Jimin gostou de ver Jungkook escovando os dentes ao seu lado pelo espelho. Assim como gostou de servir um copo d’água para ele na cozinha. E de como Jungkook segurou sua cintura quando voltaram para o quarto, o puxando para um beijo gostoso assim que fecharam a porta.
Droga, Jimin gostava. E mais do que deveria, obviamente.
Mesmo assim, caiu de costas em seu colchão, com Jungkook vindo logo por cima, unindo as bocas em mais um beijo sedento. Suas mãos buscaram os fios longos dele com uma naturalidade aterradora enquanto aprofundava o contato entre as línguas.
Suspiros entre os beijos. Corpos colados. O calor era tanto que não aguentavam mais a falta do toque da pele um do outro e tiraram as blusas, percebendo os membros endurecidos delineados pelas roupas restantes. Dessa vez, Jimin empurrou Jungkook para que ficasse deitado na cama e subiu em seu colo, esfregando as ereções logo depois. Esperava que a atitude aplacasse a necessidade avassaladora que sentia de continuar beijando seus lábios, acariciando seu cabelo macio e provando da quentura de sua pele.
Os beijos começaram a ser interrompidos por gemidos. Tudo era feito o mais silenciosamente possível, pois não estavam sozinhos no apartamento. Jungkook agarrou as coxas fartas de Jimin, ajeitando-o melhor em seu colo para que seu rebolar fosse ainda mais certeiro. A ereção dura, tão perfeitamente encaixada entre suas nádegas, fez Jimin suspirar. Queria livrar-se de todas as camadas de tecido faltantes.
Jungkook era menos cerimonioso; primeiro porque Jimin já não era completamente inexperiente e segundo porque sinalizou não gostar tanto assim da lentidão. E Jimin estava confuso com o ritmo. Mesmo que todos os toques de Jungkook fossem um tesão, sentia falta daquele seu jeito tão característico. Talvez gostasse de levar as coisas devagar também, só não sabia.
Afastou o beijo, endireitando-se do colo de Jungkook. Rebolou devagarinho enquanto dedilhava o abdômen forte e bronzeado, tentando desacelerar aquele ritmo que começou a estranhar. Queria prolongar o momento. Conhecia a limitação da presença — e dos toques, do calor e dos lábios — de Jungkook, tinha que aproveitar.
— Minnie… — chamou, puxando o rosto alheio delicadamente. Mordeu os lábios fartos, puxando-os para si antes de soltar. — Você disse que tinha vários brinquedinhos, né? Posso ver?
— Ah… Tem certeza que quer ver? — Jimin foi tomado por uma sensação desconfortável de vergonha. Nunca mais tinha tocado seus sex toys desde o incidente. Considerava-se sujo por tê-los, porém não foi capaz de se livrar. Ou, talvez, de abrir a gaveta e encarar mais aquele pedaço do Jimin antes do Minnie.
Jungkook não estranharia?
Jungkook não acharia nojento?
— Claro. — Jungkook riu. Trouxe o queixo de Jimin para mais perto com a ponta dos dedos, deixando um beijo leve no canto de seus lábios. Estranhamente, ele pareceu mais provocador do que qualquer beijo quente. — Se você quiser mostrar, eu quero ver. Quem sabe assim eu aprendo mais das coisinhas que você gosta?
As bochechas de Jimin formigavam em uma quentura mansa. Desacreditadas como o dono com como Jungkook parecia se importar. Contudo, era apenas sexo. Deveria parar de fantasiar sobre primeiras intenções. Agora, a ideia de buscar seus brinquedos e ter uma desculpa para esconder o rosto parecia boa. E assim o fez.
Jungkook sentou-se na cama, observando atentamente enquanto Jimin abria uma das gavetas de sua mesa de cabeceira. Um a um, retirou todos os vibradores, plugs e apetrechos, apoiando-os na cama, constrangido e receoso. Não se lembrava da última ocasião que tateou as superfícies aveludadas de silicone.
Acomodou-se do outro lado na cama, distante. Não se atrevia a olhar Jungkook, e o medo da reação dele crescia no peito. Será que Jungkook perceberia os traços da perversão nojenta que guiou sua vida naqueles objetos coloridos? Que aquilo era uma representação de tudo que fez e era de ruim?
— Você não tava brincando mesmo — Jungkook exclamou, impressionado, ao segurar um dildo azul incrivelmente grande e grosso no meio da vasta coleção. — Realmente nem tenho como competir em tamanho e grossura com esse amiguinho aqui.
— Desculpa… — Jimin quis morrer ao perceber, agora que ouviu de Jungkook, o quão horrível foi seu comentário durante a primeira vez deles. Qual era o sentido de comparar um pau normal com um pinto de borracha quase sobre-humano? Era ridículo. Jungkook só riu mais.
— Desculpa pelo quê?
— Por ter te comparado com isso… Eu… — Novamente, as palavras certas pareciam inexistentes. — Eu gosto do seu pau do jeito que ele é.
— Fofinho… — Jungkook soltou entre risadas divertidas ao ter o pênis elogiado. Jimin era um cara engraçado. — Relaxa, você só tava tentando me mostrar direitinho seus limites, né? Eu realmente achava que você tinha muito menos experiência do que tem, não se preocupa.
— Tá… — Jimin concordou, mas a vontade de desaparecer da face daquele planeta permanecia.
— Então, qual é o seu favorito? — Jungkook perguntou, passando os olhos pelos apetrechos. Havia alguns que nem conhecia, para ser sincero. Curioso por nunca ter visto uma ao vivo, pegou a coleira rosa entre as mãos. — Quer usar algum?
— Eu gostava desse aqui… — Jimin apontou o vibrador de glitter que mais usava, constrangido. Ele era muito melhor do que os outros, com vibrações incríveis. Era o mínimo, já que pagou uma nota.
— Parece bom mesmo. — Aquele vibrador claramente era um sex toy de muita qualidade. — Mais algum? Você tem tantos…
Encabulado, Jimin apontou para o plug anal que tinha um rabo felpudo na ponta. Possuía três plugs anais, mas aquele era seu favorito porque além do rabo, possuía vibração e o outro com vibração — o de bolinhas — não era tão divertido. Jungkook arregalou os olhos, pois ainda estava com a coleira rosa em mãos quando entendeu o contexto. Ficou um pouco amedrontado, porque caminhavam para longe de seu repertório sexual.
— PetPlay? — perguntou Jungkook.
— Não. Eu não gostava da parte do teatro, só da aparência.
— Minnie… Por que você tá falando tudinho no passado? — Notou desde o começo da conversa e não aguentava mais ouvir em silêncio. A pergunta simplesmente fugiu de sua garganta. — Você não gosta mais?
— Não sei… — Jimin murmurou, confuso. Não sabia. Não sabia nem se podia gostar depois de tudo que aconteceu.
— Se quiser parar de me mostrar…
— Também não sei se quero… — Jimin suspirou perdido. Quando que ficou tão sem respostas? Apesar do quê de estranhamento, Jungkook junto das suas sex toys não era uma visão ruim, ainda mais conversando com tanta naturalidade sobre elas.
— Por que, Minnie? — A única alternativa de Jungkook foi perguntar, já que ele mesmo não sabia como agir da melhor maneira. A confusão do Jimin era preocupante.
Jimin manteve-se em silêncio, olhando para as próprias mãos e pressionando os lábios um contra o outro, sem saber como explicar. Jungkook, ao observar tal reação, levantou-se da cama e começou a guardar os sex toys com cuidado de volta na gaveta que pertenciam.
Pouco mudou na cena. Jimin permanecia calado, sem saber o que sentir e pensar. Apenas assistia Jungkook em uma mistura incompreensível de frustração, confusão e medo talvez. Talvez de fato… não era certo gostar. Deveria jogar todos os sex toys, todos aqueles símbolos de sua perversão asquerosa.
Logo Jungkook sentou ao seu lado no colchão, e em vez de um olhar estranho e cheio de julgamentos, Jimin recebeu um beijo gostoso enquanto era acomodado no colo dele. Correspondeu de imediato, porque provar mais do calor alheio sempre parecia uma necessidade maior até do que ele mesmo.
— Desculpa, Minnie… — Jungkook acariciou os fios azuis entre os beijos, fitando os olhos de Jimin com atenção. E Jimin… Jimin sempre era capturado por aquelas orbes redondas e lindas, sempre caía no que parecia ser sua armadilha pessoal. — Quando você tiver certeza que quer, você me mostra, e quando tiver certeza que você gosta, a gente usa. Podemos fazer esse combinadinho?
— Sim… — Jimin suspirou, seu coração novamente acelerado com o tom de voz manso. Era ridículo abalar-se tanto com algo tão carinhoso e compreensivo. Se as palavras eram para acalmá-lo, por que seu peito agitava-se ainda mais?
— Combinadinho, então! — Jungkook sorriu, puxando Jimin para mais um beijo.
As mãos logo começaram a trabalhar também, e Jimin empurrou os ombros de Jungkook, porque adorava o jeito que o cabelo dele se espalhava pelos lençóis quando deitava. Jungkook riu e acariciou as costas dele.
— Minnie… posso fazer outra perguntinha?
— Hm…
— Você já pensou em… sei lá… — Afastou o olhar, meio nervoso. — Comer um cu?
— Claro que não! — respondeu de ímpeto, ultrajado. A expressão de Jungkook foi tomada de dúvida e Jimin calou-se e corou imediatamente porque aquilo era algo tão Jimin de se falar.
É, virar o Minnie não era tão fácil quanto pensava. Passou a vida inteira sendo aquele Jimin que não queria mais que lhe representasse.
— Por que não? — Jungkook continuou acariciando as costas dele depois de se recompor do susto, paciente e curioso. Jimin sentiu seu peito pesar com tanta compreensão.
— Sempre pensei em mim como passivo… Acho que nem tenho porte físico pra ser ativo.
— Porte físico?
— Uhum… Tipo você… é grande e forte… sem contar que é meu chefe. — Jimin tentou formular algo que fizesse sentido, mas percebeu que era difícil. A única coisa que sustentava seu argumento eram os exemplos que conhecia dos conteúdos que consumiu até então e… realmente não era uma boa referência.
— Ser seu chefe também me faz mais ativo?
— Acho que sim… Quem manda hierarquicamente tem que mandar na cama também, né…
— Ativo manda na cama? — Jungkook fez mais uma das perguntas que pareciam infinitas. Jimin pestanejou. Lembrou-se que já tinha dado ordens a Jungkook durante o sexo, que foram acatadas. Na verdade, no trabalho também vivia cagando regra na cabeça do CEO, que discutia e muitas vezes aceitava as sugestões.
— Acho que deveria? Não sei. Desculpa.
— Não é pra pedir desculpas! — Jungkook reclamou, descendo as mãos para acariciar as coxas ao redor de seu tórax. — Você tá respondendo minhas perguntinhas, eu que tenho que agradecer.
— Hm…
Jungkook pigarreou, novamente inquieto. Jimin prendeu o ar, esperando a nova bomba ser lançada.
— Minnie… e se eu disser que sinto muito prazer anal?
— Acho que é um pouco estranho? — Assim como Jimin nunca tinha se imaginado em uma posição diferente da de passivo (poxa, ele tinha até um bundão bonito, que era um pré-requisito nos yaois), nunca mesmo tinha parado para pensar em Jungkook sentindo prazer anal. Tudo soava muito estranho.
— Por quê? — Jungkook deslizou suas mãos para dentro da calça do Jimin e afastou a calcinha. Jimin empinou mais e suspirou satisfeito quando sentiu o dedo massagear bem onde queria. — O que você tem de diferente no seu corpo que eu não tenho? Por que eu não acharia gostosinho também?
— Não sei… — Jimin murmurou, meio chateado. Por mais que Jungkook estivesse expondo a falta de lógica no que acreditava, ainda era tão estranho. Completamente diferente de tudo que estava acostumado.
— Quer parar de falar disso? — Jungkook perguntou preocupado, e sentou-se para poder acariciar com a outra mão o rosto de Jimin, que suspirou baixinho.
— Parte de mim quer, porque é muito estranho pensar diferente. — Foi sincero. — A outra parte não quer porque eu acho que eu preciso ver o outro lado da situação.
— Entendi… — Jungkook beijou sua bochecha. — Não quero te pressionar a nadinha, tá? Não falei que eu gostava pra te obrigar a ser o ativo nem nada do tipo. É normal ter preferências, e eu me encaixo na sua também…
— Preferências?
— Uhum. Você prefere ser passivo, né? — Jungkook perguntou. Jimin não soube responder. Ele poderia dizer que preferia sem ter experimentado do outro jeito? Talvez. Ele sabia que não sentia atração por mulheres sem precisar se envolver com uma, era meio claro. O medo que ficava era se não experimentava porque realmente não queria, ou porque foi moldado a pensar que não queria.
— Qual é a sua preferência? — Jimin devolveu a pergunta.
— Hm… Passivo, eu acho. Tenho a sensação que meu orgasmo vem mais… intenso? — Franziu o nariz, pensativo. Como achou fofo, Jimin beijou sem querer. Ambos soltaram uma risada sem graça. — Mas eu gosto dos dois.
— Então você prefere ficar com homem? Já que você é… bi? — Jimin desviou o olhar, sem graça. — Posso perguntar?
— Claro, pode fazer quantas perguntinhas quiser. — Jungkook riu e enlaçou a cintura dele em uma espécie de abraço. — Eu mesmo tô fazendo um monte… Sobre minha bissexualidade, acho que não tenho muita preferência, não. Vai mais pelo contexto mesmo, fico atraído com quem convivo e me dou bem. Tipo… no começo da faculdade eu tinha várias aulinhas no ciclo básico, então eu convivia com mais mulheres e acabei ficando com mais mulheres do que homens. Quando o curso avançou, minhas aulas eram quase que só com homens, então acabei ficando mais com um cara.
— Ah… então assim que é bissexualidade?
— Pra mim é, pelo menos. Cada pessoinha é diferente, né. Tem bi que prefere um sexo específico.
— Mas se você prefere ser passivo no sexo, por que ficou tanto com mulher?
— Ué… isso não impede nadinha. Nadinha mesmo. Eu pedia pra elas, que nem pros caras.
— Pedia?
— Uhum… Tudo bem que pra rolar um sexo anal eu tenho que pedir mais pra elas do que pra eles. Com um cara meio que só com a dinâmica já dá pra rolar, sem pedir… mas acho que é porque muitas nem pensavam na possibilidade e outras tinham vergonha de sugerir. É foda porque tem muito homem que reage mal, né, ou nem quer falar disso, então as minas não tomavam muita iniciativa pra me comer.
— Mulher comendo? — Jimin sentia-se cada vez mais sem chão, começando a suspeitar que tudo era uma grande pegadinha do Jungkook. Mesmo assim, estava com tanta vontade de entender, e Jungkook falava com tanta tranquilidade, que sentiu abertura para perguntar mais. — Como assim?
— Como? Depende de você e da sua parceira, né… Pode ser com os dedos, com um vibrador, uma cinta… ou todas as opçõezinhas também. — Jungkook riu um pouco ao ver a reação espantada de Jimin. — Eu curtia pra caralho uma cinta… era um tesão.
— Que coisa… — Jimin murmurou, perplexo. Estava incomodado, e muito, mas se permitiu ruminar aquele sentimento. Por que ele ia ficar lutando contra a realidade e as experiências do Jungkook? Ele nem tinha nada a ver com elas.
— Informação demais? — Jungkook riu, afundando o nariz no pescoço de Jimin para deixar um beijo, fazendo ele arrepiar. — Desculpa.
— Foi… mas eu queria saber. — Jimin cedeu aos toques de Jungkook e deixou suas mãos passearem no peitoral e na sua pele quente. — Eu… só não sei se eu quero ser ativo…
— Não precisa querer, sério — Jungkook insistiu. — Na verdade, na verdade… vou ter que dizer que te acho bem ativo pra várias coisas, mas é porque eu acho que não gosto muito dessas palavrinhas pra definir quem vai penetrar e quem vai ser penetrado…
— Eu sou ativo? — Jimin fez uma careta.
— Às vezes. Quando você pede e dita o ritmo você não concorda que é o mais ativo da relação? Pela palavra mesmo, não pela posição…
— Hm… acho que sim. Desculpa… — Jimin percebeu que até mesmo na primeira vez deles, apesar do Jungkook ter iniciado e deixado ele mais à vontade, no final basicamente ele mandou e Jungkook fez. Mas não gostava de lembrar, porque não foi a dois.
— Por que você tá se desculpando? — Jungkook reclamou e deixou um beijo nos lábios fartos e apetitosos do parceiro.
— Ah… é que eu devia ser mais passivo…
— Por quê?
— Porque eu devia… acho. — Jimin não sabia como responder.
— Mas eu gosto… e você? Gosta quando eu sou um pouco mais passivo? Ou prefere quando eu tenho mais iniciativa?
— Não sei, acho que a gente não teve tantas experiências pra eu perceber… — Tentou agarrar-se à sua racionalidade.
— Ah, mas isso é facinho de resolver. — Jungkook riu maliciosamente. Deixou mais um beijo nos lábios de Jimin antes de voltar a deitar na cama. — O que você quer fazer comigo?
Jimin fez questão de tirar a bermuda do Jungkook e sua calça antes de acomodar-se ainda melhor no corpo dele. Admirou que a cueca e a calcinha combinavam, ambas brancas. Jungkook deu um sorriso safado tão lindo que encheu Jimin de vontade de beijar seus lábios, e não se negou àquela vontade.
Jungkook tinha feito uma pergunta difícil, porque Jimin percebia, cada vez mais, que queria fazer muita coisa com ele.
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— Bom dia! — Taehyung cumprimentou, feliz como um pinto no lixo quando Jungkook e Jimin foram até a cozinha comer algo.
Sentada ao lado dele, Yoonji não parecia tão animada, com a cabeça baixa. Mas pelo jeito que ela observava as próprias torradas com geleia, perdida em pensamentos, Jungkook notou que nunca a viu tão feliz.
Jimin também observou a cena com interesse, refletindo se Taehyung e Yoonji tinham transado. Era uma possibilidade inesperada, já que na noite anterior, só bastou Seokjin falar de beijo para que o casal quase desmaiasse. Ia perguntar, mas engoliu as palavras. Parecia ríspido. Parecia algo muito do Jimin, e não do Minnie, de fazer.
Taehyung parecia feliz, e isso deveria ser o suficiente. Jungkook, ao seu lado, parecia feliz pela felicidade dos seus amigos. Era assim que sentimentos bons funcionavam? Você ficava feliz com a felicidade alheia?
— Bom dia… — Jimin arriscou dar um sorrisinho antes de ir até a geladeira. Jungkook foi logo atrás, observando as prateleiras por cima dos ombros dele comicamente.
— O que você vai comer? — o CEO perguntou.
— Acho que cereal…
— Me vê o mesmo então, chef! — O pedido foi finalizado com uma risada. Afastou-se e foi pegar algumas tigelas, já que o lugar em que elas ficavam guardadas era um conhecimento adquirido de quando cozinhou junto com Taehyung, há vários meses.
Jimin entornou o leite e o cereal, Jungkook pegou as colheres e não demorou muito para que os dois estivessem ao lado do casal normal daquele apartamento, comendo e conversando alguma besteira como se fosse uma boba continuação da noite passada. Jimin ponderou se aquela tranquilidade afável continuaria sendo possível se o comentário que ameaçou escapar de seus lábios tivesse chegado ao seu destino.
Provavelmente não.
E o que ganharia com aquilo? Também não sabia dizer. Dificilmente existia algo a se ganhar em uma situação potencialmente constrangedora, nada além de acatar todos os comentários impulsivos que sua cabeça criava. E não precisava acatá-los. Daquele jeito era melhor.
— Queria comer uns bagulho de padaria, sabe? — Taehyung reclamou depois de um tempo e pratos vazios. — Sonho, pão francês, pão doce… um pedaço de bolo também, quem sabe…
— Tem padaria por perto? A gente pode passar lá rapidinho… — Jungkook fez um biquinho desejoso. — Agora que você falou, me deu vontade de comer um sonhozinho também… que crueldade, TaeTae!
— Como se eu fosse trouxa de ficar com a boca aguando sozinho! Tem padaria por perto, sim, a gente pode ir lá.
— A gente? — Yoonji, mais à vontade, resmungou. — Quatro pessoas indo comprar pão, é uma excursão, por acaso?
— Poderia ser, Yoonzinha — Jungkook brincou, fazendo um novo biquinho manhoso. Jimin não havia notado o quanto ele tinha aquela mania. — A gente vai de mãozinha dada, pergunta pro titio da padaria “o que é isso?” como se fosse uma viagem da escolinha pro museu. E sabe o que ele responde?
— Que é um pão? — Jimin arriscou, o tom de voz sério. Jungkook começou a rir.
— Exato! Ai, Minnie, você estragou a piada…
— Desculpa — respondeu imediatamente. Não achou a piada muito interessante, nem engraçada. Verdade seja dita, nem ele, nem Taehyung nem Yoonji acharam, porque era previsível e sem propósito claro, mas não queriam ter cortado o barato do Jungkook.
— Não desculpo! — Jungkook devolveu, e Jimin arregalou os olhos antes de perceber que era brincadeira pelo sorriso travesso em seus lábios. — Vai ter que me comprar uma caixinha de bombom toda vez que me pedir desculpas.
— Ah… — Jimin não soube muito bem o que responder. Taehyung foi ao seu socorro.
— Acho que eu e o Goo podemos dar um rolê na padaria. Somos os esfomeados daqui, e a Yoon não quer fazer parte da nossa excursão.
— Eu não disse isso… — ela resmungou baixinho, fazendo com que o enfermeiro risse e deixasse um beijo em sua bochecha. A mulher, normalmente pálida, ficou rosa.
— Pode ser! — Jungkook pareceu animado com a ideia de andar por aí e saltou da cadeira de pronto, espreguiçando-se. Jimin admirou a energia, porque ainda estava recuperando-se da transa de mais cedo… mesmo sem penetração, Jungkook sabia dar uma canseira. — Minnie, Yoon, vocês querem alguma coisinha da padaria?
— Bolo de chocolate. — Jimin foi categórico, fazendo Jungkook gargalhar. Taehyung, por outro lado, sabia até qual dos bolos de chocolate era, porque Jimin comprava-o fielmente, com bastante recheio e uma cobertura cremosa.
— E você, Yoon? — Taehyung acariciou os cabelos lisos, mas um pouco embaraçados da noite de sono da mulher, o olhar tomado de doçura enquanto esperava a resposta. Yoonji tinha certeza que iria morrer do coração com cada um daqueles detalhes. Não sabia lidar com tanto carinho.
— Eu não pensei em nada…
— De boa, vou escolher o pão que mais chamar atenção, bem bonitão assim. O pão dos pães, o finalista do American Next Bread. — Brincou.
Então ele e Jungkook foram para a padaria, deixando descuidadamente para trás Jimin e Yoonji, inimigos declarados. A mulher encolheu, um pouco apreensiva, porque não queria enfrentar o amigo do cara que ela gostava, ainda mais na própria casa dele. Desejou muito que Jimin não a provocasse para que pudesse continuar quieta.
— Posso pegar? — Jimin perguntou em um tom macio, apontando o prato na frente de Yoonji, sem mais nenhuma torrada. Ela assentiu, um pouco espantada com a ação. Observou em silêncio o de cabelos agora azuis recolher as louças da mesa e levá-las até a pia, começando a lavar.
— Quer ajuda? — Yoonji aproximou-se, ficando sem graça de comer na casa de alguém e nem ao menos lavar o próprio prato. Seu coração começou a acelerar de nervosismo e sua mente a recitar que não deveria estar ali. Não era lá um espécime de pessoa legal e agradável.
— Tá tranquilo, é pouca coisa — Jimin afirmou despreocupadamente. E realmente era, não fazia sentido cada um lavar a própria louça. Era melhor terminar tudo de uma vez por já estar com a mão na massa.
— Ah, sim… — suspirou, sem saber mais o que fazia. Pensou em sentar, mas não queria parecer acomodada, porém permanecer em pé seria estranho… Estava perdida. A movimentação confusa da mulher foi tão estranha que até Jimin percebeu e virou-se para olhá-la melhor.
— Por que você não coloca água pra ferver? — sugeriu ao entender o embate de Yoonji. Lembrou de si no bar, sem saber se deveria estar lá, muito menos o que fazer e como agir. E quis dar uma oportunidade de pertencimento, assim como a que Jungkook lhe deu. Foi tão bom, tão acolhedor… não sabia se poderia passar um sentimento bonito daquele para alguém, mas poderia tentar. — A leiteira fica aqui debaixo da pia, e o café e o coador naquele armário ali na direita. Ah, e a garrafa térmica tá em cima da mesa. Acho que seria legal se tivesse café pronto pra tomar quando eles voltarem.
— Claro. — Yoonji ficou genuinamente aliviada com a tarefa. Começou a buscar o que precisava para preparar a bebida, apoiando tudo na mesa ordenadamente.
Pegou a leiteira e aproximou-se de Jimin para enchê-la de água da pia, mas estava sem graça demais para interromper ou simplesmente usar usá-la junto dele como Taehyung fazia. Jimin sorriu de leve e deu um passo para o lado, abrindo espaço enquanto voltava a esfregar as louças para liberar a torneira para Yoonji.
Logo a água estava no forno e Yoonji checava o tamanho da garrafa térmica a fim de ver quanto café deveria colocar no coador antes de sentar-se e esperar pacientemente a água ferver. Observou as costas de Jimin, que já estava terminando de lavar a louça, deixando o olhar pousar nos fios azuis. Ele parecia tão diferente… será que o tinham trocado por um novo Jimin, só que de cabelo colorido?
Verdade seja dita, a mulher frequentemente ficava confusa com Jimin. Ele realmente parecia ter atitudes ruins, mas mesmo assim… mesmo assim morava com Taehyung e eram razoavelmente próximos — apesar de ter descoberto através de mensagens que a proximidade emocional era mais recente. Antes eram só dois homens que dividiam um apartamento.
Parecia ser um traste, mas mesmo assim estava muito próximo de Jungkook, tão próximo que suspeitava ter algo a mais entre eles. Até Seokjin nutria uma certa simpatia por ele… ninguém além dela reclamava. Ela esteve errada esse tempo todo? Ela se enganou ao enxergar no olhar de Jimin o mesmo desprezo daqueles caras da faculdade?
Jimin foi ao banheiro, e Yoonji passou o café, ainda imersa em pensamentos. Temia ter sido injusta aquele tempo todo, e o sentimento de culpa foi surgindo, ajuntando-se com aquele terrível que carregava desde o dia da UP4U. Será que se não houvesse julgado de antemão as intenções de Jimin ao vê-lo com Seunghyun, seria possível resgatá-lo antes que experienciasse um episódio tão traumático? Provavelmente carregaria aquele peso na consciência até sua morte.
Logo Jimin voltou, e ambos ficaram sentados nos bancos da cozinha em silêncio, sem saber o que falar agora que estavam a sós. A tagarelice de Jungkook e de Taehyung nunca fez tanta falta. O silêncio não era confortável nem hostil, talvez simplesmente sem jeito.
Jimin observou Yoonji, que por sua vez fitava as próprias mãos. O cabelo liso estava embaraçado e os olhos bem desenhados, ainda pesados de sono. Jimin encarou o suficiente para perceber, surpreso, que Yoonji era bonita. Passou tanto tempo pensando mal dela e procurando formas de desqualificar todas suas ações que não tinha nem percebido com sinceridade sua aparência. Taehyung amava uma mulher linda, apesar de duvidar que tal fato tivesse motivado os sentimentos do seu amigo. E aquilo era o mais frustrante, ser incapaz de enxergar os outros motivos.
Era ignorante, e talvez não conseguisse compreender Yoonji nem mesmo se ela explicasse, porque lhe faltavam conhecimentos básicos para abrir aquele tipo de porta. Suspirou, sem saber o que fazer, e nervoso em ter que encarar o desconhecido novamente. Era desconfortável e contra todos os pensamentos fáceis que deixavam sua vida tranquila.
— Yoonji… — chamou por fim. A mulher levantou o olhar, curiosa sobre quais palavras eram dignas de quebrar todo aquele silêncio. Talvez expulsá-la de sua casa por estar deixando um ambiente familiar desconfortável? — Como é… como é ser mulher?
— Ah… — Yoonji arregalou os olhos, o ar já longe de seus pulmões. Pestanejou lentamente antes de deixar o olhar vagar pela sala de estar do pequeno apartamento, buscando a melhor forma de dar uma resposta, porque parecia uma pergunta sincera, mesmo vindo de forma tão inesperada. — É difícil dizer… Não é fácil, mas… eu tive que lutar muito por essa palavra, sabe? “Mulher”. Agora quero abraçar as dificuldades.
— Quais são as dificuldades?
— São tantas… — Yoonji riu sem humor. — A gente existe em um mundo feito pra homens, então é de se esperar que seja difícil se encaixar aqui. Assédio… tanto sexual quanto moral… Enfim, são pautas constantes, como uma sombra aterrorizante que nos persegue.
“Se eu estou na rua, tenho medo de um homem me abordar e tocar em mim, ou quem sabe pior. Tenho medo de ser tratada com falta de respeito, com palavras que me resumem a um mero pedaço de carne à mercê das vontades alheias. Na faculdade já me empurraram para vários cantos, e eu nem ia em festa… me empurravam em cantos e sempre me olhavam com desprezo e tentavam me rebaixar. Como se eu não pudesse estar na Computação, como se duvidassem constantemente que eu era capaz de me formar, mesmo que meu desempenho fosse muito melhor…”
— Toda mulher passa por isso?
— De alguma forma… Os cenários são diferentes para cada uma e então a gente vai percebendo que não pertence a esse mundo de formas diferentes. E… minha vivência como mulher é… Bem, acho que você deveria falar com outras.
— Entendi…
— Eu gosto da Up por causa disso, sabe? — Yoonji confessou em um murmúrio. — É o primeiro lugar que eu sinto que existe espaço para mim. É irônico já que quem criou esse espaço desse jeito foi o Goo, e ele é homem, mas… é por isso que eu amo aquele moleque. Seria tão bom se tivessem mais pessoas como ele no mundo…
Jimin assentiu silenciosamente, compartilhando da admiração por Jungkook, mesmo que seus motivos tivessem passado longe de reconhecer a existência de um ambiente confortável para mulheres. Até então achava ruim ter tanta mulher por lá, principalmente nos cargos de liderança que tinha mais contato em seu trabalho como estagiário do Coração.
Era irônico ele ter criado esse conforto para mulheres, mas não mais do que a forma que era genuinamente admirado pelos outros e mesmo assim… mesmo assim sentia-se miserável porque achava que era egoísta. Definitivamente, Jungkook era um homem estranho.
— Me desculpa, Jimin — Yoonji pediu com a voz quase inaudível. O estagiário virou-se para fitá-la, confuso.
— Por quê?
— Eu te julguei errado… Criei uma inimizade com você porque eu tinha a impressão de que você era meio machista, fui infantil.
— Não foi errado, Yoonji. — Jimin assumiu um tom especialmente sério. Apertou os punhos e baixou os olhos, envergonhado. — Eu realmente sou machista… talvez até algo pior. Sempre achei você e as outras mulheres na UP2U… indesejadas. Achava que vocês davam em cima dos homens descaradamente, que eram promíscuas e um obstáculo. Também achava vocês incapazes, assim como os homens da sua faculdade… Eu pensava assim, de verdade. Parte de mim ainda pensa. Se eu dissesse que não, seria mentira. Mas eu sei que esses pensamentos não fazem sentido.
Yoonji arregalou os olhos em silêncio, apesar de não ter certeza de que estava surpresa. No fundo, até aquele presente momento de culpa e arrependimento, considerava Jimin um nojo de pessoa. E, por algum motivo, vê-lo admitindo em voz alta que era mesmo, amaciou seu desprezo.
Ficou ainda mais espantada quando viu lágrimas escorrerem pelas bochechas dele, apesar da expressão continuar firme e estática. A casca de indiferença continuava, porém o miolo sensível tentava escapar. Admitir em voz alta doeu em Jimin. Perceber a irracionalidade de todos seus pensamentos também, porque sempre jurou que ao menos era uma pessoa racional. Mas seus pensamentos não faziam nenhum sentido.
— Yoonji, será que eu mereço uma outra chance? De pensar as coisas de uma forma diferente? Eu não quero carregar isso comigo… — suplicou, mesmo que soubesse ser estúpido fazer-lhe tal pedido. Por que Yoonji o responderia sendo uma mulher, tendo sido vítima de seus piores pensamentos? — Eu não acho isso certo mais.
— Não carregue então, Jimin — Yoonji respondeu simplesmente, porém séria. As palavras de Jimin pareciam sinceras e ela corresponderia. — Acho que nesse quesito não entra a questão de você merecer ou não uma chance. Você tem que mudar, Jimin, o mundo não merece. Pode parecer meio tarde, mas… antes tarde do que nunca.
— Sério?
— Sim… Acho que é normal, infelizmente… — Yoonji suspirou. — Até nós mulheres pensamos mal de outras sem motivo. Nutrimos essa rivalidade feminina estranha, que claramente vem do machismo... Acho que todo mundo precisa aprender que não é certo.
— Vocês também?
— Sim. Pergunte isso às outras mulheres da Up… Se elas já trataram outras mulheres como inimigas, como você confessou fazer. Chega a ser triste.
— Entendi… vou perguntar. — Jimin suspirou fundo, percebendo que tinha um longo caminho pela frente. Pousou seu olhar em Yoonji mais uma vez, firme ao seu lado, contando experiências com as quais não parecia confortável, mesmo que fosse tão quieta. — Obrigado, Yoonji.
— De nada… — Ela aceitou o agradecimento, pois tinha esforçado-se. — Sobre não achar que merece uma segunda chance… Eu acho que nós temos que mudar e melhorar, Jimin, principalmente pelas coisas ao nosso redor e não apenas por nós mesmos. Acho que você não precisa transformar isso em uma condição que te impeça. Apenas pense de forma diferente se é o que parece certo. Se você merece ou não colher frutos dessa mudança de perspectiva é outra história.
— Isso é verdade… — concordou, ainda tinha muito a aprender. Com a Yoonji e com as outras mulheres da UP2U. — Não cheguei lá ainda…
E voltaram a ficar em silêncio, porém dessa vez as coisas pareciam mais no lugar. Não exatamente no lugar que deveriam, mas caminhando em direção a ele. Caminhar para chegar lá ainda era melhor do que nem reconhecer tal destino.
Yoonji deixou seu olhar pousar em Jimin com uma tranquilidade inusitada, satisfeita em ver mais uma pessoa despir-se de preconceitos, como ela mesma teve que fazer. Como vários outros que se mostraram preciosos a ela fizeram. Não sabia o que tinha mudado em Jimin, nem o porquê, mas queria acreditar naquilo.
E foi passar o café, tentando selar no aroma característico a promessa de uma evolução que ninguém deve merecer, apenas trilhar.
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