— Beleza, aí agora vamos ver a resposta. Espero que esteja certo dessa vez!
Era por volta de cinco horas e cinquenta minutos da tarde, e Eren estava em seu quarto estudando matemática, precisamente o conteúdo de equação de segundo grau, o qual quase o fez reprovar no ensino fundamental e médio algumas vezes. Queria dominar aquele assunto de uma vez por todas assim como domina a classe de atirador nos jogos online, e dedicou uma parte do seu dia para estudar aquele conteúdo. Uma evolução e tanta, se comparado ao seu eu de alguns meses atrás, que procrastinava a todo custo para evitar se estressar com os estudos.
Respirou fundo, afastando o caderno por alguns instantes e ansioso, checou o resultado da operação. O queixo caiu de imediato.
— O valor de X é cinquenta e dois? Como foi que eu cheguei a quinhentos e doze então? Ah! Eu não aguento mais estudar!
Ele só estava estudando há quinze minutos e já desistiu.
— Ao menos agora vou poder comer alguma coisa.
O rapaz caminhou até a bancada ao lado da sua cama, pegando o celular e o retirando do carregador, rumando diretamente para a cozinha e buscando por algo que pudesse comer naqueles armários. Estavam bastante abastecidos ainda, mas tinha dúvidas se preparava algo do zero ou apenas comia algo instantâneo.
Foi quando o celular começou a vibrar em cima do balcão da cozinha, e o rapaz olhou por cima ombro para ver no visor quem estava discando seu número, se surpreendendo ao ver o nome de Armin na tela. Quando o período de ligação acabou, viu seis chamadas perdidas, e logo discou de volta.
— Por que você não atendeu, Eren?
— Estava estudando. — Respondeu, fazendo biquinho. Inclinou a cabeça para firmar o celular entre a orelha e o ombro, voltando a procurar por comida nos armários. — Por que ligou tantas vezes?
— Eu não sei se você percebeu, mas o Zeke está muito estranho nos últimos dias. Hoje ele estava com a cara fechada que fiquei com medo de falar com ele. Agora mesmo o Erwin está conversando com ele no escritório, mas não consegui entender do que se trata. Eren, você sabe o que está acontecendo com o Zeke?
Eren ponderou por alguns segundos se falava tudo que aconteceu com seu irmão nos últimos tempos, desde o aparecimento repentino de Arthur na vida do Jaeger, até a relação deles, mas sabia que muitos detalhes poderiam ser íntimos demais e não deveriam ser compartilhados. Era a vida privada de seu irmão, afinal de contas.
— Ele só não está nos melhores dias dele. Mas não se preocupa, Armin, ele só fica assim por um ou dois dias seguidos, e depois volta ao padrão dele. Mais alguma coisa?
— Tchau! — Eren ouviu na ligação, estranhou, e logo um suspiro agitado de Armin soou. — Eu já estou indo para casa, e eu tenho que voltar logo. O incidente de agora a tarde me deixou com medo de ficar na rua por muito tempo.
Eren franziu o cenho.
— Inci… quê?
— Realmente não sabe? Do incidente do departamento que aconteceu agora de tarde?
Eren engoliu em seco, apoiando um dos braços na bancada de mármore e aguardando pela explicação do amigo.
— Não, eu não fiquei sabendo de nada. O que houve?
— Parece que os funcionários de lá comeram algo envenenado durante o almoço, e a análise diz que tinha um composto químico, um ácido se não me falha a memória, em uns doces que foram servidos. Cianeto de sódio, eu acho. Em termos simples, imagina tomar um suco de ácido sulfúrico.
O corpo do Jaeger gelou de imediado, e engoliu em seco ao se recordar que seu amigo Jean trabalha no Departamento de Polícia. Queria, assim que terminar a ligação, entrar em contato com o Kirstein, mas conhecendo a rotina agitada que o policial tem, certamente não seria atendido nem em seus sonhos.
— E pelo que eu soube — Armin continuou, e o “tlim” de um elevador soou no fundo da chamada — ao menos quarenta funcionários foram levados para o hospital, alguns não resistindo, outros estando agora passando por lavagem estomacal, e provavelmente, caso a pessoa sobreviva a tudo isso, terá sequelas por uns meses. Isso foi o que consegui entender.
— Já identificaram o suspeito? — Eren indagou, comprimindo os lábios.
— Eu não sei ao certo, mas uma coisa eu sei, e preciso que você faça o Zeke voltar para casa o mais rápido possível. Se não, quem sabe que riscos ele pode correr se estiver nas ruas?
— Mas você já está aí no mesmo lugar que ele, Armin. Por que você mesmo não fala diretamente com ele?
— Eu tenho medo de levar uma patada de graça. Espera, ele acabou de sair do escritório do Erwin. Vou ver se consigo falar com ele. Eren, toma cuidado se tentar sair de casa alguma hora!
A ligação foi encerrada, e de imediato a fome sentida por Eren sumiu para dar espaço à preocupação com aqueles que conhecia. Jean, por trabalhar no departamento se não ter sequer chances de descobrir se ele foi uma das vítimas do incidente, e Zeke, por não dar notícias de que horas ele irá chegar em casa.
Firmando ambas as mãos sobre o balcão de mármore, sentindo a frieza da superfície se espalhar sobre o seu tato e um arrepio vagar da cabeça aos pés, murmurou.
— Zeke, se você ama a sua própria vida, volta para casa logo, pelo amor de Deus.
◆
Estava a poucos centímetros da porta do motorista, Zeke pegou o celular para checar a hora, descobrindo ser ainda seis e quinze da tarde. O sol já estava se ponto, sumindo por entre os prédios altos que circundam o edifício em que trabalha, e o céu começava a ser pintado por estrelas miúdas e a lua começar a ganhar destaque no imenso horizonte. O tom alaranjando de fim de tarde dava espaço ao arroxeado, e em seguida se tornaria escuro por completo, sendo este o indicativo que era hora de voltar para casa.
Com o aparelho em mãos, ele entrou no aplicativo de mensagens e buscou o contato de sua amiga Pieck Finger. No fundo, hesitava em mandar uma mensagem ou ligar para ela, mas a solidão não iria lhe atormentar naquela noite. Sabia que podia contar com a amiga para tudo, principalmente nos seus altos e baixos.
Mandou uma mensagem, que logo Pieck a visualizou, fazendo Zeke murmurar um:
— Hã? Mas já?
Ele, em vez de permanecer nas mensagens de texto, perguntou se poderia fazer uma ligação com a Finger. Com ela concedendo a permissão, ele clicou no botão de chamada e a amiga atendeu.
— Oi! Sei que é um pouco repentino ligar assim, mas eu estou voltando para casa. É pedir demais que-
— Eu te faça companhia até chegar em casa? — Ela reagiu rápida, arrancando um olhar de surpresa do mais velho.
— Isso. É pedir demais?
— Não, claro que não. Eu só estava lendo umas coisas aqui na internet. Li coisas que eu faria de tudo para deletar da minha mente.
— Tem coisas que, não ironicamente, quero me esquecer a qualquer custo, porém prefiro não entrar em detalhes para não te traumatizar. Enfim, eu vou conectar meu celular no carro e podemos ir conversando no caminho. O que você acha? É só que…
— Tudo bem, Zeke. — Ouviu uma risada do outro lado da linha. — Não precisa se explicar.
O Jaeger entrou no carro e conectou o telefone no Bluetooth do veículo. Colocando o cinto de segurança e checando se tudo estava em ordem, girou a chave para ligar o carro e deu a partida.
No monitor à direita, Zeke aumentou o volume da chamada, e notou um chiado agudo soando no fundo. Curioso, ele logo questionou Pieck.
— Impressão minha ou estou ouvindo o barulho de alguma TV?
— É o meu pai. — Ela respondeu, e ouviu-se também o barulho de respingos de água. — Ele está assistindo o jornal. Sabe como é, ele fica vendo notícias até demais. Dizendo ele que é para se manter informado, mas só ver notícias ruins o dia inteiro? De acidente, de gente sequestrada, presa, assassinato, essas coisas, sabe? Não é querendo julgar, mas às vezes me pergunto como está a mente dele com tantas coisas assim.
— Eu ficaria um pouco perturbado se só ouvisse notícias ruins. Não que a minha mente não seja, mas vai que né?
— Zeke, você é leitor de Dark Romance. Acha mesmo que uma notícia ruim iria te abalar? Você já leu coisa muito pior do que as coisas que ficam passando na televisão.
— Nunca vou superar aquele hot em que a mulher está fazendo o oba-oba no meio do oceano enquanto tubarões estão cercando ela. Tch! Simplesmente bizarro isso, sabe? — ele suspirou fundo, relembrando aquela cena de cunho duvidoso
— O que passava na cabeça do autor ou autora quando escreveu aquela cena?
— Eu que eu diga.
Em meio ao questionamento, por alguns metros e ultrapassando alguns cruzamentos, a chamada ficou em silêncio, sendo quebrado por outro “tch” solto por Zeke.
— Mas enfim, tenho novidades. Tentei escrever mais um pouco do meu livro. Assim, tentei escrever algo, mas o máximo que consegui foi um parágrafo raso de introdução do personagem e da trama que vou desenvolver. O problema é que eu tinha imaginado praticamente tudo a ponto do roteirista de Avatar sentir inveja de mim, acredita? Mas aí fui sentar o rabo na cadeira para ir escrever e cadê que eu lembrava da história?
— Eita! Aí é humilhaçã- Oi! Pai? Espera só um minuto, Zeke.
O Jaeger continuou seu percurso, olhando sempre para frente, em uma velocidade razoavelmente rápida e firmando sua mão no volante, aguardando o retorno da amiga. Mordeu seus lábios e inexplicavelmente, uma sensação ruim percorreu por seu interior, uma sensação familiar e inexplicável de ansiedade provocando um aperto em seu peito.
Um frio na barriga medonho. Talvez fosse resultado de dias anteriores a qual não se alimentou bem, ou alguma comida instantânea. Mas não se recordava de ter comido algo pesado, nem algo que lhe causaria problemas estomacais, então que sensação incômoda era aquela?
— Ei, Zeke, você ainda está muito longe da sua casa?
— Um pouco. — Respondeu, entrando em uma esquina para a esquerda. — Por quê?
— Tenta chegar em casa o mais rápido que der. — A voz dela soou receosa. — Parece que teve um assalto no banco e os assaltantes estão fazendo reféns pelo quarteirão, e parece que se dividiram para fugirem com o dinheiro roubado para forçarem a polícia a escolherem quem eles vão atrás. Zeke, pelo amor de Deus, tente contornar o lugar o máximo de ruas que conseguir para não esbarrar com os criminosos. E-eles bateram em um carro?!
— Eles fizeram o quê? — Indagou, sentindo um arrepio intenso se espalhar por seu corpo.
Mesmo que Zeke não tivesse digerido completamente as informações, não tardou a pisar fundo no acelerador para retornar até seu apartamento o mais rápido possível, ultrapassando vários carros e motocicletas a toda velocidade e esquivando dos pedestres que passavam pelas ruas. Ainda estava longe, por volta de sete quilômetros de onde mora, o que lhe fez entrar em um desespero considerável e pensar “isso tinha que ser justamente hoje? Mas que desgraça!”
Soltou uma mão do volante e trocou a tela do painel do veículo, entrando no aplicativo do GPS e pedindo para a inteligência artificial traçar a rota mais curta até sua residência. Faltavam nove quilômetros até chegar lá, fazendo Zeke suar frio.
Enquanto isto ocorria, Pieck permanecia na ligação tentando acalmar os ânimos do amigo.
— Só por favor, não desliga, okay?
— Não vou. Não quero ficar sozinho logo agora.
Ouviu então um barulho distante, abafado pela lataria do carro. Era alto, e mesmo no interior do veículo, era fácil identificar que som era aquele. Era o de tiroteio somado as sirenes das viaturas dos policiais, fazendo o sangue do Jaeger esfriar e a pressão baixasse em questão de segundos.
Ao olhar pelo retrovisor, avistou três veículos vindo em sua direção, sendo o mais ao fundo uma van prateada, que julgou ser o carro utilizado pelos criminosos, e foi ali que percebeu que precisava sair do caminho para não se tornar a próxima vítima.
Assim o fez, girando o volante bruscamente para entrar em uma esquina na direita, derrapando e provocando um som alarmante de borracha raspando sobre a estrada de asfalto, ainda que o mapa no GPS indicasse que deveria ir pela esquerda.
Novamente, ao fitar o retrovisor, Zeke avistou menos cinco pessoas de moto perseguindo os criminosos, e por um momento, sentiu um alívio de que a polícia já estava tomando uma atitude para impedir a fuga dos bandidos, mas não poderia relaxar de forma alguma, ainda estava em uma zona perigosa e deveria manter sua atenção redobrada enquanto não estivesse protegido em sua residência.
Cinco quilômetros até chegar à residência.
— Vai ficar tudo bem, okay? — Pieck continuava a falar, e como foi súbito, Zeke levou um susto, entretanto, nada que o atrapalhasse enquanto dirigia. Ele continuou a dirigir em linha reta. — Respira fundo e só foca em ficar o mais longe deles.
Mais uma vez, aquele som de disparo soou na atmosfera, fazendo o Jaeger encolher em pavor e sentir seus pelos arrepiarem. O medo se instaurou novamente, ainda mais intenso, e apesar da vontade de ultrapassar o limite de velocidade, havia muitos carros, motos e pedestres pela rua buscando fugir do fogo cruzado entre os bandidos e os policiais.
Três quilômetros até chegar à residência.
— Isso não pode estar acontecendo. — Zeke murmurava, intercalando seu olhar entre a rua e os retrovisores do carro. — Isso só pode ser um maldito pesadelo! Por favor, que eu consiga chegar em casa em segurança.
Checou o GPS novamente, e ao virar bruscamente para a esquerda, o visor indicava estar a dois quilômetros de seu destino.
— Em alguns minutos eu chego lá, Pieck. — Disse, engolindo o ar logo em seguida ao entrar para uma esquina à esquerda, raspando o pneu e espalhando no ar o som agudo e incômodo, acertando a lataria de outro veículo e quebrando o retrovisor alheio.
Espantado pelo baque repentino, o Jaeger virou para trás e avistou o retrovisor ainda quicando e pequenos cacos brilhantes pararem no chão de asfalto.
— D-Droga! Eu vou precisar arcar com os custos disso depois.
Um quilômetro até chegar em sua residência.
— Pieck, eu já estou quase chegando.
Daquela distância, Zeke já conseguia avistar a silhueta do apartamento no horizonte, esboçando um fino sorriso que, mesmo após o susto anterior, não se esvaiu por nada. Estava quase chegando em casa, são e salvo!
Ao baixar a cabeça e voltar sua visão para a estrada, se aproximando do cruzamento que agora o GPS transformou a distância de quilômetros em metros, diminuindo cerca de dez metros a cada quatro segundos, o farol de uma motocicleta o forçou a pôr os braços na frente do rosto para não ser cegado pela luz intensa, e foi nesta janela de menos de três segundos, de olhos fechados, que sentiu um impacto brusco atingir o carro pela sua esquerda e ser arrastado violentamente para a direita.
O Airbag foi acionado bruscamente e atingiu o rosto do Jaeger em cheio.
O baque ricocheteou a cabeça do homem, que berrou com o impacto. Devido a isso, o vidro estourou e cacos voaram para o interior do veículo, perfurando sua pele e quando menos esperou, o carro foi arrastado e lançado direto para a portaria de um estabelecimento no final daquela rua, novamente ricocheteando sua cabeça e sentindo um estalo brusco em sua nuca.
— Zeke!
Murmurando de dor, o Jaeger a sentiu se espalhar por seu corpo como fogo se espalha por uma trilha de gasolina. Era como se seu corpo tivesse sido paralisado após o baque, e assim que abriu os olhos e conseguiu focar sua visão outra vez, imediatamente buscou alcançar a alavanca para abrir a porta e sair do veículo, entretanto, o cinto de segurança o impedia de sair.
De repente, avistou uma gota vermelha cair sobre a sua camisa.
— Ugh. — Tossiu, avistando pétalas de flores de pano coloridos caírem sobre seu rosto.
Com o pouco de consciência que lhe restava, se forçava a não perdê-la a todo custo. Mas tal tarefa se mostrava mais e mais difícil ao perceber que nem sequer conseguia sustentar sua cabeça firme.
A medida que o AirBag desinflava, sua cabeça descia junto do tecido, e foi naquele momento que ouviu outro estalo em sua nuca.
— Zeke. Zeke, o que aconteceu?!
Sua respiração se tornava mais e mais pesada, a vista embaçada, e quando os olhos vagaram para os cantos dos olhos, avistou silhuetas se aproximarem de seu veículo, seguido de um zumbido baixo, abafado e incômodo.
— Eu nem consegui terminar a porra do meu livro ainda. — Sussurrou, tossiu, e em seguida soltando um grunhido, sentiu o nó em sua garganta apertar ainda mais. — Eu não quero morrer. Eu realmente não quero. E se fosse para morrer de fato, que ao menos tivesse vivido um amor reciproco antes.
Nos últimos instantes de consciência, ainda com os olhos abertos, entretanto, com visão borrada, avistou pétalas brancas caírem sobre o Airbag já seco e manchado por seu sangue. Suas pálpebras ficavam mais pesadas, e assim como elas, as pétalas ganhavam mais peso e encolhiam de tamanho ao absorverem seu sangue ferroso.
— Eu vivi algo parecido quando ele estava ao meu lado.
A voz já não saia pela abertura de seus lábios.
“O que tive com ele foi o mais próximo que estive de estar em um relacionamento. De poder amar e me sentir amado. O quão estúpido eu fui de não ter aproveitado melhor esses momentos!”
Por fim, seus olhos se fecharam por completo. O último som escutado antes de perder completamente a consciência foi um grito abafado, distante, quase inaudível de sua amiga, berrando na chamada.
— Zeke! Zeke! O que aconteceu?! Responde, Zeke!!
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