O barulho de gravetos esmagados sob pés revelou a Jensen que havia alguém atrás dele. Ficou paralisado, o ar preso nos pulmões, o medo lhe causando um frio na barriga. Será que os anjos da morte o tinham encontrado?
Ele ainda não tinha decidido qual seria seu próximo movimento, quando ouviu:
— Caramba! Isso foi divertido!
Jensen reconheceu a voz cantarolante. Vencendo o pânico, deu meia-volta.
Mal pôde acreditar no que via. Jason montado nas costas de Osric, com as pernas em volta da cintura do vampiro.
— Desmonta, anda. Abre os olhos. Encontramos Jensen.
Jensen se desvencilhou dos tornozelos de Jason e empurrou-o das suas costas, sem desviar os olhos de Jensen.
— Você está bem? — Osric perguntou a Jensen — Seu coração está disparado. Alguma coisa errada?
Mesmo com o pânico ainda correndo nas veias, Jensen não pôde deixar de sorrir. Eles vieram. A emoção encheu seu peito e formou um nó na sua garganta. Mesmo contra a vontade, as lágrimas umedeceram seus olhos.
— Você deixou que ele subisse nas suas costas? — Jensen perguntou, esperando que não notassem suas lágrimas.
— Ou eu fazia isso ou teria que esperar por ele. É mais lento do que uma tartaruga de três pernas com urna bengala quebrada.
— Não sou, não! — discordou Jason.
— É.. sim! — Osric contrariou-o.
Jensen tentou engolir o bolo na garganta.
— O que foi? — Jason e Osric perguntaram ao mesmo tempo, acabando com as esperanças de Jensen de que não tivessem notado sua emoção.
Mas quem disse que ele se importava? Não era a primeira vez que o viam chorar.
— Desculpe a gente por não ter vindo com você — falou Jason, cutucando Osric com o cotovelo. — Você nos desculpa?
— É — continuou Osric. — Você está bem, mesmo? Seu coração está batendo rápido. Super-rápido. Numa velocidade sobre-humana.
Jensen piscou novamente. Ele de fato se sentia estranho, mas não era uma sensação ruim.
— Estou bem. Pra dizer a verdade, mais do que bem agora que vocês duas estão aqui. Obrigado. — As palavras vieram com sentimento e mais lágrimas toldaram sua visão.
Osric deu de ombros.
— Ah, tudo bem, se eu morrer ou algo assim, volto pra assombrar você.
— Não se preocupe — disse Jason para Jensen, com um meio sorriso. — Se ele começar a assombrar você, tenho um feitiço que fará com que fique preso no purgatório por pelo menos uns dez anos.
Osric fingiu encarar Jason com uma falsa carranca e depois estendeu o braço e agarrou o cotovelo de Jensen.
— Venha, vamos sair à caça de alguns anjos da morte.
— Posso subir nas suas costas outra vez? — perguntou Jason, esfregando as mãos.
— Não! E se você contar a alguém que te dei uma carona, quebro suas pernas. Não vou sair por ai levando todo mundo para dar uma voltinha.
— A menos que seja um gato, certo? — perguntou Jason, com uma risadinha.
— Pare com isso! — retrucou Osric, enquanto Jason ria mais ainda. Jensen olhou para os amigos e percebeu que, pela primeira vez em vários dias, ele ouvia Jason rindo.
— Adoro vocês, meninos.
— É, nós sabemos — respondeu Jason, e os três começaram a andar.
O bom humor aos poucos foi diminuindo com as sombras escuras das árvores.
Eles caminhavam sem falar. Um pássaro piou ao longe e o vento sacudiu as folhas. Jensen achava que estavam indo na direção certa, pois Osric não abria a boca e já tinha dito a Jensen que era capaz de encontrar a cachoeira só ouvindo o barulho da água.
Enquanto avançavam, contornando e às vezes atravessando a vegetação espessa, Jensen notou que seu passo era tão rápido quanto o de Osric. Era Jason que parecia estar com dificuldade para acompanhá-los.
Eles percorreram uns trezentos metros e Jensen notou que Osric olhava para ele de soslaio. Será que também tinha notado sua energia renovada?
— O que foi? — perguntou Jensen.
— Nada — respondeu Osric. — É só que... seu coração ainda está
muito acelerado e você parece... diferente.
— Diferente? — Jensen perguntou, olhando de Osric para Jason e para Osric novamente. — Por que pareço diferente?
Osric continuou andando, mas circulou o tórax com as mãos.
— Seu torax.
Jensen olhou para baixo.
— É que você nunca me viu sem camiseta.
Osric parou.
— Não é a falta de camiseta. É que eles parecem mais sarados. Seu abdômen também.
— Não parecem, não. — Jensen parou de andar e passou a mão por seu tórax e abdômen e uma coisa muito estranha aconteceu. Eles não pareciam os mesmos. Pareciam... pareciam mais trincados!
— Caramba! — Jensen exclamou.
— Ele tem razão — concordou Jason, passando a mão na sua caixa torácica, como se estivesse medindo ele.
— Ai, meu Deus! — murmurou Jensen, olhando para o tórax.
— Ei, se você não gostou, dê um pouco para mim — disse Osric, rindo.
Jensen voltou a pensar que tudo estava mudando. Ele só não esperava que isso incluísse seu jeito pouco sarado.
— E tem mais — acrescentou Jason. — Você está mais alto também. Deve ter tido um surto de crescimento da noite para o dia.
— Um surto de crescimento? — Jensen parou com a coluna muito reta, tentando calcular seu tamanho em comparação a Osric e Jason. Ele de fato parecia um pouquinho mais alto. E seus tênis pareciam apertados também. O que estava acontecendo com ele?
— Minha tia Faye costumava dizer toda semana: “Você cresce como mato. Deve estar passando por um surto de crescimento”.
Jensen queria acreditar que tudo aquilo era normal — humanamente normal —, um surto de crescimento, mas não acreditava. Seu olhar cruzou com o de Osric.
— Você ficou... ficou, tipo, maior do que era, um pouco antes de se transformar?
Osric olhou para o próprio peito.
— Eu pareço maior? Bem que eu gostaria...
Jensen olhou novamente para o próprio tórax.
—E se não pararem de crescer? E se continuarem ficando maiores?
—Então vai ter uma fila de garotas andando atrás de você... — brincou Jason. — Ei, você sabe como elas são quando se trata de estar sarado. Quanto mais trincado, melhor.
— Você sempre pode trocar o seu nome e passar a se chamar Ken — sugeriu Osric, com uma risadinha. — Minha mãe não deixava minha irmã nem brincar de barbie, porque achava que não era uma imagem saudável. Acho que era porque ela sabia que, por sermos orientais, provavelmente minha irmã não teria bunda nem peitos grandes. E não queria que ela se comparasse com uma imagem de plástico.
— Você tem bunda — comentou Jason.
— É, graças a Deus. Pelo menos herdei isso da minha mãe. Ela tem uma bunda e tanto. — Osric olhou para o próprio tórax. — Infelizmente, o resto é do meu pai.
Jensen tentou ser grato à reação descontraída dos amigos, mas isso não diminuiu sua preocupação. Tudo bem, ele admitia que às vezes queria ser mais sarado. Especialmente quando se comparava a Chris, seu melhor amigo da escola, que não telefonava mais para ele e tinha um corpo que atraiam como um ímã o olhar de todos. E, claro, alguns centímetros a mais de altura faziam com que ele parecesse mais magro.
Mas nada disso fazia com que se sentisse melhor. A ideia de que tudo isso era resultado de algum DNA inumano desconhecido que ele tinha em seu corpo o deixava nervoso. Nervoso porque ele não sabia onde aquilo ia parar ou o que aconteceria depois.
Jensen ainda apoiava a mão no tórax quando sentiu um arrepio nos braços e seus lábios ficaram gelados com o ar invernal que inspirou.
Tinham companhia.
De pé na frente dele estava o fantasma. A única diferença é que ela parecia em pior estado do que antes. Estava definhando, de tão magra. Os ossos malares protuberantes davam-lhe uma aparência cadavérica.
— Você precisa fazer alguma coisa. Logo. Precisa fazer alguma coisa. Eles me mataram. Me mataram e vão matá-lo também. — Então o fantasma se dobrou sobre si mesmo e vomitou sobre o tênis de Jensen e sobre o lindo tênis de corrida branco de Osric.
— Que nojo! — exclamou Jensen dando um pulo para trás e se chocando com Jason.
— O que foi? — perguntou Osric, olhando para baixo, enquanto Jason se aproximava para ver o que tinha acontecido.
Jensen não conseguiu responder. Ele sabia que não tinham visto o vômito, sabia que o vômito não estava ali de verdade, que tão logo o fantasma desaparecesse o mesmo aconteceria com a visão, mas ficou meio nauseado e, sendo de verdade ou não, no momento parecia bem real. Para não vomitar também, desviou os olhos do tênis.
— Faça alguma coisa! — o fantasma repetia.
— Ah, merda! — reclamou Osric. — Os anjos estão aqui, não estão? — Ele começou a andar em círculos, falando sozinho. — Eu juro, juro que lamento tudo o que fiz.
— Eu também — disse Jason, com os olhos vasculhando a floresta.
Jensen olhou para o fantasma e, sem querer assustar ainda mais Osric ou Jason, falou com ele mentalmente.
— Eu estou tentando fazer alguma coisa. Mas preciso saber de quem você está falando. Preciso de mais informações.
— Me matando! — repetiu o fantasma. Então ela e seu vômito desapareceram em meio ao ar gelado e rarefeito.
Jensen, percebendo que ainda apoiava a mão no tórax, deixou os braços caírem dos lados do corpo. Enquanto dava uma última olhada no tórax, pensou que o quanto sarado estavam não parecia mais tão importante. Ele tinha que ir até a cachoeira e ver se os anjos da morte podiam ajudá-lo.
— Vamos nessa! — disse, olhando para Osric e Jason.
— Eu não peguei fogo! — disse Osric, com um ar de surpreso. Ele cutucou Jensen com o cotovelo. — Será que isso significa que não fiz nada de ruim nesses dias que antecederam a transformação?
— Talvez. — Jensen não teve coragem de dizer a ele que não eram os anjos da morte, por isso simplesmente recomeçou a andar. Em poucos segundos, ouviu o som hipnótico da queda d’água. Ele não tinha certeza se era real ou um chamado místico, mas continuou andando.
Andaram mais uns cinco minutos em silêncio. Então Jason passou a mãos em seus cabelos multicoloridos e olhou para Jensen.
— Você acha mesmo que alguém que você ama vai morrer?
— O fantasma parece achar que sim — respondeu Jensen, tentando não parecer tão frustrado.
— E ele não contou quem é?
— De acordo com Ruth, alguns fantasmas têm dificuldade para se comunicar.
— Que saco...
— É. — A responsabilidade esmagadora de salvar uma pessoa causava em Jensen um peso no peito. Se alguém morresse porque ele não tinha sido capaz de decifrar a mensagem, não conseguiria se perdoar.
— Acha mesmo que os anjos da morte podem ajudar você?
Jensen ponderou sobre a pergunta de Jason.
— Não tenho certeza, mas, sim, por alguma razão acredito que podem. — Você não tem mesmo medo deles? — perguntou Osric.
— Claro que tenho — respondeu Jensen, mas quando viu o medo estampado nos olhos de Osric, pensou melhor. — Mas não acho que sejam malignos.
— Você acha... — balbuciou Jason — que posso pedir a eles que... Laura me perdoe?
— Ah, pelo amor de Deus! — exclamou Osric. — Laura só precisa criar vergonha na cara. Você não precisa do perdão dela.
— Não é verdade — discordou Jason. — Eu também ficaria furioso se ela beijasse outro garoto.
— Furioso, sim. Mas humilhá-la por causa disso é ridículo. Quer dizer, não é como se você tivesse dado uns amassos na Clarke ou dormido com ela. Vocês só se beijaram... grande coisa!
A mente de Jensen deu um salto e começou a pensar em beijos. Nos de Jared. Para ele tinha sido uma grande coisa! Pare de pensar nisso, disse a si mesmo. Mas mesmo tentando tirar da cabeça todos os seus pensamentos sobre beijos, ele se lembrou da carta que tinha no bolso. A carta de Jared.
Uma coisa por vez. Primeiro salvar a vida de uma pessoa, depois se preocupar com garotos. E corpos que ficam sarados como mágica. E o fato de ele ainda não saber que tipo de DNA corria em suas veias não humanas.
— Se for para pedir favores — acrescentou OSric —, peça que possam me livrar do tormento de ter de ir pra casa nos finais de semana dos pais. Eles vão ficar vigiando cada passo que eu der, tentando descobrir provas de que estou consumindo drogas. Provavelmente vou ter que mijar num copo a cada duas horas para que possam saber se estou me drogando. Juro, se eu fizer um movimento em falso, eles me tiram do acampamento e me internam numa clínica de reabilitação daquelas frequentadas por artistas.
— Eu só quero que Laura me dê outra chance. Eu... — Jason continuou falando, mas Jensen não a ouviu mais. Osric ficou quieto, como se estivesse ocupado demais pensando em como seria o fim de semana com os pais.
Jensen detestava ver os dois amigos deprimidos, mas no momento não podia se preocupar com os problemas deles, não se a vida de um deles podia estar em risco.
— Eu não vou pedir favor nenhum. Só preciso saber se podem ajudar o fantasma a se comunicar melhor comigo. Tenho que descobrir de quem ele está falando.
Jason apressou o passo, se esforçando para acompanhar os amigos.
— Você realmente acredita que o aviso do fantasma pode envolver um de nós?
— Não sei. — As palavras do fantasma se repetiam na cabeça de Jensen. “Você precisa fazer alguma coisa. Logo. Você tem que fazer alguma coisa. Eles me mataram. Me mataram e vão matá-lo também.” Foi só então que Jensen reparou que o fantasma tinha se referido a um homem. A esperança de que logo pudesse descobrir mais cresceu em seu peito, enquanto ele avançava na direção da cachoeira. — Este lugar é mesmo de arrepiar! — Osric exclamou no momento em que entrou na clareira e teve o primeiro vislumbre da cachoeira.
— Concordo — disse Jason, dando um passo para trás. — Não acho que devíamos estar aqui. Sinto isso.
Jensen continuou avançando, o olhar observando a paisagem, tentando absorver tudo o que via. O lugar era... lindo. Não, mais do que lindo. Era pitoresco. Parecia uma fotografia trabalhada no Photoshop, como se alguém tivesse passado horas acrescentando detalhes. Todos aqueles detalhezinhos juntos criavam uma certa atmosfera. A essência emocional do lugar parecia tão viva quanto as árvores. Quando Jensen sorveu o ar fragrante, levou um minuto para definir o que estava sentindo. Mas finalmente conseguiu. O lugar tinha um perfume de reverência — como um templo ou igreja antigos.
Talvez fosse a maneira como o sol se infiltrava por entre as árvores, como se os seus raios partissem de holofotes no céu. Talvez fosse o modo como a cascata borrifava minúsculas gotas d’água, que dançavam no ar e ficavam prateadas sob os raios de luz. Ou como a vegetação verdejante brilhava com todas as gotinhas de orvalho. Ou talvez fosse o barulho. O som da água corrente encheu os ouvidos de Jensen até ele sentir a mesma vibração em seu sangue. Ou talvez fosse o modo como a umidade no ar fazia cócegas na garganta e enchia seu peito de emoção. Não uma emoção ruim. Era mais... aceitação.
— Ok, falamos que viríamos aqui com você. Viemos. Agora vamos embora — disse Jason, recuando um passo.
— Ainda não — respondeu Jensen, sem conseguir tirar os olhos da cachoeira que formava uma queda d’água de quase cinquenta metros. Então, sem pensar, como se estivesse enfeitiçado, ele entrou no riacho. Simplesmente entrou, sem nem pensar em parar e tirar o tênis ou enrolar a barra da calça.
— Ei, não vou entrar com você! — Osric gritou. — Sério, precisamos voltar para tomar café. Estamos indo, tá?
— Esperem por mim. Me deem só alguns minutos. — Jensen não olhou para trás. Seu tênis e seu jeans absorveram como uma esponja as águas. Ele deu mais um passo para dentro do riacho e depois mais outro.
— Tem certeza de que devia estar aí dentro? — A voz de Jason estava tenso de preocupação. — Vem, Jensen. Vamos embora, por favor?
— Se você entrar aí, pode não conseguir sair — avisou Osric.
Jensen não respondeu, não quando ele podia jurar ter visto alguém ou alguma coisa atrás da cortina de água brilhante. A figura se moveu outra vez.
Definitivamente havia alguém ali. Ele só esperava que fosse alguém que tivesse respostas. E não alguém pronto para fazê-lo entrar em combustão instantânea pelos seus erros do passado. Mas só para ter certeza, ao dar o próximo passo, ele fez uma oração silenciosa pedindo perdão por tudo o que já tinha feito de ruim.
As gotinhas de água respingavam em seu rosto à medida que ele chegava mais perto da cachoeira. Ao dar o passo final, o jato d’água da cachoeira bateu em sua cabeça e em seus ombros.
Atravessando o véu de água, ele se viu em meio à escuridão de uma caverna. Passou as mãos no rosto, esperando que seus olhos se ajustassem à penumbra. Estava arrepiado, não do mesmo jeito que ficava quando via os fantasmas; não, era um arrepio de medo. Ele ficou completamente imóvel e esperou que, com a volta da visão, viesse também um pouquinho de coragem.
O som da cachoeira ecoava e encobria qualquer ruído do mundo externo. Quando ele piscou, a escuridão de repente não lhe pareceu mais tão densa. Ele percebeu que estava de fato numa caverna. Só quando seus olhos começaram a divisar formas, viu alguém atrás de uma parede de pedra.
— Olá? — Sua voz era abafada pelo estrondo da cachoeira. Ao perceber que ninguém respondia, ele continuou. — Sei que tem alguém aí.
— Então acho que só me resta sair — disse uma voz atrás da rocha.
Jensen precisou de alguns segundos para reconhecer a voz, e ele de fato reconheceu, só não pôde acreditar em seus olhos quando o viu aparecer diante dele.
— O que você está fazendo aqui? — ele perguntou.
A figura alta e masculina continuou se aproximando de Jensen e ele recuou um pouco. Estava mais surpreso do que assustado. E talvez ainda mais impressionado com tudo o que sentia. A atmosfera de reverência era ainda mais intensa ali.
— Provavelmente a mesma coisa que você — Mark respondeu.
— Curiosidade.
Não era por isso que ele estava ali. Ele viera buscar ajuda, mas não o corrigiu — e não porque não confiasse nele. Ele encontrou seu olhar. Na realidade, ainda se sentia um pouco intimidado por ele, mas seu respeito agora era maior, como acontecia com a maioria das pessoas do acampamento. Ele o respeitava a ponto de desejar que Ruth revisse sua ojeriza por vampiros quando se tratava da sua vida amorosa. Os dois formariam um belo casal. O lado sombrio dele e o lado luminoso dela. A seriedade dele e o jeito espirituoso dela.
Jensen sentiu que ele o observava e percebeu que esperava uma resposta.
Mas ele tinha suas próprias perguntas. Respirou fundo.
— Curiosidade com relação a quê? — ele perguntou.
— À coisa toda dos fantasmas. À lenda. — Ele enfiou as mãos nos bolsos do jeans e olhou em volta.
— É estranho... — comentou Jensen.
— O que é estranho? — Ele se virou e olhou a caverna como se verificasse se o lugar era seguro. Por mais estranho que fosse, Jensen não estava preocupado consigo mesmo. O sentimento de bem-estar que enchia o seu peito o convencia de que não era preciso se preocupar. Ele estava a salvo ali.
— Você? Curioso pra saber dos fantasmas? Pensei... quer dizer... a maioria dos sobrenaturais prefere não saber nada a respeito.
— É verdade, mas Ruth é tão obcecada por eles... então pensei... — As palavras lhe faltaram.
— Que entender um pouco mais sobre fantasmas o ajudasse a entendê-la — Jensen completou, quase certo de que tinha feito a interpretação correta. Mais uma vez, ele sentiu que Mark realmente gostava de Ruth.
Ele assentiu com a cabeça, como se admitir em voz alta pudesse ferir seu orgulho masculino.
— Pessoalmente, acho que ela fala tanto disso só pra me assustar.
— Provavelmente esperando assustá-lo para que você se afaste dela — Jensen mordeu o lábio quando percebeu que tinha dito aquilo em voz alta.
Mark olhou para Jensen.
— Por isso também. — Ele fez uma pausa de alguns segundos e depois perguntou: — Você não estaria disposto a me explicar por que ela continua fazendo isso, estaria? — Aparentemente ele tinha mandado às favas o seu orgulho masculino.
Ok, agora Jensen iria descer as corredeiras, sem remos e com um buraco na canoa. Falar a Mark sobre o passado de Ruth parecia quase uma traição.
— Eu... humm... eu...
Ele ergueu a mão.
— Não diga nada. Já entendi. — Arrastando os pés, ele olhou em volta novamente e depois voltou a se concentrar nele. — Então você é como Ruth, hein? Sente espíritos e consegue vê-los?
Jensen concordou com a cabeça.
— Você está sentindo os anjos da morte?
Ele começou a negar que sentia uma forte presença ou presenças, mas em consideração a todo o clima de reverência do ambiente, que mais parecia uma igreja, preferiu não mentir.
— Eu sinto algo. Não sei exatamente como descrever. É como se...
— Sério? — ele perguntou.
— Sério. — Jensen olhou em volta e se perguntou se aquilo que sentia, o que quer que fosse, lhe daria as respostas de que precisava. — Você sente alguma coisa?
— Se sentisse, não estaria aqui — ele disse, em tom de gozação, mas Jensen podia jurar que havia uma ponta de nervosismo em sua voz. — Segundo a lenda, eles não vêm aqui ao amanhecer? — Ele correu os dedos pelos cabelos loiros, que pareciam ainda mais loiros do que de costume. Seu olhar se voltou novamente para a cachoeira e Jensen percebeu que seu cabelo estava molhado. Sentiu, então, seu próprio cabelo pingando sobre os ombros e balançou-os.
Ele se aproximou de uma grande laje de pedra. Seus ombros e braços musculosos pareciam quase tão rijos quanto as paredes da gruta. Mais uma vez, Jensen não pôde deixar de admirar o quanto ele era atraente. Não que fizesse a pele dele arrepiar como Jared, mas ele apreciava suas formas bem esculpidas. Ruth de fato devia se deixar apaixonar por esse vampiro.
— Dizem que é possível vê-los nos paredões, dançando ao amanhecer. Mas isso não significa que não estejam aqui em outras ocasiões. — Jensen respondeu com sinceridade, esperando estar certo. Esperando que a presença que ele sentia ali fosse real e pudesse lhe dar respostas.
Mark assentiu e olhou em volta outra vez.
—Por que esse lugar não parecia tão assustador até você aparecer?
Jensen riu.
— Deve ser a minha personalidade magnética.
Ele sorriu.
— Provavelmente. Você e Ruth. — Só o jeito como ele pronunciou o nome de Ruth provocou em Jensen uma emoção profunda.
— Foi outro vampiro... — ele falou sem pensar. — Ele a fez sofrer muito. — Mark pareceu confuso por um segundo, mas depois a compreensão revelou em seus olhos.
— Então ela tem preconceito contra todos os vampiros?
— Eu diria que ela tem um pé atrás com eles. E não com todos os vampiros. Ela não parece ter problema com nenhum vampiro além de você.
Ele inclinou a cabeça e olhou para Jensen.
— Você diz isso como se fosse uma coisa boa.
— Pode ser — Jensen disse. — Deve haver uma razão que leve você a despertar o pior em Ruth tão depressa.
Ele pareceu refletir sobre a analogia.
— Entendo o que quer dizer. — Seu olhar vagou pela cortina d’água outra vez. — Por que não voltamos juntos para o acampamento? Quero ter certeza...
— Na verdade, eu queria ficar aqui mais alguns minutos. Sozinho — Jensen disse, antes que Mark se oferecesse para ficar com ele.
Ele apertou os lábios:
— Não acho que deva ficar sozinho na floresta. Não depois do que aconteceu naquela noite.
— Não estou sozinho. Osric e Jason estão lá fora, esperando por mim.
— Ok. Ótimo.
É. Ótimo, Jensen pensou. Osric surtaria se soubesse que Mark o considerava menos capaz.
Mark inclinou a cabeça como se ouvisse alguma coisa.
— Isso é estranho. Eu não consigo ouvi-los. Nem farejá-los. — Franziu a testa. — E só ouvi você chegar quando falou. — Ele olhou em volta mais uma vez. — Talvez este lugar seja mesmo assombrado. — Um sorriso se abriu em seus lábios. — E, falando nisso, acho que vou voltar para o acampamento. — Ele deu dois passos e depois se virou. — Não demore muito. E fiquem sempre juntos.
— Tudo bem — Jensen disse.
Mark assentiu e mais uma vez inclinou a cabeça e o observou.
— Está tudo bem com você? O seu coração... está batendo bem rápido. Jensen bateu o tênis molhado na pedra.
— Osric disse a mesma coisa. Acho que está tudo bem — Jensen disse, sem querer contar sobre o crescimento natural mas definitivamente não humano dele mesmo.
Ele o estudou por mais alguns minutos e Jensen teve a estranha sensação de que Mark notou muito mais do que seu coração acelerado, mas foi cauteloso para não deixá-lo pouco à vontade. Ele apreciou a atitude Mark.
Ele começou a sair da caverna e então se voltou para Jensen.
— Obrigado por...
— De nada — Jensen respondeu, sem esperar para ouvir ou pensar em como Ruth ficaria furiosa quando descobrisse que tinha contado a Mark sobre o seu passado, por menor que fosse a informação. E Ruth descobriria, pois Jensen tinha a intenção de contar a ela. Manter aquilo em segredo faria com que parecesse ainda mais errado. E, no momento, ali naquele lugar especialmente, ele não queria aumentar sua cota de pecados.
Cinco minutos depois da partida de Mark, Jensen ainda estava parado no mesmo lugar.
— Tem um fantasma dizendo que alguém que eu amo vai morrer. Ele espera que eu salve essa pessoa, mas não está me dando nenhuma informação que me ajude a descobrir quem é. Estou ficando apavorado. Realmente apavorado.
E deveria me sentir um completo idiota falando sozinho. No entanto, ele não sentia. Embora não pudesse ver ninguém ali, ele sentia que estavam ali.
— Será que vocês não podiam, tipo, me ajudar com isso? — Ele esperou. Ouviu com os ouvidos. Ouviu com o coração.
Não ouviu nenhuma resposta, nem na mente, nem nos ouvidos, nem no coração. A menos que considerasse a sensação de calma e confiança que deixou seu peito mais leve, a impressão de que seu problema não era tão urgente e a certeza de que tinha capacidade de lidar com tudo aquilo.
Seria essa a resposta? A certeza de que tudo terminaria bem? Ou isso seria como o toque de Ruth e Misha — um mero paliativo para o tumulto emocional em que ele vivia? A dúvida dissipou a calma que sentia.
Ele se sentou de qualquer jeito no chão irregular, uma mistura de pedra e terra úmida, e descansou as palmas atrás do corpo para servir de apoio. Jogando a cabeça para trás, sentiu o cabelo molhado balançar um pouco. Ele estava maior tambem. Mais longo do que nunca antes. Sentando-se novamente, ela colocou os fios não mão para medir o tamanho do cabelo. Seu cabelo, como tudo, também devia ter passado por um surto de crescimento. O que tudo aquilo significava?
Tentando usufruir a suave emoção que aquele lugar provocava nele, Jensen olhou a cortina de água a poucos metros e sentiu as gotículas molhando sua pele. Não se preocupe, querido. Vai ficar tudo bem. Um passo de cada vez. Ele ouviu as palavras da avó ecoando na sua cabeça.
— Você está aqui, vovó? Ou eu estou só me lembrando? — perguntou Jensen em voz alta.
A ausência do frio o fez perceber que estava sozinho. Uma minúscula parte dele queria se rebelar, exigir uma resposta, não só para o problema do fantasma, mas para todos os seus problemas. Justo quando ele estava prestes a abrir a boca, um fio de sabedoria pareceu se infiltrar em meio à frustração. “Isso”, independentemente do que fosse, estava tornando a cachoeira especial e não estava aberto a exigências ou rebeliões. Além da calma, Jensen sentiu um poder.
Não um poder maléfico, mas firme.
Não indiferente, mas inexorável.
Inexorável a ponto de atear fogo num garoto e marcá-lo para sempre? Jensen não sabia essa resposta e, para proteger a própria sanidade, ele achava melhor nem saber.
Então, percebendo que provavelmente estava levando Osric e Jason ao limite da paciência, ele se levantou. Quando fez isso, sentiu o envelope dobrado no bolso. A carta de Jared. Outra coisa com que teria de lidar em breve. E, embora nenhum dos seus problemas tivesse mudado, ele de algum modo se sentiu mais confiante para lidar com eles. E talvez, pensou, aquela fosse toda a ajuda que iria conseguir.
Sua mente ficou entorpecida a manhã toda. Se por causa da falta de sono ou do surto de crescimento, Jensen não sabia. Ele largou a bandeja do almoço ao lado da de Osric e deu uma olhada rápida no refeitório à procura de Misha.
O grupo com quem ele ficava pela manhã muitas vezes saía para fazer caminhadas e não aparecia para o almoço. Enquanto percorria com os olhos o outro lado do refeitório, ele percebeu o quanto queria vê-lo.
E o quanto queria não vê-lo.
Deus, Jensen era doente! Se nem ele própria conseguia lidar direito com suas emoções instáveis, não queria nem imaginar como Misha estaria se sentindo! Ele provavelmente pensava que Jensen tinha um parafuso a menos. E tinha certa razão, não tinha?
Sem dúvida, a calma e a confiança que tinha ganhado com o passeio matinal à cachoeira estavam começando a se desvanecer. Como não viu Misha em lugar nenhum, desabou na cadeira e se concentrou em Osric, sentado ali bebendo seu sangue sem muita animação. Então Jensen notou o lugar vazio ao lado dele.
— Onde está Jason? — Jensen perguntou.
— Sei lá — murmurou Osric, girando o copo na mão.
Jensen tentou não olhar para o sangue com medo de se lembrar do quanto tinha apreciado seu sabor. Em vez disso, pegou seu sanduíche de presunto e deu uma grande mordida.
— Está tudo bem? — disse Jensen, mastigando o pão enquanto falava.
— Está. Só estou pensando na vida.
— Pensando que vai para casa daqui a três semanas?
— Na verdade, não, mas agora que você me lembrou posso acrescentar isso também à minha lista de preocupações, obrigado. — O sarcasmo era evidente na voz dele.
— Desculpe. — Jensen olhou seu sanduíche com desinteresse. — Então por que está preocupado?
— Nada especial.
— Tuuuudo bem... — respondeu Jensen, deixando Osric perceber que não estava apreciando muito o seu mau humor. Entendia toda aquela pose de mau dos vampiros, mas de vez em quando...
— Foi mal — desculpou-se Osric. — É que aquela conversa toda sobre anjos da morte esta manhã me deixou preocupado com... algumas coisas.
— Está se referindo à época em que se transformou e não se lembra dos detalhes?
— É. — Osric pareceu aliviado ao ver que Jensen se lembrava e olhou para o amigo como se buscasse ajuda. — E se eu fiz algo realmente terrível?
Terrível em que sentido?, Jensen quase perguntou. Será que Osric estava preocupado com a possibilidade de ter machucado alguém? Então ele se lembrou de quem estava falando.
— Em primeiro lugar, não acho que você faria algo realmente terrível. Quer dizer, só o fato de você estar preocupado com a possibilidade de ter feito algo terrível já é sinal de que você não é má pessoa.
Osric não parecia convencido.
— Mas quando a gente se transforma, é tudo tão sem noção!
— Mas você não é sem noção — retrucou Jensen. — Você é uma pessoa boa.
Osric assentiu e deu a impressão de que ia dizer alguma coisa, mas então seu olhar se perdeu ao longe. Jensen começou a suspeitar de que Osric tinha mais preocupações do que supunha. Será que se lembrava de muito mais do que estava contando? Fosse o que fosse, Jensen gostaria de saber como ajudar.
— Eu queria saber por onde anda Jason — disse Osric numa tentativa óbvia de mudar de assunto. — Meu Deus, espero que ele não tenha voltado a choramingar pela garota prodígio...
— Ele parecia bem, hoje de manhã. — Jensen olhou para a mesa onde a maioria das bruxas e bruxos se reunia no almoço para ver se Jason não estava almoçando com eles. Não estava.
Embora o acampamento se propusesse a promover o relacionamento entre as espécies, e de fato fazia isso, exceto por alguns poucos casais de espécies diferentes e alguns colegas de alojamento, a impressão que se tinha era que, na hora das refeições, as pessoas procuravam seus iguais. Helen e Jonathon revezavam-se, sentando-se um dia com vampiros e o outro com fadas. Até recentemente, Laura muitas vezes almoçava com Jason na mesa deles. E, algumas semanas atrás, Misha sentava-se com Jensen nas refeições.
Pelo menos uma vez por semana, e nunca nos mesmos dias, até Osric e Jason se sentavam com os membros da sua espécie. Jensen dizia a eles que não tinham que lhe fazer companhia na hora das refeições. Ele entenderia se quisessem se sentar com os amigos da mesma espécie. Mas eles não lhe davam ouvidos.
Se era por lealdade ou porque se sentiam mal por ele, Jensen não sabia. Mas, lá no fundo, apreciava a atitude dos amigos. Quem iria querer almoçar sozinho? Isso o faria se lembrar demais da sua antiga escola, quando Chris ficava doente ou faltava na aula.
Pensando em Chris, Jensen pegou o telefone e verificou se o melhor amigo tinha deixado alguma mensagem. Fazia quase uma semana que Jensen tinha enviado várias mensagens, perguntando como iam as coisas e contando que estaria em casa dali a três semanas, para passar o final de semana. Estava chateado por Chris não ter tentado retornar o contato. Será que isso significa que o amigo não queria vê-lo?
Claro, Jensen seria o primeiro a admitir que eles já não pareciam ter tanto em comum — e o fato de Jensen não ser humano ocupava o primeiro lugar da lista —, mas ele era o melhor amigo de Chris há dez anos. Isso não fazia com que merecesse algumas horas da sua companhia no fim de semana, pelo menos fingindo que ainda se importava com Jensen?
O telefone de Jensen tocou. Achando que seria muito estranho, até mesmo questão de telepatia, caso fosse Chris, ele esperou que o número aparecesse na tela. Não era Chris. Ele fechou o telefone e se sentou à mesa.
— Não me diga: é Daneel ou seu padrasto — tentou adivinhar Osric.
— Dois pontos por ter acertado — respondeu Jensen, engolindo o
sanduíche.
— Qual dos dois?
— Meu pai, quer dizer, padrasto.
Mesmo depois de ter conhecido Dean e aprendido a amá-lo, ele às vezes se esquecia de que Jeffrey Morgan não era seu verdadeiro pai. Jensen enterrou os dentes no pão de fôrma macio, mas não sentiu gosto nenhum.
— Ele ainda está traçando a secretária?
— Sei lá. Não me importo — disse Jensen, engolindo um pedaço de sanduíche.
— Mentiroso — rebateu Osric.
— Tudo bem, e se eu disser que... não sei, acho que queria muito não me importar?
— Agora está falando a verdade. — Osric estudou a expressão de Jensen e passou seu copo de sangue embaixo do nariz do amigo. — Quer um golinho?
Jensen fez cara feia e afastou o copo para longe.
—Não.
— Está mentindo de novo — disse Osric, arqueando uma sobrancelha.
— Tudo bem — respondeu Jensen, com rispidez, e mesmo aos seus ouvidos seu tom de voz pareceu tão mal-humorado quanto o de Osric antes. — Eu quero, mas não quero. E não fique aí pensando que é porque acho que tem algo errado com os vampiros. Não tenho nada contra. É só que eu... estou um pouco cansado de tentar descobrir o que eu sou.
— Acredite ou não, eu entendo. — Osric continuou estudando o amigo. — Sabe, o seu coração ainda está batendo mais rápido do que o normal.
—Eu sei. — Jensen puxou os cabelos para a frente — E olhe. Meu cabelo cresceu também. — Ele suspirou quando se lembrou de que só tinha algumas camisetas que lhe servia, agora que seu corpo estava maior.
— Caramba! — Osric estendeu o braço e tocou o cabelo de Jensen. —Já falou com Ruth sobre tudo isso? — Ele olhou de relance para o corpo do amigo — Não quero assustar você nem nada, mas isso é meio estranho.
Ah, mas que ótimo! Justo quando ele começava a se convencer de que aquilo não era nada de mais, Osric dizia o contrário. Jensen deu um longo suspiro.
— Não, não disse nada ainda. Tenho uma reunião com ela às duas horas.
— Você não parece muito feliz com isso...
— E não estou mesmo.
Osric parecia chocado.
— O que aconteceu? Você vive elogiando Ruth. Está chateado com ela?
— Não. Mas ela vai ficar chateada comigo.
— Por quê? Por ter ido à cachoeira?
— Não. Não acho que vá ficar aborrecida porque fui até lá. — Pelo menos Jensen achava que não. — É o que eu fiz enquanto estava lá que ela não vai gostar.
— O que você fez? — Osric pareceu confuso enquanto bebericava seu sangue.
— Eu contei a Mark que Ruth sofreu uma decepção amorosa com outro vampiro.
— Sério? O que aconteceu?
— Ele me perguntou sobre ela e então...
— Não, estou me referindo ao outro vampiro.
—Eu... não sei muito bem. — Jensen percebeu que não devia ter dito nada a Osric também.
— Tudo bem, mas qual o problema de dizer isso a Mark?
Jensen revirou os olhos.
— Não cabia a mim falar. Ou a você. Por isso não diga nada.
— Meus lábios estão selados. — Osric estendeu a mão para o prato de Jensen e roubou uma batatinha frita. — Você sabe por que disse isso a ele, não sabe? — Osric ficou olhando a batata, que segurava com a ponta dos dedos.
— Porque sou um idiota — Jensen respondeu.
— Não. Porque está muito claro pra você e pra todo mundo aqui que aqueles dois precisam bater o martelo. — Ele atirou uma batata na boca e fez uma careta. — Eu costumava adorar batata frita e agora... Credo! Tem gosto de sola de sapato.
Jensen ignorou completamente o comentário sobre a batata frita/sola de sapato enquanto tentava entender.
— Precisam o quê?
— Bater o martelo, trocar o óleo, queimar um pouco daqueles hormônios que eles exalam quando estão juntos no mesmo ambiente.
— Bater o martelo? — Jensen ainda não tinha entendido muito bem.
Osric deu uma risadinha.
— Ouvi uma comediante falando isso. Ela estava fazendo uma lista de todas as expressões usadas para falar de sexo. Engraçado, né?
— Talvez — Jensen disse, mas não tinha muita certeza. Seu senso de humor tinha tirado um dia de folga, assim como o seu apetite. Ele olhou para o sanduíche mordido. Será que perder o apetite era um sinal? Será que um dia ele ia achar que batata frita tinha gosto de sola de sapato?
— É só falar dos diabinhos que eles aparecem...
Jensen olhou para cima. Ruth e Mark entravam no refeitório. Ela ia na frente, e ele a observava, atrás. Por um segundo, Jensen teve medo de que Mark tivesse contado a Ruth sobre o que ele dissera. Imaginou a amiga, furiosa e magoada, lhe passando um sermão, e seu peito se apertou. Ai, meu Deus, por que ele tinha dito aquilo a Mark? Tinha sido um erro. Um grande erro.
Então Ruth olhou para Jensen — não havia raiva ou mágoa nos olhos verdes da moça, apenas um pouco de preocupação. Provavelmente ela ainda estava preocupada com Jensen e com o modo como ele saíra do escritório naquela manhã. Ruth pronunciou só com os lábios as palavras “duas horas” e apontou o relógio.
Jensen concordou com a cabeça.
Ruth sorriu e então foi para a frente do refeitório e pegou uma bandeja. Mark continuava atrás dela, com o olhar seguindo cada movimento da moça, como se tentasse memorizar cada centímetro do seu corpo.
— Espere um minuto — disse Jensen. — Se os vampiros podem sentir o cheiro de hormônios, como Mark parece não saber que Ruth se sente atraida por ele? Quer dizer, quando eu disse que Ruth talvez sentisse algo mais por ele, e não só irritação, ele pareceu totalmente surpreso.
— Muito simples. Não conseguimos sentir o cheiro dos nossos próprios hormônios e, na maioria das vezes, nem dos hormônios da pessoa por quem nos sentimos atraídos. Nunca senti o cheiro dos hormônios do meu namorado. — Um sorriso triste tocou seus lábios, como se uma lembrança tivesse lhe ocorrido. — E eu sei que Lee gostava de ficar comigo.
Jensen percebeu que Osric ainda gostava de Lee, mas também tinha a impressão de que o amigo não admitia isso, nem queria falar a respeito.
— É esquisito o jeito como isso funciona — comentou Jensen.
— É. Quando estamos atraídos por alguém, é como se a emoção disparasse o sensor dos nossos hormônios. Mas, se não sentimos nada pela
outra pessoa e ela se sente excitada quando está perto de nós, só sentimos um fedor.
Jensen refletiu sobre aquela informação por alguns segundos e então disse:
— Mas, então, como Misha consegue dizer quando estou pensando em... — Jensen não tinha certeza se iria conseguir dizer em voz alta, mas a curiosidade a obrigou a continuar. — Então ele não se sente atraído por mim?
— Não é nada disso — disse Osric, rindo. — Ele não é um vampiro. Não está sentindo cheiro de nada. Está lendo emoções. É totalmente diferente.
— Ah — Jensen olhou para o seu prato e se forçou a comer uma batata frita, enquanto a sua mente continuava a dar voltas. Depois de engolir, ele se forçou a fazer a pergunta, numa voz muito baixa, é claro.
— Misha e eu... exalamos muitos hormônios quando estamos juntos? Quer dizer, a atração é tão explícita que chega a ser embaraçosa?
Os olhos de Osric se arregalaram, mas ele não respondeu. Isso não era típico do amigo. Ele nunca hesitava em responder qualquer pergunta.
— Ai, Deus, é tão ruim assim? — Jensen perguntou.
Osric olhou para cima. Jensen estava prestes a descobrir o que aquele olhar significava quando sentiu um hálito morno sussurrado em seu pescoço:
— O que é tão ruim assim? — Misha perguntou.
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