Depois de me certificar de que tudo estava em ordem e fechado, tranquei a porta dos fundos da floricultura com alguma dificuldade, já que carregava o buquê nos braços, e caminhei até minha casa nos fundos.
Durante o pequeno trajeto, observei com certa tristeza que minha horta estava praticamente morta, e a luz amarelada do fim da tarde que batia nas folhas secas intensificava esse fato. E eu gostava tanto de mexer na terra...
É, estava mais do que na hora de contratar alguém pra me ajudar na floricultura. Já fazia um bom tempo desde que Hideo tinha ido embora, e por mais que Yu falasse que não se importava em me ajudar o tempo que fosse necessário, eu não iria fazê-lo perder todas suas férias e dias de folga ali comigo.
Passado era passado, e minha vida seguia em frente.
Abri a porta de casa e logo Kimi estava se roçando entre minhas pernas, quase me fazendo perder o equilíbrio.
— Oi bebê. Já te dou comida, espere um pouco! — Ri com seus miados desesperados, como se fizesse anos que não comia.
Eu deveria era deixá-lo sem ração, já que o safado havia se aproveitado do momento em que fui atender um cliente a tarde para comer o resto do bolo que Uke trouxera pra mim.
Hunf. Como se eu realmente conseguisse ficar bravo com aquela bola de pelos fofa.
Larguei as flores de qualquer jeito no sofá e fui tratar do bichano, antes que alguém ligasse para a sociedade protetora dos animais dizendo que eu estava matando o gato com resquícios de tortura.
Depois de tratá-lo voltei pra sala, e já quase ia tirando a camisa com a intenção de tomar um banho antes de jantar, quando meus olhos pousaram no buquê jogado no estofado.
Eu realmente não sei por que não desmanchei aquilo e vendi as rosas novamente.
Há sim, porque Uke me ameaçou caso eu fizesse isso.
Mas... A verdade era que eu não quis jogá-lo fora. Eu poderia muito bem tê-lo feito, primeiro porque nenhum dos morenos descobriria e, segundo, Yu-kun não iria de fato me machucar caso viesse a saber.
Talvez... Só talvez eu tivesse gostado daquilo. De ter ganhado algo de um homem tão bonito como Shiroyama-san.
Não que eu não soubesse que não fora bem ele quem tivera a ideia do buquê, já que nem pagar ele queria, mas... Mesmo assim...
Suspirei frustrado. Sabia que não deveria me iludir mais com aquilo. Shiroyama-san tinha tentado ser gentil, mesmo que tivesse sido com a ajuda do amigo.
E não pude deixar de sorrir ao me lembrar do baixinho, o Takanori-kun. Ele era um amorzinho, sem dúvidas. Ele sim deveria dar um bom partido... Se não me lembrasse tanto uma criança. Não teve como eu não me espantar quando o loirinho me disse que já tinha 24 anos.
Eu não tinha dado nem 20 pra ele, a julgar por seu rosto e tamanho. Mas com certeza a pessoa que ficasse com ele teria muita sorte...
Percebi que ainda estava parado no meio da sala e resolvi ir para o banho logo, mas mais uma vez meu olhar caiu sobre o sofá. Caído perto do arranjo estava o envelope roxo. Com a correria na loja logo após o almoço eu até tinha me esquecido dele.
Andei calmamente até o móvel e peguei o cartão, mordendo o lábio tentando imaginar o que o baixinho tinha escrito ali. Mas minha curiosidade me impediu de ficar muito tempo assim, logo abrindo o envelope e tirando o pedaço de papel branco dali de dentro.
Numa caligrafia eu diria até infantil — mas que não me espantou, levando em conta quem escrevera o bilhete — apenas uma frase, talvez mais infantil ainda:
“Ele está solteiro.”
Ri, negando com a cabeça e devolvendo o cartão para o envelope, deixando-o junto com as flores e indo para o meu quarto. Aquilo se encaixava bem com o perfil do baixinho, e eu queria só ver a cara do moreno se soubesse o que o amigo tinha escrito.
E, enquanto me despia e entrava no chuveiro, cheguei a uma conclusão: Eu estava pensando demais ultimamente.
—☆—
Após a ducha rápida vesti um shorts e uma regata previamente separados e voltei pra cozinha. Sem dúvida uma das melhores partes do início da primavera era aquela brisa fresca que soprava ao início da noite.
Peguei o pote com comida pronta na geladeira e arrumei um prato, colocando-o no microondas. Eu não era muito bom na cozinha, então... Geralmente era Yu quem cozinhava pra mim desde que... Hideo tinha ido embora.
Bom, a comida do meu amigo moreno era melhor mesmo.
Esperei alguns instantes após o apito do microondas para abrir a porta, pegando de lá meu prato e espetando o garfo na comida. Minha mãe definitivamente não gostaria nada de me ver fazendo aquilo. Sorri com a lembrança. Ela sempre me dizia que era falta de educação.
Fui até a sala e me sentei a pequena mesa, começando a comer calmamente, reparando que comer com talheres às vezes era mais prático do que utilizar hashis. Eu havia começado com essa mania após ver alguns filmes americanos, e desde então vinha testando algumas coisas simples.
Como comer de garfo e faca.
Depois de algumas garfadas, parei lentamente de mastigar, observando novamente o buquê de rosas largado. Algumas das flores já estavam começando a reclamar da falta d’água, mesmo que o vento estivesse levemente úmido nesses dias.
Ainda tentei voltar a comer, mas não consegui ignorar o fato de que o que eu estava fazendo parecia horrível.
Eu tinha ganhado as rosas, afinal de contas. Não poderia deixá-las morrendo em meu sofá.
Ignorando uma voz chata que gritava em minha mente que eu estava me iludindo, fui até a cozinha e voltei de lá com um vaso antigo cheio d'água. Peguei as flores com cuidado e as arrumei no vaso, deixando-o em cima do balcão da sala.
Voltei ao meu lugar, olhando as flores e sorrindo satisfeito.
Estava muito melhor daquele jeito.
—☆—
Yu-kun tinha chego mais ou menos uma hora com meu almoço, se desculpando pelo atraso. Eu apenas sorri e agradeci, já que nem ao menos tinha reparado nas horas e nem que estava com fome. Comi rapidamente, e depois passamos a tarde toda arrumando enfeites e arranjos.
A semana havia passado rápido, principalmente com tantas encomendas para fazer. Eu podia me gabar de ter uma boa clientela, e com a chegada do fim de semana — e de um casamento para decorar — as coisas tinham sido bem corridas.
Tanto que eu não tivera muito tempo pra pensar no machucado em meu braço, nem no moreno, nem no cão. Apenas me lembrei disso tudo quando Takanori passara ali dois dias antes, apenas para dar oi. Ele não tinha ficado muito, disse que já estava atrasado e que tinha que ir.
E com o tempo curto, também não tinha tido muito tempo para achar alguém para me ajudar. Até tinham aparecido algumas pessoas interessadas na vaga, mas nenhuma delas havia me agradado. Todas tinham se interessado apenas no emprego e no salário, e não na profissão em si.
Não que eu estivesse atrás de uma pessoa que gostaria de passar a vida toda cuidando de flores, como eu, mas... Pelo menos gostar do que iria fazer era um grande avanço. E, infelizmente, nenhum dos candidatos que vieram até ali pareciam se encaixar neste perfil.
— Eu já disse que você não precisa correr com isso. Eu posso muito bem te ajudar até você achar alguém ao seu gosto. — Uke repetiu enquanto me ajudava com os arranjos.
— Eu já disse que não, Yu. Veja só: véspera de fim de semana e você aqui, entocado comigo, com pólen da cabeça aos pés. Devia é ter feito como o Aki e ido aproveitar a noite. — Disse novamente, assistindo o moreninho se embolar com os laços. Peguei a fita e lhe mostrei como se fazia, logo voltando para o meu próprio.
— Obrigado. Mas você sabe porque o Aki não ficou. No momento, garanto que ele está esticado no sofá, trocando compulsivamente de canais. — Yu sorriu, e apenas neguei com a cabeça, sabendo que muito provavelmente ele estava correto.
Akira não era muito de sair, principalmente se isso indicava muitas pessoas no mesmo local. Ele apenas tinha dado uma desculpa qualquer porque não quis admitir que tinha alergia a pólen, bem como qualquer outro pó, na verdade. O loiro era muito reservado, e tinha essa mania de não querer “admitir suas fraquezas”.
Como se eu não o conhecesse praticamente desde o berço.
— E o Shiroyama? — Uke perguntou do nada, arrumando o arranjo pronto na mesa junto com os outros. Senti minha face corar.
— O que tem ele? — Tentei não mostrar que o assunto me incomodava.
— Você o viu mais alguma vez depois de tudo aquilo?
— Não...
— Pois devia ir vê-lo. — comentou despreocupado, pegando outro ramo de flores e começando a arrumá-lo. Ainda o encarei por um tempo, tentando saber suas intenções. — Na pior das hipóteses, ganhará um novo amigo.
O moreninho tinha perguntado sobre as flores quando cheguei no outro dia carregando o buquê. Dei uma desculpa qualquer sobre a pessoa não estar em casa, e só contei tudo o que tinha acontecido mais tarde, quando Aki já tinha ido embora.
Não que eu não confiasse no loiro ou algo do tipo, mas... Ele era bem ciumento, e eu sabia que ele ficaria com certa raiva de Shiroyama-san.
Então, enquanto estava deitado no colo do Yutaka devorando os manjus que o moreno trouxera e assistindo mais um dos filmes água-com-açúcar-americano de minha coleção, acabei por desabafar tudo.
Eu não sentia mais falta do Hideo. Eu já tinha superado essa parte.
Mas era inevitável não se sentir sozinho após passar quase dois anos morando com alguém. Já fazia quase oito meses desde que tudo havia acabado, mas eu ainda me sentia frustrado ao acordar sozinho na cama todas as manhãs.
Era como... Como se eu não tivesse sido o suficiente para a nossa relação, por mais que estivesse mais do que claro para qualquer um que aquilo não daria certo. Talvez o nosso erro tivesse sido querer transformar a amizade em algo mais. Nós éramos muito parecidos. Até demais.
Na verdade, havia sido quase um milagre aquilo se estender por dois anos.
Uke sabia como eu me sentia, por isso não deixava que eu ficasse sozinho por muito tempo, sempre indo me visitar e me ajudando. Ele era um anjo na minha vida, e eu nunca poderia lhe pagar por tudo o que fazia por mim.
E, depois de minha conversa com ele naquele dia, ele sabia que eu havia me interessado no moreno com piercing, por mais que eu não tivesse admitido isso diretamente.
De qualquer jeito, não era como se eu precisasse fazer isso pra ele saber. Yu conseguia me ler de uma maneira que nem eu mesmo conseguia.
Por mais que eu tivesse o chamado de louco quando ele sugeriu a idéia de chamar Shiroyama pra sair pela primeira vez, eu... Havia realmente pensado naquela possibilidade. Mas eu simplesmente não sabia como fazer isso.
Não depois do começo tão tumultuado que tivemos.
Suspirei, voltando minha atenção para o arranjo em minhas mãos. Amanhã alguém iria ter a sorte de se casar, e tudo deveria estar maravilhoso. Já que eu nunca poderia realizar aquele sonho, eu faria com que os sonhos dos outros fossem tão perfeitos como eles imaginavam.
Como eu gostaria que o meu fosse.
— É... Talvez eu... Vá visitá-lo.
—☆—
A manhã havia sido exaustiva. Depois de decorar uma igreja inteira, ainda tinha arrumado o enorme salão de festas.
A noiva deveria gostar muito de flores.
Coloquei o último ramo em seu lugar, arrumando-o como os outros.
Afastei-me observando todo meu trabalho, satisfeito com o resultado. Tudo estava exatamente como eu planejara, de acordo com as vontades da noiva, mesmo que com meus toques pessoais.
Depois de avisar o responsável que tudo estava pronto e que eu voltaria mais tarde para retirar os enfeites da igreja, saí do salão e fui até “meu” carro. Na verdade, o carro negro não era meu, e sim de Akira.
Bom... Estava mais do que na hora de eu comprar um carro também. Algumas encomendas não tinham como serem entregues de bicicleta ou moto, de modo que eu pegava o carro de um de meus amigos emprestado. Além da minivan alugada, no caso de eventos grandes.
Não que eu gostasse de fazer isso, eu ficava até envergonhado de ter que pedir este tipo de favor. Mas eu tinha que admitir que minha vida ainda estava uma bagunça.
Respirei fundo, prendendo o cinto de segurança e tentando ligar o rádio, pensando que uma música me acalmaria. Mas o rádio do carro tinha tantos botões que demorei em visualizar um quase imperceptível “Power” no canto superior esquerdo do aparelho, camuflado entre tantos outros. Apertei o tal botão, quase morrendo do coração quando uma música pesada e extremamente alta começou a tocar.
Eu havia me esquecido de quem era o carro.
Com alguma dificuldade, consegui abaixar o volume do som, não sem antes trocar de rádio algumas vezes e desregular a equalização do aparelho.
Enfim consegui colocar em uma música calma que passava em uma rádio qualquer, e manobrei o carro pra sair do estacionamento. Eu tinha algumas boas horas antes de ter que voltar para a igreja, e não estava com a mínima vontade de ir pra casa, onde eu muito provavelmente me jogaria no sofá e dormiria.
E, ao parar num semáforo, a conversa da noite anterior me veio a cabeça. Eu... Poderia mesmo visitar o moreno. Quem sabe me desculpar pelo meu jeito rude, ou sei lá... Eu tinha visto umas coleiras bonitinhas, poderia comprar uma nova pro Kimi.
Sem pensar mais, virei à esquerda e segui para a loja de Shiroyama-san. Pois eu sabia que se pensasse muito acabaria desistindo.
Pouco menos de meia hora depois eu estava estacionando cuidadosamente rente ao meio fio, e depois de descer e trancar o carro fiquei observando alguns filhotes brincarem na vitrine.
Era mais do que claro que eu estava enrolando para entrar no estabelecimento, e isso era uma atitude extremamente infantil.
Respirei fundo — pensando como essa técnica extremamente simples realmente funcionava — e arrumei os cabelos, para então entrar devagar na loja, observando o lugar a procura do moreno. Não demorei muito pra encontrá-lo atrás do balcão.
Mas, ao contrário das outras vezes, ele parecia estar... Completamente abatido. Era perceptível que ele estivera chorando mais cedo, e isso me fez sentir estranho por dentro.
— O-oi... — Sussurrei praticamente, olhando o outro largar o telefone no suporte e tentar sorrir, mesmo que não tivesse conseguido.
— Oi Kou... Takashima-san. Eu estava tentando ligar agora mesmo pra você. —Ele fungou, limpando o rosto e saindo de trás do balcão.
Franzi o cenho. Ligar pra mim?
— É que... Bem... — O moreno tentou começar a falar, vendo que eu não ia fazê-lo tão cedo. — Tem a ver com o Kuro e...
— Há. O que tem seu monstro? — falei sorrindo, tentando brincar com o outro.
— Bem... o monstro morreu hoje.
Encarei-o perplexo, tentando assimilar suas palavras secas. Eu devia estar com a boca aberta, mas não liguei muito pra isso no momento. Como assim, aquela bola de pelos gigante tinha... morrido?
— Mas você não precisa se preocupar, não teve nada a ver com a sua mordida. Ele fugiu hoje mais cedo e uma carro acabou atropelando ele e... — Yuu desatou a falar, provavelmente por causa de minha reação.
Mas é claro que eu não estava me importando nem um pouco com a mordida. Eu não estava nem aí se teria que tomar outras injeções.
A questão era que... Kuro tinha morrido.
E... Ele não era um monstro, de fato. Ele até que... Era fofo.
E eu sabia que Yuu o adorava.
E eu não podia me imaginar sem o Kimi.
— Kouyou-san, vocâ não vai pr... — Num ato completamente impensado, abracei o moreno que havia se aproximado pela minha falta de reação, sentindo as lágrimas escorrerem por meu rosto. Na verdade, agarrei descreveria melhor.
— Eu... Não queria... Nunca quis... — Um choro desesperado me invadiu, me fazendo soluçar e me agarrar ainda mais ao outro. Eu não saberia dizer com que cara o moreno estava, mas... Eu não conseguia pensar nisso no momento.
Eu nunca teria imaginado que aquilo pudesse acontecer. Por mais que eu tivesse xingado e tudo mais o cão, eu não queria que nada acontecesse com ele. Só de imaginar que o Kimi também poderia... Um frio percorreu minha espinha, me fazendo arrepiar.
Senti sua mão hesitante tocar minha cintura, me abraçando também, e a outra logo estava em minha cabeça, acariciando meus cabelos num carinho gostoso.
— Hey... Calma... — Ouvi sua voz soar suave em meus ouvidos, mesmo que estivesse mais rouca que o de costume, e aquilo aos poucos foi me acalmando, meus soluços diminuindo.
Ficamos mais alguns minutos abraçados, meus rosto enterrado em seu pescoço, minhas lágrimas ainda molhando sua camiseta até que parassem por completo de escorrer.
— Tudo bem? — Perguntou baixo quando minha respiração voltou ao normal, sua mão apertando de leve minha cintura.
E eu estava bem. Aquele choque da notícia já havia passado.
Mas... Eu não queria largar de seu corpo.
Primeiro porque ali em seu abraço quente eu me sentia protegido, como se nada pudesse me atingir. E segundo... Eu estava completamente corado, e isso nada tinha a ver com o choro de antes.
E eu não sabia se deveria agradecer ou matar Yutaka pelo conselho.
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