Saga se sentia uma nova pessoa depois daquela noite. Sabia que o remédio tinha um papel fundamental, mas tinha certeza que não era só isso. O apartamento onde estava, aquele que dividira com o irmão há muitos anos, lhe trazia boas lembranças. Permitiu-se fechar os olhos, descansar mais um pouco e lembrar.
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Finalmente terminaram de arrumar a cozinha, estavam um pouco cansados. Apesar de ser sábado, Saga tinha ido à aula pela manhã e estudado à tarde. Já Aioros estava desde cedo cuidando de Ícaros, já que Aioria e Shura estavam trabalhando.
Iam passar o fim de semana no apartamento de Saga, tendo todo o espaço para eles, já que Kanon tinha ido viajar. Alguns namorados poderiam achar estranho ter uma criança junto do seu final de semana romântico, mas Saga já tinha se acostumado.
Aioros era uma das pessoas mais tranquilas e descontraídas que tinha conhecido, mas era extremamente sério e responsável quando o assunto era família. Saga também era irmão mais velho, então entendia os sentimentos de Aioros por Aioria e Ícaros. De certo modo, Shura também era considerado da família, o que o geminiano ainda achava um tanto estranho, mas tentava controlar seus ciúmes. Tinha certeza que Aioros era a melhor coisa que já tinha acontecido na sua vida e queria estar sempre perto dele. Toda aquela certeza provavelmente pareceria prematura para alguns, mas simplesmente sabia que ali era seu lugar.
Olhou para Aioros que conversava com Íkaros, ambos olhavam atentamente para o forno.
– Vai demorar muito para o bolo ficar pronto?
– Ainda vai demorar um pouquinho, mas lembra que você não pode colocar a mão ali que tá quente, tá? Você acha que o bolo vai estar gostoso?
– Acho que sim, se o tio Saga for um bom cozinheiro…
– Mas é claro que eu sou um bom cozinheiro, não sou? - No fundo estava um pouco inseguro.
– Claro que é! É que ele ainda não experimentou muito a sua comida…
- Tio Oros, vocês dois são namorados?
– Quê? Bem… nós… - Tinham sido pegos de surpresa. Saga não sabia o que dizer. Aioros parecia um pouco mais calmo. Perguntou:
– Por que você acha que podemos ser namorados?
– Ah… é que as crianças da escola me perguntaram porque era sempre você que ia me buscar e não minha mãe. Aí eu falei que não morava com a minha mãe, mas que em compensação morava com meu pai e com você que é meu tio. Aí eles me perguntaram se eu não tinha uma tia, que deveria ser a namorada do meu tio e eu disse que não, mas… Uma vez,perguntei pro papai o que eram namorados e ele disse que eram duas pessoas que se gostavam, cuidavam uma da outra e queriam estar juntas e vocês são assim, não são?
Aioros e Saga se entreolharam, acompanhando o raciocínio, mas como nenhum dos dois reagiu por alguns segundo, Íkaros insistiu:
– São ou não são, tio Oros?
– Ah, bem… Sim, o que seu pai falou é verdade e também é verdade que somos namorados. Eu gosto muito do Saga, por isso que você sempre vê a gente junto.
– Humm… e você? Também gosta do meu tio?
– Eu!? Claro! Quer dizer… Sim, eu gosto muito, muito do seu tio.
– Ah que bom! É bom quando a gente gosta de alguém e essa pessoa também gosta da gente, né? E vocês estão felizes?
– Sim! - Responderam em uníssono - Saga completou: – Estou muito feliz com seu tio e prometo fazer de tudo para que ele continue feliz também!
– Que ótimo! Eu vou continuar desenhando então! Tio Oros, você me avisa quando o bolo estiver pronto?
– Hã? Ah, aviso sim! Pode ir lá continuar com o seu desenho…
O garoto sorriu e foi para a sala saltitando, voltando para suas folhas e sua caixa de giz de cera.
– Caramba, esse seu sobrinho é mesmo esperto, heim Oros… Oros…?! - Aioros não respondeu de primeira, apenas encarava a porta por onde o menino havia saído. Ao ouvir seu nome, disse:
– Você reparou que ele pensou em tudo isso, mas em nenhum momento parece ter estranhado o fato de sermos dois homens?
– É verdade… perguntaram se você tinha uma namorada, mas ele não se importou por você ter um namorado…
Aioros tinha os olhos marejados quando continuou:
– Um dia ele vai entender a diferença, mas por enquanto acho que estamos fazendo um bom trabalho…
Saga o abraçou.
– Claro que estão. Mesmo quando ele crescer, para ele só uma coisa vai continuar importando que é ver você feliz, Oros.
– Você tem razão. Ele é um ótimo garoto.
– É que ele tem um tio maravilhoso…
– Ele tem uma família maravilhosa…
– Bom… ele tem um pai meio esquentadinho, mas concordo com você. Eu te amo, Oros. Obrigado por estar aqui e me deixar fazer parte de tudo isso.
– Eu também te agradeço e também te amo. Muito. – Se beijaram intensamente, mas sem perder a tranquilidade que aquele momento pedia, afinal havia um bolo no forno e uma criança no cômodo ao lado. Havia uma forte atração entre eles, mas também se sentiam completos e isso dava a eles a serenidade que precisavam. Além do mais, a noite já estava chegando e logo teriam seu momento.
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Milo e Kanon ainda estavam envoltos pela incrível sensação da (maravilhosa) noite e madrugada que tiveram. Entraram na cozinha de mãos dadas, sendo envoltos pelo cheirinho do café recém passado que Saga acabara de preparar.
– Bom dia, Saga! Como você está? Como foi a noite?
– Tudo bem, obrigado! Me sinto realmente renovado! Oi Milo! Tudo bem?
Milo estava um tanto envergonhado. Tinha os cabelos ainda levemente úmidos, vestia a mesma calça jeans do dia anterior, uma camiseta e um moletom deliciosamente confortáveis com o cheiro de Kanon. Era óbvio para qualquer observador que haviam passado a noite juntos, mas se Saga reparou, não falou nada.
– Ah, eu tô bem! Que bom que você está melhor, né?
– Saga, Mi vou comprar uns doces para a gente tomar café da manhã juntos, já volto!
Kanon saiu contente, deixando para trás um Saga pensativo e um Milo ainda meio tímido. O escorpiano não gostava muito de silêncios como aquele, mas o que poderia dizer? Então lembrou do assunto que tinham em comum:
– Er… Saga, você tem falado com o Camus?
– Camus?! Ah… é verdade! Ele me ligou enquanto eu estava viajando, mas ainda não retornei as ligações… Nossa, acho que ele vai ficar meio bravo comigo quando a gente se falar, você sabe como ele é…
– Ah, sei sim… - Milo sorria. – O Camy é um tanto protetor às vezes, né? Por fora ele parece um cubinho de gelo, mas não é nada disso…
– Vocês realmente se conhecem bem, né?
– A gente se conheceu quando a gente tinha 14 anos. Eu fui transferido para o colégio dele, na verdade ganhei uma bolsa de estudos lá, mas o colégio era um saco… enfim eu tive muitos, muitos problemas mesmo e nem dá para contar quantas vezes ele me salvou. Mas tenho total certeza que não teria nem me formado, quanto menos entrado na faculdade se não fosse por ele…
– Eu o conheci quando voltei da Inglaterra. A gente estudou alguns anos aqui em Atenas e fizemos um curso junto na França… Agora que parei para pensar já faz uns 15 anos que conheço ele… Como o tempo passou rápido… Ele até foi um dos meus padrinhos… de casamento…
A face de Saga agora era um tanto difícil de decifrar e Milo não sabia muito bem o que dizer, só sabia que era melhor não conversarem sobre aquela história de casamento. Mas antes que Milo pudesse mudar de assunto, Saga continuou:
– Sabe, faz cinco anos que eu me divorciei e até agora era muito difícil me lembrar do meu casamento… não que agora as coisas estejam muito mais fáceis, mas as coisas parecem meio diferentes, sabe?
– Diferentes?
– É… essa noite eu tive um sonho ou melhor uma lembrança… Mas até agora eu só conseguia lembrar das partes horríveis, por isso eu sempre preferia não lembrar. Mas nessa noite eu consegui recordar algo bom. E também foi assim agora quando eu lembrei da cerimônia do casamento… Será que o tempo realmente muda a maneira que vemos as coisas?
– Olha, eu não sei se sou a melhor pessoa para você fazer esse tipo de pergunta, mas acho que existe uma saudades boa, sabe? Tipo aquela que dói um pouquinho, mas você fica feliz por aquela pessoa ter estado na sua vida. Mas… se tratando de ex-namorado, minhas referências não são muito boas não… Já faz muitos anos que terminamos e eu continuo não querendo ver a criatura nem pintada de ouro… – Milo riu, mas Saga podia perceber bem o rancor e a mágoa em sua voz.
A conversa fluiu bem entre eles, continuaram falando de assuntos amenos até a volta de Kanon.
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Aquela manhã estava estranha, mas era óbvio que seria assim, Shura já previa aquilo. Quando acordou, Aioros já estava vestido, de banho tomado, saindo rápido dizendo que ia para algum lugar. Shura estava tão sonolento que nem processou toda a informação.
Depois tomou banho, se vestiu, arrumou a cama e agora, ao invés de checar seus e-mails ou se havia mensagens no seu celular, fez o café e arrumava a mesa com o que encontrou na geladeira. Ouviu um toque de celular diferente do seu e foi verificar, sabendo que era o aparelho de Aioros. Quando viu o nome de Aioria no visor decidiu atender.
– Alô?
– Shura?! Cadê meu irmão?
– Ele deu uma saída. Foi na padaria ou algo assim…
– Ah tá, você passou a noite aí então, tá tudo bem?
– Veremos quando ele voltar…
– Quê? Como assim? O que está acontecendo Shura? O Aioros tá bem, o que vocês…?
– Calma Aioria… - Shura revirava os olhos, às vezes não entendia como tinha paciência com o leonino todos esses anos. – A gente está bem, tá? Ninguém está doente ou nada desse tipo. É que eu passei a noite aqui e agora não sei bem o que vai acontecer.
– Ué Shura, mas você já passou tantas noite aí que eu não sei o que… Peraí! Quando você diz que passou a noite aí você quer dizer que você, que vocês…?!
– É isso mesmo.
– Quê?! - O berro de Aioria certamente acordou os vizinhos da pousada que estava ficando.
– Dá pra você parar com o escândalo? Quer me deixar surdo?
– Desculpa! Mas Shura, você tem que concordar que isso é um muito inacreditável, me desculpa, mas eu nunca pensei que esse dia ia chegar!
– Eu também não! Mas ontem aconteceu.
– Uau, parece mentira! Mas e aí? O que vai ser agora? Quer dizer, eu sei que você é literalmente louco por ele, mas…
– Mas ele ainda não esqueceu o Saga. Não totalmente…
– Afe, nem me fale esse nome! Mas Shura, se as coisas rolaram entre vocês, isso já é um grande avanço! Eu não conseguia imaginar meu irmão com ninguém, mas se ele deu esse passo com você, talvez ele esteja finalmente pronto pra esquecer aquele maldito!
– Aioria, você sabe tão bem quanto eu que ele nunca vai esquecer…
– Tá, tá… esquecer é uma palavra muito forte, eu quis dizer superar. Shura, você não sabe como estou feliz. Quero muito que isso dê certo. Vocês dois merecem, de verdade.
– Valeu Oria, mas eu não sei… Tenho medo de sei lá, ter forçado as coisas… ou ter ido rápido demais…
– Mas foram cinco anos!
– Eu sei que foram, mas você sabe tão bem quanto eu o quanto ele sofreu. E se eu fizer ele sofrer?
– Bem… eu não pude matar o Saga, mas você eu mato!
– Ai Aioria eu não sei ainda porque insisto em conversar com você…
– Calma, calma, eu tô brincando. Olha Shura, é complicado e eu sei que você estende. Por todos esses anos eu torci para que o Oros olhasse para você do mesmo jeito que você olhava para ele, mas ele não enxergava. Alguma coisa mudou ontem. Então tem uma chance. Confia, não é simples, mas pode dar cert…
A conversa foi interrompida por um grito ao fundo:
– Ô pai… vamos logo, a gente vai perder o café da manhã, eu tô com fome!
– Calma, estou falando com o Shura!
– Ah, oi tio Shura!
– Vai lá Oria. Quando seu irmão chegar eu digo que você ligou.
– Não se preocupem com a gente, estamos bem. Se concentre em vocês! Eu tô torcendo, Shu! Você pode contar comigo!
– Ok! Obrigada, tchau.
Shura desligou e voltou para a cozinha. Era melhor voltar a se concentrar em algo. Resolveu espremer umas laranjas para um suco.
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