— Vai me ver tocar hoje? — Yoongi questionou, como quem não quer nada, mas eu sabia que ele queria, e queria muito.
Ele tem esse jeitão meio sem graça de pedir as coisas, e de demonstrar que se importa. Sorte é que eu convivo com ele tempo suficiente para compreender.
— Talvez... — Falei, brincalhão. — Acho que vou levar uns amigos também. — Completei, fazendo Yoon me olhar com apenas uma das sobrancelhas arqueada.
— Amigos? Vai sequestrar os idosos do asilo, por acaso? — Estirei o dedo para ele. — Que mundo paralelo é esse que você tem mais amigos além de mim e do Batatinha? — Perguntou, realmente interessado.
Nas duas semanas que se passaram, eu me tornei mais próximo de Taehyung e Hoseok. Primeiro que eu não tive muita opção, já que eles pegaram o costume de sentar comigo na hora do almoço. Eu fico até feliz por isso, se dependesse de mim, eu continuaria sozinho no meu canto. A verdade é que eu posso ser rabugento do jeito que for, mas quem não gosta de se sentir querido por alguém?
— Se você ficar enchendo meu saco eu deixo você e vou morar com eles. — Usei um tom sério, para ele pensar que era uma ameaça verdadeira, mas ele só fez rir da minha cara, o que eu achei um absurdo.
Logo a conversa tomou um novo rumo. Na verdade, Yoongi sempre faz questão de tocar nesse assunto, por mais que eu deixe bem claro o quanto não estou interessado em sabe da vida do Jeongguk. Ah, tem algo que vale a pena ser mencionado: Yoongi, além de tocar piano muito bem, sabe tocar violão, e eu não sei em que momento isso chegou aos ouvidos de Jeongguk, mas chegou, e agora ele tem aulas de violão com Yoongi.
Eu tenho a impressão, não que eu ache que o mundo gira ao meu redor ou coisa assim, mas a única vida que eu vivo é a minha, e a dos meus personagens de the sims, sendo assim, parece que gira mesmo ao meu redor mesmo. Voltando ao raciocínio... a impressão que eu tenho, é que Jeongguk está me rondando, onde quer que eu olhe, eu sinto seu rastro. Isso foi bem esquisito, vamos fingir que eu não disse.
— Eu deveria chamar o Jeongguk, né? — Questionou, esperando uma reação. Eu apenas dei de ombros.
— Ele deve ter mais o que fazer numa sexta à noite. — É uma hipótese.
— Você já parou para pensar que ele trabalha em um pet shop e tem um frigobar em casa? — Falou, casualmente, enquanto molhava um pedaço de pão no café com leite. Fiz uma caretinha porque acho uma combinação nojenta, mas vai para o estômago dele, não para o meu.
— Não penso muito na vida dos outros, não penso tanto nem na minha direito. — Foi o que respondi, mas a verdade é que o questionamento tinha sim me deixado intrigado.
Como o cara que foi expulso de casa, estava morando com a irmã, de repente aluga um apartamento e traz um monte de mobília novinha?
Meu Deus, será que eu me envolvi com um bandido?
[...]
— O Jimin me chamou para sair! — Hoseok anunciou, apoiando o braço em meu ombro e me puxando para um abraço meio torto. Ele sorria, como sempre. Taehyung encarou a situação, confuso.
— Talarico morre cedo, viu Jimin? — Respondeu, descontraído. Eu não entendi se ele estava falando sério, mas fiquei com medo. Ele é maior que eu, facilmente me quebraria no soco.
— Eu chamei os dois! Vocês dois! — Nervosamente, me expliquei. Taehyung sorriu, abrindo os braços, foi então que Hoseok me soltou e foi até ele.
— A gente topa sim, tudo que eu quero é beber uma cervejinha depois dessa semana doida. — Hoseok quem falou, puxando Taehyung em direção a mesa que a gente geralmente comia.
Tenho que concordar, essa semana foi um pesadelo, mas o desfecho foi até engraçado.
Os enfermeiros começaram a reparar que muitos dos produtos de higiene dos idosos estavam sumindo, e até mesmo alguns alimentos estavam desaparecendo das despensas. Se fosse algum rato eu saberia, e só se fosse o próprio Ratatouille para carregar os potes de molho de tomate que evaporaram. A primeira suspeita foram os funcionários, os seguranças checaram todos os armários e nada, exceto uma menina que trazia para o trabalho um vibrador, tadinha, ficou super constrangida, conseguiu nem explicar, só chorar.
A segunda suspeita foram os familiares, mas só dava para saber checando as câmeras de segurança, e foi aí que pegaram no flagra o suspeito. Ninguém mais, ninguém menos que um senhor de 84 anos que tem demência. Eu não estou sendo insensível, esse é realmente o nome da doença que afeta a memória e o discernimento. É triste de se ver.
Quando algumas cuidadoras foram entrar no quarto dele, acharam de tudo, desde as latas de molho de tomate, até decorações de natal do ano passado. Eu disse que era engraçado porque foi alguém que ninguém nem esperava, e foi bom porque agora as enfermeiras estão mais atentas em relação a ele, isso significa que ele vai ter um cuidado maior, o que é ótimo.
— E transar. — Taehyung completou, fazendo Hoseok rir.
Viu? O lance da intimidade que eu falei.
Fingi só que não ouvi e me concentrei em tomar o meu suco de laranja.
[...]
Depois do expediente, eu e os meninos dividimos um táxi até o barzinho que Yoongi tocava, o mesmo bar onde nos conhecemos.
O ambiente é bem iluminado, nem parece um bar de verdade. Tem aparência meio rústica, os móveis de madeira, e bem brilhantes, parecem novos, mas só por cima, as mesas estão cheias de chiclete por baixo.
Caminhamos os três em direção a mesa perto do pequeno palco, que também fica localizada ao lado do bar, onde tem o cara que prepara os drinks.
Caso vocês estejam curiosos, o Yoon não trabalha só disso, bem que ele queria, e poderia, já que teve a sorte de ter pais riquíssimos. Os pais do Yoongi já ofereceram para gente uma cobertura, chiquérrima, mas ele sendo ele, não aceitou. Por isso a gente mora onde mora, não que seja ruim, eu adoro o tom de verde cocô de neném recém-nascido que nosso prédio tem, e acho um charme as partes sem reboco da parede. Mas eu queria poder ostentar numa cobertura, difícil mesmo ia ser arcar com minha parte das despesas.
Sentamos na cadeira e um garçom apareceu para recolher nossos pedidos. Olhei para o palco e vi Yoongi ajeitando a altura do microfone, acenei para ele com a cabeça, e ele retribuiu, aproximando-se da mesa em poucos instantes.
— Boa noite. — Cumprimentou. — Bom saber que vocês são reais. — Revirei os olhos para o comentário, ao contrário de Tae e Hoseok, que riram. — Queria dizer que o Jimin fala muito bem de vocês, mas ele quase não fala.
— De você ele fala, só que mal. — Hoseok disse, risonho.
Que ideia legal juntar meus amigos, odiei.
Yoongi juntou-se a nós, e engatamos um papo sobre pinguins terem ou não joelhos. No meio da conversa, meu olhar se distanciou e foi parar justamente na entrada do estabelecimento, na hora exata que um tal de fofo e gostoso passava pela porta. Muito bem vestido. O que me impressiona em Jeongguk é que, não importa o que ele esteja vestindo, parece a melhor peça de roupa do mundo, mesmo que seja só uma toalha de banho, ou nada.
Desta vez, ele trajava uma camiseta preta, com uma jaqueta de couro por cima, preta também, e uma calça jeans que, vocês não vão acreditar, mas também era preta. Sem contar os inúmeros brincos cor de prata na orelha e o cabelo perfeitamente penteado para trás, com um pouco de gel, dando destaque ao undercut que ele tem.
Foi involuntário, assim que ele encontrou o olhar com o meu, eu prendi a respiração.
Yoongi pareceu perceber meu silêncio, então procurou para onde eu estava olhando e encontrou Jeongguk, Yoon sorriu, feliz que ele estava ali, e se aproximando.
— Meu convidado chegou! — Anunciou, levantando-se da mesa, para dar aquele cumprimento onde você primeiro aperta a mão da pessoa e depois da um abraço de ombro, acho que posso descrever assim.
Taehyung e Hoseok fizeram o mesmo, sorrindo. Eu permaneci sentando, tomando meu drinque com canudinho. Pode parecer falta de educação da minha parte, mas eu juro que nem foi por mal. Minhas pernas tremiam tanto, que se eu levantasse, ia cair só a bosta no chão.
— Esse é o Jeongguk, nosso vizinho. — Yoongi apresentou aos demais. Jeon sorria, mas era notável sua timidez. — Senta ali, perto do Jimin. — Apontou a única cadeira vaga, visto que os Taeseok (nome de casal deles) sentavam na minha frente, Yoon do meu lado direito, e a cadeira que sobrava era ao meu lado esquerdo. O mais novo assentiu, timidamente, caminhando até o local indicado.
— Adorei seus brincos. — Hoseok comentou. — Eu não tenho coragem. — Taehyung concordou.
— Quando eu fui furar os meus, ele só faltou desmaiar. — Hoseok fez um bico, mas concordou. — Vocês se conhecem faz tempo? — Apontou para mim e Jeon.
Encarei Jeongguk e ele a mim, sem ter certeza do que deveria responder. Yoongi, por outro lado, relaxou na cadeira, soltando um risinho fraco, mas cheio de diversão.
— Não. — Ele respondeu.
— Sim. — Eu respondi, ao mesmo tempo. O que foi bem esquisito. Então eu o encarei e tentei reformular. — Não.
— Sim. — Ele respondeu, me encarando depois sem entender porque eu tinha reformulado.
O casal ficou confuso e Yoongi seguia sorrindo, adorando o show, e nem era o dele.
— Tempo é relativo. — Falei por fim, deixando o canudo de lado (vale ressaltar que é um canudinho de aço inox, que eu sempre levo por aí porque sou consciente... bem, não tanto, mas eu tento) e dando um gole demorado na bebida.
— Beleza é relativa, tempo não. — Yoon provocou, não me dei o trabalho de encarar seu rosto e apenas estirei o dedo para ele.
— Não tá na hora de você tocar seu tecladinho? — Provoquei, porque sabia que isso o chatearia.
Ele levantou da cadeira, murmurando algo para mim, mas não fiz questão de ouvir. Então seguimos eu, Jeongguk e o casal em um silêncio meio esquisito.
Até Hoseok começar a contar do dia que ele perdeu cem reais na livraria. Spoiler: o dinheiro estava no bolso dele o tempo todo.
[...]
O bom da música de Yoongi é que ela hipnotiza. Eu não sou muito bom entendedor dessas coisas, e também não sou um grande apreciador, porque meu lance é mais o silêncio mesmo, barulhos me assustam. Mas eu gosto de ouvir e observar o jeito que ele movimenta os dedos, com uma delicadeza que parece até que ele tem, uma doçura que dá até gosto. Se eu fosse sentimental, choraria fácil, como Hoseok. Chorando no ombro de Taehyung. Tae está tentando acalmar o namorado com um carinho no braço, mas tem os olhos vidrados no palco.
Sobre Jeongguk eu não tenho muita certeza, já que não tenho cara de pau suficiente para virar a cabeça e olhar seu rosto. Enquanto estou observando o casal a minha frente, Taehyung me encara e começa a movimentar a cabeça de um jeito estranho. Como se quisesse sutilmente me contar algo, só que parecia que ele estava com coceira na cabeça.
— Jimin. — Murmurou entredentes.
— Hm?
— Vem aqui no banheiro comigo, por favor? — Uma coisa que eu não entendo, essa mania de ir acompanhando para o banheiro. Eu gosto da minha privacidade e de respeitar a privacidade dos outros, justamente por não querer ninguém invadido a minha. Tipo, eu por acaso vou segurar o pau dele para ele mijar?
Eu deveria fazer isso? É para isso que ele me chamou? As pessoas fazem isso normalmente? Eu não sei mesmo, são os primeiros amigos que eu tenho em anos de existência.
No meio do meu surto interno, antes mesmo de chegar ao banheiro, Taehyung me para no meio do corredor.
— O Jeongguk tá solteiro? — O quê?
— O QUÊ? — Cheguei até mesmo a limpar meus ouvidos, para ter certeza que tinha ouvido certo. — Sobre ele eu não sei, mas você tem namorado! — Apontei para Hoseok, que tentava secar as lágrimas com um guardanapo que Jeongguk entregou para ele. Tá vendo com esse garoto é prestativo? Misturaram um monte de coisa boa em uma pessoa só, isso devia ser proibido.
O corredor que a gente estava era ao lado do bar, mas fundo o suficiente para que não fôssemos vistos da mesa em que estávamos. As paredes eram metade azul e branco, o que é uma combinação meio esquisita, parece mais coisa de escola, enfim, quem sou eu para criticar isso.
Taehyung me encarou como se eu fosse louco e tivesse falado a maior besteira do mundo.
— Você é doido, menino? A cachaça subiu para o teu cérebro? — Me deu um tapinha na lateral da cabeça.
Quase grunhi para ele.
— Ei! Você que quer dar em cima do cara sendo que é comprometido!
— Eu? Eu quero que você dê em cima dele!
— E-eu? P-por que eu f-faria isso de no- — Cortei a mim mesmo antes que falasse demais, só que foi tarde, porque Taehyung já tinha sacado tudo, tanto que deu um sorrisinho satisfeito.
— Sabia! Meu gaydar quebrado? Quebrado é minha bunda! — Arregalei os olhos. — Não literalmente... — Parou de falar e passou a refletir um pouco. — Mas teve uma vez que eu caí e-
— A gente vai ou não no banheiro? — Questionei, agoniado em estar no meio daquele corredor apertado e escuro, e meio fedido também, o cheiro do banheiro batia aqui, e banheiro de bar nunca é muito limpo ou agradável.
— Era só uma desculpa, já que você não estava entendendo meus sinais. — Explicou.
— Que sinais?
— A minha cabeça apontando para o Jeongguk enquanto ele olhava para você. — Como é o negócio?
— Então não era coceira na cabeça? — Ele fez uma careta.
— Que? Não, claro que não. Você não percebeu? Ele te olha tão bonitinho, parece eu no primeiro encontro com o Hoseok.
— Nada a ver, você está biruta da cabeça. — Falei, já me afastando.
— Biruta? — Murmurou para si mesmo enquanto me seguia.
[...]
No final da apresentação, a maioria das pessoas, aquelas que não estavam caindo de bêbadas, aplaudiram de pé. E eu fiquei muito orgulhoso do meu amigo.
Yoongi curvava-se e sorria, timidamente, mas era notável o quão feliz ele estava, e o quanto tocar naquele lugar lhe fazia bem. Parece esquisito ter um piano num barzinho, né? Eu também achava que sim, piano é mais coisa de restaurante chique e afins, mas Yoongi me explicou que ele praticamente implorou pra tocar ali, o piano que o dono do bar tinha era bem antigo, aos poucos ele foi sendo meio que reformado, e a música acalmava os clientes, uns dormiam e outros até jogavam dinheiro no palco. As brigas no bar até mesmo diminuíram, o que foi uma grande vantagem.
— Obrigado por nos convidar, Jimin. — Hoseok, de olhos inchados, agradeceu, com Taehyung ao seu lado concordando. — Me diverti muito.
— Fico feliz que tenham vindo, e se divertindo também. — Disse, sendo bem sincero.
— Agradece o Yoongi por mim. — Taehyung falou, se aproximando do meu ouvido. — Hoje a gente vai transar amorzinho. — Segredou, fazendo com que meu rosto corasse. — Tchau, Jeongguk, foi bom te conhecer. — Se despediram do garoto ao meu lado.
Os dois foram e ficamos só eu e Jeon do lado de fora do bar, na rua pouco iluminada.
— Ele toca bem. — Jeongguk comentou, tentando puxar assunto.
— Verdade. — Concordei.
E voltamos a ficar em silêncio.
A rua que estávamos não era tão longe de casa, facilmente conseguiríamos ir andando até lá. Eu até poderia sugerir isso, mas esperar Yoongi para nos acompanhar parecia uma ideia melhor, já que ele consegue quebrar esse gelo entre mim e Jeongguk.
— Você... você gosta de ler? — Tentou, novamente, puxar assunto. Pelo canto do meu olho, conseguia ver ele mexendo nas próprias mãos, nervosamente.
— Odeio.
— Eu também. — Respondeu, mesmo que eu não tenha perguntado. Caramba, eu realmente tenho pensamentos rudes. Deve ser difícil tentar se aproximar de alguém como eu.
— Você está bonito. — Por incrível que pareça, fui em quem falei. Me virando rapidamente depois de olhar seu rosto. Eu posso ser meio mala, mas minha sinceridade as vezes é uma qualidade.
— Obrigado, você também. Seu cabelo está brilhoso. Que tipo de shampoo você usa?
— De gato. — Falei. Ele me encarou, meio incrédulo, imagino que tentando me perguntar se era sério ou não. — Brincadeira, uso pantene. — Ele riu, meio sem jeito.
E voltamos ao silêncio usual.
— Jimin, eu queria... — Começou, fazendo com que eu voltasse meu corpo em sua direção, isso até Yoongi aparecer passando os braços pelos meu ombros e pelo de Jeon também.
— Meus amigões do peito! — Disse, feliz. Acho que ele bebeu. — Gostaram do show? Dava para até para dançar agarradinho. — Com os braços, aproximou mais nossos rostos.
— Você consegue tocar bem bêbado assim? — Jeongguk quem questionou, e eu ri.
— Tocar é que nem bater punheta, você aprende e nunca mais esquece.
Nojento, mas sábio.
Essa foi a deixa para que saíssemos andando para casa.
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