A luz que Chanyeol via enquanto corria não era nada além do que a luz do hospital. Estava deitado numa maca, sentia isso sem precisar abrir os olhos. Sua visão ainda estava embaçada e aos poucos sentia seu corpo formigar e se arrepiar de frio. Realmente achou que tinha morrido e a vida após a morte era um sistema mentiroso, mas não passava de uma alucinação da sua cabeça, um mero sonho.
O Baekhyun que tanto falou com o ceifador Kyungsoo com certeza era fruto de sua mente também, talvez estivesse doente desde sempre e tinha inventado um evento trágico para justificar sua internação no hospital. Era como se fosse insano, seu sonho fantasioso sobre a morte representava isso e ele aceitava. Não estava doente, mas sim era doente. Queria rir de todos os eventos criados na sua cabeça; rir de vergonha por ter inventado tantas mentiras. Se casar com um homem perfeito e logo na lua de mel ambos morrerem num hotel luxuoso, seria um ótimo filme, não aconteceria na vida real, a fantasia começaria logo quando conhecesse esse tal de Baekhyun que era descrito como perfeito.
Ainda não movia um músculo do corpo. Queria sentir-se morto por alguns minutos a mais.
De olhos fechados, lembrava-se de sua família, pais divorciados, uma irmã bonita demais para continuar solteira. Ah, sua irmã, Yoora. Ela deve estar decepcionada com seu irmão doente que espalhou mentiras sobre sua vida ser maravilhosa como a dela. Talvez seja por isso que ela não o visitava, sua última lembrança com ela era eles dois se abraçando forte num lugar que Chanyeol não soube identificar, dava-lhe um beijo no topo da cabeça e se afastava dela.
Naquele momento de reflexão, pensava que seria melhor trabalhar eternamente para o Altíssimo sem memórias da sua vida terrena medíocre. Queria realmente que estivesse morto para evitar a vergonha da sua vida.
Ouviu um barulho de porta sendo aberta e imediatamente abriu os olhos assustado. Uma mulher vestida de branco, aparentemente enfermeira, apareceu paralisada na sua frente. Seus traços faciais eram aparentemente árabes, ou era mais uma de sua alucinação por ter inventado de morrer em Dubai. Ela falou alguma coisa que não conseguiu entender de forma alguma e abriu a porta para gritar algo. Uma segunda mulher com traços faciais e roupas parecidas com a dela entrou no quarto com um olhar curioso e se aproximou lentamente, como se estivesse lidando com um leão.
— Como está se sentindo? — A língua que usava para se comunicar era o inglês. — Sente alguma dor do corpo ou não sente nada?
Estendeu a mão em resposta de que conseguia se mover e que sentia seu corpo, só não sabia se expressar com palavras.
— Consegue me entender? — Perguntou. — Você é coreano, certo? — Chanyeol confirmou com a cabeça minimamente, mas o suficiente para a doutora ver. — Como está seu corpo? Alguma dor ou nenhuma? — As perguntas foram feitas em coreano.
— Me sinto normal. — Respondeu no seu idioma nativo.
Ela se aproximou ainda mais com a mão no bolso, buscando uma caneta. Inclinou um pouco o corpo para frente escrevendo alguma coisa num papel em cima da cabeceira ao lado de sua cama.
— Não sente nem dores no abdômen? Na cabeça?
Depois de ela ter falado sentiu algo pesar no peito, moveu lentamente os braços para puxar o lençol que o cobria para checar o que era. Uma espécie de livro estava ali, talvez tinha adormecido lendo aquilo que nem sabia do que se tratava.
— Para falar a verdade, não. Por que tantas perguntas?
— O senhor entrou em coma depois da cirurgia que fizemos. Não lembra do motivo que o deixou assim?
— Eu não estou num sanatório? — Perguntou intrigado.
A médica riu.
— Não, senhor. Está num hospital em Dubai. O senhor estava no atentado ao hotel Burj Al Arab e foi encontrado com vida tendo convulsões. Consegue se lembrar de algo?
As lembranças de minutos antes de ser achado vieram como um flash de luz.
Estava deitado no chão chorando por Baekhyun morto ao seu lado quando uma equipe de resgatistas apareceu no quarto de hotel, seguindo os rastros de sangue da Nikola, a garota que tentou salvar. Estendeu a mão pedindo ajuda com um sussurro, ouvindo pedidos para ficar acordado e não fechar os olhos de forma alguma.
Tinha reparado que não pegaram Baekhyun no colo como fizeram com ele, lembrava-se de ter pedido ajuda por seu amado também, mas o que fizeram foi cobri-lo com um saco preto, dando a entender que havia morrido. Em seguida não lembrava de mais nada, a memória seguinte era com Kyungsoo, que ainda jurava ser uma alucinação, de quando estava convulsionando.
— Sim, eu estava lá. — Disse, afirmando. — Eu me lembro de tudo.
— Isso realmente é um milagre para alguém que perdeu muito sangue. — Ela se animou. — Só... deixe entre nós que você se lembra de tudo. Vou anotar na sua ficha que você perdeu a memória.
— Por que, doutora?
— A imprensa vai ficar no seu pé te perguntando sobre tudo e, talvez, te acusar de estar envolvido com os ataques e tudo mais. — Explicou. — Devemos falar apenas com a polícia e pedir para deixar tudo em sigilo. Se o senhor quiser, é claro.
Chanyeol ficou parado por alguns segundos e em seguida concordou com a cabeça.
— Acho melhor fazer assim mesmo. — Sentia seu corpo respondendo ao sono que vinha. — Que dia é hoje, doutora?
Ela retirou o celular do bolso da calça e ligou a tela.
— Hoje é dia 31 de maio. — Sorriu de forma simpática. — Faz três dias que eu não durmo cuidando de você.
— Desculpe.
— Não se desculpe, senhor Park — a pronúncia de seu sobrenome estava perfeita —, você é um milagre dessa tragédia.
— Quantos sobreviveram?
A médica abaixou o olhar, mudando seu semblante por completo, aparentemente triste.
— Apenas o senhor... — Disse cabisbaixa. — Muitos vieram para o hospital, mas não tiveram sua sorte. Foi uma tragédia tão grande que foi denominada de Apocalipse pela mídia. Alguns funcionários do hospital acreditam que foi por falta de recurso para salvar tanta gente.
Chanyeol ficou perplexo querendo chorar por causa daquilo. Era impossível ser o único sobrevivente do atentado. Um nó se formou na garganta e as lágrimas desciam sem parar, escorrendo para seus ouvidos, por causa da posição de seu corpo, os soluços vinham tão altos que chegavam a ser assustadores.
— O senhor deve estar cansado. — Percebeu que seu paciente estava chorando. — Acabou de acordar do coma e vou providenciar sua transferência para um quarto normal. Qualquer coisa, mande a enfermeira me chamar, ela sabe um pouco de inglês. Tchau.
Naquele momento, Chanyeol só queria ficar sozinho, virou-se para o lado, sentindo o livro escorregar do peito. Fungou algumas vezes e limpou as lágrimas dos cantos dos olhos, pegando o livro em seguida para ver qual era. Estava escrito Livro da Vida.
Jogou o livro para longe e sentou na cama assustado. As lembranças que achava ser alucinações na verdade eram verdadeiras. Ele não era doente de forma alguma, só tinha vivido uma experiência única, que ninguém iria querer viver para se recordar depois. Estava desolado, seu mundo tinha acabado de cair. Estava na terra novamente, vivendo depois de ter ido para a Vida Eterna acompanhado de um ceifador de Elite.
Ah, meu Deus, o ceifador de Elite. Kyungsoo era real também. Ele poderia encontrá-lo na terra, afinal tinha poderes para fazer mal a qualquer um. Chanyeol estava desesperado e com medo. A qualquer momento milhares de ceifadores poderiam aparecer para arrastá-lo para o inferno.
Respirou fundo e se ajeitou para sair da cama, mas estava preso ao soro em sua veia. Retirou a agulha do braço e levantou, sentindo um frio absurdo por estar apenas com um avental de hospital e completamente nu por baixo. Pegou o livro que jogou no chão e o levou para cama consigo, determinado a não deixar nada nem ninguém tocar nele, determinado a protegê-lo a todo custo, sabendo que sua vida poderia depender dele se simplesmente o deixasse largado.
(...)
Chanyeol não sabia como tinha parado ali, mas estava no quarto de hotel que tinha reservado com Baekhyun. Olhou para todos os lados, procurando por alguma pista do que o tinha levado para lá. Entrou no banheiro e estava tudo normal; abriu o closet e a mesma coisa; olhou debaixo da cama e nem vestígios de poeira tinha. O quarto estava exatamente como encontraram quando foram para lá.
A porta principal do quarto se abriu e ele se assustou. Não tinha ninguém do outro lado, então a fechou, não sem antes dar uma checada no corredor, que estava vazio. Quando virou novamente, Baekhyun estava lá com uma expressão triste, prestes a chorar.
— Baekhyun…
Chanyeol não conseguia conter a emoção ao vê-lo novamente, apenas correu para seus braços e chorou na curva de seu pescoço. Achou que seria retribuído com um abraço, mas seu marido recuou.
— O que houve, Baek? — Perguntou angustiado. — Não está feliz em me ver?
Ele começou a chorar.
— Chanyeol… — Sussurrou. — Por que não me salvou?
Ele paralisou com a pergunta repentina.
— Como?
Baekhyun apontou para o chão e lá estava Nikola, ensanguentada e morta. O cenário se escureceu, a visão de Chanyeol ficou turva e ele pensou até mesmo que poderia desmaiar a qualquer momento, talvez vomitar ao rever aquela imagem.
— Você fez de tudo para salvá-la. — Disse. — E quanto a mim? Só me viu morrer na sua frente e não fez nada.
— Isso não é verdade, Baekhyun!
— Deveria ter me salvado, meu amor.
Um tiro foi disparado de algum lugar atrás de Chanyeol, antes que ele pudesse responder algo, e a bala acertou certeiramente Baekhyun na cabeça. Chanyeol se desesperou para socorrê-lo caído no chão, mas era tarde demais de novo. Chorou amargamente desejando ter ido em seu lugar, acariciando suas bochechas e deixando digitais de sangue por todo o rosto. O aninhou de forma desesperada, como se pudesse fazê-lo voltar à vida daquela forma, porém, no fundo, sabia que era a coisa mais inútil do mundo.
Acordou assustado num quarto diferente do que tinha caído no sono na noite anterior, pingando de suor, apesar do clima frio por causa do ar condicionado.
Sabia que o que tinha visto era um sonho, mas mesmo assim se arrependia de ter deixado Baekhyun morrer, se sentia muito culpado por não ter conseguido fazê-lo ficar acordado até o socorro chegar. Queria chorar o luto de seu marido, principalmente por ter sido o responsável por ter deixado os socorristas o cobrirem com o saco preto, não deveria ter acontecido assim.
Se culpava por tantos outros motivos também. A escolha do hotel, o dia do casamento, o dia da viagem, o dia do atentado durante sua lua-de-mel. Se não tivesse insistido tanto nessa coisinha idiota de sair ganhando ao escolher Dubai como o lugar mais lindo que queria conhecer, tudo seria diferente.
Uma enfermeira entrou em seu quarto sem bater.
— Bom dia, senhor Park. — Falou em inglês com pouco sotaque. — É muito bom ver que está acordado e se recuperando absurdamente bem.
— Obrigado. — Respondeu no mesmo idioma, já se sentindo apto novamente para usá-lo, aproveitando, também, para sentar na cama, um pouco incomodado por ter ficado tanto tempo deitado.
— O senhor tem visita. Não deixei entrar antes porque o senhor estava dormindo, mas já que acordou gostaria de recebê-las?
Assentiu com a cabeça fracamente, sentindo-se cansado demais para perguntar quem eram. A enfermeira deixou o quarto e voltou alguns minutos depois apenas para abrir a porta para deixar as pessoas passarem. A primeira foi Yoora e em seguida, sua mãe. Ambas desesperadas para vê-lo. Levantou da cama sem nem pensar duas vezes querendo abraçá-las.
— Senhor Park, por favor, permaneça na cama. — A enfermeira tentou pedir, mas ele já estava nos braços da mãe. — Vou deixá-los conversar, está bem?
Yoora respondeu por todos, assentindo com a cabeça até a enfermeira fechar a porta. Chanyeol pôde sentir o abraço em grupo da família, se sentindo confortado, podendo sentir o calor do amor delas o aquecer. Com as poucas forças que ainda tinha, apertou o abraço o quanto pôde, por estar preso a várias coisas desnecessárias para que ficasse grudado na cama o dia inteiro até melhorar.
— Mamãe, me perdoa. — Começou a chorar na curvatura de seu pescoço. — Eu não pude salvá-lo.
Soluçava sentindo a mão de sua mãe tocar-lhe no rosto, fazendo um carinho suave ali, deixando umas lágrimas bobas caírem.
— A culpa não é sua, meu querido. Aposto que ele está descansando em paz agora, e deve estar olhando para você, grato por tê-lo feito feliz até o último dia de vida.
Queria poder dizer para sua mãe que tudo o que falavam durante a vida dela, sobre as pessoas morrerem e irem direto para o céu descansar, eram mentiras, que não era bem assim, sem deixar a entender que ficou louco depois do coma.
— Yeol, não se culpe por isso, está bem? — Yoora aproveitou o breve silêncio para alisar as costas do irmão e lhe transmitir um pouco de conforto, sabendo que ele amava muito o marido. — Você está vivo, isso que importa.
— Sim, minha filha. Chanyeol… quando recebemos a notícia que você estava em… — fez uma grande pausa. — Coma… Pegamos o primeiro voo para cá.
— Tentaram nos impedir de vir porque todos os voos para Dubai estão cancelados por causa da tragédia, mas nós conseguimos na justiça vir para cá porque somos parentes do sobrevivente.
Chanyeol tentou segurar o choro.
— Dói demais.
— Você não imagina o quanto doeu em mim quando tive que cobrir a matéria do jornal, com a informação de que não havia nenhum sobrevivente, sabendo que você estava no Burj. — Yoora fazia um carinho em seus cabelos.
— Eu realmente não consigo imaginar você ao vivo sem ter um ataque de tremedeira. — Fungou e riu.
— Pois é, maninho. Mamãe não parava de chorar, tive que sair correndo do trabalho para consolá-la. Tive que ser a forte da família dessa vez. — O abraçou novamente. — Chanyeol, por favor me diz que você está de cueca.
— Não posso usar roupas estando internado.
Yoora se afastou com uma cara de nojo e deu a volta para encará-lo de frente. Chanyeol não imaginava o quanto ela sentia sua falta, mesmo só estando em Dubai há uma semana.
(...)
Depois de um dia alegre com sua família, Chanyeol não esperava mais receber visitas, nem imaginaria que seus melhores amigos viriam de tão longe para vê-lo. Passaram muito tempo conversando e zoando o avental que ele estava usando, mas, de repente, o assunto ficou tão sério que ele ficou distante. Falar sobre o atentado o deixava mal demais, por isso queria evitar de pensar a respeito.
— Deve estar sendo difícil lidar com todo o peso nos ombros sozinho. — Minseok disse.
— Acho que eu vou me acostumar com o tempo. — Respondeu. — Baekhyun já voltou para a Coréia?
Jongdae e Yixing trocaram olhares com Minseok para respondê-lo, mas ele não tomou a iniciativa.
— Ele foi enterrado enquanto você ainda estava em coma… — Jongdae respondeu num tom de voz triste.
Chanyeol sentia vontade de quebrar tudo ao seu redor por ter perdido o enterro de seu próprio marido, mas se conteve, preferiu não se desgastar, apenas respirando fundo de olhos fechados. Seus amigos perceberam sua amargura, no entanto, não o repreenderiam como faziam antes, queriam deixar que ele sentisse o luto.
— Entendi…
— Se houvesse uma forma de mudar o passado… — Seu amigo continuou, tendo a certeza de que estava tudo bem falar daquela forma. — Uma forma de… apagar algumas coisas com uma borracha para elas não acontecerem, talvez de voltar no tempo.
De repente foi como se uma lâmpada tivesse se acendido na sua cabeça. Chanyeol estava com seu Livro da Vida, que era tão poderoso que o trouxe de volta para a terra, para o mundo dos mortais, talvez pudesse ter o poder de fazê-lo voltar no tempo para mudar o destino que estava sentenciado no livro. Quando o abriu a última página estava em branco, mas o que isso poderia significar?
Preferiu por não cansar mais sua mente, apenas voltou seus pensamentos para seus amigos e puxou assunto:
— Yixing, você estava nos Estados Unidos, certo? Conseguiu que trabalho lá?
O rapaz chinês se surpreendeu por ter sido o alvo da conversa.
— Não é bem um trabalho… — Disse. — Meu grupo de dança foi convocado para dançar num musical da Broadway.
— Nossa, Xing, isso é maravilhoso! — Comemorou. Queria tirar o foco de si mesmo por um tempo, até porque não queria ser um pobre coitado que perdeu o marido e tinha acabado de sair do coma para sempre. — Como foi?
Minseok e Jongdae abaixaram a cabeça, e também Yixing, aparentemente triste.
— Não foi… — Respondeu. — Estou pensando em não ir no dia da primeira apresentação…
— Por quê?
Chanyeol insistia, mas quando percebeu que ele não queria falar sobre, se calou.
— Acho melhor a gente ir embora. — Minseok tomou a fala depois de um tempo. — Você precisa descansar, vai ser avaliado para receber alta amanhã. Vamos voltar para o hotel.
E foram embora se empurrando para passar pela porta o mais rápido possível, como se quisessem evitá-lo depois da conversa séria. Chanyeol tampouco se importava. Quando saíram, ele aproveitou o momento sozinho e entrelaçou os dedos no queixo, sentando na cama e reflexivo. Não se arrependeu do que falou, não queria ser o protagonista, na verdade, odiava o fato de ser o centro das atenções em qualquer situação.
Iria ter muito trabalho planejando o momento perfeito para voltar no tempo e consertar o que aconteceu. Estava com uma mistura de ansiedade e medo, mas iria encarar o que fosse, até os ceifadores de Elite se fosse necessário.
(...)
O voo de volta para a Coréia parecia ter durado mais tempo do que geralmente durava, principalmente para Chanyeol, que se calou por dias para pensar no seu plano detalhadamente para não ter erro algum. No avião, sentado com um desconhecido ao lado, passava a mão sobre seu livro, percebendo olhares curiosos do seu colega de poltronas. É claro que ele não deveria estar vendo, Kyungsoo disse que era feito de material espiritual e nenhum mortal conseguiria ver antes de ir para a Vida Eterna, por isso ele era o único com esse dom.
Ainda não tinha coragem para abri-lo novamente, por mais que sua curiosidade ardesse dentro de si. Seu temor era maior do que qualquer coisa, queria abrir na página desejada apenas quando fosse a hora, caso contrário poderia ser achado pelos ceifadores, que deveriam estar planejando uma caçada.
Quando o avião pousou em solo coreano, Chanyeol ignorou os pedidos de sua irmã para que fosse para casa de sua mãe, seguiu direto para a casa que mobiliou com Baekhyun alguns meses antes de se casarem. Sabia que as duas queriam ficar perto dele por causa do coma e da tragédia, ambas sentiam medo de perdê-lo, mas deveriam entender que ele precisava de espaço também, não era como se tivesse dez anos de idade, tinha quase vinte e nove.
Era um dia chuvoso em Seul, a tarde acinzentada trazia um clima melancólico e pesado. Chanyeol, protegendo-se da chuva com um guarda-chuva preto para representar seu luto, passou numa floricultura para comprar o buquê mais lindo de todos para a pessoa mais linda que conhecia. Orquídeas com tulipas eram as melhores opções, as favoritas de Baekhyun, depois dos girassóis.
Baekhyun sempre dizia que amarelo era uma cor linda, assim como laranja. Para ele, ambas as cores não simbolizavam alegria, como muitos diziam, mas sim vida. Ele sempre foi muito criativo, inventava significados de sua cabeça para coisas que já os tinham. O girassol era sua flor favorita justamente por estar voltado para o sol, em sua mente criativa, trazia o fenômeno para sua vida, através da mitologia grega, com um olhar positivo para a história.
Ele queria ser um girassol, mas mal sabia que já era um.
Baekhyun era cheio de vida, de energia, amor e positividade. Dizia que a vida era o bem mais precioso que alguém poderia ter, seja a sua própria ou a de qualquer outro. Todo mês de setembro, participava de reuniões em prol da vida, transmitindo sua vida para outros que precisavam também. Ele era a vida que salvava vidas, mas não teve a própria vida salva.
A partir de setembro de 2029 as pessoas não veriam mais a vida de Baekhyun, não sentiriam a graciosidade do rapaz cheio de vitalidade. Quem as salvariam?
Chanyeol achava que iria aguentar ver a lápide com o nome do seu amor escrito, mas quase não sentia o ar entrar em seus pulmões por causa do nó na garganta, as mãos trêmulas quase deixaram o buquê e a flor de girassol caírem. Lá estava escrito Byun Baekhyun na primeira linha; na segunda: nascido em 6 de maio de 2000, falecido em 29 de maio de 2029. A última linha fez Chanyeol parar de tentar segurar o choro:
“Que a vida te acompanhe na sua jornada pela eternidade. Sua vida é um girassol para nós. Aqui jaz um salvador.”
Se as pessoas soubessem que ele realmente tinha virado um anjo da guarda…
Ele se ajoelhou perante a lápide para deixar o buquê das flores mais belas encostado à ela. Ainda segurava o girassol na mão enquanto secava as lágrimas.
— Essa é sua melhor roupa para vir ao cemitério? — Minseok perguntou se aproximando. Ele vestia um terno preto parecido com de ceifador e segurava um guarda-chuva sobre a cabeça.
Seu amigo se referia a sua roupa despojada, calça jeans clara rasgada e uma camisa amarela.
— Baekhyun adora amarelo. — Respondeu com tristeza no olhar.
— Sabe... está chovendo e seu guarda-chuva está fechado, a lógica diz que você deveria se proteger para não ficar doente, especificamente recém-recuperado de três tiros no tórax e um na nuca.
Chanyeol se virou para respondê-lo e viu Jongdae e Yixing se aproximando do túmulo.
— Baekhyun realmente te influenciava. — Jongdae comentou. — Quem vai ao cemitério visitar o marido morto com essa roupa?
Yixing ignorava a conversa, veio o caminho inteiro rezando e ao se aproximar fez o sinal da cruz. Ele era católico e sempre via necessidade em fazer esses gestos. Seus amigos o conheciam perfeitamente bem para saber que ele não vivia se benzendo e rezando, ele tinha uma dualidade impressionante, era só subir num palco.
— Você fez isso umas noventa vezes no carro. — Minseok revirou os olhos. — Precisa mesmo fazer isso… — gesticulou o sinal da cruz. — Toda hora?
— Em primeiro lugar — Yixing rebateu. —, isso — repetiu o gesto. — É uma reverência. Eu termino a oração em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
— É uma frescura religiosa que nem vocês, fiéis, sabem o que significa.
Ambos iniciaram uma discussão, mas Chanyeol não se importou, desligou sua audição para ficar alheio àquilo. Não se importava de ver seus amigos brigarem infantilmente diante do túmulo de Baekhyun, deixaria Jongdae apartar a briga porque queria ficar só.
Sentou-se de pernas cruzadas de frente a lápide. A chuva deslizava por suas costas curvadas — não tinha ânimo nem para manter a postura ereta —, podendo lhe causar uma doença grave, mas não importava, sentia-se quase como um imortal.
Os médicos tinham se surpreendido com a rapidez que se recuperava, reagia bem aos remédios e, em dois dias depois de ter acordado do coma, já podia viajar de volta para sua casa na Coréia do Sul, coisa que seria impossível para uma pessoa normal. Já não sentia mais dor, frio, fome, nada. Ele acreditava que estava assim por causa de seu Livro da Vida, que o acompanhou na sua jornada de volta ao mundo dos viventes.
Passou a mão delicadamente na pedra, sentindo a ficha cair de que Baekhyun realmente tinha ido embora e que nunca mais voltaria se ele não fizesse alguma coisa para reverter isso, não somente para si, mas queria evitar aquela tragédia.
— Baek… — Falou com o pouco de voz que ainda tinha. — Se lembra… se lembra de quando nos conhecemos? Você falou que era impossível eu ser sua alma gêmea. — Riu, limpando o rosto das gotas de chuva que se misturavam com lágrimas, sem perceber que seus amigos o observavam conversar com aquela pedra. — E eu estava convicto de te deixar na zona de amizade para sempre, por não fazer o meu tipo e por odiar Star Wars.
Os três amigos lá atrás tinham parado para assisti-lo ter aquele momento íntimo, em dúvida se deveriam ir embora e deixá-lo sozinho, ou se ficariam para dar mais suporte. A última opção foi tentadora.
— Eu adorava jogar com você e ser apenas o seu amigo e nada mais. Eu nunca te contei o que me fez mudar de ideia, e sei que não pode me ouvir agora, porque deve estar ocupado demais. Mas… naquela festa fantasia da faculdade, ter te visto como um verdadeiro nerd popular me fez adicionar mais um item na lista dos motivos que eu devo ser seu amigo para sempre. Naquela noite eu li aquela lista de novo e rasguei. Sabe por que, Baek? Sabe...?
Ele soluçava sem parar. Seus amigos ouviam aquela história com os olhos cheios de lágrimas, mas não faziam barulho algum para não atrapalhar Chanyeol.
— Eu li cada item e tinha coisas idiotas demais, como: o jeito engraçado que Baekhyun come fazendo biquinho; seus lábios comprimidos quando quer falar algo que não deve; seu sorriso tímido quando recebia um elogio vindo de mim. Acha que eu não percebia, Baek? Realmente achou que sua linguagem corporal não falasse mais alto que seus gritos? — Acariciou a lápide como se estivesse acariciando-o pessoalmente. — Eu já te amava e não percebia. Que idiota eu fui, não? Por não perceber que eu sempre tive tudo ao meu lado.
Jongdae chorou mais alto. Como o confidente de Baekhyun sabia exatamente que aquilo tudo era verdade. Antes de seus amigos começarem a namorar, tudo era contado para ele, até mesmo que Baekhyun sentia borboletas no estômago quando Chanyeol o provocava dizendo o quanto estava lindo. Sabia até das coisas mais ocultas e íntimas de seu amigo e se recusaria a contá-las até mesmo depois de sua morte.
— Eu queria tanto ter ainda essa lista e ler para você no nosso casamento… Se lembra do nosso casamento? Foi o melhor dia da minha vida. Não sei se foi o melhor dia da sua vida, até porque todos os dias eram os melhores da sua vida…
— Por que você não repete a entrada no casamento? — Uma segunda voz entrou no monólogo. Era Minseok. — Ele fez um xilique porque queria que você se casasse de amarelo. Agora que está usando essa cor poderia repetir o que fez naquele dia.
Jongdae deu uma cotovelada de leve em Minseok, mas esse não pareceu se importar com a repreensão muda. Chanyeol até que tinha gostado da ideia. Era verdade que Baekhyun passou semanas insistindo para que ele usasse um terno amarelo no dia do casamento, mas seu único desejo atendido foi de que seu marido entrasse com uma flor de girassol em suas mãos.
Sem demorar muito, Chanyeol já estava de pé a dois metros da lápide, segurando o girassol na altura da cintura, os olhos cheios de lágrimas. Seus amigos se agruparam numa fileira ao lado do túmulo que fazia papel de altar naquela hora, protegidos debaixo do guarda-chuva. Parecia realmente como no casamento de verdade deles, até a ordem da fileira dos padrinhos era exatamente a mesma. Yixing novamente se benzeu e iniciou uma reza sussurrada.
— Olhe, Baek, estou de amarelo como nos seus sonhos. — Chanyeol disse, já não podendo mais conter a emoção.
Lembranças daquele dia lhe vieram à memória. Yoora surtava, como sempre, a respeito do girassol não ficar bonito no terno e ter que ser levado nas mãos enormes de seu irmão. Segundo ela, seria deselegante os convidados o assistirem entrar como se fosse uma noiva, e não o noivo. Ele realmente não se importava de como entraria, só queria se casar com o homem da sua vida, independente de sua irmã falar um monte de coisas incoerentes para justificar seus surtos por ter organizado o casamento dele.
Chanyeol sorriu, por mais que as lágrimas ainda não parassem de escorrer.
No silêncio, sem a música do noivo tocando como no seu casamento, começou a caminhar lentamente em direção a “Baekhyun”. Lembrou-se do quanto seu marido chorava ao vê-lo caminhar alegremente ao lado da mãe, aquela tinha sido a primeira vez que o tinha visto chorar compulsivamente em todos os onze anos que conviveu com ele.
A chuva que havia feito seu cabelo grudar na testa não dava trégua de forma alguma, pelo contrário, só atrapalhava sua visão por causa das gotas que cismavam em cair nas pálpebras para se misturarem com as lágrimas ao escorrer quando ele piscava. Mesmo com a vista embaçada, não parava de caminhar até chegar onde queria. Seus amigos já estavam muito emocionados, Yixing principalmente que não parava de soluçar.
A cada passo era uma emoção maior. Flashes de algumas semanas atrás, no ensaio de sua entrada, e até no dia de seu casamento, se misturavam com as cenas do presente. Cada flash era diferente, um era repleto de expectativa, o outro de emoção e euforia, já a realidade daquele momento atual era dolorosa e impossível de acreditar.
No dia do ensaio, a fazenda reservada estava vazia, as cadeiras da cerimônia estavam arrumadas, porém vazias no dia anterior ao casamento. Segurou na mão de sua mãe para acompanhá-lo ao altar, queria ter ensaiado com Yoora também, mas ela estava ocupada no trabalho. Baekhyun tinha implorado para não ver nada do ensaio para ser surpreendido e seu pedido não foi atendido, mas o espertinho conseguiu fugir. Um dia depois Chanyeol descobriu o motivo pelo qual ele não queria ensaiar, a verdade era que ele não queria chorar antes e nem depois.
Na entrada do casamento, Chanyeol deu um beijo no rosto de sua mãe e, em seguida, em sua irmã. Não estava no script do ensaio ele fazer isso, ele apenas sentia a obrigação de depositar um beijo de amor sincero em cada uma das mulheres de sua vida, como se fosse uma forma de agradecimento por elas não o terem rejeitado como seu pai o fez. Era eternamente grato pela família que tinha, agora com mais um membro, que era seu marido.
No presente cinza e chuvoso, depositou um beijo na flor de girassol e cavou com uma mão a terra para colocá-la.
— Baekhyun, você é o meu girassol.
Se afastou respirando fundo de olhos fechados, ainda não querendo processar que a realidade era aquela que estava vivendo naquele exato momento.
— Chanyeol… — Jongdae chamou sua atenção enquanto seu amigo estava cobrindo o rosto ainda.
— Me dê só mais um segundo, por favor.
— Acho que deveríamos usar esse segundo que você quer para correr. — Respondeu apressado. — Olhe os jornalistas.
Chanyeol ergueu o olhar e se deu conta de que vinha uma multidão de pessoas com câmeras e gravadores na sua direção. Quando se deu conta de que estava sendo o alvo fácil, correu disparadamente para a direção contrária, mesmo que a única saída fosse justamente de onde eles vinham. Seus amigos o acompanharam na corrida, por mais que a roupa social incomodasse um pouco e estivessem segurando cada um um guarda-chuva para se proteger.
Mesmo a muitos metros de distância, ele conseguia ouvir perfeitamente a multidão o chamar. “Senhor Park, Senhor Park!”. Não era como se ele fosse Jesus e os jornalistas os enfermos para ser chamado com tanta vontade.
Não sabia como tinha conseguido andar por duas horas em Seul sem ser perseguido por aqueles parasitas. Se sentiu como uma pessoa normal que estava fazendo coisas normais fúnebres para um ente querido — no caso, seu marido — até o momento de ser perseguido como se fosse a maior celebridade do momento e completamente livre de privacidade. Na sua frente tinha um muro enorme que cercava todo o perímetro do cemitério. Era pular aquilo ou ser sufocado pelo mar de jornalistas curiosos que mais pareciam detetives num interrogatório.
Yixing largou o guarda-chuva no chão e se agachou, entrelaçou os dedos pouco acima do joelho para ajudar os amigos a subirem, principalmente Chanyeol, que era o alvo deles. Sentiam-se como bandidos fugindo da polícia, suas atitudes traziam um gostinho de infância, os lembrando de quando eram pequenos e ágeis capazes de correr uma maratona sem cansar. Agora, já adultos, eram pesados e cansados, já estavam ofegantes.
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