A pele dela é macia.
Feito pétalas de rosa.
Os lábios, rosados e entreabertos, apenas reforçam a imagem anterior.
Os cílios longos, as bochechas coradas e o nariz delicado.
Newt já havia reparado em tudo isso antes, é claro, mas nunca de tão perto.
Tão perto.
Não importa o quão bela seja a rosa, os espinhos sempre chamam mais a atenção.
E os de Claire são enormes.
Defensivos.
Preparados para arrancarem sangue de quem se aproxima demais.
Mas, se você tomar cuidado, tocar os espinhos pelos lados e nunca, nunca através das pontas, pode chegar perto o suficiente para sentir o perfume da rosa.
E por sorte, Newt não tem medo de sentir um pouquinho de dor até chegar lá.
Como se soubesse dos pensamentos do amigo, Claire emitiu um baixo suspiro, encolheu o corpo e levou a mão fechada em um fraco punho, até o rosto.
Newt que achou que poderia momentaneamente excluir o acontecimento enquanto a observava, foi como se tivesse sido atingido por um soco.
Lá estava, as unhas quebradas, os nós dos dedos inchados e respingados de sangue ainda fresco.
O canto da boca de Claire também estava cortado e ao redor do olho direito formava-se um pequeno roxo, resultado dos golpes em Frank.
Sem mencionar, a enorme mancha de sangue que se formava no amontoado de roupas em que ela repousava.
Newt encontrou uma camisa no bolo de mantas e passou a limpar Claire cuidadosamente e desejando que ela não acordasse durante o processo.
O maxilar dele doía de tanta tensão, as mãos quase tremiam de raiva e o coração, o mais sofrido de todos, afundava e pesava dentro dele, angustiado.
Dois pensamentos cruzavam sua mente acelerada.
O primeiro, era como Frank foi capaz de cometer uma atrocidade dessas ?!
Como teve coragem de machucá-la, ainda mais da pior forma possível ?
Como pode vê-la chorar, gritar, implorar para que parasse e mesmo assim continuar ferindo-a ? Vê-la sangrar lhe fazia bem ? Engrandecia seu ego ?
Newt não conseguia entender.
Quem, em sã consciência faria mal propositalmente a Claire ?
Claire passava o dia todo remendando todos eles e nunca reclamava.
Nos dias em que Alby acendia a fogueira, praticamente implorava para os garotos inventassem histórias sobre o mundo lá fora.
Claire, que a altura sequer batia no ombro da maioria dos rapazes.
E cujo o riso, é uma mistura de dourado e prata como pequenos sinos tocando.
O segundo pensamento era quase tão amargo quanto o primeiro.
Ainda hoje, quando Claire estava nos jardins, Newt notara que ela estava diferente.
Lembrava-se com clareza como ela parecia apreensiva.
Dos ombros tensos e do olhar baixo.
E ele deixara passar.
Simplesmente não tinha feito nada além de olhá-la.
Sim, logo em seguida Ben havia sido picado e toda a Clareira se mobilizou, mas mesmo assim.
Isso não é desculpa.
Horas mais tarde, Claire apareceu pedindo para ser uma Corredora, ele e Minho discutiram o assunto e Newt foi se deitar.
E então tudo inflamou e explodiu no meio da madrugada.
Se tivesse ido falar com Claire, algo teria mudado ?
Conseguiria ter evitado ?
Se não tivesse dormido, se estivesse mais próximo da Sede, a teria visto sendo levada ?
As perguntas ilógicas trazem respostas ainda mais absurdas.
Mas Newt não está sendo racional.
Esse é apenas o resultado da culpa que penetra amargamente seus pensamentos, açoitando sem dó e piedade seu pobre coração cansado.
Newt termina de limpar os ferimentos de Claire e, apesar de não ter feito muito, conclui que é melhor do que nada.
E então nota que os machucados não a modificaram tanto quanto acreditava.
Ainda é rosa.
Ainda é Claire.
E só um tolo admira a rosa sem gostar dos espinhos também.
Ali, inconsciente e precisando de remendos, passa a ser mais Claire do que jamais fora.
Newt a observa por mais alguns instantes e batidas hesitantes na porta o fazem se afastar, relutante.
-Claire ?! .-Chamou a voz abafada.-Psiu! Claire!
-Chuck ?
Newt abriu a porta e quase foi derrubado pelo garotinho que adentrou o quarto.
-Claire! Levanta daí!
-Ela está dormindo, seu trolho! .-Newt disse em um sussurro nervoso.-O que você quer ?
Chuck, como se não acreditasse em Newt, aproximou-se do corpo adormecido de Claire.
Seus olhos foram da amiga para a sujeira de sangue, e do sangue para Newt.
Deu alguns passos cambaleantes para trás antes de virar-se puxar Newt para o corredor.
-O que foi agora, Chuck ?!
O garotinho puxou ainda mais a camisa de Newt até ele ficar a sua altura.
-O que fizeram com ela ?! Por que está naquele estado ?!
-Você não viu? .-Newt perguntou tolamente.-Quer dizer, você não sabe o que aconteceu ?
-É claro que não, seu trolho! Acordei com vocês gritando feito loucos, Claire não estava comigo e Minho não me deixou sair daqui! Ele me trancou na sala do Conclave, aquele imbecil! O que diabos aconteceu ?!
Newt sentiu um misto de alívio e vergonha.
Alívio por Minho ter cuidado de Chuck.
E vergonha, porque isso deveria ser tarefa dele.
Precisava agradecer o amigo por isso depois.
-E então ?! .-Chuck esbravejou.-O que aconteceu ?!
Newt hesitou.
Às vezes esquecia que Chuck é muito mais novo do que os outros.
Até que ponto deveria contar ? É um garoto muito corajoso para a idade dele, isso é verdade, mas seria certo lhe contar tudo ?
-Bem...Frank atacou Claire...Mas não sabemos o motivo ainda.-Não era exatamente uma mentira, era? .-Eles brigaram...feio. É, foi bem feio. Por isso ela se machucou desse jeito.
Os olhos de oceano de Chuck encheram imediatamente de lágrimas, a boca aberta em um grande ‘’O’’.
-Mas ela bateu nele também! .-Newt apressou-se em dizer.-Juro, vou te mostrar amanhã! Frank quase não tem um único dente na boca!
Chuck escondeu o rosto nas mãozinhas.
Por um instante, Newt achou que tinha exagerado demais e Chuck estava zombando dele.
Mas não demorou para se dar conta que aquele ruidoso som era do choro desolado do garotinho, murmurando frases incompreensíveis.
Newt, ainda incerto de como reagir, afagou as costas de Chuck.
-Está tudo bem agora, Chuck. Ela acabou com ele, sério.
Mas os soluços dele tornaram-se mais audíveis.
O rosto mais vermelho e os ombros tremendo descontroladamente.
Newt com uma repentina preocupação, o puxou para perto sentindo a camisa encharcada pela segunda vez naquela noite.
-Ei, cara, para com isso.-E afagou com mais pressão as costas de Chuck.-Já disse que está tudo bem, não vai acontecer de novo.
-É...tudo...minha…-Chuck começou a dizer entre uma fungada e outra-...culpa.
-O que ?
-Eu disse…-O garotinho soltou-se de Newt e limpou os rosto.-Que a culpa é minha...Tudo culpa minha, Newt.
-Não diga bobagens! Não é sua culpa! Como poderia ser ?
As lágrimas rolaram pelo rostinho gorducho com mais força, era uma total bagunça de lágrimas, muco e baba.
-Não é culpa de ninguém! .-Ele agora estava desesperado para encontrar um jeito de amparar o amigo.-Ouviu ? Não é culpa de ninguém se aquele cara é um babaca!
-Mas ela me disse...ela me disse e eu não fiz nada!
-Como assim ?
Os soluços recobraram e força e Newt segurou com firmeza aqueles bracinhos trêmulos.
-Chuck! O que você está tentando dizer ?
-Ela me contou...que Frank foi até ela e disse coisas estranhas. Coisas que queria fazer com ela...acho, não sei. Claire me contou que estava assustada! E o que eu fiz ? Ah, o que eu fiz ? Disse que não era nada! Disse para ela deixar pra lá!
Newt mal podia acreditar.
Lá estava a prova.
A prova da sua desatenção.
O quanto tinha sido desleixado em relação a Claire.
Conteve o impulso de soltar um palavrão.
Não seria com essa reação que acalmaria Chuck e o fizesse sentir-se menos culpado.
Mas tudo poderia ter sido tão fácil!
Poderiam ter evitado, não poderiam ? Se Chuck tivesse contado a mais alguém!
Se Claire tivesse…
-Ela contou para mais alguém? .-Perguntou baixinho.
-Acho que não. Ela me pediu para...para não fazer alarde.
Ah, mas o que estava pensando ?
Claire escolheu Chuck para contar o que aconteceu.
Ela não contou isso a Alby.
Ou a Clint.
E nem a ele próprio, Newt.
Um líder, o cara que é o Segundo no Comando, e o Encarregado do trabalho dela.
Todos com autoridade suficiente, ou tempo na Clareira o bastante, para resolverem as coisas com Frank.
Todos eles foram descartados por um garoto que, aparentemente, nem completou treze anos ainda.
O fato abalou Newt de uma forma maior do que ele imaginava.
Afinal, Claire estava certa.
Ele admitiu amargamente para si mesmo.
Chega de mentir para si mesmo.
As coisas não seriam diferentes se Claire tivesse falado com algum deles.
Essa é a mais pura e cruel verdade.
Realmente dariam ouvidos a Claire ?
Acreditariam nela e não em Frank ?
Ou só fariam um Conclave estúpido para, no fim, não chagarem a conclusão nenhuma ?
Talvez, só talvez, dariam a Frank alguma punição mínima considerando o tempo que Claire está na Clareira, logo não é mais tão estranha quanto antes.
Mas não seria o suficiente.
De qualquer forma, Frank daria um jeito.
A encontraria.
Espancaria e amarraria o corpo dela.
E tiraria as roupas de Claire uma por uma.
Isso tudo porque ela precisa falar duas vezes mais alto do que qualquer um para ser ouvida.
O sistema da Clareira é falho quando se trata de garotas.
E eles precisam, precisam mudar isso.
-Viu ? A culpa é minha…
-Não, não é.-Newt conseguiu dizer, saindo do agonizante devaneio.-Não diga isso.
Ele pensou no que Claire diria a ele.
Os dois mantêm um companheirismo distinto, Chuck agora parece só ouvir o que ela diz, e Claire em contrapartida tem um ar quase maternal ao lado dele.
-Chuck, primeiro de tudo, engula esse choro.
Newt apontou o dedo para ele que, com a expressão de total terror, engoliu em seco.
Literalmente.
-Agora, me escute com atenção; não foi culpa sua. Frank é o responsável por toda essa maldade, mais ninguém além dele, me ouviu bem ? Houve muita confusão quando Claire chegou e ainda estamos...aprendendo. Isso, estamos aprendendo como é ter uma garota por aqui, entende ? Por mais que falemos que não é diferente, é sim, é muito diferente. E vamos cometer erros e aprender com eles. Agora você já sabe que, se algo desse tipo acontecer de novo, você precisa contar a alguém, não importa o que a Claire disser. Vá até Alby ou a mim. Bom isso ?
-Certo.-Chuck murmurou, o choro cessando lentamente.
-Agora vá pegar a mértila do seu saco de dormir e venha descansar um pouco.
Newt segurou a maçaneta, mas Chuck o deteve antes de abrir a porta.
-Não, não, não posso dormir aí!
-Ah, mas o que foi dessa vez ?
-Não posso dormir com ela aí!
-Por que não? .-Newt perguntou antes que pudesse se dar conta.
Chuck não havia reagido muito bem à visão de todo aquele sangue.
-Eu posso tentar limpar mais se você achar que...
-O-O que? .-Chuck gaguejou.-Não estou falando do sangue!
-Eu acho que está sim.
-Não estou não! Quer saber, eu vou ficar aqui fora. Vou ficar de guarda.
-Guarda do que ?
-Guarda, vigia, essas coisas.
-Como quiser.-Newt respondeu, já esgotado de toda aquela conversa. Muita informação, pouco tempo.-Vou ficar com você.
-Não, você não pode.
Newt esfregou os olhos e suspirou.
-E posso saber por que não ?
-Você precisa ficar com ela!
-Eu não vou dormir aí.-Newt apontou para o quarto de Claire sentindo um estranho embaraço.-Vou ficar aqui fora com você.
É claro que a ideia havia cruzado a sua mente.
Em partes, por segurança, e em partes porque não queria deixá-la sozinha naquele estado.
Imaginava que, ao acordar, Claire gostaria de ter um amigo por perto.
Porém, a ideia de que ela poderia se assustar ainda mais era maior, e ele optou por deixá-la passar a noite sozinha.
-Não, você precisa ficar com ela caso aconteça alguma coisa.
-Achei que você ficaria do lado de fora já pra evitar isso.-Newt murmurou.
-Ah, é ? E se ela engasgar e morrer ?
-Claire não é um bebê, Chuck, mas que diabos!
-Bom, e se sangrar até a morte ?
-Ela não vai sangrar até a morte. E também, Clint e Jeff estão por perto.
-E se Frank escapar e vir atrás de nós ?
-Ele está preso no Amansador e Alby mandou um pessoal vigiá-lo.
-Alguém pode entrar pela janela.
-Quem ?! Um Verdugo ?! É o último andar da Sede, pelo amor de Deus!
-Quer arriscar ? E se…
-Tudo bem, tudo bem! .-New ergueu as mãos em sinal de rendição.-Eu fico com ela, mas por favor, cala essa maldita boca.
-Só estou dizendo que agora todo cuidado é pouco.-Chuck fechou as mãozinhas em punho. O cenho franzido, os olhos semicerrados, parecia pronto para o ataque.
Newt revirou os olhos, e voltou a alcançar a maçaneta.
-Ah, lembre-se: Claire se mexe muito durante a noite, quando você menos esperar ela vai ter rolado até a janela, fique atento. Ela também sempre acorda com…
-Boa noite, Chuck.
Newt entrou no quarto e bateu a porta antes que o amigo continuasse com as exageradas preocupações.
E como que para confirmar de qual lado estava, Claire, ainda adormecida, rolou durante o sono até o chão frio, há alguns centímetros longe do amontoado de cobertores.
Newt a carregou de volta até as mantas e sentou ao seu lado.
Ainda dava para ouvir uma pequena agitação do lado de fora.
Os garotos provavelmente não voltariam a dormir tão cedo depois do que ocorrido.
Mas um pequeno arrastar mostrou que, no corredor, Chuck já havia se instalado com seu saco de dormir.
Newt respirou fundo.
A cabeça latejava e, por mais que ele evitasse, não conseguia parar de pensar em Frank lá no Amansador e em tudo o que poderia ter feito.
Só mais algumas horas, pensou, só mais algumas horas e ele vai ter o que merece.
Claire, ainda em suas turbulências noturnas, rolou as pernas e as juntou com as de Newt.
Ele não pretendia dormir.
Mas foi inevitável.
Dormiu sentado, a cabeça pendendo para ao lado e acordando constantemente, sobressaltado com os gritos de Ben ou simplesmente pelos próprios pensamentos que continuavam a perturbá-lo.
Clint apareceu para deixar alguns curativos.
Assim como Caçarola para deixar o café da manhã e Alby, apenas para garantir que tudo estava bem.
Ele sabia que podia ir embora.
Sabia que a noite havia findado a tempos, e que precisava deixar Claire sozinha.
Mas não queria.
Também não tinha imaginado que Claire dormiria tanto, mas ainda assim.
Não sentia a mínima vontade de sair.
De ter que lidar com a bagunça do lado de fora.
Quando poderia ficar ali, fingindo que estavam em um momento de calmaria, junto dela.
Quando Claire finalmente acordou, ele pode ver aqueles olhos assustados percorrem todo o quarto como se esperasse por um novo ataque.
O modo como se esforçou para conversar com Newt, a voz rouca e os movimentos lentos eram torturantes para aquele que conhecia seu verdadeiro estado.
Mas o pior, foi ver ela recuando.
Apavorada como um animal indefeso quando Newt aproximou-se para tocar o ombro dela, ao se despedir.
Aquilo foi o suficiente para ele sentir o peito rasgando de tristeza e fúria.
E foi o que o levou a fazer aquilo que estava evitando, fugindo e mentindo que não queria, que não desejava com tanto ardor.
Mas no fundo, era só isso o que queria.
Era só nisso que pensava.
Newt lembrava de Frank.
Do garoto amedrontado que saiu da Caixa, e que logo ganhou espaço na Clareira.
O começo foi difícil, como todos os outros.
Ele e Gally nunca se deram muito bem e Newt teve que separar diversas brigas dos dois inúmeras vezes.
Nunca entendeu muito bem porque discutiam tanto.
Gally, um Construtor e Frank, um Retalhador, sequer passavam muito tempo juntos.
Mas sempre encontravam um jeito de brigarem.
Até que sossegaram.
E param com as desavenças.
Não eram melhores amigos, mas passaram a ficar no mesmo cômodo sem um avançar no outro.
O que definitivamente já era um avanço.
E Newt ficou satisfeito com isso.
Odiava quando os garotos brigavam entre si e, mesmo que seu papel fosse, na maior parte das vezes, ajudá-los a fazerem as pazes e evitar que se matassem, sentia que era impossível deixar todos em harmonia.
Toda hora, parecia existir algum conflito.
Mas Newt jamais esteve diretamente envolvido.
Até agora.
Agora, sua mente trabalhava a todo momento encontrando maneiras de destruir Frank.
Ele até tentava evitar, afastar essas ideias.
Mas não tinha sucesso.
Havia chegado a sua hora.
E não tinha mais como fugir.
Os garotos que Alby colocara de vigia, ficaram por perto somente até ao amanhecer, visto que todos tinham outras funções e bem, até então, não existe escapatória do Amansador.
Com cuidado, Newt puxou o trinco da porta.
Caminhou até Frank.
Ele estava sentado com as costas encostadas na parede, desfrutando do resquício do sol que ainda brilhava antes de se despedir.
Pernas cruzadas, mãos nos joelhos.
O pescoço ainda exibia uma vermelhidão e marca das unhas de Claire.
Mas os dois olhos roxos, os lábios e o nariz inchados, eram resultados do serviço dos rapazes.
Jamais o deixariam se safar só com o Amansador.
Quem começou foi Gally, e os outros o seguiram.
Newt nunca simpatizou muito com Gally, mas uma coisa é certa; ele raramente ataca sem motivo.
Frank ergueu o túmido olhar para Newt.
Exalava tranquilidade.
Muita tranquilidade
-E aí? .-Ele murmurou.-Você demorou. Mas sabia que você viria, cedo ou tarde. Afinal, você é o que mais mima aquela garota.
Newt foi até ele e, em silêncio, o ergueu pelas axilas.
Ele não protestou.
Ficou frente a frente com Frank, que exibia um sorriso curto, afetado e arrogante.
-Você não é tão covarde quanto imaginei.-Frank continuou.-Mas acho que essa é a primeira regra, não é ? Nunca pegar alguém desprevenido, de costas ou...
Newt o acertou com o primeiro soco.
Frank limpou o sangue que escorria com a ponta da língua.
-É, quem diria…
Tentou golpear, mas Newt desviou do ataque para desferir outro murro, dessa vez no estômago só para ser atingido na perna machucada.
Frank foi para imobilizá-lo, mas não conseguiu.
Rolaram no chão, cada qual desferindo uma grande quantidade de socos no outro.
Durante o enfrentamento, era difícil dizer quem se saía melhor.
Newt, é mais alto e mais ágil.
Enquanto Frank, mais forte e, definitivamente com mais experiência.
Porém o primeiro possui uma vantagem.
A raiva.
O ressentimento.
Os gritos de Claire ainda faziam eco na mente de Newt.
A sensação de carregar o corpo trêmulo dela.
E o choro, o choro sofrido da noite.
Revivia tudo isso enquanto espancava Frank, a cada golpe, cada sangue jorrado.
Tanto dele, quanto do outro, era quase uma rendição.
Para ele, era a melhor mentira.
Uma forma falsa, mas que ainda servia.
Ele podia fingir que era uma forma de recompensá-la.
Por tudo.
-O que é isso ?! .-Veio o grito.-Idiotas! O que pensam que estão fazendo ?!
Newt foi puxado pela gola da camisa e jogado para o outro canto da sala.
Frank, no chão, apoiou-se nos cotovelos e ergueu as mãos para proteger-se do golpe que não chegou.
-Seus trolhos, como podem ser tão estúpidos ?!.-Rugiu Alby.-Como você pode ser tão idiota ?! Esperava mais de você!
Newt levantou e cuspiu o sangue que juntou na boca, sob o olhar endurecido de Alby, quase sentiu-se envergonhado.
Quase.
Frank riu.
-Mais ? Do Newt ? Faça-me o favor.
-Você é insano.-Falou Newt pela primeira vez desde que entrou no Amansador.-Nem os Verdugos te merecem.
O riso de Frank morreu na mesma hora.
-Quer saber de uma coisa, Newt ? Eu cheguei mais perto do que você jamais conseguiria. É uma pena não ter terminado, uma pena mesmo. Mas ela é boa, não acha ? Um pouco magra demais, mas dá para o gasto. O que estraga, é ser tão escandalosa...
Newt avançou, a fúria em cada movimento.
Prensou Frank contra a parede, o rosto a poucos centímetros do dele.
-Por que não repete o que disse, hein ?!
-Chega! .-Alby entrou no meio o empurrando para trás mais uma vez.-Vou ter que prender você aqui também?!
-Caí fora, Alby!
-É melhor fazer o que eu mandei!.-As grandes mãos de Alby o tocaram no peito, empurrando-o com mais força.-Cala essa boca e me ajuda a tirar o babaca daqui. Já está na hora!
Newt hesitou.
O fim da linha.
O pôr do sol sempre parece tardar.
Mas nunca falha.
-Hora do jantar.-Sentenciou Alby.-As crianças odeiam esperar.
Newt obedeceu
E juntos arrastaram Frank para fora.
Ele não resistiu.
O arrastaram por pura vontade de vê-lo no chão novamente.
Em frente a porta Leste, os garotos já haviam fincado o poste no chão.
Jogaram Frank no meio deles, e Gally se encarregou de prendê-lo.
Parecia muito contente com a tarefa que lhe foi dada.
-Me deixe ver.
Alby agarrou o rosto de Newt sem a menor gentileza.
-Sai pra lá, Alby.-Newt resmungou, enquanto o amigo, após virar o rosto dele, lhe desferiu dois tapas do lado esquerdo que doeram mais do que ele esperava.
-Até que ele não fez muito estrago nessa sua cara feia.
-Obrigado ?
Alby lhe lançou um olhar carrancudo.
-Não banque o espertinho.-Disse, os braços cruzados sobre o peito.-E não me faça perder o meu ajudante.
Newt desviou o olhar.
Sabia que Alby estava certo.
Se os outros o tivessem visto no Amansador, Alby teria que puni-lo.
E provavelmente, o cargo de Segundo no Comando ficaria vago.
-Além disso...-Alby continuou.-Você bem que poderia ter me chamado…O que um manco pode fazer ? Você não consegue nem matar uma barata sozinho.
Alby e Newt se entreolharam, e o mais velho amansou, lhe dando uma cotovelada.
Riram juntos e então tudo estava bem novamente.
De forma tão simples e rápida, que apenas a conexão de uma cumplicidade seria capaz de resolver.
Caminharam até os Retalhadores em busca dos bastões.
-E a Claire? .-Perguntou Alby enquanto revirava o armário.-Suponho que deve ter acordado para você finalmente dar as caras...Está melhor ?
-Não sei.-Admitiu Newt.-Ela ainda está assustada e triste, acho. Bem magoada. Mas também não é algo que dá para deixar pra lá assim, de um dia para o outro.
-Eu estava pensando se deveríamos mesmo chamá-la. O que aconteceu ontem foi...novo e aterrorizante. E eu tenho certa parcela de culpa.
-Alby…
-Não.-Ele ergueu a mão.-Não estou tentando me vitimizar ou algo do tipo. Fui um idiota em achar que apenas com uma ameça Claire estaria segura aqui. Ela é uma garota, e eu deveria ter tomado mais precauções. Um quarto só para ela não é o suficiente. Ameaçar os rapazes, falar que ‘’Podem olhar, só não podem tocar’’...é a maior idiotice. Deveria ter feito mais.
-Deveríamos ter feito mais.-Corrigiu Newt.-Eu também achei que isso seria o suuficiente. Eu estava com você quando decidimos todas essas baboseiras.
Alby suspirou, parecendo exausto e mais velho do que deveria.
-O problema, é que eu não sei o que mais podemos fazer.-Newt prosseguiu.-Vamos banir o Frank mas o que nos garante que outro trolho não vai fazer a mesma coisa ?
-Eu não sei mais o que pensar, sinceramente.-Alby lhe passou os bastões.-Além disso, presenciar o banimento depois de tudo que ela passou, não deve lhe fazer bem.
Newt assentiu, mesmo com um pouco de resitência.
Alby tem o pavio curto demais para certas situações mas, se tem algo que ele não é, é insensível.
Ele implicava a maior parte do tempo com Claire, mas de forma alguma lhe faria mal propositalmente.
Quer o bem dela e que fique segura, mesmo que para isso ela possa ficar furiosa com os dois.
E ela vai.
Ele sabe disso.
Newt também.
Se tem algo que Claire odeia, é não ser incluída.
Foi assim desde o ínicio.
E nada mudou.
Mas é um preço a ser pago, Newt concluiu.
Já havia presenciado e participado de banimento antes.
Não é algo bonito.
E definitivamente, não é uma coisa que se esqueça rapidamente.
Pelo contrário.
Sua memória fica remoendo o acontecimento, noite após noite, lhe acusando, gritando.
Perguntando, como você pode ser capaz de compactuar com aquilo ?
Como pode acabar com a vida de alguém, tão facilmente, como se não fosse nada demais.
-Você tem razão.-Concordou Newt.-Como vamos fazer ? Sabe que ela não fica parada por muito tempo.
Como se fosse a solução que estavam procurando, Chuck atravessou a Clareira, aos tropeços.
Carregava baldes e produtos de limpeza, com passinhos apressados e o cadarço desamarrado, era uma batalha chegar até o seu destino.
Alby olhou para Newt, um meio sorriso entre os lábios.
-Alby, eu não acho que seja uma...
-Ei, seu trolho! Vem aqui!
-...boa ideia.
Chuck deu meia volta e correu até eles, parando vez ou outra para redobrar o folêgo.
-O que foi agora ?.Perguntou após uma longa tomada de ar.-Não viram que estou ocupado ?
-Largue o que estiver fazendo.-Ordenou Alby.-Tenho uma tarefa especial para você: ficar com a Claire.
Chuck estreitou os olhos.
-Não entendi.
-Fique com ela até banirmos Frank, só isso.
-Mas...você não disse que todos devem assistir o banimento ?
-Sim, mas…
-Ouvi você falar ‘’Todos sem exceção! `` .-Chuck inflou o peito após a sua péssima interpretação de Alby.-Por que isso agora ?
-Só achamos que ela não precisa ver aquilo, precisa de descanso, isso sim.
E nem você, pensou Newt.
-Só vá e não a deixe sair da Sede.-Disse ao invés disso..-Você não acha que isso é melhor para ela ?
É injusto falar dessa forma depois de ter presenciado o choro infantil de Chuck na noite anterior.
O garotinho se importa mais do que demonstra, e faria qualquer coisa que pudesse tirar o peso da culpa dos ombros e deixar Claire bem de novo.
Newt não deveria usar isso contra ele.
Tem completa noção disso.
Mas se é o que vai fazer Chuck cooperar, ele não vê outra alternativa.
-Está bem, mas como posso ajudar? .-Chuck cedeu, jogando os baldes no chão.-Acham mesmo que ela não vai reparar que tem algo acontecendo ?
-Bom, aí já é trabalho seu.-Alby revirou os olhos.-Invente uma história, a distraia, sei lá.
Chuck balançou a cabeça negativamente em sinal de descrença, mas parecia levemente entusiasmado por ser encarregado dessa nova tarefa.
-Quando ela descobrir, vou jogar toda a culpa em vocês.-Advertiu.-Se forem espertos, vão dormir com um olho aberto.
Newt e Alby se entreolharam, ambos encolhendo os ombros.
Sabem muito bem que, quando se trata de Claire, o melhor é nem dormir.
Chuck os deixou, mas sem antes lançar a eles um olhar desconfiado por cima do ombro.
Aconteça o que acontecer, o estrago já estava feito.
-Ei, seus trolhos!.-O chamado ao longe, era de Minho.-Vocês vem ou não ?!
Sentindo um arrepio subir por toda a sua espinha, Newt rumou para a porta Leste.
Frank estava lá, no chão, a coleira presa firmemente no pescoço e a corda esticada fincada quase no topo do poste.
Toda a arrogância, orgulho e insolência de Frank caiu por terra.
Ele agora parecia uma criancinha, os joelhos nos chão, as mãos juntas e trêmulas.
O olhar amedrontado e jocoso fixos no vazio.
-Cara, vamos acabar logo com isso.-Murmurou Minho ao seu lado.-Quero comer o rango do Caçarola, estou morrendo de fome.
-Minho! -Newt repreendeu em um sussurro nervoso.
-Qual é, você sabe que podíamos ter matado esse vermezinho ontem a noite se Alby tivesse deixado.
Minho deu um longo bocejo e mudou o peso do corpo de uma perna para outra com tamanha naturalidade, como se estivesse em uma conversa sobre o tempo.
-Você só fala.-Newt retrucou.-Não faria isso de verdade.
-Ah, faria sim.-Ele retomou a posição atenta ao ver Alby se aproximando.-E você também.
Alby bateu o bastão três vezes no chão.
O silêncio que se seguiu foi pesado e fúnebre, interrompido somente pelos sussurros incompreensíveis de Frank.
Todos os Clareanos haviam se amontoado em um círculo em volta da cena.
Mantinham-se em uma distância segura dos Encarregados que seguravam os bastões, como se temessem serem os próximos.
As expressões variavam de tristeza, raiva, confusão e alívio.
Alby passou a mão na corda e certificou-se que a coleira de Frank estava bem presa com um estalido seco.
-Por favor.-Frank choramingou.-Juro que não vou fazer de novo. Juro!
O Líder encarou a multidão, seu rosto havia assumido uma tonalidade vermelha, ele umedeceu os lábios cheios e fez o anúncio.
Sua voz era quase cerimoniosa.
-Frank, dos Retalhadores, você foi sentenciado ao Banimento pelo ataque e tentativa de estupro de Claire, a Socorrista. Seu crime é tão grave que não foi necessário a reunião de um Conclave para que todos concordassem com seu destino. Você parte hoje e não poderá voltar. Nunca mais.-Houve uma longa pausa.- Encarregados assumam seu lugar no poste do Banimento.
Um por um, os rapazes saíram do grupo e assumiram suas posições.
-Por favor, eu faço o que vocês quiserem! .-Implorou Frank.-Vamos, eu faço qualquer coisa! Vocês não podem fazer isso comigo, não podem!
Newt, com o bastão a postos para Frank, sentiu um tênue espanto ao notar que não sentia absolutamente nada diante do confronto.
Mesmo com Frank e seus olhos lacrimosos, os fios de muco escorrendo pelo rosto, implorando para que não cometessem essa atrocidade.
Não sentia nada.
Nem pena.
Nem culpa.
Sequer alívio.
Ou satisfação.
Só uma tremenda vontade de se livrar dele.
De acabar com isso.
De voltar para o conforto da Clareira.
E parar de ouvir a voz dele.
Essa voz impertinente que, antes ele tinha certeza que o atormentaria, não existe mais.
Newt constatou, pela primeira vez, que nem todos merecem sua compaixão.
Ou atenção.
E qualquer outro sentimento.
Talvez pessoas cruéis mereçam fins cruéis.
E ele não vai mais se sentir mal por isso.
-Encarregados, preparem-se!
E todos deram um passo para frente.
-Não, não, não, não, não! Alguém me ajude! Por faaaa…
O estridente grito de Frank foi rompido e abafado pelo estrondo da Porta Leste começando a fechar. Centelhas saíram da grandiosa pedra que movia-se para a esquerda.
O chão tremia embaixo deles.
Como o rugido de um trovão.
Agora, Newt pensou, é agora.
Mas não veio nenhuma ordem de Alby.
E ele entendeu o porquê.
Claire estava vindo.
E segurava um bastão.
O céu estava tingido com as cores vivas do pôr do sol, mas ela parecia carregar a tempestade junto de si.
Algo nela a fazia pertencer a tempestades, aos raios e aos trovões.
O andar decidido.
E com o ar furioso.
Chuck vinha atrás dela, correndo para alcançá-la.
Em determinado ponto, ele agarrou a manga da camisa de Claire, a puxando para trás, tentando impedi-la de avançar.
Claire sacudiu e se desvencilhou, quase derrubando Chuck ao se soltar.
Os Clareanos murmuravam e lançavam olhares a Alby, esperando que o líder dissesse algo, já que todos estavam avisados que Claire não participaria.
-Deu ruim, não é? .-Newt ouviu Gally sussurrar.
Atrás deles, o muro continuava fechando, Frank olhava constantemente para trás, com esperança de se salvar.
Claire agora prosseguia em meio a multidão, e os garotos abriram caminho para ela, que se posicionou entre os Encarregados ao lado de Gally e Zart.
Um pé para trás, o joelho curvado.
O bastão apontado diretamente para Frank, que ainda implorava por misericórdia.
O olhar de Newt encontrou o de Claire por alguns milésimos de segundos, e ele sentiu que poderia entrar em combustão instantânea.
Penetrante e cruel.
Estava mais do que furiosa.
-O que estão esperando ?! .-Claire gritou.-Comecem!
Como se a ordem tivesse vindo do próprio Alby, os Encarregados avançaram simultaneamente.
Empurraram o poste na direção do Labirinto.
Frank, em desespero, lutava para arrancar a coleira, em vão.
A saliva espirrava da boca enquanto gritava.
O empurraram cada vez mais e com um solavanco, o poste o mandou para o Labirinto.
Frank estava a mais de um metro para fora da Clareira, as portas a poucos segundos de se fechar.
Claire parou e os outros imitaram o gesto.
Newt afrouxou a barra mais larga e a puxou com força de volta à Clareira, deixando Frank entregue ao banimento.
Frank soltou um último e estrangulado grito que foi abafado quando os murosenfim se fecharam com um grandioso estrondo.
Os Clareanos ainda estupefatos mas, curiosos, dissiparam-se aos poucos, mas não longe o suficiente para não ouvir o desenrolar da cena.
-Sua fedelha insolente e ingrata! .-Disparou Alby.-Quem você pensa que é?!
-Alby, por favor.-Newt tentou acalmá-lo.-Agora não.
-Vocês usaram o Chuck.-Claire retrucou.-Sério ?! Achei que poderiam fazer melhor!
Claire o encarava com a expressão fechada e sombria, ainda segurava o bastão com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos.
Alby, a olhou como se fosse louca, colérico.
Newt sentiu o olhar dela percorrer seu rosto e descer até as mãos vermelhas e machucadas, resultado da briga com Frank.
Ele as colocou no bolso rapidamente.
Por algum motivo que Newt não conseguia decifrar, a análise de Claire o deixou extremamente desconfortável.
-Desculpe, Clary.
Alby virou-se para ele como se fosse lhe desferir um soco.
-Desculpe.-Newt continuou.-Sei que foi errado, mas ainda assim achamos que seria melhor para você.
-Esse é o problema.-Ela rebateu.-Vocês presumiram. Sempre acham um monte de coisas, mas nunca, nunca perguntam!
-Escute aqui, fedelha…
-Não, escute aqui você! .-E Newt não soube dizer se Alby se calou por surpresa ou respeito.-O que vocês dois têm na mértila da cabeça?! Acharam mesmo que poderiam me deixar fora disso ?! Estou aqui há três meses. Não há três dias! Vocês não têm mais o direito de omitirem, de me excluírem e principalmente de deduzirem o que é o melhor para mim. Parem de achar, e passem a perguntar, seus imbecis.
-Como é ?!
-Você me ouviu bem, Alby.-Ela soltou o bastão, que fez um ruído surdo ao atingir o chão.-Espero que seja a última vez que me tratem desse jeito.
E foi embora.
Sem olhar para trás nem uma única vez.
O desenrolar da noite depois disso, pode ser definido como uma explosão contida.
Alby e Newt discutiram por horas.
Bem, Alby discutiu.
Newt passou o tempo todo tentando acalmá-lo, fazê-lo voltar a razão e perceber que ele não tem um motivo plausível para punir Claire.
Enquanto ele rebatia repetindo diversas vezes ‘’Ela ficou mimada! Você a protege demais! Não pode deixar aquela fedelha se safar de tudo!”
No fim, a exaustão e a fome venceram.
Eles deixaram a controvérsia de lado assim que Caçarola anunciou que o jantar estava pronto.
O salão que costumava ser barulhento, preenchido com o som das conversas e o bater de panelas aqui e ali, agora não passava de um burburinho baixo e o tilintar de talheres nos pratos.
Parecia que todos estavam remoendo o acontecimento, esperando qualquer sinal de normalidade.
Esperando que Claire aparecesse com as jarras de suco, o sorriso cansado e o avental sujo.
Mas ela não veio.
Newt avistou Chuck com uma bandeja e uma bacia lotada de amoras silvestres indo em direção a Sede, o que foi uma espécie de conforto naquele momento, pelo menos.
E quando Newt tomou seu lugar de praxe com o saco de dormir ao lado da macieira, desejou ter um vislumbre de Claire na janela, como sempre acontecia.
Ela fica ali, postada, feito Julieta em seu balcão.
Só a sua silhueta entre as sombras.
Os cabelos soltos e a mão descansando no rosto.
Encarando os muros por horas a fio, até ir se deitar.
Só que ela também não apareceu.
E uma melancolia aguda tomou posse de Newt o fazendo retornar aos pesadelos que vinham toda noite visitá-lo.
Na manhã seguinte, Newt e Minho se encontraram em frente às portas Sul.
Minho estava capengando de sono, mas lutava para continuar com suas sessões de alongamento.
Newt o acompanhava, dizia a si mesmo que era para encorajar o amigo.
Mas no fundo, alguns hábitos nunca mudam.
É aquilo que dizem, não é mesmo ?
Uma vez Corredor, sempre Corredor.
-Acho que deveria levar Claire para um dia no labirinto.-Newt disse de uma vez.-Eu realmente acho que ela se daria bem.
-É, eu sei.-Minho admitiu entre um polichinelo e outro, respirando com dificuldade.-Só estava implicando com ela. Claire é pequena e ágil, seria de boa ajuda.
-Quando estamos no Labirinto, o que mais desejamos é sermos pequenos e mais magros.
Eles riram com a lembrança.
Diversas vezes, Minho e Newt ficaram encurralados no Labirinto.
As portas fechavam, e mudavam com tanta rapidez.
E eles corriam, espremiam-se entre as aberturas, amedrontados com a ideia de ficarem presos durante a noite.
Mas eles voltavam.
Sempre voltavam para a Clareira.
-Vou fazer isso. Mesmo sabendo que Clint vai querer me matar por tirá-la dele.
-É, ele vive falando que ele e Jeff trabalhavam o dobro sem ela.
Minho cessou os alongamentos, pegou a garrafa d’água mas não bebeu.
Não se mexeu, a boca entreaberta e a testa cheia de rugas.
-O que foi ?
Minhou apontou para um canto ao longe e Newt precisou dar alguns passos para o lado e esticar o pescoço até conseguir enxergar o que chamava tanto a atenção.
-Só pode ser brincadeira…-Murmurou perplexo.
Lá estava Gally.
Com uma cama.
No meio do pátio da Clareira.
A cama foi construída com a melhor madeira que já receberam.
Escura e lisa, as tábuas onde deveriam ficar o colchão perfeitamente retas.
Chuck entrou na cena, segurando Claire pela mão que parecia ter acabado de acordar.
Eles estão longe demais para ouvirem o que estava sendo dito, mas a expressão de Claire denunciava tudo.
Seu rosto se iluminou tal como uma criança na manhã de Natal.
E talvez essa fosse a sua peculiaridade.
Quando está furiosa, pertence a tempestades.
Mas quando fica feliz, ela passa a ser alvorada.
Ao invés de ser raios e trovões, passa a pertencer ao sol, ao orvalho e às flores.
Ela até ́ deu pulinhos de euforia.
E Newt, apesar de sorrir a distância, não pode deixar de desejar ter sido o causador de tamanha alegria.
E não Gally.
Que ao ver Claire abrir os braços para abraçá-lo, afastou-se dela como se tivesse uma doença contagiosa.
Isso de forma alguma alterou o humor de Claire, ela segurou um dos lados da cama e levantou.
Gally, claramente xingando-a, apressou para segurar o outro lado.
-Essa coisinha faz o que quer com a gente, não é? .-Comentou Minho, enfim tomando seu gole de água.
-É.-Concordou Newt observando-os carregarem a cama.-Faz mesmo.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.