Kilkeny, Irlanda
Não havia sido fácil chegar naquela cidade. Mesmo com toda influência que tinha, Tony precisou fazer um bom esforço para conseguir informações sobre o que ele queria. Saber o local daquela misteriosa fonte de inspirações. Alguns anos antes, teria dito que isso não passava de uma mera mentira, algum conto antigo para atrair turistas.
Mas tudo mudou depois de Loki e Nova Iorque.
Saber que existiam deuses por aí, ou pessoas tão poderosas quanto um, fazia Tony se sentir... Obsoleto. Ele não tinha poderes de raios e trovões, não tinha o soro do supersoldado correndo nas suas veias. Não tinha anos de experiência em combate corpo a corpo. E... Bom, até se compararia com Banner, mas não ter um monstro verde que o dominava pela raiva dentro de si era um ponto positivo.
Mas, mesmo com toda a inteligência que tinha, ele não se sentia especial. E pareceu ter essa inquietação dentro de si um pouco tarde demais.
Havia gastado bons anos da sua vida apenas sendo um menino rico e mimado, e agora, quando finalmente havia encontrado algo útil que ocupasse sua mente, gastou suas grandes ideias em novas armaduras experimentais, por melhores que fossem.
Era difícil fazer algo novo. Tony não conseguia pensar no que poderia atualizar, quais funções continuavam sendo úteis e quais não eram “nada”, perto do que aqueles super-humanos ou alienígenas eram capazes de fazer. Ele sentia que deveria estar preparado para algo, mas sequer sabia como começar.
Até visitar Banner na universidade, perturbando o amigo cientista em um de seus muitos dias livres. Curioso, captou a conversa de historiadores em um dos refeitórios. Eles falavam sobre um ser místico antigo, uma mulher que dava inspiração a jovens artistas.
E foi como se um reator arc se acendesse sobre a sua cabeça.
Tony se interessou por estudar história antiga mais uma vez. Quis saber sobre aquele mito, aquela mulher. Estudou, buscou informações e historiadores que soubessem lhe contar o mínimo. Que ao menos pudessem confirmar e dizer que aquela fada de fato existia. Aquilo se tornou sua obsessão por um tempo, a ponto de largar os metais pelos livros e bater seu recorde de leitura.
Havia ficado tão cego por isso, que não percebeu quando Pepper foi embora, cansada de falar com as paredes enquanto tudo o que ele buscava desesperadamente, era uma lenda. Um conto irlandês infundado. E que potencialmente era uma mentira.
Até que finalmente soube que poderia ter a chance de confirmar.
Voou por vinte horas dos Estados Unidos até a Irlanda. Tony reconhecia que estava obcecado, sabia que não estava saudável mental e fisicamente, mas estava obstinado a achar a tal mulher. Por mais perigosa que os contos dissessem ser. E, enquanto olhava ao redor, inspirando o ar frio de Kilkeny, um bar chamou sua atenção.
Old Tales. Parecia um excelente lugar para obter respostas.
— Que tal um cheeseburguer, Happy?
— Não acho que vendam esse tipo de gordura aqui.
Seu fiel companheiro seguiu ao lado de Stark, deixando as malas no carro alugado e caminhando até o bar de letreiro medieval e arquitetura rústica. O local era feito e decorado em madeira escura e pedras amarronzadas, era limpo, e não parecia afetado pelo tempo. Provavelmente era bem cuidado.
Ao contrário do que pensou, Tony não chamou atenção ao entrar. Nenhuma das cabeças se viraram na sua direção, as pessoas do bar apenas continuaram bebendo e comendo suas refeições, conversando animadamente em contraste com a música que tocava em som ambiente. Percebendo seu primeiro fracasso, Tony caminhou até a mesa mais perto do bar, puxando uma cadeira e se sentando, tendo Happy à sua frente.
E logo, uma bela moça lhe entregou o cardápio. Parecia jovem, mas com um olhar carregado. Tinha cabelos loiros que combinavam com seu rosto, os olhos claros e marcados, mas com um sorriso gentil e bonito.
— Difícil ver turistas nessa época do ano — Ela diz, limpando a mesa da pouca sujeira que tinha.
— Está tão óbvio assim? — Tony a perguntou, apenas querendo começar uma boa conversa.
— O carro lá fora deixou bem óbvio — Ela sorri. — O que vão querer?
— Qual seu melhor prato?
A mulher o olhou de cima a baixo ao ouvir. Não como se o julgasse, mas como se pensasse consigo mesma se ele comeria o prato mais servido do restaurante, já que ele parecia elegante demais. Tony estreitou os olhos e arqueou uma sobrancelha.
— Temos o pão tradicional para entrada e o ensopado que chamamos de coddle. Leva linguiça de porco, carne de boi, batata inglesa e cenoura, e é temperado com cebola e alecrim.
— Dois, por favor — Tony opta. Seu estômago já quase roncava por estar vazio há tanto tempo.
— Algo para beber? Ou quer o nosso melhor também? — Ela alfineta, tendo um sorriso do homem como resposta prévia.
— O mistério parece bom – Tony escolheu, e a mulher anotou o pedido. — Gostaria de uma informação também.
— Sobre?
— Vim estudando há algum tempo sobre um ser que... Vocês chamam de leanan sídhe.
Citar o nome da tal criatura foi como girar uma chave. A mulher endireitou a postura e apertou a caneta entre os dedos. Seus olhos perderam o foco por alguns segundos antes de voltar a falar.
— Não falamos sobre ela.
— Então ela existe?
— Olha só, vai me agradecer se eu não abrir a boca sobre isso. É melhor se não souber.
— Eu já sei. Quero encontrá-la.
A mulher deu um longo suspiro, pensando consigo mesma se contava ou não. Sabia bem o que aconteceria com o homem se ele encontrasse a fada, aquela obsessão que parecia estar corroendo-o aos poucos só iria piorar.
Definitivamente não sabia o que responder, não até ouvir um estalar de língua da mesa ao lado. Um casal que estava ouvindo a conversa, velhos o suficiente, e que a garçonete reconhecia bem. Clientes assíduos, diferente de Tony.
— Procurá-la é como cavar sua própria cova, rapaz — O homem fala, após ter dado um grande gole em uma caneca de cerveja preta.
— Eu só quero saber quem ela é — Tony retruca, virando-se um pouco na direção do homem.
— Se quisesse só isso, teria lido os livros. Você precisa de algo e ela provavelmente é capaz de lhe dar, mas vai custar caro — Ele o responde, quase podendo ler os olhos de Tony.
Não estaria tão desesperado visualmente se fosse apenas mera curiosidade.
— Ela é linda, como é dito nas lendas, mas essa beleza não compensa o risco que vai correr — A mulher é quem diz agora, com uma voz suave que quase não parecia ser dela por sua aparência. — É uma mulher fada, é traiçoeira e perigosa.
E poderosa.
Mas aquilo não era uma propaganda, e Tony já sabia daquele detalhe.
— Eu não preciso aceitar o que ela me propor. Só... Quero vê-la. Saber se é mesmo real — Ele tenta outra vez, dividindo o olhar entre o casal e a garçonete, que ainda esperava, por algum motivo.
E pareceu respirar tão fundo quanto podia.
— Por aqui, a chamamos de leanan sìthe, é o nome em gaélico. Significa fada amante, e é autoexplicativo — sequer se importa em dizer mais.
Imaginava que se Tony já tinha tantas informações e curiosidade sobre a mulher — a ponto de saber em que cidade a encontrar —, ele saberia o suficiente sobre seus poderes e como usava os homens ao seu favor.
— Ela vive no bosque laranja. É um lugar que sempre parece outono e verão ao mesmo tempo. É alguma... Magia antiga. Bem na descida da colina das fadas. Vai saber quando encontrar.
Cada palavra que a mulher havia falado parecia ter saído de um filme, era o que Tony achava. Eram coisas surreais demais, para acreditar que alguém estava mesmo lhe dizendo. E, ainda assim, ele acreditava.
— Ela vai matar você, filho. E não será imediatamente, o que é pior — O homem disse, enquanto Tony parecia gravar a localização na mente.
— Sorte dele que já está doente e velho — A garçonete falou, se afastando finalmente e indo avisar sobre seus pedidos.
— Pode ser que me mate... Mas eu só tenho uma chance.
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Foi difícil convencer Happy a deixar Tony subir sozinho. Stark fora avisado de que se subisse acompanhado, as chances de a mulher aceitar sequer vê-lo, seriam baixas. Ele não podia arriscar. Não agora que estava tão perto.
Mas não estava indefeso, e isso era o que minimamente confortava seu fiel braço direito. Ao perceber que Tony de fato se arriscaria naquela missão própria e suicida, Dara, a garçonete, o entregou um item que guardava consigo há um tempo. Uma adaga de madeira bruta, que ela sequer explicou para quê servia, apenas disse que caso encontrasse a mulher, o item lhe seria útil.
E assim ele seguiu com o traje pronto para qualquer imprevisto, a adaga escondida, e a coragem guiada pela vontade de encontrar a tal fada. Cada pequeno monte e pedaço de terra que subia, era como se estivesse mais e mais inserido em um livro de fantasia. Animais o cercavam, ele podia ouvir, e algo mais. Algo antigo. Um mistério que o rondava com o ar, e que parecia instigar mais da sua curiosidade.
— “Não existe”, heh? Sei... — Comentou consigo mesmo, sorrindo vitorioso mesmo com tão pouco.
Pouco a pouco as árvores começaram a mesclar tons de verde — mais claros e escuros —, e tons de marrom e laranja. Quase como se a floresta ali fosse um tabuleiro de xadrez com peças espalhadas. Peças divididas entre outono e verão. E, outra vez, ele sorriu.
Até que pôde ver algo similar à um caminho, como se alguém passasse por ali constantemente e a grama já não crescesse mais da mesma forma. Buscando orientação, Tony olhou para um pouco acima das árvores, e seguiu a trilha na direção da colina.
A cada passo, os sons de animais pareciam mais altos. Pássaros, cervos, até mesmo corvos na luz da tarde. Tudo estava vivo e audível ao redor dele. Com seu último passo, veio um silêncio descomunal. Tudo havia se calado e a floresta respirava como uma só. Tony parou de andar ao ver uma cabana, grande o suficiente para uma família. Mas duvidava que era aquilo o que encontraria ali dentro.
O silêncio foi cortado pelo som de folhas sendo pisadas, tão perto dele que Tony não ousou se mover. E então, uma mão morna tocou seu ombro. Ele virou a cabeça por apenas milímetros para ver a mão feminina que o tocava, antes que ela pudesse deslizar por suas costas e chegar ao outro lado, conforme ela andava ao redor dele, agora estando frente a frente.
Tony ainda encarava o chão.
— Quem o ensinou a chegar aqui? — Ela perguntou, a voz tão suave que parecia dançar com o vento em uma melodia única.
Stark engoliu em seco antes de falar.
— Algumas pessoas da cidade abaixo.
— Hm... — Ela murmurou baixo.
Ela o avaliou e sua postura, sabia bem o motivo para ele evitar olhá-la, o que ela achava engraçado. Não era nenhuma górgona ou similar, e se ele havia chegado até ali, não havia muito o que pudesse fazer para evitar ser enfeitiçado por ela.
— Você pode olhar para mim — Permitiu, subindo a canhota em um caminho por sua clavícula, pescoço e queixo, erguendo o rosto dele com a ponta do indicador.
Quase sem controle de si, Tony a olhou. A mulher tinha um longo cabelo escuro, mas não exatamente preto. O nariz era fino e tão perfeito que parecia falso, sobrancelhas finas que davam ao olhar azul dela um tom de mistério. A boca rosada e cheia, e ao perceber que ele estava olhando para lá, ela sorriu.
E Tony amou a forma que o sorriso marcou suas bochechas.
— Você é a… fada — Ele sequer precisava perguntar.
Aquela feição era perfeita demais para uma simples humana.
— Prefiro ser chamada pelo meu nome — Ela diz, passando a sacola que carregava para a mão esquerda, e oferecendo a destra para Stark. — Eden — Se apresentou.
Tony a olhou, com a sobrancelha arqueada e se perguntando se ela deveria mesmo ser tão amigável daquela forma. Não havia lido coisas boas nem simpáticas sobre ela. Ou a... Espécie dela.
Mas estendeu a mão quando percebeu que pensava demais, e a cumprimentou.
— Anthony.
O aperto de mão foi rápido o suficiente para Tony ver um singelo sorriso iluminar ainda mais o rosto de Eden, e quando se afastou, percebeu que a mulher parecia relutante. Ou parecia avaliá-lo por tempo demais.
E ao mínimo sinal de movimento da parte dela. Mesmo que não fosse nada ameaçador, Tony levou a mão até a parte interna do casaco, rápido o suficiente para tirar a adaga dali, apontando-a para a mulher. Eden, por sua vez, queria apenas se aproximar um pouco mais, avaliar o homem antes de mandá-lo embora. Mas a visão daquela madeira a pegou desprevenida, fazendo-a dar alguns passos embolados para trás, tropeçando nos próprios pés e caindo pouco a frente de Tony.
Seu olhar estava bem mais focado nele agora, e carregava um tom escuro. A sacola que antes segurava tão firmemente agora estava no chão, suas mãos haviam perdido a força com o susto. O coração de Eden ainda batia acelerado, se acalmando pouco a pouco, mesmo com a visão da adaga afiada tão perto.
— Então é verdade, huh?! — Ele sorri vitorioso quando a vê quase sem se mover.
— Onde conseguiu isso? — Eden o questionou, a voz fraca enquanto ainda tentava se recompor.
— O pessoal da cidade disse que seria útil... Sendo sincero, eu nem sei o que é isso.
— É uma adaga de Espinheiro Solitário — Eden explica, levantando-se devagar e pegando a sacola outra vez. Com paciência, limpa o próprio vestido antes de olhá-lo outra vez, respirando fundo. — Deram a você para que me matasse.
Com as palavras dela, Tony compreendeu. Seu susto e olhar para o tal objeto, como se toda aquela sua postura tão corajosa e segura tivesse sido levada embora. Ele a havia ameaçado e sequer tinha a intenção.
— Eu... não sabia.
— Notei — Ela retruca, dando um passo para afastar-se dele. — O que você quer aqui?
— Vim encontrar você.
— Por que?
— Estou perdido. E sei que você pode me ajudar — Ele diz, com a mesma postura e o braço erguido.
— Eu não ajudo ninguém.
— Não, você engana artistas jovens e homens desesperados. Mas vai me ajudar.
— Por que eu iria?
— Porque se ainda não fez sua magia para me deixar obcecado por você, então há algum motivo por trás.
Tony havia sido preciso em sua acusação, e Eden suspirou, se acalmando mais quando ele abaixou o braço e não pareceu mais tão ofensivo assim. Mas, ainda assim, ele tinha algo para usar contra ela. Eden não poderia se deixar levar.
— O que eu ganho em troca se apenas ajudar você?
— Não sei. Dependendo do seu propósito, pode ser uma ajuda mútua.
Ela pensou. As investidas dele pareciam acertadas demais, mas não havia chances de que ele soubesse de tudo o que ela havia pensado tanto tempo ant
es, e suas vontades de mudar. De... Limpar sua reputação.
Mesmo que parecesse tarde demais.
Então, sabendo que poderia se arrepender amargamente depois, Eden respirou fundo.
— Vem comigo.
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