Um estranho sentimento de apatia tomou conta de mim. Eu não estava surpreso, nem assustado, muito menos com medo. Já imaginava que algo desse errado. Já estava com uma sensação de que estávamos sendo vigiados.
— Onde está a mulher? — foi a única coisa que disse para o ciclope.
— Está ocupada no momento. — revelou o monstro. — Ela está tentando atrair seus amigos para a armadilha. O bom é que você já foi atraído. Mal posso esperar para devorá-lo.
E avançou para cima de mim.
Eu sabia perfeitamente que um combate corpo a corpo seria difícil. Então teria de improvisar alguma coisa.
Corri, fugindo dele, e fui direto para o grande caldeirão no centro.
— Ei, volte! — rugiu ele. — Não vá se matar assim. Deixe-me ter esse prazer.
Passei pelo o caldeirão, o ambiente tornando-se mais sombrio, e o que vi a seguir fez meu estomago se contorcer.
O chão estava repleto de ossos. Alguns deles ainda tinham restos de carne por cima. Caveiras estavam postas em um canto separado. E algumas ainda tinham a pele por cima, o nariz começando a se decompor. Caixas torácicas estavam totalmente despedaçadas.
— Ah... — engoli em seco. — Droga, droga!
Virei-me para correr, mas o ciclope estava lá, impedindo-me.
— Não resista. É pior. Deixe-me comê-lo.
— Eu estou avisando. — tentei parecer valente. — Se der mais um passo, vou cortar você em dois.
O olho do monstro se direcionou para algo atrás de mim.
— Hehe. Acho que você é quem vai ser partido em dois.
Olhei para trás, e uma mão gorda e grande veio em minha direção, atingindo-me na cabeça. Pude sentir a dor explodindo em meu rosto, mas não a senti por muito tempo. Por que no segundo seguinte tudo desapareceu, e eu apaguei.
Acordei sentindo uma tontura nauseante. Minha cabeça latejava de dor, e sentia uma pressão dentro dela, como se todo o sangue do corpo tivesse descido para lá. Atordoado, eu olhava ao redor, mas não conseguia compreender onde estava. Parecia que o mundo virara de cabeça para baixo. Meu corpo estava se balançando levemente como se estivesse pendurado.
Epa! Pendurado?
Tentei me mexer, mas não consegui. Minhas mãos estavam amarradas para trás, nas costas. O pânico tomou conta de mim. Me debatia tentando me livrar, e quanto mais fazia isso, mais meu corpo balançava, fazendo-me ter vertigens.
— Não adianta tentar escapar. — riu uma voz monstruosa.
Olhei para baixo... hã, não... para cima agora, e vi meio sem foco dois ciclopes sentados perto do caldeirão.
Eu me debati, sentindo uma raiva descontrolada.
— Me tire daqui seus idiotas! — rosnei. — Quando eu sair daqui... eu vou...
— Se você sair daí. — zombou o outro ciclope.
Olhei para baixo, para meus pés, e vi correntes envolvendo-os. Era isso. Eu fora derrubado. Fora capturado. E ia morrer, servindo de almoço para dois ciclopes nojentos.
Olhei para o lado, e de repente vi que havia outras correntes, e elas estavam ocupadas, prendendo os pés... dos meus amigos. Percy, Annabeth e Ashley. Os três pendurados de cabeça para baixo, com os olhos fechados parecendo inconscientes. Mas... onde estava Kayro?
— Onde será que ela está? — perguntou o ciclope que me derrubara. Tudo o que eu conseguia ver dele era um short jeans quadriculado e esfarrapado. — Mamãe nunca se atrasa quanto a capturar semideuses.
— Ah, cale a boca! — grunhiu o outro. — Ela sabe perfeitamente o que faz. Veja todas essas caveiras e corpos destroçados. Se não fosse por ela...
— Mamãe disse que eu faço a maior parte do trabalho. — murmurou o de short quadriculado.
— O quê? Você? — escarneceu o outro. — Você não conseguiria capturar nem um meio-sangue se não fosse por mim. Mamãe disse isso porque não sabe o que fala.
Um barulho de passos pesados veio ao longe, e uma voz feminina murmurante disse:
— Quem não sabe o que fala?
— A mamãe... — o ciclope que falava se interrompeu. — Ah! Mãe! Você voltou?
— Não, imbecil, ainda estou lá! Claro que voltei!
— Mas cadê o outro semideus? — perguntou o de short quadriculado.
A Mãe ciclope fez um som de resmungo.
— Não achei. Aquele estúpido deixava várias armadilhas pelo o caminho. Pisei em uma coisa gosmenta e levei uma eternidade para sair.
Um alívio encheu meu coração. Kayro ainda estava vivo. Mas será que ele conseguiria nos tirar daqui?
Minha cabeça começava a doer e a ficar quente. O que será que acontecia com uma pessoa se ela ficasse de cabeça para baixo por muito tempo? Algo me dizia que nada de bom. Tentei me distrair.
— Ei! — gritei. — Vocês não conseguiram achar um semideus? Que bando de fracotes! Três ciclopes imundos e patéticos que não sabem fazer nada direito.
Ouvi rosnados furiosos.
— Ao menos conseguimos capturar quatro. — falou a mãe ciclope. Senti-a abaixo de minha cabeça. — Não se preocupe pequeno herói. Mais cedo ou mais tarde iremos encontrar seu amigo. E sabe por quê? Ele não será capaz de abandoná-los aqui. Agora... para não perdemos tempo... — Ela se dirigiu aos seus filhos. — Podem abaixá-los para o caldeirão. Vamos assistir esses corpos deliciosos queimarem.
Os três riram.
O medo voltou ao meu coração. Não era possível que o fim das nossas vidas estivesse tão perto. Me contorci, tentando soltar as minhas mãos, mas não consegui.
— Percy! — gritei. — Annabeth, acorde! Ashley!
Nenhuma resposta.
As correntes começaram a descer lentamente.
— Nãããooo! — berrei. Me debati feito um louco, e uma das minhas mãos se soltaram. Enfiei-a em meu bolso e peguei meu mini celular, mas tudo deu errado, quando uma mão grande o tomou de mim.
— Nada de armamentos por aqui. — riu o ciclope de short quadriculado.
Gritei de raiva, enquanto sentia o calor penetrando em meus cabelos. Eu e meus amigos não iríamos morrer ali de jeito nenhum!
Então, algo aconteceu. Um som de trovão ecoou pelo o local, e clarões de relâmpagos se espalharam. Meus olhos se arregalaram. Eu já tinha ouvido esse som antes. Mas não podia ser possível, não podia. Eu a tinha deixado enterrada. Mas aquele som significava que ela estava aqui.
— O que foi isso? — perguntou a mãe ciclope.
— Hum... será que vai chover aqui? — perguntou o de short quadriculado.
— Claro que não seu animal! — exclamou o outro. — Aqui é um local fechado.
Olhei para cima, e vi a mãe ciclope andando. Ela era um pouco mais alta que os outros dois, e mais gorda, e vestia uma saia roxa e uma blusa regata, que, pelos deuses, ficou horrível. Acho que deviam sugerir a ela uma dieta e depois chamar o esquadrão da moda.
— Cuidado mãe! — disse o ciclope de short quadriculado. — Aquele semideus pode ser um filho de Zeus.
— Eu não tenho problemas com filhos de Zeus. — retrucou a mãe. — Já matei dezenas...
Foi quando um som de explosão ecoou, e algo a atingiu em cheio e a mandou voando para trás.
— Mãe!
Os dois ciclopes correram para acudi-la, enquanto eu tirava a amarra da minha outra mão. O caldeirão agora estava a pouco menos de um metro.
Com as mãos livres, tentei tirar a corrente dos meus pés, mas hesitei. Se conseguisse me soltar, poderia cair direto na água quente embaixo. E agora? Quem sabe eu pudesse pedir ajuda a meu pai, só dessa vez.
— Pai, por favor, me ajude. — implorei. — Me ajuda a sair daqui.
Foi quando algo surgiu em minha mente. Se eu me soltasse, cairia em cima da água quente.
Água quente.
— É isso!
Concentrei-me intensamente na água abaixo. Ao longe, a mãe ciclope resmungava e gemia.
— Argh! Se isso foi truque daquele semideus imprestável, eu vou destroçar o corpo dele!
— O que é isso? — perguntou ciclope filho.
Um silêncio curto.
— Uma bola de metal. — rosnou a mãe. — Ah, ele vai ver só!
Olhei para cima, e vi os três monstros em pé olhando para algo ao longe.
— Venha cá, covarde, e lute!
Concentre-se, pensei.
Imaginei a água do caldeirão subindo e transbordando. Pensei na água se espalhando pelo o chão. E uma dor atingiu minhas entranhas. Tentei suportar.
Do outro lado do armazém, os três ciclopes ainda rugiam e gritavam para que o que quer que tenha atingindo a mãe deles aparecesse. Depois de alguns segundos, olhei para o caldeirão, e a água não estava mais lá. Ela estava fora, espalhando-se pelo o chão.
— Obrigado, pai! — exclamei, e comecei a tirar as correntes dos meus pés.
Quando consegui soltar, minhas pernas caíram para baixo rapidamente, resultado da força da gravidade, e consegui agarrar a corrente com as mãos, ficando agora na posição normal, e não mais de cabeça para baixo. Uma dor de cabeça, misturado com uma tontura extrema, quase me fez cair, enquanto o sangue descia para o resto do meu corpo e saía de minha cabeça.
Outra explosão, e o ciclope de short quadriculado voou de costas, aterrissando perto do caldeirão vazio.
— Maldito seja! — gritou o irmão. E avançou para a escuridão a frente, mas outra explosão foi ouvida, e o monstro saiu voando também. Pude ver que grandes bolas de metal estavam em cima de suas barrigas quando eles aterrissavam.
Soltei a corrente e caí em pé. Apesar de a dor subir pelos meus pés, não dei importância. Peguei meu mini celular que estava no chão e puxei a antena.
Assoviei.
— Ei, olhem! Eu consegui sair!
Mas nenhum deles prestou atenção em mim, por que uma forma encapuzada saiu da escuridão com uma arma grande de aparência sinistra.
— Alguém pediu para eu aparecer. — falou uma voz estranha, que reconheci na mesma hora. — Aqui estou eu seus monstros ridículos. Querem levar mais boladas nos peitos?
A mãe ciclope avançou em direção a ele, mas o cara ergueu a arma e atirou. Uma bola de metal saiu de dentro com uma explosão e a atingiu bem na cara.
— Aarrgghh! — gritou a mamãe monstra indo para longe.
Olhei para a figura encapuzada. Não podia ser, mas...
— Kayro?
A cabeça virou-se em minha direção, e o sujeito tirou o capuz de cima, revelando a sua cabeça verde e o sorriso maníaco.
— Ora, ora, Raphael. Ainda está vivo? Pensei que já estivesse só a casca. — ele olhou para meus amigos pendurados nas correntes. — E aqueles três ali, parecendo presuntos defumados? Posso ver o porquê de esses monstros quererem come-los.
Ele recarregou a arma.
— Mas, primeiro... vou transformar esses monstros em poças de gordura. Depois, decidirei se mato você ou não.
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