IV
Cebola estava encrencado.
Já fazia uma semana desde que aquele sonho nojento que tivera envolvendo Do Contra havia acontecido e, desde então, ele era atormentado por sonhos parecidos com aquele todas as noites. Cebola simplesmente não conseguia entender o que estava acontecendo e muito menos como era possível aquilo estar acontecendo, ainda mais tão de repente; até duas semanas atrás, ele odiava Do Contra com toda a sua alma e não queria vê-lo nem pintado de ouro em sua frente, qual era o sentido de tudo ter mudado tão subitamente e agora ele ter sonhos constantes com o mesmo? E pior: sonhos românticos e, algumas vezes, até quentes.
Cebola se encontrava sentado na arquibancada do ginásio enquanto pensava em sua atual situação. Suas pernas tremiam e seus dedos tamborilavam freneticamente em suas próprias coxas, em sinal de ansiedade. Ao longe, ele poderia ver o resto da classe em mais uma aula de educação física se não estivesse tão focado em acompanhar cada mínimo movimento de Do Contra com os olhos. Não era nada difícil encontrar o garoto contrariado no meio dos demais, uma vez que ele era sempre o único a fazer as aulas de moletom — mesmo que o professor insistisse para que ele o tirasse.
A imagem de Do Contra treinando sem aquele moletom ridículo do Red Hot Chilli Peppers e usando apenas uma regata assim como o resto dos meninos passou pela mente de Cebola por rápidos segundos e o garoto logo apressou-se para esquecer daquela imagem. Porém, já era tarde demais: Do Contra novamente havia invadido todos os seus pensamentos, fazendo-o fantasiar sobre coisas que ele jamais imaginaria pensar de outro garoto.
Com certeza seria interessantíssimo ver Do Contra usando somente uma regata.
Cebola estava profundamente confuso com tudo aquilo. Ele havia virado gay de repente? Ou ele simplesmente sempre fora, só não sabia? E se ele sempre fora, por que só tinha começado a sentir essas coisas agora? E por que nenhum outro garoto o atraía além de Do Contra? Quer dizer, até atraíam, mas não tanto quanto ele.
Quanto mais perguntas sem resposta surgiam em sua cabeça, mais confuso Cebola ficava.
O ex cinco fios se contentava em ter apenas uma pergunta respondida se ela lhe respondesse exatamente como tudo tinha acabado daquele jeito. Já fazia uma semana desde que ele não conseguia fazer mais nada além de secar Do Contra disfarçadamente — ou, às vezes, nem tão disfarçadamente assim — por todos os cantos. Tanto faz se eles estavam no refeitório, na sala de aula, na aula de educação física ou até mesmo no vestiário; todos os lugares eram lugares propícios a encontrar Cebola observando Do Contra ao longe, como um verdadeiro psicopata.
Ele nem ao menos conseguia mais jogar videogame em paz; sempre perdia feio em todas as partidas simplesmente por não conseguir parar de pensar em Do Contra.
— Careca, 'cê 'tá bem? — Cebola ouviu a voz de Cascão se aproximar e o viu subir as escadas da arquibancada, sentando-se ao seu lado em seguida. — Não vai jogar com a gente? — perguntou, um pouco ofegante.
— N-não. — Cebola respondeu. — Não estou me sentindo muito bem hoje.
— Até parece. Toda aula de educação física você fala isso. — Cascão cruzou os braços. — Se bem que, parando pra pensar, já faz mó tempão que você 'tá pior, meio... Borocoxô. Que que 'tá pegando, hein?
— Você só 'tá delirando, eu 'tô normal. — Cebola suspirou, desviando o olhar do garoto para os colegas novamente.
— Já faz uma semana que você 'tá assim tão mansinho. Não gosto de te ver assim tão, sei lá... Triste? É estranho. — Cascão formou um bico em seus lábios, ainda de braços cruzados. — Cadê o Cebola poderosão, que vive xingando os outros e que inventa umas parada muito louca? Tem noção que faz uma semana que você não tenta dar em cima da Mônica e nem me dá um simples tapinha? E pior: faz uma semana que você não pega no pé do pobre do Do Contra!
Cebola desferiu um tapa no topo da cabeça de Cascão, que o pegou de surpresa e o fez grunhir.
— Satisfeito agora?
— Eu não disse que queria ganhar um tapa, idiota. — Cascão resmungou e empurrou o ombro de Cebola, sem colocar muita força. — Mas é sério, cara, o que 'tá rolando contigo?
— Não é nada.
— Eu te conheço desde que a gente era bebê, Cebola. Você pode até driblar a Mônica e a Magali, mas a mim você nunca vai conseguir. — o ex sujinho salientou. — Fala aí, 'tô curiosão já.
— Eu 'tô bem, caralho! — Cebola se exaltou, impaciente. — É só cansaço, sei lá! Eu não sei que porra que 'tá acontecendo comigo e só quero ficar no meu canto quieto e sozinho por pelo menos um minutinho... — bufou. — Será que seria possível ou é muito difícil pra você me deixar em paz?
Cascão abandonou a expressão descontraída, dando lugar a uma que parecia um misto de frustração com tristeza. Ele deu de ombros e levantou-se, em silêncio.
— Beleza, então.
Cebola suspirou arrependido assim que observou Cascão descer as escadas de volta para o jogo, sem nem olhar para trás uma última vez. Ele se auto xingava todas as vezes que fazia ou falava alguma besteira que acabava deixando Cascão bravo ou chateado. Tudo que ele conseguia pensar nessas situações era como podia ser uma pessoa tão ruim ao ponto de deixar até seu próprio melhor amigo mal de alguma forma. Ele estava uma bagunça internamente, mas isso não justificava ser um completo idiota com os outros.
Não muitos minutos depois, o sinal do intervalo tocou e então todos os alunos começaram a se dirigir até os seus respectivos vestiários para voltarem à sala de aula. Cebola permaneceu sentado na arquibancada sem manifestar qualquer movimento, ainda mais após notar que Do Contra fora o único dos meninos a continuar no ginásio.
Seus olhos ágeis e espertos acompanhavam cada movimento que o contrariado dava; até que, surpreendentemente, o mesmo retirou o moletom que vestia por alguma razão até então desconhecida e, para a surpresa de Cebola, ele não estava usando nada por baixo.
Do Contra estava totalmente sem camisa bem em sua frente.
O coração de Cebola começou a bater aceleradamente. Gotas solitárias de suor desciam de seus cabelos em direção às suas costas e seus olhos continuavam fixos no abdômen desnudo de Do Contra durante aqueles poucos segundos que pareceram passar como décadas. Felizmente — ou infelizmente, dependendo do ponto de vista —, a cena não durou muito tempo e logo DC estava novamente usando seu moletom suado, só que dessa vez virado do avesso — o que Cebola acharia extremamente nojento se não estivesse tão ocupado comendo-o com os olhos.
Como era de se imaginar, as imagens de Do Contra sem camisa já marcavam presença em suas memórias, enquanto Cebola encontrava-se em choque e boquiaberto, tentando digerir a cena.
— Fecha a boca antes que entre algum mosquito, Cebolinha! — Do Contra zombou lá de baixo e então caminhou para fora do ginásio enquanto ria.
Cebola engoliu em seco. Ok, ele estava secando Do Contra descaradamente e, de zero a cem, existiam noventa e nove por cento de chances de ele ter sido flagrado bem no ato. Se isso de fato tivesse acontecido, havia acabado de passar pela, provavelmente, maior vergonha de toda a sua vida; nada teria como ficar pior... Certo?
Cebola estava mais encrencado que nunca.
—X—
— Ei, DC!
Do Contra levantou a cabeça da mesa no mesmo segundo e suspirou aliviado ao não ver nenhum professor em sua frente, e sim Magali, que segurava seu caderno rente ao peito, parecendo esperar por algo.
O garoto bocejou sonolento e coçou os próprios olhos, tentando despertar de seu ligeiro cochilo.
— O que rolou?
— A professora de história passou uma atividade em dupla e ela mesma escolheu as duplas... — Magali fez sinal para sentar-se ao seu lado e Do Contra cedeu espaço. — Ela colocou a gente junto.
— Ah, que legal. — o garoto disse, sarcástico. — Essa professora é um saco.
Ele não estava mentindo; absolutamente todos os alunos odiavam a professora de história, até mesmo Do Contra, que costumava gostar dos professores renegados.
— Nem me fala. Essa mulher me dá calafrios. — ela revirou os olhos.
— É pra fazer o quê? — DC perguntou. — Assim, não sei se você notou, mas eu não 'tava prestando muita atenção no que ela disse...
— É, eu percebi. — Magali riu. — É pra responder as questões da página trinta e sete. A professora vai escolher algumas pessoas aleatoriamente e elas vão ter que falar a resposta que a dupla deu. Ah, e depois a gente tem que entregar as respostas escritas.
— Nossa, que dinâmica criativa! Só é idêntica a todas as outras aulas dela... — Do Contra ironizou mais uma vez. — Ela atingiu o ápice da criatividade dessa vez e-
— Maurício Hiromashi e Magali Fernandes! — o barulho da régua batendo contra a mesa e a voz alta da professora chamou a atenção de todos da classe. — Sem conversinha paralela, não foi isso que eu pedi que fizessem!
— Desculpe, professora... — Magali sorriu torto. — Desgraçada, arrombada! — complementou aos sussurros, arrancando uma risada de Do Contra.
— É tão estranho te ver falando palavrão.
— Por quê? — a garota perguntou. — Não venha me dizer que é porque eu não tenho cara de fazer isso porque você não tem ideia do que eu sou capaz de fazer.
— Eita! — ela riu.
— Vamo' fazer essa coisa logo antes que ela reclame de novo.
Não demorou para que os dois passassem a resolver as questões em conjunto. Magali não era muito boa em história, em contrapartida a Do Contra, que tinha história como uma das matérias mais fáceis para si; então, no final das contas, ele acabou ajudando-a em algumas partes e ficou decidido que ela seria a responsável por escrever as respostas, afinal sua letra era infinitas vezes mais legível que a dele.
Enquanto Magali escrevia, Do Contra observava Mônica de longe, fazendo a atividade com Carmen — diga-se de passagem, fazendo tudo sozinha, já que Carmen parecia estar mais concentrada em lixar as próprias unhas do que ajudá-la. Ele riu sozinho pensando que provavelmente a dentuça estava espumando de raiva e se segurando ao máximo para não puxar Carmen pelos cabelos.
Do Contra acabou respirando fundo, derrotado. Fazia uma semana desde que havia dado a tal poção de Nimbus para ela de "presente" e, até aquele momento, nada parecia ter acontecido. Não tinha um indício sequer que denunciasse que ela havia tomado a poção, ou que a poção havia surtido efeito.
O contrariado estava quase totalmente convencido que tinha dado tudo errado e que não deveria ter criado tantas expectativas em cima de uma simples poção. Essas coisas nem eram reais, certo? Além do mais, havia sido uma tremenda burrice ter dado o frasco com a poção como presente; existiam grandes chances dela nem ter bebido. Quem seria o louco de beber um suco rosa com brilhinhos dado por uma pessoa que você nem tem tanta proximidade?
Era basicamente impossível fazer alguém se apaixonar por si com uma poção.
— E como vai você? Cascão, Cebola... a Mônica? — ele quebrou o silêncio entre os dois, ganhando a atenção de Magali.
— Ah, eles vão bem. — Magali sorriu amarelo. — Eu, Cascão e Mônica estamos bem. Cebola anda meio esquisito, mas não deve ser nada. Ele fica assim às vezes, meio caladão e distante, logo passa. E, aliás, falando na Mônica, ela adorou o seu... Presente.
Claro que Magali omitiria a parte de ter ouvido Mônica surtar de raiva por horas e horas por ter ganhado um mísero frasco vazio, além de dizer que odiava Do Contra com todas as suas forças; ele certamente não ficaria feliz em saber que a garota não tinha curtido o seu presente.
— Que bom, eu fico feliz. — Do Contra sorriu de volta e, ao que viu Magali voltar a atenção a lição, desmanchou o sorriso e suspirou.
Aquilo era a confirmação que ele precisava; Mônica provavelmente havia bebido a poção, porém nada tinha mudado. Ela continuava sem se importar com ele e Do Contra continuaria sem ter seus sentimentos correspondidos.
O contrariado afundou o rosto nas próprias mãos, exausto. Não tinha mais nada que pudesse ser feito além de aceitar que nunca ficaria com Mônica. Restava-lhe apenas aguentar as provocações e pirraças de Cebola até que os dois começassem a namorar.
Se bem que, falando em Cebola, ele realmente parecia esquisito como Magali disse, ele pensou. Já fazia alguns dias que o ex cinco fios não fazia nada para tentar irritá-lo — e não era por falta de oportunidades, pois elas existiam de sobra. Do Contra até acreditaria na possibilidade de ele talvez ter desencanado, porém, se tratando de Cebola, ele duvidava e muito.
DC procurou Cebola pela sala e, assim que o encontrou, seus olhares se encontraram; mas, não por muito tempo, já que o ex troca letras logo virou o rosto e desviou, parecendo constrangido.
O contrariado franziu as sobrancelhas, confuso e curioso. Por que Cebola estava olhando para si? Por que ele virou o rosto envergonhado e não lhe mostrou o dedo do meio, como faria em dias normais?
Do Contra não sabia se ficava triste por possivelmente nunca ter o amor de Mônica, ou encucado com o fato de Cebola parecer tão estranho.
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