vocês? — Houve um festival de distintas expressões, mas nenhuma palavra — Já que meus convidados não se decidem, escolho eu. Me traga o ravióli como sugeriu e lagosta para quatro, sim? Deixo que me surpreenda quanto às entradas.
— Levarei seu pedido ao chefe, senhora Evans. — Garantiu o gerente e antes de se retirar acabou acrescentando — Todos os nossos funcionários estão às suas ordens.
— É muito gentil, senhor Johnson.
Disse America divertindo-se com a cólera que tomava conta de Daphne, os olhos pareciam arder em brasa. As unhas perfuravam a pele de tanto apertar as mãos.
— Acabou a exibição? — Ela indagou — Por que essa sem vergonha nos chamou aqui?
Maxon segurou a mão da esposa e pediu que ela esperasse para ouvir. America aproveitou para desdenhar.
— Que vocabulário rasteiro, Daphne. Eu esperava mais de alguém que estudou etiqueta com os melhores professores da França.
Sua voz saiu suave como veludo, embora quem conhecesse o contexto daquela conversa notaria a acidez contida em cada palavra dita.
Se Daphne não tivesse tanto a perder, não teria se importado em fuzilar America ali mesmo e a queima roupa. Maxon pensava em como conteria os ânimos cada vez mais aflorados de sua família com relação à America.
— Francamente, Maxon. — Foi a vez de Clarkson reclamar. Seus olhos cinzas estavam tão coléricos quanto os de Daphne, mas havia algo a mais ali, havia preocupação. — Não é possível que nos trouxe aqui para jantar com essa... essa... — O olhar de Amberly sobre si não lhe deixou proferir o insulto que queria, — mulher.
— America pediu por esse jantar para que respondesse à minha pergunta.
Maxon respondeu por fim, sem parecer se importar com as reações de sua família. Aquilo era bem previsível, aliás, estava surpreso por ninguém ter ainda gritado para todo o restaurante ouvir. America o tinha surpreendido até então.
— Bem lembrado, — America disse em tom aprobatório — me permitam explicar. Seu filho, Amberly e Clarkson, teve um pequeno lapso de memória, nada grave, apenas um pouco mais de dezoito anos de esquecimento.
O olhar que ela lançou a Maxon o fez recuar o quanto podia naquela cadeira. Cada palavra que ela pronunciava era como uma facada em sua dignidade. Amberly alternava seu olhar entre America, que agora procurava algo na bolsa, e seu filho.
— Há alguns dias, minha filha mexeu em algumas caixas antigas que tenho, velharias, sabe? Lá ela encontrou isso aqui.
America colocou a caixa do colar aberta sobre a mesa, revelando o problemático diamante cor de rosa em formato de coração. Respirou por alguns segundos, manteve a compostura garantida por seu antidepressivo e continuou:
— Maxon me deu esse colar há muito tempo. Quebrou o fecho e eu não me importei em mandar consertar, pois bem, minha filha acreditando que isso me traria alguma lembrança positiva levou para o conserto, — ela deu um riso sádico — por ironia do destino ela foi bem na joalheria de vocês e o Maxon estava no balcão nessa hora.
Então seu olhar se concentrou em Maxon, cuja atenção ainda estava voltada para a entrada. Com as mãos em punho fechado e em uma raiva contida, continuou:
— Pela forma como ele se dirigiu a mim, imagino que deva ter prestado atenção no colar e não na garota à frente dele primeiro. Deixo imaginarem a cena. Enfim, ele me procurou para perguntar se havia ALGUMA POSSIBILIDADE da minha Eadlyn ser filha dele. E aqui estamos.
Falou sarcástica marcando bem as palavras afiadas como navalhas enquanto fechava a caixinha com o colar.
— O teste já era para ter chegado.
Comentou Maxon ainda muito desconcertado com a situação.
— Sim, concordo. — Disse America virando as costas para olhar se o funcionário prometido já não estava a trazer o bendito resultado.
— Armou esse circo todo para contar mentiras? — Daphne desafiou começando a se recuperar do impacto daquela notícia, era mais do que um simples inconveniente — Quanto descaramento.
— Acha que não temos nada melhor para fazer? — Foi a vez de Clarkson protestar como forma de se recompor — Olha a situação que você criou!
Os olhos de America estavam tão nublados quanto fica o céu antes de cair uma grande tempestade.
— Eu não precisei de nenhum de vocês para criar a minha filha, e nem preciso agora.
Ela respondeu de forma tão automática como se estivesse apresentando uma notícia em algum telejornal. Fez da falsa indiferença sua válvula de escape.
— Eu tenho mais o que fazer. — Daphne fez-se de extremamente ofendida e se levantou da cadeira. Maxon a segurou pela mão e pediu que voltasse a se sentar.
— Eu também tenho, — America rebateu olhando para as unhas tingidas de vermelho como se estivesse entediada — só essa semana tenho cinco entrevistas para conceder, dois artigos para terminar, um programa para apresentar e uma festa na qual serei convidada de honra, — essa última frase fez Daphne ficar ainda mais vermelha de raiva, se é que era possível — mas ainda assim abri mão de algumas horas da minha noite para revê-los, sintam-se privilegiados.
— Eu não vou ficar aqui ouvindo asneiras. — Foi a vez de Clarkson retrucar se levantando e chamando pela mulher.
— Pai, eu quero saber. — Maxon interviu também — Talvez seja sua neta.
— Minha neta não é! — Clarkson estourou, a veia da testa a ponto de explodir.
America era um problema imenso para ele, embora achasse que aquela conversa fosse se limitar ao escândalo já conhecido ele não conseguia deixar de lado a apreensão.
— Pai, estão olhando para cá.
Maxon disse para que seu pai se acalmasse. Clarkson olhou em volta,. De fato, haviam olhares disfarçados sobre a mesa, teve que engolir a raiva.
— Seu filho me procurou, não fui eu a desenterrar esse passado. — America disse mantendo seu tom de voz habitual como se a explosão de Clarkson não fosse absolutamente nada — Minha filha viveria muito melhor sem saber que o tem como avô.
Nessa hora, Johnson reapareceu em companhia do tão aguardado funcionário. Os cinco se viraram para encarar o homem que, por milagre, não tinha tropeçando nos próprios pés por receber tanta atenção.
O rapaz gaguejou um "boa noite" e entregou o exame para America, lacrado.
— Obrigada. — Disse ela lhe dando uma gratificação bem na hora que Maxon estendeu a ele outras notas. O Rapaz quis devolver, mas nenhum quis aceitar. Então saiu de lá com um sorriso imenso, alheio ao fato de ter explodido uma bomba dentro da família Schreave. — Bom, vamos ao resultado?
Sua falsa expressão de mistério foi dramática, de forma sarcástica ela, retirou lentamente o plástico que cobria o envelope e por fim, abriu o teste.
Como não houve espaço para adulterações, resultado só poderia ser um. Ela ergueu a folha e com um riso sádico virou o resultado para que todos pudessem ver, por fim, o entregou a Maxon.
Era como se um peso invisível tivesse sido tirado de seus ombros. Não era o suficiente para considerar uma vitória contra a depressão, mas a deixou mais tranquila em relação à sua filha. Eadlyn tinha entendido, isso era o mais importante para ela.
— Porque esse teste é muito confiável.
Daphne ironizou enquanto Maxon segurava perplexo aquela folha, Eadlyn era sua filha. A culpa o consumiu. O fato de ter se separado de America daquela forma tão traumática não anulava o resultado daquele teste. Nem mesmo achava que cabia o pretexto da dúvida de ser ou não ela naquelas fotos, negligenciou uma filha por dezoito anos.
— Seu marido me pediu uma resposta, está aí. — Respondeu indiferente ao comentário — Eu não vou me desgastar provando algo que é óbvio, mas que não interfere em nada na minha vida. Pedi para que você escolhesse o laboratório, Maxon. Está aí seu resultado. Se acredita ou não, não é problema meu. Minha Eadlyn já é uma moça, você foi completamente dispensável na vida dela e na minha.
Maxon mantinha os olhos fixos no teste, envergonhado. Foi por bons instantes incapaz de levantar o olhar.
O champanhe que America pediu foi servido enquanto as cinco pessoas na mesa mantiveram o silêncio. America olhava para as unhas, Maxon para o teste, Daphne e Clarkson pareciam apreciar o vazio, pensando em como resolveriam seus problemas, e Amberly observava a expressão do marido.
— Não viu o que ela acaba de mostrar? A menina é nossa neta! — A voz de Amberly quebrou o silêncio. — Por que você não contou isso antes?
Seu olhar pousou em America, que levou a taça de champanhe aos lábios e depois do primeiro gole, a balançou delicadamente para só então responder:
— Depois de eu ser acusada de roubo ou depois de me expulsarem da sua casa? — Fingiu considerar a questão enquanto as lembranças vinham a toda força e a toda pressa — Não acha que eu já tinha sido humilhada o suficiente?
Ela tomou outro gole de champanhe enquanto Amberly insistia. Também se sentia culpada por só agora descobrir ter outra neta.
— Mas as circunstâncias...
America tomou fôlego. Juntou suas forças e mesmo com vontade de desabar em choro permaneceu no topo de seu pedestal como se nada mais lhe importasse, como se não estivesse lutando contra as lágrimas, como se não pudesse ouvir todos os insultos dirigidos a ela naquela noite.
— Vocês se consideram assassinos? — Ela indagou em retaliação — As circunstâncias dizem que o são. Sua mina explodiu por falha na manutenção, vidas foram perdidas ali.
Ela acusou com a voz fria.
— Ah, esqueci, vocês são uma família de renome, logo esses tolos erros não recaem sobre vocês, não é? — Ironizou ao tom de um sussurro — Acham que venderam a mineradora e se livraram da culpa?
— Você pediu para comprar ela, não foi?
Daphne rebateu se recuperando, os olhos queimando de raiva indicavam que não precisava de muito mais para que fizesse alguma loucura.
— Para que eu ia querer aquilo? — Replicou desdenhosa como se a mineradora fosse uma coisa qualquer, desprezível até —Não, eu não pedi.
Clarkson tossiu, não acreditava nela. Para ele não tardaria que America os humilhasse usando a mineradora.
— E o que você é? Está sendo investigada como cúmplice por tráfico humano.
Clarkson acusou com uma repulsa tão explícita, que mesmo Amberly pôde notar.
America se muniu de um pouco mais de champanhe.
— E estou sentada em uma mesa de restaurante sendo protegida por agentes do FBI porque eles não conseguiram encontrar uma prova que seja contra mim. Já o senhor, não foi absolvido, só não foi preso por influência, mas está pagando uma bela multa. Eu bloqueei meus bens por espontânea vontade.
Ergueu a taça na direção de Clarkson como se propusesse um brinde.
— Porque você não tem influência política, né? — Daphne voltou a ironizar.
America lhe respondeu com um sorriso irônico e desdenhoso:
— Não estou na Índia, se é esse o motivo de seu comentário. Meu processo está aberto e estou tranquila em relação a ele. Eu não precisei destruir a vida de ninguém para alcançar o meu sucesso. Mas que bom que percebe que me tornei uma pessoa influente, agradeço o elogio.
— Essa garota não é minha neta.
Clarkson tornou a repetir como se a exaustão pudesse converter a mentira em verdade.
— Como eu adoraria que essa sua frase mudasse tudo. — Debochou ela — Então, Maxon, está sanada a sua curiosidade?
O gerente reapareceu com as entradas.
— Obrigada.
Enquanto ele servia os pratos nenhum insulto foi trocado.
— Dezoito anos, você passou dezoito sem me contar que eu tinha uma filha.
Maxon acusou, todos os pratos permaneceram intocados, ninguém tinha apetite.
— Não, — America rebateu — VOCÊ passou dezoito anos ignorando esse fato. Nunca escondi a Eadlyn da mídia. A semelhança entre ela e sua mãe é notória, por favor, faça uso do presente que lhe dei na hora da coleta de material genético.
— America...
Amberly começou, mas seu marido não lhe permitiu concluir o raciocínio.
— O que quer com isso, destruir o casamento do meu filho? — Ele acusou em voz alta.
America pouco se importou, mantendo o seu tom habitual respondeu:
— Quem tem especialidade em arruinar relacionamentos são o senhor e a Daphne.
— Eu não admito que...
Daphne ergueu a voz cada vez mais irritada com a frieza de America que além de não alterar a voz manteve a mesma postura com a qual chegou,. Uma falsa confiança que enganou a francesa.
— Pare, Daphne. — Maxon reclamou — Onde ela está? Por que não a trouxe?
America riu de sua pergunta.
— Para que traria? Aceitei contar a verdade porque acho que ela merece saber, nada mais. Está dito. Não vim pedir que você assuma sua responsabilidade, é tarde para isso.
— Não podemos vê-la? Se é minha neta eu... — Amberly tentou mais uma vez enquanto Maxon engasgava com a resposta de America.
— Vocês são completamente estranhos para ela. — Sra. Evans completou impossibilitando Amberly de continuar a frase.
— Tenho o direito de ver minha filha.
Maxon protestou ignorando a fúria da esposa e o ódio que emanava do pai.
— Criei Eadlyn e minha afilhada sozinha. Quem perdeu noites de sono fui eu, quem contou e recontou o orçamento apertado quando ela ficava doente fui eu, quem deixou de comprar coisas das quais precisava para pagar a escola dela, o pediatra dela, os remédios para ela e todo o resto fui eu.
America não permitiu que Maxon lhe tomasse a palavra. Continuou falando em meio aos protestos dele e de Daphne que vez ou outra deixava escapar um pouco mais do veneno.
— A senhora, D. Amberly, — continuou já que a mãe de Maxon estava tão interessada na neta que mal acabou de descobrir que tinha — por acaso bateria na porta de um homem que claramente te acha a pessoa mais suja do mundo? Diria a ele que tem uma filha para a ser acusada outra vez? Para ser chamada de golpista? Para que te lembrassem todos os dias que você não passa de uma oportunista barata e que teve aquela criança de propósito?
Ela desafiou alternado sua atenção entre cada um dos quatro.
— Se chegasse a esse ponto eu preferia pedir esmola na rua a ter que pedir qualquer coisa para vocês. Mas não chegou, meus esforços foram compensados, eu me formei, consegui um bom emprego e trilhei a minha carreira.
Ao proferir a última frase, seus olhos se fixaram em Daphne.
— Você simplesmente deu um bom golpe. — Debochou a outra se conseguir conter uma forte pontada de inveja.
— Se está falando do Raj, quando eu o conheci eu já estava muito bem de vida, ma cherie.
Daphne, que acreditava que America mais cedo ou mais tarde faria um escândalo, acabou por concluir que ela não lhe daria esse gosto.
— Quanto a você, — O olhar anuviado de America pousou em Maxon — não venha agora me falar de direitos, os tem perante a lei, mas moralmente... Não tem nenhum. Chamei vocês aqui para mostrar pessoalmente o quanto as coisas mudam. Não quis perder a expressão de vocês, principalmente a de vocês dois. — America repousou a taça de champanhe na mesa e encarou Daphne e Clarkson com um sorriso indecifrável — Já vi em primeira mão, obrigada por esse presente.
Então se levantou, pegou a bolsa e o sobretudo que estava a cobrir o encosto da cadeira e enquanto o colocava Daphne chamou:
— Espere!
— Não se preocupe, ma cherie, — America tentou imitar a voz da outra por puro deboche — eu não tenho o menor interesse em destruir um casamento tão lindo como o de vocês. Passar bem.
— America, espera, precisamos conversar. — Maxon pediu ainda segurando o exame.
— Eu não tenho mais nada para te dizer, pergunte a Eadlyn se ela quer ver você. Deixo contigo o colar para que puxe assunto — riu sozinha da piada que apenas ela viu graça — Aproveitem o jantar, é uma cortesia minha, pelos velhos tempos.
Ao se virar para sair, Maxon a chamou outra vez:
— Quero o telefone dela.
Ele pediu sem saber onde conseguiria coragem para falar com uma filha que por dezoito anos não lhe significou nada.
— Darei o seu para ela, Eadlyn já tem dezoito anos, afinal. Pode decidir se quer ou não algum de vocês na vida dela.
Disse mais por dizer do que por qualquer outra coisa. Toleraria Maxon por ser o pai, talvez Amberly com algum esforço, mas de jeito nenhum queria que Eadlyn ficasse no mesmo ambiente que o avô ou a madrasta.
— Vai fazer uma matéria sobre isso? — Clarkson perguntou jogando o verde, pouco se linchava com a matéria em si, mas com o quanto ela iria repercutir e quantos problemas do passado iria reascender — O quanto somos desprezíveis por abandonar a mãe da nossa neta?
— Agora é sua neta? — America sorriu baixinho, os clientes do restaurante espichavam o pescoço e aguçavam os ouvidos para tentar acompanhar — Não sabia, — tornou a desdenhar — em resposta à sua pergunta, eu não pretendo. Não preciso disso, não gosto de ser a vítima. Mas tudo o que acontece na minha vida repercute, então sim. Alguém vai fazer.
Ela concluiu, não tinha parado para pensar nisso. Os remédios em excesso a afetavam muito, a doença a deixava desnorteada.
— Fizeram sobre o significado dos tipos de flores do meu casamento, — dessa vez seu deboche não foi intencional, havia se lembrado das três páginas que um jornalista havia redigido sobre cada tipo de flor escolhida para adornar seu primeiro casamento — Farão sobre isso também. São as circunstâncias.
Tomou emprestado a colocação de Amberly.
— Vai tudo voltar à tona.
Daphne comentou se divertindo enfim, para todos os efeitos ela mesma não tinha nada a ver com aquilo.
— Vai, mas quem liga? Hoje sou milionária. — America retirou o sorrisinho de Daphne — Não faz diferença nenhuma na minha vida. Aliás, faz sim. Polêmica sempre vende.
Complementou dando-lhes as costas.
— America, espera.
Chamou Maxon outra vez, agora em posse da caixa com o colar.
— Eu não quero ouvir suas desculpas, seus lamentos ou arrependimentos. — Ele disse ainda de costas viradas — Guarde isso para Eadlyn, talvez ela acredite. Obrigada por terem vindo, não será a última vez já que vocês decidiram morar na minha cidade.
Ela lembrou. Certamente não seria o último encontro, restava saber se ela teria estrutura para os próximos.
— Algo errado?
Johnson perguntou quando a viu caminhar para fora em companhia dos seguranças.
— Apenas a companhia que me é desagradável. — Ela respondeu — Obrigada, senhor Peter. Espero que sua esposa tenha gostado do presente.
Ela forçou um sorriso. Mal podia esperar para entrar outra vez na limusine e poder chorar o quanto suas lágrimas permitissem.
— Ela adorou. Devo continuar servindo seus convidados?
— Creio que já não há necessidade. Meu presente lhe cobriu os custos? — Quis confirmar.
— Eu que estou em dívida com a senhora.
— Então considere um bônus. — Agradeceu estendendo a mão para ele — Fez um trabalho maravilhoso.
Maxon, Daphne, Amberly e Clarkson os encontraram perto da saída. Seguiriam em frente se não fosse por outra mulher, esta sim disposta a gritar a plenos pulmões seu discurso a muito ensaiado.
— Nossa, mas que coincidência encontrar o senhor aqui, papai.
Brice disse a Clarkson o fazendo ir no outro mundo e voltar. Amberly empalideceu e soltou o braço do marido.
— Está me confundindo com alguém. — Ele disse, a voz quase não saindo.
Os olhos castanhos de Brice, iguais aos de Maxon, brilharam enquanto a loira sorria. Enfim faria o escândalo que não fez na Índia quando seu namorado se casou com outra, ao menos agora vingaria a mãe.
America, que estava de saída, puxou um pouco mais de conversa com o gerente para ouvir a renomada família Schreave ser alvo de um escândalo protagonizado por um membro integro como Clarkson Schreave.
— É claro que não, Clarkson Schreave. — Ela confirmou em um largo sorriso — O bom é que eu tenho andado preparada.
Continuou mostrando algumas fotos de Clarkson com a mãe dela enquanto jovens, época em que ele já tinha se casado.
— Podemos ter uma longa conversa sobre o seu marido, Sra. Schreave.
Ela ofereceu o celular para Amberly, Clarkson tomou e disse:
— Você só pode estar louca.
— É, cada um com as suas polêmicas.
Disse America ao passar por eles rindo, como se isso ocultasse o fato de ela querer desabar ao entrar na limusine. Nem ouvir o escândalo do adultério de quem a acusou lhe trazia alegria genuína. Queria se jogar na cama e dormir, ao menos teria algumas horas de paz.
Às costas dela, um escândalo digno de cinema se instaurou. Amberly deixou o restaurante em uma ambulância. Brice acabou por se arrepender, não queria que a outra passasse mal daquele jeito, só queria “desmascarar o crápula do meu pai”, mas o tempo não volta atrás, nunca.
⁂
America chegou mais cedo do que previra,l. O assunto que teve no jantar foi rápido. Nem eram ainda 22h00 quando cruzou a porta de entrada da mansão.
Na limusine, tinha secado as lágrimas derramadas durante quase todo o trajeto e retocado a maquiagem o melhor que conseguiu. É claro que um olhar mais atento ainda notaria que ela havia chorado.
— E então?
Raj perguntou ao vê-la passar, mantivera o celular na mão desde que ela saiu. Não sabia como ela iria reagir àquele jantar, poderia ter uma crise ou algo tão ruim quanto, pedira ao gerente que o mantivesse informado caso ela aparentasse muito desconforto.
— Acabou.
America disse com um sorriso cansado. Seu corpo estava exaurido, mantinha a pose por puro orgulho, agora que estava em casa se permitiu sentar no sofá e tirar os sapatos. A cabeça começava a doer e a sonolência dos remédios já se manifestava.
— Foi corajosa, America.
Raj lhe disse ao chegar mais perto, embora soubesse que aquele assunto não tinha acabado, estava longe de isso acontecer. Afinal, America era uma figura pública e imaginava que o pai de Eadlyn muito provavelmente iria querer conhecer a filha, ainda assim, não quis colocar mais peso sobre os ombros dela.
America se inclinou e lhe deu um abraço apertado. Raj a envolveu entre os braços até que ela se acalmasse, secou uma lágrima solitária do rosto dela e com as pontas dos dedos pôs uma mexa dos cabelos dela atrás da orelha.
Ela foi se acalmando aos poucos, sucumbindo mais à sonolência. Se afastou dele e repousou a cabeça no encosto do sofá, enquanto terminava de resumir o problemático jantar, Eadlyn desceu com Sophia em seu encalço.
— Mãe, a senhora está bem?
Eadlyn perguntou com o remorso aumentando a sua preocupação. America forçou um sorriso e com o máximo de convicção que conseguiu reunir respondeu:
— Estou.
Raj levantou-se de seu lugar e gesticulou para que uma delas ficasse ali, então acrescentou que:
— A mãe de vocês precisa de algum conforto, é a vez de vocês cuidarem dela.
America deu um pequeno sorriso de contentamento quando Eadlyn e Sophia se sentaram uma em cada lado dela. Envolveu cada uma com um dos braços, Sophia apoiou a cabeça no ombro dela pensando em algo para dizer, mas nada lhe pareceu apropriado, então apenas permaneceu com a cabeça ali.
Uma melodia animada preencheu a sala.
— Dra. Cooper, — Raj disse antes de atender o celular, — amanhã vou levar você na clínica.
Apontou para America e então se virou para subir as escadas. America estava bem amparada e ele queria saber dos detalhes do novo tratamento, a mais interessada no assunto já não se importava como deveria.
— Medo de eu errar o caminho? — Ela brincou, sabia que ele tinha percebido que ela já não tinha esperanças em terapias.
— Medo de você prestar atenção na receita e não na terapia.
America deu um riso constrangido, ao menos os remédios a deixavam um pouco mais calma. Nos últimos anos nenhuma terapia tinha surtido grandes efeitos. Raj subiu.
America retirou da bolsa a sua cópia do exame e estendeu para Eadlyn.
— Aqui, filha. Me desculpe por ter te escondido por tanto tempo.
Eadlyn abriu o resultado, os olhos direto na parte sublinhada, “positivo” ela murmurou consigo mesma. Repousou a cabeça no colo da mãe e America lhe afagou os cabelos.
O gesto foi para America um sinal de que não havia mais ressentimentos entre elas, Eadlyn agora sabia o nome do seu pai.
— A senhora quer alguma coisa? Um chá ou... — Sophia começou a sugerir.
— Quero um banho quente, uma taça de vinho, uma tevê e as minhas filhas.
America respondeu percebendo que logo sucumbiria ao sono induzido pela medicação.
⁂
A mente humana é tão fascinante quanto perigosa, por vezes traiçoeira, ela dá suas cartas nos mais distintos momentos. A de Maxon estava sobrecarregada. A mãe estava em observação, o desmaio tinha se provado grave já que D. Amberly ainda não tinha acordado.
Daphne fez companhia a Clarkson na sala de espera. Maxon caminhava de um lado para o outro importunando o médico e a enfermeira que estavam tratando de sua mãe, não trocou mais palavras do que o extremamente necessário com o pai.
Ainda estava em choque com o resultado do exame, tinha outra filha. Uma que não conhecia, e que nem sabia se iria ou não querer conhecê-lo. Logo mais isso iria repercutir e talvez isso dificultasse mais ainda o contato com a menina.
Como se não bastasse, ainda tinha aquele escândalo que resultou no desmaio de sua mãe. Mal conseguia olhar na cara pai desde que Brice mostrou as fotos de seu pai com uma brasileira, mãe de Brice.
A noite para ele seria absolutamente longa.
⁂
A base militar de Alepo estava em perfeito silêncio naquela noite. O turno acabara de ser trocado e novos militares tomavam para si a função da vigília enquanto os anteriores iam a passos largos tentar descansar por algumas horas do estressante trabalho.
Raj estava entre eles, o preço de honrar a família tinha se revelado mais caro do que ele imaginou que seria. O combate com as forças nacionais era frequente. A tensão era constante a cada segundo.
Já haviam se passado cinco meses desde que ele se lembrava do que era dormir uma noite inteira, poucas horas. Era o que tinha enquanto durasse a missão de seu batalhão.
A mesa farta e a segurança da casa já não passavam de lembranças, sequer tinha alguma garantia de que voltaria para casa. Mal tinha fechado os olhos naquela noite e o barulho da explosão sacudiu tudo ao redor.
Os gritos de seus companheiros reverberaram alto. Levantou-se com a adrenalina lhe correndo veio por veia, a base estava um caos. Haviam militares se debatendo no chão por conta do fogo a lhes consumir, outros corpos já estavam totalmente tomados pelo fogo, mortos. Os que restaram corriam por todos os lados na tentativa de salvar os companheiros.
Mas na cidade estava ainda pior. A cena que viu jamais seria capaz de ser reproduzida por nenhum diretor de cinema, por mais genial que este fosse.
Cadáveres eram carregados e postos em filas para identificação. Amontoados estavam homens, mulheres, crianças e idosos, alguns totalmente desfigurados, seja pela explosão ou pelos escombros que caíram sobre eles, alguns prédios e casas estavam pegando fogo, outros desabaram com a explosão.
A voz do general o tirou do transe. Segurando firmemente a arma de fogo, foi. Não tinha como saber se estava indo rumo à vitória ou a morte, só sabia que tinha de ir.
O combate começara ao norte e o barulho das balas se misturava ao sofrimento das vítimas e dos familiares dos mortos. A melodia fúnebre ecoava alto quando ele despertou do recorrente pesadelo.
Seu tempo no exército lhe tinha rendido péssimas lembranças, mas aquela de longe era a pior. Se lembrava dela com tanta nitidez que parecia ter sido reprisada várias e várias vezes.
Desde então, muito dificilmente conseguia dormir uma noite inteira. Nem sempre conseguia relaxar direito e dificilmente esquecia de se preocupar quanto à segurança.
Quando tentava induzir o sono com remédios era pior, se sentia preso dentro dos sonhos até durar o efeito da medicação, acabou desistindo de usar e se acostumando à insônia.
Seu problema não era o mesmo de America. Não tinha se arrependido do alistamento e muito menos sofrera o mesmo tipo de trauma psicológico que ela, mas a entendia por suas próprias experiências, havia ali alguma cumplicidade motivada por coisas do passado. Eram entre outras coisas, por a entender, que desejava protegê-la.
Ele não se arrependia de ter servido ao exército indiano e tampouco America se arrependia de ter sido mãe, mas as circunstâncias dessas coisas lhes cobravam o preço.
Levantou-se da cama e secou a testa banhada de suor frio. Se dirigiu ao banheiro sabendo que se tivesse sorte, conseguiria voltar a dormir às 5h da manhã, como era de costume.
⁎
America, por outro lado, sequer viu a noite passar. Apagou depois de vinte minutos de filme em seu quarto. Eadlyn e Sophia tinham saído de fininho assim que ela dormiu, fazendo planos entre si para ajudar a mãe a se distrair. Como Raj previra, aquilo ainda estava longe de acabar.
Eadlyn também não dormiu muito bem. Pensava em como sua mãe reagiria quando descobrisse que seria avô.
Dormiu preocupada, mas gostou do sonho que teve, America embalava nos braços um bebê envolto por uma manta branca. Acordou com um sorriso bobo no rosto e levou a mão à barriga.
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