But since you're down there, where will I just be
I'm getting fine girl, dressing up for stormy weather
- Down in the past, Mando Diao
Pov Dimitri
Eu estava fazendo o que mais gostava no mundo. Correr.
Aquela sensação de puro êxtase quando só existe você e a velocidade. Não existe som algum além do motor rugindo e quando isso acontece, quanto mais rápido eu vou, mais livre eu me sinto. Tudo é paz.
Eu só tinha sentido isso fora das pistas uma única vez e abri mão.
Mas não era o momento de pensar nisso agora, eu precisava me concentrar se quisesse vencer.
De onde eu estava eu podia ver a linha de chegada. Dois carros me ladeavam, bem como mais um atrás de mim. Eu sabia que eles eram bons, mas não os melhores. Eu conhecia aquela pista e aquele carro melhor que a mim mesmo. E eu não iria perder.
Enquanto a linha de chegada se aproximava cada vez mais decidi que era o momento de acrescentar distância entre mim e meus oponentes e vencer a distância que faltava.
botei todo meu empenho ali e aumentei a velocidade no máximo. Eu podia sentir meu carro tremendo e os 900 cavalos do motor trabalhando enquanto olhava para os outros carros ficarem para trás.
Era aquilo.
Aquele era o momento, quando eu estava nos segundos finais e apenas alguns metros faltavam, quando eu estava prestes a alcançar.
Depois que comecei a correr eu nunca mais parei. Eu vivia apenas meio quilômetro de cada vez, nada mais importava e durante os últimos 10 segundos ou menos... Eu era livre.
Estava tão absorto na sensação de estar correndo que não notei um carro que eu tinha deixado para trás se aproximar com uma rapidez absurda. Droga. O cara sabia o que estava fazendo, com certeza.
Percebi que eu poderia ter esperado um pouco mais para pisar fundo, assim eu estaria mais próximo da linha de chegada sem espaço para derrota... Dei a corrida por vencida e esse foi meu erro. Eu nunca fui descuidado assim, mas fazia anos desde que a pessoa que me ajudava a manter o foco tinha partido e a lição que sempre tentei passar a ela foi o que me faltou agora. Paciência.
Olhei para o carro colado ao meu novamente, tentando enxergar meu oponente através do capacete que nesse momento estava me dando uma canseira, mas já era tarde demais... Batemos na linha de chegada praticamente juntos, mas eu sabia que eu não tinha sido o primeiro.
Por tão pouco eu perdi. Eu não podia acreditar, isso nunca tinha acontecido antes.
Desacelerei meu carro até parar e saí, tentando ao máximo não transmitir a raiva e frustração que sentia. O prêmio dessa corrida além de dinheiro também era os carros dos perdedores, eu queria ganhar para poder explorar aqueles carros incríveis. Agora eu tinha perdido, mas não queria abrir mão do meu carro.
Olhei para meu amigo Ivan que tinha organizado essa corrida e ele me encarava chocado. Tirei meu capacete e fui até ele querendo informações. Geralmente não se usava capacetes em um racha ilegal, na maioria dos lugares era assim, mas não aqui. Mesmo odiando o obstáculo eu concordava que era uma segurança a mais necessária nessas corridas. As coisas poderiam ficar muito perigosas bem rápido.
- Quem é o cara? - Perguntei a Ivan. Com certeza não era alguém da área. O carro era desconhecido e o jeito que dirigia era bom demais para um racha ilegal. Era profissional, com certeza. Se fossem outras circunstâncias eu adoraria correr com ele, era ousado e isso era algo difícil de se encontrar mesmo nesse meio.
- Eu não sei, sinceramente eu nem vi o rosto dele... Chegou de capacete, me deu a grana e foi direto para a linha de partida - respondeu Ivan. Lógico que ele nem pensou em ver o rosto... Por aqui, era só ter dinheiro para entrar e tudo bem. Eu seguia o código do merecimento, da qualidade. Isso impedia que filhinhos de papai que não faziam ideia de como isso podia ser perigoso se metessem nesses assuntos e deixassem espaço para corredores de verdade. Mas Ivan tinha sua própria forma de comandar, por isso eu deixei a administração anos atrás e me concentrei apenas em correr, a dor de cabeça não valia a pena.
- Droga, Ivan... Meu carro - lamentei olhando para meu Dodge Charger R/T 1970 preto. A única coisa que verdadeiramente me fazia sentir que eu tinha alguma conexão com ela.
Ivan sorriu triste.
- Eu sei... Pior que foram por centímetros cara, você quase alcançou -
Abri minha boca para repetir o que eu sempre dizia quando escutava coisas desse tipo, mas alguém foi mais rápido que eu.
- Pergunte a qualquer corredor de verdade... Não importa se você vence por um centímetro ou um quilômetro. Vencer é vencer. -
Ouvi a voz abafada e levemente familiar atrás de mim. Virei-me e lá estava o corredor que me venceu, ainda de capacete. Analisei-o brevemente tentando ver se já o tinha visto já que aparentemente ele me conhecia para dizer aquilo.
Era um homem baixo e provavelmente magro já que o seu macacão de corredor surrado e sujo de graxa estava folgado em seu corpo. Eu não lembrava de ninguém assim.
Mas a voz... A voz certamente evocava algumas lembranças.
- Parece que você é o novo campeão. Já vamos organizar a entrega dos prêmios. - Disse Ivan para o corredor.
- Eu não quero os carros e nem a grana, os caras podem ficar com eles... Eu só quero uma única coisa. - Disse o homem ainda sem mostrar o rosto. Isso não me cheirava bem, o que era tão importante para ele ignorar o meu carro de corrida e mais outros dois? Se ele vendesse poderia conseguir um bom dinheiro com eles.
Foi quando o corredor na minha frente tirou o capacete e tudo fez sentido. Prendi a respiração em choque com a figura na minha frente.
Eu não via aquele rosto há quatro anos.
Seu cabelo que continuava o mesmo longo e espesso caiu em cascata ao redor dos ombros. Seus traços, um pouco mais maduros e desenvolvidos só exaltaram a beleza que eu sempre vi ali. E seus olhos castanhos e profundos me encaravam com desafio.
- Eu quero um encontro com esse cara - Disse a garota que não era mais uma garota apontando para mim.
- Rose? - Perguntou Ivan incrédulo.
Rose sorriu para o choque do meu amigo, era seu sorriso fácil que eu vi tantas vezes antes... Senti falta dele.
- É, sou eu. Eu voltei, Ivan... E então, posso ter meu prêmio? - Rose me encarava com olhares cheios de malícia e segundas intenções e mesmo contra minha vontade eu me senti aquecer por dentro como em tantas vezes antes.
- Há quanto tempo você voltou? - perguntei tentando disfarçar a surpresa em vê-la depois de todo esse tempo. Eu sabia que ela estava na faculdade de Los Angeles agora e que ela só voltava para casa em épocas festivas. Era exatamente por isso que eu evitava a todo custo passar perto da casa de seus pais nos feriados, recusando os convites ano após ano.
- Duas semanas. Resolvi passar as férias com meus pais já que estou em um período tranquilo na faculdade -
Respondeu dando de ombros. Eu não sabia que a faculdade de medicina tinha um período tranquilo, mas resolvi deixar pra lá me concentrando no que ela disse. Ela estava aqui há duas semanas e eu não podia acreditar! E Abe nem para me dizer nada, aposto que estava rindo agora.
- Então, você quer que eu seja o prêmio? - perguntei voltando a questão inicial.
Rose me lançou novamente aquele sorriso. Por muito tempo eu evitei eles, era errado e eu não queria me aproveitar dela. Quando nos conhecemos na oficina do seu pai, eu era um garoto problemático de 15 anos e Abe me acolheu. Ele me ensinou tudo o que sabia sobre carros e me deu um emprego. Rose na época era uma garotinha de 10 anos que gostava de ficar por lá e brincar com as peças do carro.
Mas agora... Agora ela era uma mulher e eu não sabia bem o que fazer.
- Exatamente, camarada - sua voz baixa e sensual foi uma surpresa. Rose já me mandou indiretas antes, ela era mestra das piadinhas de duplo sentido mas nada nunca tão ousado assim.
Ivan olhou para mim esperando minha resposta.
- Cara, você quer manter o seu carro ou não? - Ele perguntou. Eu sabia que se recusasse ele me apoiaria, mas eu não queria perder o meu carro e caramba, era Rose ali! Eu vi aquela pirralha crescer, eu podia lidar com ela em qualquer estágio da vida. Ou assim eu esperava.
- Claro, Rose, vamos sair. - Respondi calmo tentando mascarar minhas emoções. Isso seria no mínimo interessante.
Rose sorriu e começou a descer o zíper do macacão que tinha usado para correr. Ela o abriu lentamente e conforme seu corpo aparecia eu ficava cada vez mais tonto diante da visão.

Ela não usava nada revelador, uma blusa preta e uma calça jeans o que sempre foi comum, Rose era uma garota prática e viver a maior parte da vida em uma oficina certamente fazia alguém preferir jeans e macacões a vestidos... O que me chamou a atenção foram suas curvas femininas que preenchiam as roupas. Se Rose com 16 anos era bonita, Rose com 20 era bonita e gostosa coisa que eu jamais me permitiria pensar quatro anos atrás.
Ela tinha se tornado a mulher mais linda que já vi. Olhei para seus pés e arqueei a sobrancelha daquele jeito que eu sabia que a irritava. Como eu não vi isso antes?
- Você correu com isso? - Perguntei apontando para os sapatos de salto alto e super finos. Isso com certeza era novidade, mas eu gostei.
Rose riu jogando a cabeça para trás e em seguida se aproximou de mim me fazendo sentir um arrepio quando sussurrou em meu ouvido.
- Não camarada, eu venci com isso... Ficaria surpreso com quantas coisas mais sou capaz de fazer agora.
E piscando se afastou me deixando ali plantado e tentando entender quem era essa mulher e o que fez com a Rose inocente de 4 anos atrás.
- Cara, boa sorte - Disse Ivan batendo em meu ombro e se afastando também. Eu estava perdido.
Rose me esperava dentro do meu carro, confortável como sempre me fazendo lembrar quantas vezes antes eu tive aquela visão. Quantas vezes antes ela, eu e aquele carro nos encontramos em situações íntimas.
- Ele não parece muito diferente... - Comentou ela tocando o painel cuidadosamente assim que eu estava sentado no banco do motorista.
- Só fiz alguns reparos desde que terminamos de montar. O principal continua o mesmo. - respondi brevemente.
- Você se lembra da última vez que estivemos aqui? - Ela perguntou sorrindo. Sorri também com a memória que me veio. Como esquecer o dia que ela foi embora.
- É claro que me lembro, Rose - E dizendo isso me aproximei. Ela era tão linda e eu precisava sentir que era real. Que ela havia voltado mesmo. Mas então me lembrei que não seria para sempre, que eram só durante as férias e voltei novamente para meu lugar.
Rose que parecia ansiar um contato meu me olhou desapontada após meu recuo.
- É, as coisas não mudaram mesmo -
Sua frase afiada me deixou triste. Era a mesma velha história de sempre, Rose querendo algo a mais e eu a afastando. Primeiro foi pela idade e não bastando a diferença entre nós eu também nutria pelo seu pai um enorme respeito. Abe me acolheu quando eu mais precisei.
Quando tudo que eu sabia fazer era arranjar briga após meu pai idiota e viciado em jogo ter ido embora deixando minha família com pilhas de dívidas para pagar. Ele me deu um emprego, me ajudou a redirecionar a raiva e me ensinou disciplina. Eu só não previa que nisso tudo Rose surgisse.
Não muito depois de Rose completar 16 anos descobrimos nossos sentimentos, trocamos alguns poucos beijos mas Rose foi mandada para uma escola fora do país, para que suas chances na faculdade fossem as melhores e bom, foram. Ela passou com excelência. Ela morava em Los Angeles, estudando para ser uma doutora e eu continuava sendo um cara do interior em Dyersville.
Agora a distância tornava o contato mais difícil do que nunca e éramos de mundos diferentes. Era fácil conversar com a Rose de 16 anos suja de graxa embaixo de um carro enquanto ela me passava ferramentas durante o meu turno. Agora, ela estudava para ser médica e eu ainda era um mecânico sem diploma que nas horas vagas virava um corredor de rua ilegal.
- O que você esperava, Rose? - Perguntei querendo saber de verdade o que se passava na cabeça dela. De repente ela estava de volta 4 anos depois de termos concordado em nos afastar e esperava coisas de mim?
Era completamente o contrário do que combinamos quando ela se foi.
- Eu esperava que relaxasse pelo menos uma vez, Dimitri - Respondeu me olhando profundamente nos olhos. - Eu estou aqui, não podemos curtir isso? -
- Até quando? - Perguntei querendo saber se ela sabia que nos permitir isso agora seria só um jeito de nos machucar depois quando ela tivesse que partir... De novo.
- Até quando der - E nisso Rose se aproximou de mim e foi como tantas vezes antes. Ela fez a mesma coisa quando eu a vi pela última vez. Ela me beijou.
Eu não lembrava como consegui todas as cicatrizes por correr, quantos carros consertei e nem o número de vezes que quase morri. Mas eu lembrava da sensação que era ter os lábios de Rose nos meus.
Intoxicante, para dizer o mínimo.
Estar com Rose era melhor que correr e por isso foi tão difícil continuar depois que ela partiu. Tudo me lembrava ela. A garota amava carros tanto quanto eu, quando eu achei meu Dodge Charger aos pedaços em um ferro velho foi Rose quem me ajudou a deixá-lo perfeito como está hoje.
Por que Rose era como um carro de corrida, indomável e selvagem.
Mal percebi quando o beijo evoluiu e ela se agarrou em mim daquela forma tão familiar. Ela conhecia o carro tão bem de forma que subir no meu colo foi quase tão suave quanto o ronco do motor prestes a arrancar.
Rose me beijava com volúpia e eu retribuía sem conseguir pensar direito. Sua pele na minha era uma sensação sem igual e eu fiquei tempo demais sem aquilo.
Agarrei sua bunda e Rose gemeu no meu ouvido com aquela voz que me fazia imaginar coisas. Nós nunca nos agarramos desse jeito, antes era doce e desajeitado, como a própria Rose era. Tudo era sem pressa, já que se tratava de uma adolescente diante do seu primeiro amor. Quando era só uma menina e eu tinha sido seu primeiro beijo.
- Dimitri... - Rose gemeu meu nome eu fui á loucura. Nossos beijos foram ficando mais indecentes e eu podia sentir o sangue do meu corpo descendo para meu pau que crescia cada vez mais mesmo pressionado pelo corpo de Rose. Eu estava excitado e assustado. Era difícil ver que agora não tinha problema com isso acontecendo, Rose voltou uma adulta mas minha mente não teve nem tempo de absorver, ao contrário do meu corpo, esse sim tinha consciência da mulher que estava na minha frente.
- Roza... - Sussurrei o nome que só eu sabia que mexia com ela.
Rose se afastou levemente de mim parando de me beijar mas me encarando com fogo e paixão.
- Eu quero muito isso... Mas primeiro, eu quero meu encontro - Ela sussurrou.
E então eu notei naquela pequena frase. Eu fui o primeiro beijo de Rose, ela nunca gostou de mais ninguém e nem eu depois dela. Embora ela tenha voltado uma mulher, seria possível Rose não ter tido contato com mais ninguém nesses 4 anos?
Sem querer perguntar isso agora já que teríamos a noite toda para isso apenas assenti e respirei fundo para me acalmar. Foram tantas as vezes que desejei estar com ela do jeito certo, Rose merecia que essa noite fosse diferente. Antes de ir embora Rose vivia me empurrando ao meu limite para ver se eu cedia, mesmo inexperiente na época ela já sabia como mexer com a cabeça de um homem.
Liguei o carro e dirigi para onde costumava ser o nosso lugar. Rose nem se deu ao trabalho de perguntar onde estávamos indo quando saiu do meu colo e se acomodou no banco do carona.
- Como vai a faculdade? - Perguntei querendo saber como era sua vida agora. As vezes Abe a mencionava durante o expediente entre o conserto de um carro e outro, mas nada muito profundo.
- Exaustiva como sempre... Você sabe, essas coisas... - respondeu evasiva e eu me senti confuso. Rose não era uma grande entusiasta de medicina, mas era de falar. Ela nunca permanecia em silêncio por muito tempo e ser tão vaga sobre qualquer assunto era incomum.
- Parece animador - debochei para ver se tirava algo dela. Mas não, absolutamente nada. O que havia de errado?
Rose e eu permanecemos em silêncio até chegarmos na antiga lanchonete que costumávamos ir antes dela partir. Em uma cidade pequena como ali, estabelecimentos que estavam em funcionamento há tanto tempo viravam praticamente um patrimônio da cidade.
Era uma lanchonete tradicional que mantinha a aparência antiga, as mesmas pessoas vinham tomar café todos os dias.
Olhei para Rose que encarava a fachada do Ozera's sorrindo nostálgica.
- Uma panqueca... - Começou ela.
- Ou uma corrida. - Terminei.
Era nossa frase sempre que estávamos tristes, bravos ou sentindo algo ruim. Geralmente era ela que sentia essas coisas, felizmente Rose me conheceu após minha época ruim. Sempre que eu via minha Roza cabisbaixa eu perguntava "Uma panqueca ou uma corrida?"geralmente ela escolhia corrida, mas sempre acabávamos no Ozera's depois para comer. No começo quando ela era criança ela apenas sentava no carro enquanto eu dirigia, depois que a garota aprendeu a dirigir ela preferia apostar corrida comigo e claro, sempre perdia. O que aconteceu hoje foi surpreendente. Uma surpresa boa, na verdade. Eu sempre soube que ela seria fantástica na pista.
Assim que atravessamos a porta e os sinos soaram avisando nossa entrada pude ver Christian no balcão sorrindo para nós.
- Ora, ora se não é a Hathaway que decidiu voltar para casa - falou Christian em tom de deboche. Eu já podia sentir a morena ao meu lado se contrair de raiva. Ela e Christian eram piores que cão e gato e o tempo não mudou isso.
- Cuida da sua vida, Ozera. E trata logo de trazer meu prato... Sem cuspe, por favor - Reclamou Rose indo sentar direto na nossa mesa de sempre nos fundos perto da Jukebox*.
Christian riu e foi para a cozinha preparar nossos pratos. Já viemos aqui vezes demais no passado para que ele soubesse o que queríamos.
A música que estava tocando naquele momento me trouxe muitas lembranças, era a favorita da Rose quando ela era criança. Eu lembro de trazer ela aqui depois da aula e ela pedir para tocar sua música. Ela ria gostosamente e saía girando pela lanchonete que na época eram dos pais de Christian antes de morrerem.
- I guess you'll say what can make me feel this way... - Rose cantarolava baixinho tamborilando os dedos na mesa.
- My Girl - terminei o refrão e olhei para ela. Ela poderia ser uma mulher agora, mas sempre seria minha garota. Rose por sua vez sorriu e curtiu o resto da música em silêncio. Quando terminou não quis que aquele sentimento bom fosse embora então tratei de garantir que ela continuasse sorrindo.
- E então, qual sua pedida? - questionei tirando uma moeda do bolso. Rose sorriu.
- Me surpreenda, camarada -
Coloquei a moeda na jukebox e escolhi uma música que eu tenho certeza a faria rir, mas ela tinha de admitir, combinava com ela. Se my girl me fazia pensar na Rose criança Pretty Woman com certeza estava me fazendo pensar na Rose de agora.
A morena na minha frente deu uma gargalhada fazendo seus cabelos dançarem ao redor do rosto.
- Você e suas velharias... Tem um gosto tão ruim pra música quanto para carros - Falou rindo, mas eu podia ver ela se balançando levemente na cadeira ao som de Roy.
- Ei, eu não ligo de reclamar da música, mas não fale assim do Herb... -
Rose, se possível, riu mais.
- Não acredito que ainda chama seu carro de Herb, Dimitri, é tão cafona! -
Sorri de canto com a conversa fácil que estávamos tendo, não parecia que quatro anos haviam se passado, ainda éramos Rose e eu. Exatamente como antes.
- Tem personalidade, admita... - E cheguei mais perto hipnotizado pela forma como ela estava se balançando.
- E pensar que aquela coisa quase foi minha hoje... - cantarolou ela.
- Falando nisso... Quando aprendeu a fazer uma curva decente? Eu achei que eu fosse morrer sem que você conseguisse. - Falei me lembrando da nossa corrida mais cedo. Rose era uma ótima corredora, nós dois aprendemos com o melhor. Mas o que ela tinha de boa tinha de impaciente. Nunca escutava tudo e já saía dirigindo feito maluca.
- Camarada, você achava que eu nunca te ouvia, mas ouvia sim, aquela merda toda zen de virar para um lado para ir para o outro e esperar o momento certo e por aí vai - Rose revirou os olhos e eu me segurei para não rir da sua versão dos fatos.
Rose se aproximou sorrindo largamente. Era um daqueles sorrisos que gritavam "PERIGO" o que só me fez me aproximar já que eu sempre amei o perigo.
Ela me roubou um selinho antes de se afastar abruptamente. Eu é claro, disfarcei a cara de palhaço. Como essa garota me desarmava desse jeito? Levei quatro anos construindo minhas barreiras que era necessária nos rachas e ela chegava e acabava com isso em quatro segundos.
- Minha vez de escolher. - E dizendo isso deu um salto quando a música chegou ao fim já com uma moeda na mão.
Rose passou um tempo analisando a lista que tinha até se decidir por uma.
- Já que só tem música antiga aqui, que seja uma boa pelo menos -
De repente eu ouvi os acordes iniciais de Girls Just Wanna Have Fun e sorri, aquela música era a cara de Rose, adolescente ou adulta, ela sempre era a favor da diversão. Logo a voz de Cyndi Lauper estava invadindo o local e Rose começou a dançar ao redor da mesa. Exatamente como fazia quando era criança.
Eu a olhava sem acreditar em tudo, seu corpo se mexia com suavidade sem nenhum movimento apelativo ou sensual, não era a mulher decidida que veio me procurar hoje que estava diante de mim, era a Rose de 16 anos de novo, se divertindo e brincando com a vida. Deus, como eu senti a falta dela!
Rose avistou Christian se aproximando com nossos pratos e sentou novamente. Ela mal esperou ele terminar de apoiar o prato na mesa para devorar sua panqueca gemendo assim que sentiu o gosto do primeiro pedaço.
- Não tem panqueca na faculdade de rico que você estuda, não? - Perguntou Christian. Rose revirou os olhos.
- Odeio admitir Ozera, mas não como a daqui. Essa coisa continua sendo a melhor comida de todas. - Disse Rose com a boca cheia.
Christian sorriu zombeteiro e eu observava esperando a próxima alfinetada, sempre era assim com esses dois, apesar de reclamarem um do outro, Rose nunca aceitou comer em outro lugar e Christian nunca deixava ninguém sentar na nossa mesa. Eles se amavam em silêncio e disfarçavam com ironia.
- Lissa sabe que você está na cidade? - Perguntou Christian em tom neutro.
Lissa era a noiva de Christian e melhor amiga de Rose quando ela estava aqui. Eu não sabia se elas tinham mantido contato desde que ela se foi.
- Mas é claro que sim, onde você acha que ela estava ontem? - perguntou Rose sem desviar os olhos das panquecas.
Christian imediatamente fechou a cara.
- Onde ela disse que estaria... Em casa -
Rose parou por um momento.
- Ah é, ela estava. Mas eu estava lá também -
Christian estava prestes a dizer algo quando Rose interrompeu.
- Sem ofensa Ozera, mas eu tô tentando ter um encontro aqui - Disse Rose apontando para nós e eu segurei o sorriso. Um encontro. Quantas vezes eu não desejei isso antes?
Christian olhou para mim com um olhar de pena.
- Certo, boa sorte Belikov - e saiu sem mais uma palavra. Por quê todos estavam me desejando boa sorte hoje?
Comi minha comida pensando em toda essa situação. Será mesmo que eu precisava de sorte para o que iria acontecer? Será que eu precisava me proteger para não me machucar de novo. Sem Rose eu só tinha meu carro e minhas corridas e agora até a lembrança disso se comprometeu já que nessa noite nós corremos juntos.
- Acho que é sua vez, camarada - Disse Rose apontando para a Jukebox. Saí do meu devaneio ainda confuso por onde meus pensamentos estavam me levando.
Escolhi uma música dos The Beatles que eu esperava que mandasse a mensagem que eu queria.
- Uau Camarada, Don't let me down, entendi... -
- O que estamos fazendo exatamente Rose? - Perguntei. Eu não queria estragar as coisas entre nós, mas era como a música... Eu nunca amei ninguém como amei ela e nem ela a mim. Era um amor que eu sabia, ficaria ali para sempre, eu só esperava não me desapontar. Eu não queria ter que ver ela ir embora pela segunda vez e quando ela voltasse nos feriados agíssemos como dois estranhos. Isso era tão contrário a Rose e eu.
Rose me olhava profundamente e eu podia ver o carinho ali. Não foi culpa dela quando teve que ir embora. Seus pais decidiram e ela teve aceitar. Mas agora ela era uma mulher adulta. Eu só queria entender o que ela tinha em mente, o que ela pensava do futuro e se me via nele. Minha vida estava em Dyersville, minha família e trabalho, Rose sabia disso e jamais me pediria para abandonar minhas raízes para ir viver na Califórnia, mas ela sabia que se pedisse eu iria. Deus sabe que eu iria até o inferno atrás daquela garota e por isso concordamos em nos afastar anos atrás quando ela teve que partir. Decidimos não decidir nada e deixar acontecer. Se um dia fosse para nos encontrarmos novamente, então assim seria.
- Você lembra qual foi a última música que ouvimos aqui? - Perguntou ela já pegando a moeda. Assenti esperando ela escolher. É claro que eu sabia o que viria.
Após ouvir o tilintar da moeda cair na máquina não demorou muito para o som de Don't you forget about me soar.
Lembrei daquele dia e como foi triste ver o quanto ela se esforçava para não chorar e a promessa implícita entre nós de que nunca esqueceríamos um ao outro. Minha linda Rose tendo que partir e se esforçando para tornar as coisas mais fáceis.
- Eu nunca te esqueci - ouvi a voz de Rose baixinha durante o refrão enquanto ela olhava para as próprias mãos apoiadas na mesa. Peguei sua mão e entrelacei na minha a fazendo me olhar. A Rose de 16 anos era apaixonada e sempre queria demonstrar que gostava de mim mesmo que eu fizesse o possível para manter as coisas no neutro. Essa Rose de agora era mais reservada, confiante, mas ainda restava um pouco da vulnerabilidade da adolescência. Eu podia ver.
- Roza... Nem eu esqueci você. -
Nesse momento coloquei a última música da noite, a que eu não tive coragem de tocar no dia que ela se foi.
A puxei para ficar em pé. Rose me olhou com surpresa mas aceitou. Não tinha quase ninguém na lanchonete aquela hora.
Stand By me começou a tocar e dancei com minha Roza mentalizando uma prece silenciosa.
Por favor Rose, fique comigo.
Rose que estava com a cabeça apoiada no meu ombro me olhou e eu não perdi tempo... Tomei uma decisão.
Se só teríamos essa noite ou essas férias para ficarmos juntos eu aproveitaria. Eu já estava estragado mesmo para o resto do mundo, se fosse para sofrer com sua ausência depois que pelo menos fosse com memórias melhores.
A beijei como eu sempre quis mas que anos atrás não podia. Rose correspondeu imediatamente. O momento pedia um beijo doce e foi assim que o mantive, era nosso primeiro encontro e eu queria que ela sempre se lembrasse dele com carinho. Rose amoleceu nos meus braços, a música ainda tocava e seus lábios ainda estavam nos meus. Eu sabia que assim que a música acabasse o momento teria ido embora e Rose também. Por isso quando os acordes finais soaram ela se agarrou a mim com mais força. Eu a segurei apertado, eu sempre faria isso.
Quando a música terminou Rose se afastou e eu pude notar uma lágrima descendo pela sua bochecha esquerda. Passei minha mão delicadamente ali. Não era para doer, não ainda. Era para fazermos o que ela disse... Aproveitar até quando der.
- Você não imagina o quanto eu sonhei com isso e nem nos meus melhores sonhos teria sido tão perfeito quanto foi - Disse ela.
Aquilo soava para mim como uma despedida e meu coração se apertou.
- E o que fazemos agora? - perguntei.
- Agora você me leva de volta para o meu carro, eu tenho coisas para acertar. -
Assenti e baixei minha cabeça para ela não ver minha tristeza. Era isso, acabou nosso encontro. Ela me queria como prêmio e me teve.
E exatamente como um eu esperaria na prateleira eternamente.
Conduzi Rose para fora da lanchonete com Christian sorrindo triste para nós. O caminho de volta para onde ocorreu a corrida ilegal pareceu mais longo e silencioso. Estacionei ao lado do seu carro e esperei alguma reação dela. Eu não ousaria pedir com palavras para que ela ficasse comigo. Ela tinha um futuro e eu não queria atrapalhar, mas era tão difícil vê-la ir. Eu não sei se sobreviveria uma segunda vez. Olhei para longe, eu estaria perdido se olhasse em seus olhos nesse momento.
- Dimitri - Rose chamou e eu não olhei, se ela fosse se despedir eu não queria ver - Dimitri, olhe para mim -
O carinho em sua voz me convenceu e reuni minha coragem. Olhei-a a contragosto com minha máscara de corredor. Impassível.
Rose suspirou.
- Meu pai vai se aposentar, Dimitri - Soltou Rose de repente me fazendo ficar confuso.
Abe era um corredor da Stock Car, foi com ele que aprendi a dirigir e Rose também... Infelizmente um acidente o tirou das pistas anos atrás, mas ele deu seu jeitinho para continuar perto dos carros, agora ele tinha um império como dono de quase todas as oficinas do estado de Iowa. Se abe iria se aposentar quem ia cuidar das oficinas? Sua mulher Janine não tinha nenhum pouco de jeito com isso e se ficasse a encargo de funcionários não seria a mesma coisa, Abe só deu certo nesse ramo por que tinha um profundo amor pelo que fazia.
- Ele vai se aposentar e eu estou pensando em assumir os negócios. Passei as últimas duas semanas visitando as oficinas e analisando tudo - Terminou Rose me fazendo focar nela novamente.
- Mas e a sua faculdade? - Perguntei imediatamente confuso.
- Qualquer um sabe que eu não gosto de medicina... Minha mãe me mandou para aquela escola chique e me convenceu a fazer uma faculdade chique só para me manter longe da pista, ela não queria que eu sofresse como meu pai... -
Rose se referia ao acidente, Abe quase morreu naquele dia e Rose era tão parecida com ele. Eu entendia Janine, Deus sabe quantas vezes corremos atrás de uma Rose rebelde que roubou o carro do pai só por que queria dar uma voltinha por aí, sendo que a pirralha ainda estava aprendendo a dirigir. Ela tinha sangue de corredor nas veias.
- Eu amo correr Dimitri, amo tudo nesse mundo desde que vi meu pai na pista, desde que montei esse carro com você... É isso que eu quero - Disse Rose me olhando nos olhos esperando uma reação.
- Então... não vai voltar para Los Angeles? - Perguntei sem querer me encher de esperança desnecessária.
- Eu preciso... Tenho que acertar algumas coisas - Disse ela olhando para longe, mas logo em seguida me olhou e apoiou sua mão em meu rosto, suave e macia como eu me lembrava.
- Mas eu vou voltar para cá Dimitri, finalmente eu vou voltar pra casa pra ficar. - Rose me encarava com ansiedade e antes que ela pudesse entender ou eu mesmo pudesse entender o que estava acontecendo estávamos nos beijando. Fervorosamente. Antes que as coisas saíssem do controle Rose saiu do meu carro e entrou no dela. Sua janela do motorista colada na minha do passageiro.
Ela ligou o carro e me encarou com aqueles olhos cheios de promessas e desafio.
- Ei camarada - Rose chamou - Uma panqueca...
Entendi a deixa e liguei meu carro.
- Ou uma corrida. - Devolvi imediatamente arrancando e ouvindo o pneu cantar ao sair dali. Se ela achava que iria me vencer uma segunda vez, estava muito enganada.
Ouvi a gargalhada melodiosa de Rose observando seu carro colado ao meu na corrida que estávamos apostando. Torci para a linha de chegada nunca chegar.
Minha Roza ia ficar aqui e isso era tudo que eu poderia pedir. Eu sabia que medicina poderia ser um futuro melhor, mas quem conhecia Rose sabia.
Aquela garota nasceu para correr. E agora correria ao meu lado, pode apostar que eu garantiria isso.
***
*Jukebox - jukebox é um aparelho eletrônico geralmente acionado por moedas, dinheiro ou cartão que tem por função tocar músicas escolhidas pelo cliente que estejam em seu catálogo. Costumam ser encontrados em estabelecimentos comerciais como bares e lanchonetes.
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