— Mãe… — eu disse, matutando alguma forma de ser direta, ainda que a vergonha e o receio me dominassem.
— Oi, amor — retorquiu-me de maneira automática, focada no trânsito a sua frente.
Dobrei uma das pernas em direção ao corpo, abraçando-a e balançando a outra à medida em que juntava coragem para soltar as palavras presas por entre meus lábios.
— Você pode marcar uma consulta com minha ginecologista? Eu preciso de uma nova receita de anticoncepcionais. — minha voz saiu arrastada, quase rouca.
Desviei o olhar para a janela, evitando fitar a mulher ao meu lado.
— Ah, claro. Podemos ir lá amanhã para marcar. Aproveitamos e te passamos no médico para tratar dessa sua dor de garganta. Tenho certeza de que uma injeção é o suficiente. — respondeu-me em um tom doce e constante.
Engoli a seco. Como explicar para minha mãe que o motivo da minha dor de garganta era o pequeno fato de que eu fiz sexo oral de uma forma não tão delicada com meu namorado no banco detrás dela?
— Ah, mãe… Acho que uma pastilha pra garganta já tá bom. Pra que colocar uma agulha no meio? — fiz uma pausa para massagear a região dolorida. — Nah. Sem necessidade.
— Tem certeza? — buscou meu olhar, fazendo-me assentir. — Tudo bem então. — deu de ombros.
Sorri, satisfeita. Ajeitei minhas pernas em posição de índio no espaçoso banco antes de voltar-me à morena:
— Então vai marcar por telefone? — inclinei a cabeça para o lado.
— Sim. — descansou o olhar em mim quando parou para o farol vermelho. — Mas eu tenho algumas perguntas primeiro.
— Pode falar. — disse, esticando-me para apanhar a garrafa de água que repousava no apoio de copos.
— Pois bem. — coçou a garganta. Aproveitei a pausa para tomar alguns goles do líquido. — Quando pretendia me contar que fugiu de madrugada e transou com seu namorado chinês no meu carro? — indagou-me descaradamente, fazendo-me engasgar.
Tossi algumas vezes antes de forçar a água a descer garganta abaixo, fitando minha mãe em seguida; meus olhos estavam arregalados e minha boca, entreaberta.
— Como…? — tentei dizer, ainda perplexa.
— Ah, querida — deu partida quando a luz verde o permitiu —, eu sou sua mãe. Eu sei de tudo. — lançou-me um sorriso irônico.
— Desculpa. — suspirei. Fechei a garrafa e devolvi-a ao seu lugar anterior, espalmando as mãos sobre as coxas e lutando para não rir de nervoso em sequência.
— Nah. Pelo quê? — soprou. — Esqueça. Tenho outras perguntas. — balançou a cabeça em um sinal de negação.
— Faça. — abaixei o olhar, sentindo o rubor em minhas bochechas.
— É verdade que asiáticos têm pênis pequenos? Se a sua garganta ficou assim, eu acho que…
— Mãe! — interrompi-a, não controlando o meu tom de voz.
— Vocês usaram camisinha, não é? — continuou, ignorando minhas lamúrias de sofrimento e acanhamento.
— Mãe! — escondi o rosto em minhas mãos, recolhendo as pernas e pressionando-as contra meu tronco.
— Que foi? Você nunca me escondeu essas coisas. Pode falar. — bufou.
Afastei os anelares e dedos do meio uns dos outros, espiando minha progenitora, que ria debochadamente.
— Tudo bem. — comprimi os lábios, erguendo o rosto e voltando-me a ela. — O que quer saber?
— Tudo. — foi direta, fazendo-me corar novamente. — Ah, qual é? Até parece que você tem vergonha na cara.
Minha mãe demorou a entender que meu namorado era coreano, mas aceitou a relação tão rápido quanto eu o faço quando me oferecem comida.
— Oi. — a voz de Jeongguk soou atrás de mim, fazendo-me pular devido ao susto. Olhei por cima dos ombros, deparando-me com sua figura encostada no batente de minha porta.
— O que você está fazendo aqui? — questionei, confusa.
— Sua mãe me mandou subir. — deu de ombros. — Sabe, a gente tinha marcado às seis — tirou a canhota do bolso, checando seu relógio de pulso —, são seis e quarenta. Eu vim mais tarde porque sabia que você ia se atrasar, mas acho que não foi tarde o suficiente. — voltou a recolher a mão para dentro de sua calça. — Então ela disse para eu subir quando cheguei.
— Ah, sim. — sorri amarelo. Observei-o adentrar meu quarto, analisando o cômodo de forma minuciosa. Sua destra estava escondido atrás do corpo. — Não tem estrela alguma, se for o que estiver procurando. — disse, arqueando as sobrancelhas.
Jeongguk riu. Ele avistou o desenho que havia feito de mim emoldurado sobre a minha estante, focando nele antes de continuar a analisar o quarto. Seus olhos deixaram minhas paredes quase vazias de lado para repousar em mim. Um arrepio correu minha espinha quando o moreno se aproximou, não desviando o contato visual em momento algum.
— Tem, sim. Eu estou olhando pra ela. — brincou. Seus passos cessaram quando ele parou a centímetros de mim. — Eu pesquisei na internet e li que eu devia te trazer flores. Mas você não gosta de plantas — ergueu sua mão direita, revelando o buquê azulado que ela segurava —, então eu comprei falsas. — concluiu.
Eu permaneci em silêncio por alguns segundos, o que deixou Jeon nervoso. Ele escondeu o rosto atrás das pétalas plastificadas quando suas bochechas esquentaram sob o meu olhar constante.
— Eu fiz errado? — indagou baixinho.
— Não — sorri, abaixando suas mãos e tirando o conjunto de flores delas. —. Eu gostei.
O castanho me observou entrelaçar a mão livre à sua, sorrindo com o gesto.
— Obrigada. — ciciei. — Agora vai lá conversar com minha mãe enquanto eu termino de me arrumar. — mudei o tom, fazendo-o rir.
— Ah, não — murmurou como uma criança que fora contrariada. Seus ombros caíram enquanto ele me soltava e andava até minha cama, para jogar-se nela em seguida.
— Jeon! — tentei soar brava, mas acabei rindo. — O que você está fazendo?
— Chantagem psicológica. — girou o corpo, deitando-se de barriga para cima. Seu olhar rodou a extensão do colchão. Ele sorriu quando avistou Frankie, o ursinho que havia ganhado para mim, no emaranhado de lençóis. — Ah, o bicho feio! — ele exclamou, animado, esticando-se para apanhar o bichinho.
— Único. — corrigi. — E como assim “chantagem psicológica”? — arqueei as sobrancelhas em sua direção.
— Eu vou ficar aqui te olhando em um lembrete de que eu estou esperando e você deve ir mais rápido. — ajeitou sua postura na cama, sentando-se contra a cabeceira e colocando o ursinho em seu colo.
— Isso não é justo. — disse, ainda descrente.
— Quarenta minutos, Mae. Você não está em posição de reclamar. — cantarolou em resposta.
Suspirei, aceitando meu presente e maldição. Presente porque Jeongguk estava ali, na minha cama, com uma cara de pau que eu não sei dizer exatamente quando ele desenvolveu. E maldição porque Jeongguk estava ali, na minha cama, olhando-me incessantemente enquanto eu tentava ignorar a sensação que isso causava e focar-me em deslizar aquele utensílio certeiro e traiçoeiro popularmente conhecido como delineador.
— Okay — afastei o objeto de minha pálpebra e larguei as mãos ao lado do corpo. —. Não dá.
— O que foi? — questionou, mirando-me pelo espelho.
— Não faça essa cara! — apontei o utensílio para o seu reflexo. — Você está me sabotando.
— Vai mais rápido, então. — deu de ombros.
— Não é tão simples. — tampei o objeto, ainda que o mantive em mãos.
— Parece simples daqui. — arqueou as sobrancelhas.
— Ah, não. — primeiro, uma feição aborrecida ornou meu rosto, mas essa foi rapidamente substituída por um olhar desafiador — Quer tentar? — ergui a caneta delineadora, mirando-o com um sorriso ladino.
— Isso é sério?
— É.
— Okay. Vem aqui. — arrastou-se até a beirada da cama, sentando-se desleixadamente. — Só falta isso? — indagou, observando-me andar até ele.
— Sim. — entreguei o objeto e me abaixei em sua frente.
— Parece fácil… — analisou-o como se fosse alguma invenção alienígena. — Como se usa? — lançou-me um olhar quase infantil, fazendo-me rir baixinho.
— Você lembra do desenho que fez de mim? É a mesma coisa, só que de verdade. — fechei os olhos, aguardando pelos traços que seriam feitos neles.
— Ah, sim… — soprou. Não precisei o fitar para saber que franzia o cenho. — Tudo bem.
Senti a respiração dele se aproximar do meu rosto, então o barulho da tampa sendo removida e… nada.
— O que você está esperando?
— Isso seria um lápis de qual tipo? O jeito de segurar muda de acordo com o…
— Jeon, só faça.
— Ah, certo. Tudo bem. — senti-o se aproximar ainda mais antes da textura fria do pincel deslizar por minha tez.
Eu queria muito, muito, muito abrir os olhos para contemplar a expressão concentrada a qual tinha certeza que Jeongguk mantinha. Mas me contive em imaginá-la e deixar com que ele terminasse o trabalho.
— Pronto. — o calor de seu corpo se afastou juntamente ao toque do objeto.
— O quê? Já? — perguntei, estranhando a rapidez. — Não se passaram nem trinta segundos direito.
— Huh, será que eu fiz errado? — abri os olhos a tempo de ver suas bochechas se encherem de ar e seu rosto pender para o lado.
Tudo bem. Havia duas opções: ou eu estava parecendo um palhaço ou meu… namorado estava pronto para substituir e humilhar toda e qualquer blogueirinha da internet. E, conhecendo Jeongguk e sua capacidade sobre-humana de ser incrível em tudo, a segunda opção parecia tão viável que eu quase era capaz de ouví-lo dizer: “Olá, meninas. Tudo bom?”
Feliz ou infelizmente, assim que levantei aos tropeços e arrastei-me até o espelho, eu… Okay, nem eu sei dizer exatamente o que aconteceu.
— O que você fez? — ainda estava encarando meu reflexo no espelho e tentando lidar com a mudança quando o perguntei.
— O que você pediu. — vi-o encolher os ombros e fechar o utensílio pelo espelho.
— Mas… — franzi o cenho, tentando entender o que havia de… diferente. Não era ruim, afinal.
— Minha mãe fazia assim. — explicou, sorrindo para si mesmo.
Foi quando eu entendi: não havia curvinhas elaboradas, tampouco meu querido gatinho. Eram tracinhos simples e, acredito eu, maleáveis a olhinhos puxados como os dele. E, céus, ele sorriu de forma tão linda quando falou de sua mãe! De repente, o diferente era dois patamares acima do bom: era incrível.
— Você gostou? — voltei o tronco a ele, buscando uma ligação direta com seus olhos.
Ele corou antes de replicar:
— Eu acho que você fica bonita de qualquer jeito, Mae.
Meus pés pareciam flutuar enquanto eu descia as escadas na companhia de Jeongguk. Deve ter sido por isso que eu tropecei no penúltimo degrau.
— Maeve! — minha mãe e Jeongguk gritaram enquanto eu rolava ladeira abaixo com os resquícios da minha dignidade.
Eu não sei como acabei deitada no meio da sala se caí apenas por dois degraus. Preferi nem tentar entender.
— Filha. — a cabeleira de minha mãe surgiu no meu campo de visão. Precisei cerrar os olhos para discernir seu rosto ao final da cascata castanha. — Você está bem?
— Sim. — afastei-a gentilmente antes de me sentar.
— Tem certeza? — insistiu, analisando-me.
— Tenho, mãe — olhei para frente, encontrando um Jeon esforçando-se muito para não rir a cerca de dois passos de distância. — Eu só tropecei na minha dignidade. Tinha perdido ela há um tempo, acho que acabei chutando pra longe agora.
— Huh, humor negro, pessimismo e ironia. Ela está bem. — suspirou, sorrindo aliviada. Jeongguk concordou em um menear de cabeça, ainda comprimindo os lábios para prender o riso.
— Vocês não vão me ajudar a levantar, não?
Eu poderia colecionar “felizmentes” ou “infelizmentes”. Só não o faço porque tenho certeza de que o número de “infelizmentes” seria absurdamente maior.
De qualquer forma, felizmente, eu não me machuquei. Infelizmente, minha queda iniciou uma conversa mais longa do que eu fui capaz de suportar entre meu namorado e minha progenitora. Maldito Masterchef, aquele programinha desumano onde as pessoas são tratadas como lixo e o preparo da comida é tratado como treinamento militar que, infelizmente, estava sendo transmitido durante minha queda.
Mas tudo bem. Pelo menos ele gerou variados assuntos para Jeon e mamãe, o que incluiu desde comida à independência da Índia e piadas sobre meu pouso artístico acidental.
Não entendi como eles conseguiram conversar sobre tantas coisas diferentes a partir de um programa culinário, mas preferi não questionar. Era a primeira vez que Jeongguk e minha mãe se conheciam pessoalmente. Eu estava feliz em constatar que haviam se dado bem.
— Então… — arrastei a fala. — Podemos ir? — dirigi-me ao Jeon, que demorou alguns segundos para processar a frase e voltar-se a mim.
— Ah. Claro. Vamos. — levantou-se do sofá.
— Vou levá-los até a porta. — a mais velha no recinto anunciou, imitando os movimentos de Jeongguk.
Jeon e minha mãe caminharam até a divisória com as cabeças ainda voltadas à televisão. Os dois riram quando esbarraram-se devido a distração constante.
— Vocês sabem que vai passar de novo amanhã, certo? — andei até eles, mantendo um olhar irônico.
— Não é a mesma coisa. — a morena rebateu, dando de ombros. — Enfim. — mirou-me quando parei ao lado de Jeongguk. — Bom passeio. Sem drogas. Sem fugas. Sem voltar tarde. — voltou-se ao garoto — E você é um bom rapaz. Tão lindinho e educado. Eu sempre adorei os chineses. — sorriu.
— Eu sou coreano. — ele corrigiu, abaixando o olhar.
— Ah, perdão. — espalmou as mãos em seu rosto. — Você fugiu da Coreia do Norte? Como conseguiu? — ela continuou, assumindo uma expressão atônita.
— Mãe… — respirei fundo.
— Sul-coreano. — o garoto completou, rindo de lado.
— Ah… — a mais velha assumiu um tom vermelho, então riu. — Perdão.
— Tudo bem. — assegurou, sorrindo.
Eu sempre soube que não possuía aquela peneira mental responsável por separar o que devemos do que não devemos dizer e, naquele momento, percebi outra coisa: minha mãe também não. Talvez fosse genético. Quem sabe?
— Okay. — Jeon disse assim que nos vimos livres da Sra. Morgan, arrastando o som da palavra. — Aonde vamos? — prendeu as mãos atrás do corpo e arqueou as sobrancelhas.
— Boa pergunta. — franzi o cenho. — Eu não pensei nisso.
— Eu também não. — admitiu, rindo soprado. — Ah! — seu semblante mudou, passando a imagem de alguém que acabara de ter uma ideia. — Eu vou pesquisar na internet. — fez menção em tirar o celular do bolso.
— Não, Jeongguk. — segurei seu antebraço, impedindo-o de continuar. — Nós já conversamos sobre isso.
— Okay. — ciciou, como uma criança que fora contrariada. — O que faremos, então? — descansou seu aparelho móvel na posição anterior e relaxou os braços.
Fiquei alguns segundos em silêncio, pensando enquanto fitava o rapaz. Meu namorado. O rapaz era meu namorado.
A ficha, de certa forma, ainda não havia caído. Eu gostava dele e ele gostava de mim. Tínhamos um compromisso. Mas o que isso mudava além de… bem, tudo?
— A gente não pode só… continuar fazendo o que fazíamos? — sugeri, levantando os ombros e entortando os lábios.
— Me parece bom. — assentiu com a cabeça. — Então, vamos comer?
— Ótimo. — sorri. — Vamos comer!
Por mais que não houvéssemos dito, sabíamos muito bem o que estava implícito naquela conversa: já tínhamos formado uma bolha de convivência confortável e não valia a pena mudá-la. Continuar fazendo o que fazíamos parecia o melhor. A diferença é que havia um compromisso que ditasse isso. E um patamar a mais de intimidade alcançado devido ao…
— Sexo. O filme se resume a isso. — deu de ombros. Sua mão girou e removeu a chave do encaixe, desligando o carro.
— Eu achei que era uma história de amor. E ação. — murmurei, frustrada.
— Mas é. — deu de ombros. — Acho que esse é o grande ponto: ele não teria metade da audiência que levantou sem essas cenas. — concluiu. Assenti em concordância.
Conferi em meu celular se havíamos seguido a rota certa e alcançado o devido destino. Nesse meio tempo, Jeongguk saiu, deu a volta no veículo e abriu a porta para mim, fazendo-me erguer o olhar e fitá-lo, confusa. — O que foi? A trava infantil está ativada? — indaguei enquanto colocava-me para fora.
— Não. Eu li na internet que devia fazer isso. — coçou a nuca, ainda segurando a porta.
— Ah… entendi. — o semblante confuso deu lugar a um sorriso. — Eu não sei se deveria te bater por continuar fazendo isso ou te beijar porque foi adorável. — admiti antes de deixá-lo fechar o automóvel, colocando-me entre o objeto e seu corpo.
— Eu prefiro a segunda opção. — sorriu de lado ao levar uma das mãos ao meu rosto, acionando o alarme do carro antes de mover a outra até minha cintura.
Continuei o mirando por alguns segundos, até ser atraída por uma movimentação atrás de seus ombros: outro casal trocava carícias a alguns metros, na porta do estabelecimento onde iríamos comer. Eles trocavam selinhos e tocavam o nariz um do outro. E eu posso jurar que os ouvi fazer aquela voz que todos os humanos com coração usam para se dirigir a bebês e animais.
— Maeve? O que foi? — voltei-me a Jeongguk, deparando-me com sua expressão confusa e preocupada.
— Açúcar! — quase gritei, deixando o pânico nítido nos meus tom e olhar.
— O quê? — ele se afastou, assustado.
— Somos um casal, Jeongguk! Um casal diabetes! — espalmei as mãos no rosto, ainda atormentada com a descoberta.
— O que isso quer dizer? — arregalou os olhos, absorvendo meu desespero.
Eu me aproximei lentamente, segurando-o pelos ombros e fixando nossos olhares após fazê-lo. Pude notar quando ele engoliu a seco, fazendo seu pomo de adão subir e descer em nervosismo.
— Nós somos melosos. Que nem eles. — meneei a cabeça em direção ao casal atrás de nós. — As pessoas vão nos olhar e atrofiar em desgosto. A internet vai nos desprezar e…
— Você está falando sério? — seu timbre me interrompeu, sendo seguido por sua risada.
— Jeon! — exclamei, ofendida pelo desprezo para com minhas preocupações cem por cento válidas, quando ele se inclinou sobre o próprio corpo para gargalhar.
— Desculpa. — ergueu o braço, pedindo um tempo para se recuperar. Ele arrumou sua postura, ainda com o peito pulando e um risinho constante saindo por entre os lábios. — Eu só… — umedeceu as bandas labiais e mordeu a inferior delas, em um esforço duplo. — Eu não… Você se importa? — concluiu, erguendo as sobrancelhas em minha direção.
— Eu… não sei — admiti, fazendo uma careta inconsciente.
— Eu vi na internet que isso é normal no começo. É a euforia do início de uma relação juvenil. — explicou, ainda sorridente. — Mas eu não me importo com isso.
— Eu acho que vou começar a ler essas matérias que você tanto fala.
Assim que voltei ao meu estado normal e menos histérico, adentrei o lugar rumado para matar nossa fome na companhia de Jeongguk. Era uma espécie de hamburgeria gourmet, o que eu preferia chamar de frescura para gente rica, mas Jeon achou legal.
— Eu não entendo porque estamos aqui. Tem um McDonald's na rua de trás. — murmurei, intimidada pela recepção ultra-chique do local.
— McDonald's não tem hambúrguer de cordeiro ou avestruz ou…
— Que nojo! — entortei o nariz. — Você já veio aqui? — indaguei-o, observando-o menear a cabeça em concordância. — Seu burguês safado. — olhei-o em desaprovação, ocasionando em um risinho fofo.
Jeon acabou não respondendo, já que chegou a nossa vez de solicitar uma mesa.
— Boa noite. — o atendente de terno engomadinho e sorriso simpático ditou. — Mesa pra do-
A pergunta foi interrompida. Mais que interrompida, ela foi pisada e chutada longe — assim como minha dignidade — quando outro cara de terno engomadinho, porém sem sorriso simpático, apareceu dizendo:
— Eu não acredito! Não acredito! É tudo culpa desses malditos imigrantes. Estragaram a America! — então parou, percebendo a presença de nós dois no topo da fila e nos analisando com olhos julgadores — Ah, veja só! Como pode namorar alguém assim, garota? Gosta de ver nossa economia no ralo? — fixou o olhar em Jeongguk, torcendo o nariz — Por que você não volta pra China, cara?!
Eu sempre fui contra toda e qualquer briga e sempre abominei a grosseria. Por isso, prefiro não entrar em detalhes do que ocorreu nos minutos seguintes. Mas posso dizer que toda a irritação que eu sentia se dissipou assim que pisamos fora do lugar e Jeongguk se voltou para mim, com um biquinho inconsciente nos lábios e os olhos frustrados, e indagou:
— Eu tenho cara de chinês?
— Não sei. Isso seria algo ruim? — apertei sua mão, passando-o conforto e apoio.
— Acho que não — disse, por fim, então deu de ombros. — Bom, nunca estive na China, logo não vou voltar pra lá. Mas aqui eu, com certeza, não volto mais.
— Isso! — gritei em animação, quase pulando. — A gente pode ir no McDonald's comer lanches gordurosos e sem avestruz agora? — questionei, o lançando o olhar mais pidão e adorável que eu era capaz de forçar.
Ele me olhou por mais alguns segundos. Seus olhos refletiam minha imagem parada em meio ao estacionamento escuro. E eu podia jurar que nenhuma estrela no céu noturno que nos cercava emanava tanto brilho quanto as orbes negras do asiático.
— Tudo bem. Depois vídeo game? Eu escolho o jogo. — ele propôs, sorrindo ladino.
— Desde que não seja de tiro em primeira pessoa. E depois tomamos sorvete. — adicionei, arqueando as sobrancelhas.
— Feito.
Nem o meu estereótipo de o que seria uma relação perfeita parecia se aplicar a Jeongguk. E, francamente, acho que nem ele seria tão bom quanto a realidade era.
Na maior parte do tempo, é claro.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.