EDEN
Parte XV - Wake up
“Chasing that sundown, so far east, I'm westbound. Feeling like the edge of this world is near”
Há branco demais e silêncio demais. Todas as vozes que você adorava escutar e todas as mãos que costumavam fazer arte; cada um deles parece apagado.
Todavia você devia saber que é isso o que acontece quando se ateia fogo ao que tem: tudo o que resta ao fim da última chama se resume a cinzas.
Namjoon e Catarina estão sentados à sua frente. O primeiro está com o corpo largado na cadeira e o pescoço jogado para trás, encarando o teto enquanto pensa. A Borja, por sua vez, dormiu entre uma lágrima e outra.
Você quase sente pena. Quase quer se levantar e abraçá-los. Quase.
Eles a enganaram.
Porém o amigo deles está morrendo.
Ele também a enganou.
Só que… São humanos, não?
Você também é.
Céus, não há sentido. Você não consegue entender. Sente seus joelhos balançando em movimentos incessantes, em uma tentativa que seu corpo encontrou para canalizar estresse; os neurônios trabalhando incansavelmente em tentar compreender.
Inútil. É demasiado nervosismo; a inquietação está a ponto de jorrar para fora de si como uma torneira aberta.
Você se levanta. O casal a alguns metros não se mexe, mas você sabe que o homem a olha de soslaio enquanto junta as suas coisas e deixa a sala de espera.
Suas pernas estão bambas e você tem a sensação de que Hoseok não a deu comida o suficiente. O celular vibra no bolso; o leque de opções para o autor da ligação não é muito amplo e você, sinceramente, não se sente forte o suficiente nem para separar os lábios um do outro, quem dirá para falar. É por isso que desloca a travinha sem nem apanhá-lo, silenciando o objeto.
Você apenas anda e anda; vira corredores e lê placas. Escuta orações e choros compulsivos em algumas portas, ao passar por outras, no entanto, o silêncio é absoluto.
Não é surpresa que lágrimas voltam a escorrer por seu rosto. Lembranças varrem-na a memória no que parece uma roleta russa emocional.
Está de volta ao dia em que se conheceram. Tudo é nítido e claro como se revivesse o momento.
“Ele é não é muito alto. É esguio e pálido. Seu rosto é comum. Mas tem algo nele. Algo naquelas calças rasgadas e na jaqueta bomber. Há algo nos olhos avermelhados e nos lábios entreabertos. Há algo nas mãos másculas e na postura caída. Há algo na feição cansada e, ainda assim, selvagem.
Isso! É isso. Selvageria. O homem é quase uma placa em aviso de ‘pare’.”
Devia ter parado. Estava exposto desde o prelúdio.
“— Pois bem, Min Yoongi — frisa o nome dele, erguendo o olhar para mirá-lo, ainda com o rosto levemente voltado à mesa onde ele estava. —. Eu não preciso da sua opinião sobre minha vida. Faço o que quero com ela.
Outro suspiro, então a voz do rapaz volta a cortar o ar entre vocês:
— Eu acho que você mente.”
Você ri sozinha, alta e sarcástica. Uma enfermeira a encara com certo espanto. Nada que a atrapalhe de continuar.
Cada frase é repassada. Um a um, os vocábulos proferidos pelo baixista rodeiam sua mente e você os insere um duplo significado.
“— Min Yoongi. — chama-o, fazendo com que ele cesse os passos e se volte a você.
— O que foi?
— Eu não te conheço. — começa, mas é cortada pela risada anasalada dele.
— Ninguém conhece ninguém.”
Saco. É ridículo como cada lembrança juntos a remete a um filme adolescente. E é absurdo: filmes adolescentes não acabam mal. Por que logo o seu tem de ser diferente?
“— Ah, Bae — pende a cabeça para o lado. — Achei que estaria mais relaxada depois de segunda. Você se divertiu.
— Minha cabeça doeu em uma maldita ressaca e eu fiquei enjoada o dia inteiro. — rebate, arqueando as sobrancelhas. — E você sumiu.
— Todas as coisas boas vêm acompanhadas de um contra. — sorri, deixando suas gengivas rosinhas a mostra.”
Yoongi é o maldito contra nos próprios prós.
Você acelera o tempo, passando pelo primeiro beijo no telhado e a primeira transa em sua casa. Lembra-se da maneira na qual ele a tocou; o jeito que ele a olhara.
Havia algo ali. Repetiu isso milhares de vezes enquanto o sentiu.
“— Eu quero desistir, Yoongi. — Você solta, sentada no banco estofado, quando Mickey coloca as luvas e prepara o aplicador do piercing.
— Você escolheu a joia mais cara e o lugar mais óbvio, não tem essa opção. — ele diz, buscando seu olhar.
— Mas vai doer. Não faz sentido me submeter a dor por fins estéticos e imprudentes. — continua, apertando os braços do assento com força ao sentir Mickey desinfetar a área onde o piercing seria aplicado.
— Chega de palavras difíceis. Só fecha os olhos. — O Min pede, entrelaçando as mãos dele às suas.”
Você leva a destra até a joia presa em sua orelha, dedilhando-a com zelo. O metal está morno — assim como todo o seu corpo. Não consegue vê-lo, mas lembra-se bem de como reluz e da presença do Min ao seu lado enquanto escolhia a pedra. A mesma acabou por se tornar um lembrete vívido de que ele a marcou em todos os sentidos: de fora a dentro, perfurando-se em sua carne. Literalmente.
“— Você é especial… — ele murmura, angustiado pelas lágrimas que vê em seus olhos — Eu gosto de você, Bae. Eu gosto muito.
— É mentira. — desvia o contato visual, sentindo o pranto descer por seu rosto. — Você vai embora. — senta, sentindo-se repentinamente exposta pela nudez, e põe-se a procurar pelas roupas que vestia.
— Eu ir embora é o problema? — segura seu pulso, impedindo-a de continuar. Você cobre os seios com o braço livre, então mira a região que o homem prende entre os dedos, mas não o responde.
São pensamentos demais. Lágrimas demais. Tudo em excesso. E…
— Se esse é o problema, Bae… — faz uma pausa. E você se obriga a fitá-lo sobre os ombros.
E, droga, há algo nele. Há você nele. E há ele em você.
— Então vem comigo. Se é esse o problema, vem comigo.”
Abaixa a mão, cerrando-a em punho conforme a raiva cobre-a o sangue novamente. Respirar se torna mais complicado e pensar já o é há muito.
Já não pensava direito quando o conheceu. E é por isso que veio.
Não sabe exatamente por quanto tempo deu voltas, tampouco quantas deu. Mas, em algum momento, está adentrando a sala de espera outra vez.
E, desta, há mais alguém nela.
— Você… — ele se levanta assim que depara-se com sua figura na entrada. Você prende a respiração.
Ele sempre a assustou. Porém é pior. Quinze vezes pior. Você o fita e vê ódio no olhar. Não o tipo fajuto, aquele confundido com frustração como o que você sente, mas o real. O forte. O autêntico.
Isso a apavora.
— O que-
Você começa a falar, mas ele a corta. O mais alto levanta-se abruptamente e corre até você; mais veloz do que seu cérebro é capaz de assimilar.
— A culpa é sua. É toda sua! — ele dá um passo em sua direção, você recua outro.
— Seokjin, do que você está falando? — engole a seco, olhando sorrateiramente em volta para tentar localizar uma rota de fuga.
Namjoon coloca-se sobre os pés, alarmado. Catarina ainda está inconsciente quando ele caminha silenciosamente, rumando você.
Não confia nele. Ainda assim, não é uma escolha difícil: entre correr de Seokjin e para Namjoon, você prefere dar meia volta e fugir dos dois.
— Você acabou com tudo. Estavam indo perfeitamente bem até você aparecer — ele prossegue com os passos dele e você com os seus. — Jungkook quase morreu por sua causa!
Não consegue compreender o maldito sentido que deveria existir entre os vocábulos. Talvez porque realmente não há um.
— Você é louco — solta, franzindo o cenho e meneando a cabeça para lá e para cá em um gesto de incompreensão.
Ele avança de novo. E você tenta correr.
Falho. Miseravelmente falho. Seokjin a segura e empurra contra a parede ao lado com toda as rapidez e força que possui. Você geme, sentindo-o apertá-la os braços. E, antes que a mão que ele levanta a alcance, Namjoon o impede.
— Me solta! Essa vagabunda! Ela acabou com todo o meu dinheiro! — o Kim mais velho grita enquanto se debate nos braços do mais novo.
Você ainda está encolhida e atônita no momento em que o baterista diz:
— Sai daqui! Rápido!
A ordem demora alguns segundos para ser processada. Todavia, outrem é mais rápido do que você: Yoongi aparece como uma sombra. E, confundindo-a ainda mais, põe-se em frente a Seokjin, puxando-o desajeitadamente pela camisa:
— Você é louco?! Eu mato você se encostar nela! Se encostar um mísero dedo fodido seu nela! — grita para o mais velho. E a diferença de tamanho entre os dois seria cômica caso a cena não estivesse inserida em tal contexto.
— Yoongi, cara — Namjoon chama, esforçando-se para imobilizar Jin quando ele faz menção em soltar-se; os braços prendem-se no pescoço dele em um abraço doloroso — Sai daqui. — os seguranças do hospital aparecem em sequência.
Seokjin se debate outra vez, ao mesmo tempo em que Yoongi se afasta, desnorteado, e a mira por cima dos ombros.
— Vem comigo — ele pede, enlaçando-a a canhota e arrastando-os na direção contrária a de sua origem.
Você o segue. Não porque confia nele, tampouco porque parece a melhor opção, mas porque você não entende. Não consegue entender como o seu anjo caiu e ateou fogo a terra em tão pouco tempo. E precisa compreender. Com cada célula de seu ser. Precisa.
— Yoongi — o nome escapa por seus lábios, mas ele não parece ouvir. — Yoongi! — repete, apertando-o a mão e aumentando o tom.
E, como se saísse de um transe, ele para. Os coturnos pesados fixam-se ao chão e só após você é capaz de perceber o barulho que causavam. De todo modo, as respirações pesadas de ambos tomam o recinto com a mesma eficiência.
— Hm? — Ele murmura sem fitá-la.
Abaixa a cabeça. Seu miocárdio trabalha em um ritmo frenético e você tem a sensação de que terá um ataque cardíaco a qualquer instante. Mesmo assim, junta todas as suas forças para contornar o loiro, colocando-se à frente dele e só então erguendo o olhar.
Seu peito dói. É a primeira vez que mira Yoongi em algumas horas e fazê-lo se assemelha a um atentado à própria saúde. O que não importa tanto, visto que a sanidade ele já a tirara.
— Me explique. — sua voz sai rouca e baixa; falha como as batidas de seu coração.
— O quê? — indaga, confuso. Os olhos pequenos se comprimem sob a franja maltratada. As bochechas e o nariz estão vermelhos, ao contrário da boca entreaberta, cuja coloração nunca a pareceu tão pálida.
— Me explique. — repete em uma súplica. — Por favor. Tudo. Eu preciso entender.
O Min tarda a ponderar o pedido; a mente grogue pelos acontecimentos o toma o raciocínio e o engole como um mar de ressaca. Quando ele finalmente entende, meneia a cabeça em um gesto tímido, consentindo.
Você sorri minimamente. Percebe que ainda estão de mãos atadas e solta-as, deixando que uma sensação esquisita formigue a região.
Dá as costas — que ainda latejam pelo ataque. Seus pés empurram o chão com dubiez e seu abdômen dói pela respiração desregulada. Você vai até a parede mais próxima, recostando-se nela e caindo no chão em um baque de joelhos. Tira a bolsa pesada dos ombros e suspira.
Yoongi a assiste calado conforme repete seus atos: ele encosta-se no branco gélido da construção antes de deixar que seu corpo se arraste até o piso. Vocês estão largados frente a frente num corredor de hospital. E parte de você é grata pela localização, uma vez que sente-se prestes a passar mal.
“Jungkook quase morreu por sua causa!” — os olhos ferozes de Seokjin brilham em seu pensamento. Você encolhe-se, assustada.
A razão exerce inúmeras tentativas de se sobrepor às sinuosas emoções. Não quer chorar de novo. Mas somente o ato de fitar Yoongi e absorver todo o significado das marcas que o corpo esguio carrega faz você fraquejar.
— Pode começar. — requere após alguns minutos em silêncio. Estava tentando se preparar para ouvir, mas não acredita que seja possível. Junta as pálpebras, então, como se bloquear a imagem do compositor resolvesse o problema.
— Por onde? — a voz do loiro ainda soa rouca.
Não estão muito diferentes em quesito aparência: os dois estão um caco.
— Do começo. — abre os olhos, tremulando ao encontrá-lo já a encarando. — Tudo. Porque eu não consigo entender.
É verdade: sua cabeça não é capaz de juntar todos os acontecimentos das últimas quarenta e oito horas e absorvê-los. São como imagens perdidas de um filme anteriormente inteiro; não há como interpretá-lo assim.
— E eu odeio você. — repete. Só para lembrar.
Yoongi ri, desgostoso.
— Eu sei.
— Então explique. — implora. O pedido a aperta o peito. Mas quer ouvir. Precisa ouvir.
Então, vai ouvir.
— A gente se conheceu na faculdade. Sabe? Eu e os garotos da banda. — Você apenas arqueia as sobrancelhas em resposta. Ele respira fundo, coçando a garganta e desviando o olhar antes de continuar. — A gente se conheceu no curso de música, mas não começamos nele. Eu e Namjoon passamos em Direito. Ele em primeiro e eu em segundo. Foi assim que nos conhecemos — Faz uma pausa. —. Mas era um saco. Nós sabíamos que não era aquilo que queríamos. A gente passava os dias estudando pra manter a média e as noites conversando sobre música e como gostávamos disso. Até que decidimos pedir transferência. Algumas vagas no curso de música abriram e tudo o que precisávamos pra pegá-las era passar numa prova de dissertação, uma vez que já tínhamos entrado na faculdade.
— E Jungkook? — questiona com certo rancor no tom.
— Ele entrou no mesmo semestre que a gente. Seokjin também. No curso de música. E quando conhecemos eles, ah… — ri fraquinho — Era como se tivéssemos nascido para tocar juntos.
— Mas… — postula, sabendo que algo adverso devia existir no relato.
— Mas — repete, assentindo — meus pais odiaram a ideia. E eles não conseguiam entender. Eu sempre fui o filho perfeito e, de uma hora pra outra, virei um “delinquente”. — revira os olhos — Já tínhamos certa popularidade pela região, então decidimos apostar tudo: nos inscrevemos no concurso. E ganhamos. Foi aí que acabamos por trancar o curso e começar a rodar o país.
— Okay… — murmura, assimilando as informações. — Aonde eu entro nisso?
— Bem… — coça a garganta. A canhota dele se arrasta até o cabelo, onde ele a agita de forma que desgrenhe ainda mais os fios — Foi duas semanas antes de chegar a Busan. Eu passei mal e os garotos me obrigaram a ir ao hospital. Fiz alguns exames.
— Yoongi, não estou entendendo aonde quer chegar — interrompe-o, inquieta.
Escutá-lo já demanda um esforço enorme. Quer que ele seja rápido, objetivo.
— Meus pais sempre fumaram — prossegue, ignorando-a —. Sempre. A minha primeira memória é a Sra. Min com um maço nas mãos. E acho que nenhum nunca parou pra pensar como isso ou qualquer outra coisa que eles faziam implicaria no meu futuro. Mas, bem… — joga a cabeça para trás, em meio a um suspiro — Me disseram uma série de termos que eu não entendo realmente. A única coisa que absorvi é que deveria começar um tratamento o mais rápido possível. Parar de dirigir por aí, voltar pra casa, viver num hospital. Eu liguei pros meus pais e eles não pareceram muito interessados. Então, cara… — ri sozinho, mirando o teto — Eu fiquei furioso. Furioso porque as pessoas que me deram a vida também deram um jeito de acabar com ela e nem ao menos pareciam ligar. Furioso comigo. Com meus pais. Meu irmão. Furioso com a porra do mundo. Eu neguei o tratamento. Morrer não parecia mais um problema, então viver se tornou o objetivo. Mais cigarros e diversas outras drogas. Mais música. Mais sexo. Só que…
— O quê? — remexe-se no lugar, sinuosa.
— Eu fui pra Busan. E a conheci — você abre a boca, pronta para contestá-lo. Ele não permite, entretanto — E eu sei. Você me acha um filho da puta mentiroso agora. Mas eu não menti pra você: eu gostei de você no instante em que a vi, Bae. Porque tinha algo em você. Eu voltei naquele lugar a cada dia porque precisava falar com você. — abaixou o olhar, fixando-o no seu — Eu parei do outro lado da calçada aquele dia, o que te vi pela primeira vez. Fiquei alguns minutos observando você fazer caretas para o notebook e ingerir café. E eu ri bobo porque era a garota mais bonita que eu já vi na minha vida. E eu fiquei porque me reconheci em você.
— Jungkook… — sopra, desviando a atenção visual para uma enfermeira ao canto do corredor. Apenas para não olhá-lo.
É como ouvir uma confissão de reciprocidade instantânea. E é ridículo. Não pode ser. Ele beijou Jungkook.
— Jungkook é um narcisista. — afirma. E você ri, irônica. — Não, Bae — chama, alternando o tom —. Jungkook é um narcisista. Ele foi diagnosticado. — esclarece, deixando-a boquiaberta.
— Oh… — o som foge de você antes mesmo de tentar engaiolá-lo. E, por mais lamentoso que seja, também explica muita coisa.
— E nós não tínhamos algo. Não sentimental. É que... — coça a nuca, acanhado — Na primeira semana da tour, bem, nós… — você volta a encará-lo, interessada e duvidosa — Nós transamos com várias pessoas. E, uma vez, juntos. E foi uma loucura. Aconteceu de novo. Duas ou três vezes. Mas só.
— Vocês não… — sente suas bochechas esquentarem — Ficavam? Se envolveram, tipo, emocionalmente? — pende o rosto para o lado; os olhos levemente arregalados.
— Não. — diz, convicto. — Na verdade… — sorri, encabulado — Eu não me envolvi com ninguém desde a sexta-feira em que te conheci.
“— Você deve ser a garota do café. — outra voz soa atrás de você, que observa o moreno largado no banco, com uma guitarra sobre as coxas, pelo retrovisor.
— Bae. — Yoongi diz, ocupando o lugar ao seu lado e batendo a porta. — Ela tem um nome, assim como vocês. — olha-os pelo espelho convexo. — Vocês ainda lembram seus nomes, certo?
— É claro. — o terceiro diz, sorrindo de forma em que suas covinhas fundas se salientam. — Kim Namjoon. Prazer. — acena para você pelo reflexo no retrovisor. — Baterista e compositor.
— Jeon Jungkook. — o moreno se apresenta. Ele termina de ajeitar as cordas do instrumento em suas mãos antes de erguer o olhar e, nesse meio tempo, o carro começa a se mover, fazendo com que luzes externas o iluminem suficientemente para que você veja as tatuagens espreitando pelos ombro e braço esquerdos mal cobertos pela camiseta escura. — Vocalista e mais… tudo? — ri baixinho. — Espero que me perdoe pela indelicadeza anterior, Bae. — conclui, arrastando seu nome pelos lábios ornados com um piercing.”
Um arrepio corre em seu corpo à medida em que a memória se dissipa.
— Você ficou com Jungkook ontem. — traz o fato à tona.
O Min permanece inerte por alguns segundos, então assente. Ele umedece os lábios antes de continuar:
— A condição de Jungkook faz com que as coisas sempre sejam sobre ele. A diferença é que desta vez elas realmente eram — encolhe um dos pés em direção ao tronco, num deslizar lento e audível — Você se lembra da reunião com Dawon, certo? — assente, encorajando-o a continuar — Pois bem…
Seu interior torna a inquietar-se quando o ocorrido é mencionado. Recorda-se de Jongin e de ter visto Kim Taehyung pela primeira vez em anos. Acima de tudo, evoca a imagem de Jungkook lacrimejando ao lado de Yoongi.
Este flashback não é seu, no entanto:
“Namjoon e Yoongi sorriem entre palavras de determinação. Mais a frente, Seokjin experimenta a sensação de girar na cadeira de Dawon, numa amostra grátis de como é ser rico e poderoso.
Jungkook não estava tendo um bom momento como os outros, no entanto.
— Seus amigos estão animados — o mais velho da sala comenta, aproximando-se.
— Oh — sorri, concordando —. De fato. Não é todo dia que temos uma oportunidade dessas. — responde, mirando o estúdio a sua frente. Lá dentro, Jongin distrai-se enquanto pensa na morena que acabou de deixar a sala.
— É verdade — dá mais um passo em direção ao mais novo —. E não é uma oportunidade que possa ser desperdiçada. — cantarola, parando ao lado do mais alto.
— O que quer dizer? — franze o cenho, estranhando os tom e aproximação do superior.
— Quero dizer que — toca-lhe o braço, tirando um arrepio do Jeon —, se me entender bem, pode garantir que a oportunidade não seja desperdiçada e fazer com que todos saíam ganhando dessa. — desce a mão, parando-a na cintura do rapaz e deixando um aperto ambíguo ali.
Jungkook trava. Não é bobo; sabe o que Dawon quer dizer.
E ele nunca praguejou tanto por ser o cara mais bonito que conhece.
— Senhor, eu não sei se... — afasta-se, nervoso.
— Ah, você sabe bem o que acontece depois do “se…” — sorri; os dentes amarelados espreitando por entre a barba — Não acontece.
Jongin alarma-se. Ele deixa os instrumentos que estava organizando de lado para sair pela porta anti-som e indagar:
— Sunbaenim, está tudo bem? — mira Jungkook, sinuoso, ao mesmo tempo em que indaga a seu chefe.
— É claro — o Oh retorque. — Estávamos apenas encerrando a reunião. Pode conduzí-los para fora, por favor — indica a porta.
Jongin suspira, assentindo. Ainda que alheio ao que se sucedera, percebe certo peso no clima no momento em que Jungkook caminha até seus hyungs e os preocupa com o olhar assustado que carrega. Mas o primeiro sai pela porta e, deixando os garotos abalados para trás, vai até a garota próxima à janela.
E não saber do que o problema se trata ao apontá-lo para a mulher gera dezenas de outros.”
— Jungkook não sabia o que fazer. Ele demorou a dizer o porquê de estar chorando, só o fez ontem… Antes de você chegar. E a gente bebeu e fumou e riu da própria desgraça.
— E depois se beijaram — reafirma. O Min segura a respiração.
— Então a gente se beijou. — solta o fôlego — E eu não posso explicar isso porque ainda estou tentando entender como aconteceu — espalma as mãos na testa, rindo sem humor —. Acho que foi todo o álcool e a febre. Meu corpo estava me mandando um aviso de que eu tô ferrado e Jungkook estava falando sobre como nós dois estávamos. De alguma forma, aconteceu. E eu não pensei direito. Aí… — deixa os braços caírem ao lado do corpo — Aí você apareceu. E eu entrei em choque porque só aí percebi a merda que havia acabado de fazer. Achei que você iria embora, mas você… — fixa as orbes cansadas nas suas. — Você começou a tirar a roupa.
— Você está dizendo que a culpa é minha? — acusa, indignada, cruzando os braços sob os seios.
— Não — uma expressão confusa e dolorosa estampa a face dele —. Estou dizendo que não fui homem o suficiente pra me impedir, nem te impedir. E eu realmente sinto muito. — conclui, suspirando. — Muito, muito.
Você se cala. Os olhos medem o rapaz a sua frente e o coração erra a batida. Ele a fita com dor, angústia, arrependimento e…
— Eu peço desculpas. Desculpas porque te conheci e soube que, assim como eu, você nutria tédio pela própria vida. Desculpas porque eu deixei que você se perdesse comigo. Desculpas porque eu te coloquei nessa. Desculpas porque eu sei que não tenho como tirar. — fecha as pálpebras, deixando que a primeira lágrima corra pelo rosto alvo — Desculpas por uma porção de coisas. — volta a abrí-las, acertando-a o olhar como se este fosse a mais afiada das facas.
Você quase pode se sentir sangrando.
— Yoongi… — cicia. Seu peito aperta e mais gotas começam a espreitar por seus olhos, num claro choro iminente.
Os motivos do pranto, no entanto, não são tão notórios.
Sente angústia. E medo. Frustração. Carinho. Adrenalina.
Contudo não há rancor na lista.
Você varre cada parcela de si, buscando pela ira que a dominou por todo este dia. Porém não a encontra.
Não consegue guardar mágoas de Yoongi. E então entende; uma epifania a ilumina os pensamentos.
Yoongi foi a serpente que andou por seu jardim, seduzindo-a e conduzindo-a na busca pelos próprios desejos. Apresentou-a o Éden e então dizimou-o.
Porque você esteve no paraíso; ele inebriou-a os sentidos e coloriu-a os olhos. Você estava parada, caminhando por aí sem realmente arrumar coragem para adentrar o labirinto de seus desejos. Até ele aparecer.
E você entende. Não é culpa dele. Não é como se Yoongi houvesse mirado uma arma em sua cabeça e sussurrado: “perca-se”.
Queria perder-se. Necessitava. Sempre admirou o paraíso de longe e precisava experimentá-lo para dar-se conta de que… É irreal.
A sensação de estar perdido se assemelha aos céus.
É ilusório. Todo o falso poder que os horizontes inalcançáveis provocam; as guitarras caras e as drogas baratas.
Estar perdido é o primeiro passo para afundar. E, quando nunca se mergulhou, afogar-se pode ser confundido com nadar.
Tudo bem: você estava entediada. E odiava isso. Mal vivia com os dedos da letargia a apertando o pescoço, mas…
Você tinha um sonho. Tem. E não é um rapaz que vai levá-la até o mesmo.
— Não se desculpe por isso. — usa o indicador esquerdo para secar as lágrimas que teimam em cair. — Eu estou aqui porque quis estar, Yoongi. E…
— E? — estimula por uma continuação.
— Eu não me arrependo.
É verdade. E você não está livre. Não é como se todos os seus problemas tivessem se resolvido — pelo contrário, eles triplicaram — e agora você possuísse uma autoestima inabalável. Claro que não. Mas, finalmente, sabe por onde começar.
— Oh… — ele solta, surpreso. E quase sorri. Quase. — Fico feliz em saber disso.
Você o analisa outra vez: o corpo magro e a pele pálida. Entende a postura caída e os olhos opacos; entende o desespero pela vida e, ao mesmo tempo, o descaso.
E você não quer que ele se vá. Não desse jeito.
— Eu só… — comprime as pálpebras, pensativa. — Preciso entender mais uma coisa: a overdose.
— A overdose... — O Min sopra, assentindo. — Jungkook foi de encontro a Dawon depois de nós três. Ah… Você sabe. — assiste-o ruborizar. — E não sabemos o que aconteceu. Ele enviou uma mensagem avisando que iria encontrar Oh Dawon de madrugada, mas só a vi depois de atender um telefonema de manhã. Alguém do hospital estava ligando do celular dele. A overdose já havia acontecido. — suspira. — Não foi culpa sua, como Seokjin disse. Você sabe. Mas aconteceu. E depois de assimilar a informação, me virei para o lado para te procurar e você também não estava lá. — outra gota desce pelo rosto do baixista. E outra. E outra. — Jungkook está bem. Ele está estável há algumas horas, na verdade…
— Então… — franze o cenho — Por que estava chorando?
— Você realmente está me fazendo essa pergunta? — devolve, risonho. Não de uma maneira realmente engraçada. Você assente, impassível. — Porque eu te amo, Bae. — solta. E não a dá tempo antes de proceder — Porque eu estraguei a minha vida e provavelmente a sua. Porque Jungkook quase morreu e eu não conseguia parar de pensar se você ainda estava viva. Porque eu passei o dia te ligando e orando e, cara, eu nem acredito em Deus. Porque um cara finalmente me atendeu e até ele sentiu pena de mim quando decidiu concordar em te trazer aqui. Porque fiz você ir embora. E porque era óbvio que isso ia acontecer. Ninguém fica e, sendo sincero, eu também não ficaria. E… Acima de tudo… — torna a olhar para cima; os lábios tremendo e os joelhos balançando — Porque eu realmente queria que você ficasse.
— Yoongi — você dispara, sentindo seu coração bater tão rápido quanto a velocidade em que os vocábulos a atingem.
— Mas eu acho que você deveria ir embora. — ele aconselha, atropelando-a novamente. — Eu acho que você não deve ficar.
“— Você sabe o que é o amor? — a pergunta soa seguida do seu nome, que parece a mais bela das melodias nos lábios do rapaz.
Você ajeita a postura, desviando o olhar.
— Segundo qual filósofo? — é automático indagar, por mais que a situação não convenha. O seu cérebro está confuso e informações decoradas sempre foram seu refúgio em momentos de qualquer cunho: desde o desespero à letargia.
— Segundo você. — enterra o rosto entre seus cabelos, rindo baixinho. — O que é amor para a pensadora Bae? — mesmo a ironia ressoa como um eco deferente.”
Não deve. É claro que não deve. Sua faculdade e emprego e melhor amiga estão em Busan a esperando.
Seu corpo treme. Já está chorando outra vez e, francamente, não quer parar. Yoongi a mira por entre as gotas temerosas e você não sabe o que dizer.
Ele beijou Jungkook. É, isso. Ele beijou Jungkook. Mas você também beijou Jungkook... Droga.
Tenta buscar outros motivos para ir embora. Não é difícil, uma vez que seu cérebro grita o mais admissível deles: você.
Deve ir por si mesma.
Mas seu coração treme, contorce e chacoalha pelo rapaz a sua frente. Você sabe que ele diz a verdade. E está grata por tê-la ouvido. Se não estivesse bêbada, teria ido embora. Simples assim. Não teria tirado a roupa e nem baixado a guarda.
Entretanto, se houvesse ido embora naquele momento, não descobriria a verdade.
E nada é tão libertador quanto a verdade. Sabe que odiaria Yoongi pelo resto da vida se não a soubesse.
Não odeia, no entanto. Ama-o.
Seu coração treme, contorce e chacoalha porque você o ama. Maldita e ridiculamente. Completa e absurdamente: você o ama.
— Bae… — Ele volta a tomar voz. Você se encolhe. Caso colocasse certo esforço nisto, veria a lamúria que os olhos castanhos carregam: “Fique”. — Por favor, vá embora.
Você reluta, fitando-o com todo o tremor de suas emoções. Seu interior é explosão de sentimentos. Tenta respirar fundo, tenta pensar com clareza, tenta assumir o controle.
E, quando finalmente separa os lábios para deixá-lo saber sua decisão, sente que deu ao céu um inferno.
“And you'll feel better when you wake up, taking off your makeup.
Sun always seems to wash our fears away”
Fim.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.