Uma manhã de céu azul. Límpido.
O perfeito céu de brigadeiro, como u gostava de me referir. Como os cariocas, amam dizer.
Uma manhã que me dava gosto de admirar de meu quarto. Sentada à beira da cama, de janelas e cortinas escancaradas pro mundo.
Havia um nervosismo incomum percorrendo todo meu interior, uma ansiedade sem tamanho.
É aniversário de Bia. Trinta e quase "enta". Ela tem feito sátiras sobre o chegar da idade. Como se já fosse senhora, como se as costas já lhe doessem. Curiosamente, compartilhava comigo seus momentos de nostalgia. Eu os ouvi, atentamente, seriamente. Mas, agora, em meu quarto, ria sozinha de seus devaneios.
Passos curtos e firmes contra o chão recém encerado.
Um sorriso desajeito marcava-me o rosto enquanto limpava meus dentes.
Desci as escadas e olhei todo o redor, passavam das 11:00 e já havia uma equipe de decoração circundando minha casa. Luzes de um lado para o outro. Espelhos sendo muito bem posicionados. Flores escolhidas e regadas uma a uma.
Meu deck tinha um ar romântico e intimista já pela manhã.
Eu sorri, por imaginar que este podia ser o cenário de um reencontro nosso. De uma nova chance de conversar e se entender.
Respirei fundo, e segui para a cozinha.
- E como vão os preparativos? - Disse pegando uma maça, e me dirigindo a Jorge.
- Se você quer saber sobre Chiara, ela não confirmou presença. Mas Rubio o fez, nenhum sinal dela, mineira. Me desculpa. - Ele disse, um tanto atordoado, sem tirar os olhos da tela do computador.
- Meu Deus, mas eu nem cheguei a mencioná-la. - Ri. - Sério, eu tô tranquila. Eu sinto que é hoje, então... Esquece isso.
- Uhum... - Ele disse, desatento.
- Você precisa de alguma ajuda? - Falei na intenção de ser útil a algo além de ser centro das atenções.
- Na verdade, preciso que você se reúna com aquela... - Ele desviou o olhar do brilho de seu notebook, parecia procurar alguém. - A mulher de verde ali. - Ele apontou. - Ela tem o cardápio dos drinks e de tudo mais que será servido.
- E você quer que eu dê o "ok"?
- Quero, o mais rápido possível. Eu vou terminar de ver o nosso sistema de segurança e os convidados. - Ele fechou o aparelho, e coçou a cabeça por um instante. - Tudo pronto às 18:00, Carol!
- Que horas ela chega do Spa?
- Às 19:00. - Ele disse, enquanto saia andando.
- Mas...
- Não me decepcione, ein. - Ouvi sua voz, sem mesmo tê-lo em meu campo de visão. Fui atrás da tal mulher de verde.
Jorge havia sido meticuloso, detalhista em cada gota de alcool nas bebidas, como em cada grama de comida. Seu cardápio gourmet parecia perfeito, e eu apostei que este fosse perfeito por ter sido feito com o tamanho carinho que eu sabia que àqueles olhos haviam pesquisado.
Ajudei os montadores quanto a estética musical no espaço, meu móveis haviam sido desmontados. Dando espaço aos instrumentos, aos organizadores.
A vasta sala de madeira me trouxera boas lembranças.
Lembranças essas que me fizeram gritar a consciência, e ir até onde o horizonte não me parecia finito. Olhando o sol rasgar a manhã carioca, aproveitei a paz, liguei para Rubio.
Ligação On
- Ana? - Ele interrogou-me. - Mas já? - Parecia risonho, bem humorado.
- Eu queria saber como foi seu voo.
- Jura que era só isso? - O barulho ao fundo me indicava que ele não estava em seu hotel, parecia estar em um restaurante, numa praia talvez. - Se sim, foi tranquilo. Eu apaguei durante as 9 horas, como de costume. - Soltou sua gargalhada.
- Hm... Que bom, não?
- Ana, eu não te diria nada sobre a Chiara agora, sabe disso, né?
- Eu só estava pensando se ela viria.
- A ansiedade tá te corroendo tanto assim? - Ele disse, curioso.
- Essa pode ser minha última chance, Rubio.
- Então se acalma, porque se não for; você vai dar um jeito. - Ele exclamou, convicto. - See u later, darling. - E assim, deixou o vácuo.
Ligação Off
Tempo. Era questão de tempo, eu cheguei a pensar.
- Sra. Ana? - A moça de verde me chamara, Ingrid; seu nome. - Você pode assinar esses papéis, por favor? - Acanhada, me entregou a prancheta nas mãos. Me olhava sorridente. - Posso dizer uma palavrinha?
- Claro, fique à vontade. - Eu imaginava o que viria a seguir, uma fã; desde sabe Deus quando; alegre demais; sem acreditar. Mas lhe olhei, rapidamente, enquanto conferia o que assinaria.
- A senhora tem muito bom gosto, sua casa é realmente uma fuga do mundo; Um refúgio. - Ela surpreendeu com o ponto em que tocara. - Índio fora muito safo em cada centímetro de madeira que escolheu.
- Fico muito feliz por ter gostado. Você tem razão, é um refúgio.
- Sorte da mulher que divide-a contigo. - Ela falou, pegando a prancheta junto ao punhado de papel. - Eu tomei muito cuidado com seus porta-retratos. Estão em seu escritório. - Ingrid não parecia querer ser intrometido, me atentou a um detalhe que a tempos eu não pensava. Porta retratos.
Eu quase corri até o escritório que ela havia mencionado.
Delicadamente embalado, estavam mesmo. Diversos porta-retratos.
Fotos de infância. Uma foto com minha mãe. Duque, o cachorro de mamãe.
E ela. Na verdade, nós.
Durante a gravação do clipe de Resta, se bem me lembro.
Eu a olhava enquanto ela cantava.
Ela retribuía o olhar apaixonado
Correspondíamos ao sentimento verdadeiro declaro em cada palavra e estrofe daquela canção; Sorri para aquela foto com uma saudade boa de sentir, uma tranquilidade que eu sequer esperava.
Isso me fez escolher minhas roupas com uma alegria maior.
Me fez arrumar-me sem resmungos.
Me fez almoçar saboreando cada detalhe do que me foi servido.
Me deu mais brilho nos olhos do que as luzes quando finalmente foram acesas.
Dentro de meus trajes escuros, acompanhei tudo criar vida enquanto a tarde se punha. Há 15 minutos de se iniciar, não havia mais uma pétala a ser movida.
As flores tinham suas luzes que lhes realçava o amarelo vivo, como Bia adoraria ver.
O espelhado da decoração favorecia os pontos cegos do enorme cômodo.
Havia um dj testando o som.
Eu olhei minha mãe descer as escadas parecendo estar feliz da vida.
Não pude notar o tempo passar no relógio, os ponteiros se confundindo enquanto os convidados nos cumprimentavam aos poucos. Não deixei de notar as bebidas sendo servidas. As gargalhadas sobressaírem os baixos das músicas. O dançar de quem se dispusesse a fazê-lo.
Vi Bia guardar lágrimas nos olhos ao chegar em sua comemoração, Vi Bia guardar um longo beijo aos lábios de Jorge sem que ele mesmo esperasse.
Eu a agarrei, quase sufocando-a, enquanto gritávamos a felicidade de um sonho realizado.
Noite bem escolhida para tais felicitações.
Felicitações que me faziam feliz. Sentada em meu deck, vendo a magia acontecer.
Vi Ingrid não parar um segundo para organizar tudo com a delicadeza como ela definira.
Vaguei os olhos a porta tantas vezes que Gadú me disse que assim afastaria os convidados. Nós rimos, ela me serviu um Whisky. Com metade do copo em gelo.
Brindamos, viramos.
Inevitavelmente, meus olhos se voltaram ao portal florido.
Com uma resposta por esta vez. Com Rubio. Buscando um olhar conhecido.
Para minha tristeza, ele estava sozinho. Entrou sem companhia.
Me encontrou visualmente, quase correu em minha direção.
- E esse semblante decepcionado? - Ele disse dentro de meus braços.
- Eu esperava mais. - Gargalhei. - Mas tudo bem, é uma escolha dela. - Disse lhe olhando, oferecendo-lhe algo que o garçom que passara servira.
O copo de vidro suado que ele pegou levava algum drink consigo, algo forte pela cara que ele fizera.
- Você tem razão, Aninha. - Dois tapinhas estralaram em minhas costas. - Escolha dela. - Rubio apontou o portal de onde surgiu. Riu, ironicamente, bem como faria em uma comédia romântica qualquer. - Vou achar Bia.
Ele me deixou com Gadu, após cumprimentá-la.
Eu podia jurar que meus olhos estavam grudados a cada passo dela.
Ela que chegara às 20:17 em ponto.
Ela que trajava preto, como eu.
Ela que sorriu à Totonho quando o viu.
Ela que trilhou caminhos à Beatriz.
Ela que se sentou em um dos bancos da sala.
Chiara mal chegara, e eu já podia jurar que nunca tinha ido.
A sintonia que ela tinha com este lugar me fazia enxergar a saudade vivida por ela.
No meio dos músicos, ela ria das bobagens ditas.
Cantarolava as músicas que estouravam caixas.
Apertava a mão de minha mãe, que agora; lhe acompanhava.
O mundo inteiro daquela festa parecia aceitá-la de peito aberto.
Chiara estava em casa, e sabia disso.
Eu a olhava, incansavelmente.
Vendo-a de um ponto onde ela não me olharia, espiando diversas de suas ações e sorrisos.
Com o coração na mão sem saber ao certo, se ia ou ficava.
- Ela não vai lhe ver, se você continuar fugindo. - Rubio surgiu, como um susto.
- Eu sei, mas eu não sei o que dizer.
- Eu lhe ajudo. - Ele me puxou. Sem pudor, me jogou ao lado da italiana que havia entendido o meu desespero silencioso e tardio.
No meio dos músicos, agora, eu parecia me sentir em casa. Confortada com a proximidade. Feliz com seu olhar que me buscava. Terna como o sorriso que lhe escapara.
Respirei fundo. Tranquila. Buscando o tom de coragem de que precisaria.
- Whisky e Guaraná ainda? - Ela perguntou-me. De surpresa.
- Eu não consigo me desfazer de velhos hábitos. - Falei sorrindo tranquila. - E você, o que te serviram?
- Algo com morangos, eu acho. - Ela disse, bebendo mais um gole. Do drink incrivelmente cheiroso. - Quer provar? - Ela ofereceu-me o copo.
- Licença. - Falei ainda sem jeito. Segurei a mão que me inclinava o copo para que me corresse o primeiro gole. Bebida doce. Com um toque muito sutil do que chutei ser vodca. Saboroso, eu diria. Não de meu gosto. Mas que lhe apetecia. - Certamente, há morangos nisso. - Falei, fingindo uma careta que lhe arrancou um sorriso.
Um sorriso tão meu, que apagou todas as luzes e vozes ao nosso redor. Quase que por completo, encantaria-me de novo naquele instante se não fosse o toque das mãos frias e firmes de Jorge ao meu ombro.
Chiara se distanciou, pelo que notei. Se ajeitou no banco em que estava, sem muita cerimônia.
- Eu não queria atrapalhar, Ana. Mas é agora que você entra. - Ele disse, sem jeito. Jorge era bom leitor, conversamos no olhar sobre as ações de Chiara. O negro-gato logo tornou a escapar. Deixando-me o nervosismo do lugar de onde me roubara paz.
- Me dá alguns minutos? - Disse a ela, tornando a chamar sua atenção.
- Estava doida para saber se você cantaria. - Ela piscou para mim. Eu, agora ainda mais confiante, me levantei de seu lado. Segui meu caminho até o centro das atenções musicais.
Naquele instante, um ruído me anunciou. Eu sorri aos olhos dela, sem a menor cerimônia.
- Boa noite... - Eu disse, firme. - ... Estou muito feliz por essa noite, eu confesso. É um prazer poder ter a atenção de amigos e amigas, até mais que isso... - Disse, sem rodeios. - Para nos trazer um momento de união aqui, sabem..? Eu estou muito feliz por essa confraternização! Bem, chega de falar! - Exclamei me apossando melhor do violão na ponta de meus dedos. - Bia, se ao teu ver foi pedido; para mim é ordem. - Gargalhei acompanhada.
Meus dedos cortaram as cordas que soaram límpidas no ar. Naquele ambiente alegre, e de comunhão.
- Olha, será que ela é moça... - Iniciei-me, buscando o olhar choroso de Bia que cantou cada silaba junto a mim. - E se eu pudesse entrar na sua vida... - Cantei marcando em mim mesmas os efeitos de um passado tão detalhado naquela canção. Sorri. E convenci-me de que ela homenagem, era o mínimo que a mulher de "trinta quase 'enta'" merecia.
Surpreendi-me com a própria emoção que carregava na voz. Sabendo de quem me assistia. Sabendo do valor emocional da canção. Enxuguei as lágrimas defendendo-me da emoção que me guardou.
Os amigos íntimos, e não só eles acompanharam Bia em seus aplausos atordoados.
- Bem, já que fiz o que me era de dever...
- Não obstante, Carol... - Rubio me interrompeu, atrapalhado. - Eu e a anfitriã da festa, gostaríamos de pedir uma apresentação especial. Tem como? - Um tanto confusa, lhe olhei assustada.
- Ah... - Falei, fingindo uma animação. - Claro que tem! Para Bia, eu faço.
- Ótimo. - Ele disse enquanto eu me virei para tomar um copo de água. - Chi, pode fazer as honras, por favor? - Rubio a chamara. Pelo seu tom, eu sabia que me viraria, e estaria diante dela, desta vez intimidada pela ideia de cantar com ela.
Alguns cochichos escutados de quem me olhava. Ajeitei o violão demonstrando meu desconforto.
A italiana caminhou até meu lado com o microfone nas mãos, me olhou de lado, sorriu para o chão. Olhei para ela, revivi momentos com aqueles olhos verdes tão profundos.
- Eu amo vocês, já disse isso, né? - O Inglês falou, do seu jeito sonso; como sempre e nos deu a liberdade de ter o palco para nós.- Deem um show, por favor. - Rindo, fomos deixadas diante de algumas dezenas de pessoas. Silenciosas. Nervosas.
- Meu casal! - Bia gritou nos deixando sem graça.
- Faz que a gente não faz isso... - Disse enquanto acertava a afinação do violão.
- Piano? - Ela exclamou, e eu concordei sorrindo.
- Gente, cês vão me desculpar se eu errar, certo? - Falei tentando tirar a tensão do ar.
- Ela não vai errar, galero. - Com o sotaque, Chi forçou seu português límpido.
As fortes notas do piano marcaram o início da história que eu estava para retomar. Me sentei ao lado dela, como nos velhos tempos para aproveitar o calor de teu corpo ao meu. Olhava-a cantarolar, e relembrar cada tom que sentimos tão fortemente ao escrever a música que nos dava tanto sentido à vida juntas.
- Você é aquela mulher escondida nas letras de tantas canções...
- Será, Carolina? - Chiara respondeu, risonha.
- Resta, nada resta...
Eu prosseguia cantando, de olhos fechados. Sentindo cada instante bom que estas lembranças me dava. Cessei, enquanto ainda marcava as pausas de meu violão. Combinadas às marcações que saíam das pontas de seus dedos. Longilíneos, finos. Como os de uma musicista de respeito.
- Se io non posso parlare ora che sei con me... - Eu não havia notado o quanto eu a amava. Não havia notado o quanto nossa história se repetia.
Anos voaram em minha mente, a cada virada da música.
Flashback On
- Gostaria de dizer antes de qualquer coisa que, a gente nunca cantou essa música antes! Perdoem qualquer erro. - Eu conseguia desfazer a tensão, tanto nossa quanto de quem nos assistia;
A nossa sintonia era um tanto incrível, cada olhar, cada sorriso escondido por trás das palavras. Cada lembrança por trás daqueles olhos fechados, cada "Eu te Amo" já dito... Como se ninguém nos visse, como se ninguém estivesse nos olhando; Ousávamos não desgrudar os olhares; E sorrir com isso... Eu estava completa de novo, ali com Chiara
Quando a banda terminou de tocar a música e nós notamos que estávamos de novo no casamento só sorrimos e olhamos em volta vendo a chuva de elogios perdidos na qual fomos atingidas! Pareciam ter gostado mais de "Resta" do que de qualquer outra... Eu peguei sua mão e fizemos uma reverência a quem nos aplaudia. A italiana não perdeu a chance de me puxar para o abraço.
Flashback Off
como um passado reescrito, refizemos.
A apresentação para Bia, o canto não ensaiado, a reverência aplaudida, o abraço caloroso. Desesperado por matar uma saudade. Eu ainda não havia notado, mas Resta; tinha a força de nos reconectar. De nos reensinar o prazer de nos amar.
Eu a puxei palco abaixo. Aproveitei a dispersão, porque queria a sua atenção.
No jardim, iluminado, estrelado, silencioso, inteiramente nosso.
- O que estamos fazendo aqui? - Ela perguntou. Quase como um reflexo de meu impulso.
- Eu estava arrumando coragem para falar com você, desde o momento em você chegou. Eu senti sua falta. Senti muita. - Falei olhando-a, ainda um tanto distante.
Seu corpo se aproximara do meu. Passo a passo.
O calor vindo dela aumentava, suas mãos encontraram as minhas com a mesma velocidade em que meu coração se acelerou. Eu a olhei confusa. Olhei-a sorrindo.
- Rubio me fez assumir o quanto eu sentia sua falta, o quanto eu queria estar aqui com você. Então, só por essa noite; a gente pode fingir que tudo é como antes? - Ela vei em minha direção, com os braços ao redor do meu pescoço, apoiando sua testa na minha, soprando seu hálito adocicado contra meu rosto. - Eu posso me arrepender amanhã, e ainda vamos conversar muito sobre isso. Mas eu precisava estar com você.
Era tudo que eu precisava ouvir. Chi instigou tudo que eu já sentia e nos deu a chance de fazer o melhor por nós.
Beijei-a sob as luzes daquelas estrelas tão flamejantes. Fora um beijo que me devolvera o universo tão particular de nós duas. O beijo que nos devolveu a chance de sermos o que tanto desejamos ser.
Não importou o tempo. Ou as circunstâncias.
Eu a amava. E era tão dela, que não me permiti nada, além de puramente; senti-la.
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