Duas semanas depois, no Departamento de Polícia, dez e quarenta da manhã
— Ah! Por fim, mais um caso foi encerrado. — Disse Jean, pondo vários documentos em uma pasta, a colocando na gaveta de um de seus armários e o empurrando para fechá-lo, comemorando aquele momento e sentindo um peso enorme ser arrancado de suas costas. — Finalmente um pouco mais de paz até outra desgraça acontecer!
Jean se espreguiçou, virou e fitou Marco, o qual estava sentado em uma cadeira e segurava a suas muletas, e mesmo com os braços ocupados, “dançava” no assento e não demorou a bater palmas e parabenizar o amigo policial.
— É assim que se fala! — O rapaz disse, delineando um sorriso tão brilhante que competia com o sol matutino.
— Eu realmente devia ter te ouvido mais vezes, amigão. — Jean se jogou em sua cadeira e ela o arrastou até a sua mesa. O homem se endireitou e encarou seu amigo, que fez o mesmo. — Ah, eu quero dormir por vários dias depois disso.
— E você vai que dormir por vários dias. — Comentou Marco em um tom firme. — Aliás, como está o seu ombro? Ele já está menos dolorido?
Jean desabotoou um botão de seu uniforme e checou se a gaze ainda estava onde colocou, e ela tinha uma coloração um tanto amarelada. Era enjoativo de olhar, mas por sorte, ou azar, o tecido de sua farda é áspero e ocultava bem a gaze. Por outro lado, se não houvesse algo entre a ferida e a roupa, a ardência se tornaria insuportável.
— Ainda dói um bocado. — Jean fechou o botão da farda. — E tenho que ficar passando remédio nele de vez enquanto. Talvez demore um pouco para sarar, então é melhor eu não forçar tanto o meu braço esquerdo por enquanto.
Marco delineou um fino sorriso sem dentes.
— Mas mudando de assunto, queria saber se você já tem algum compromisso para mais tarde. Tem algum?
Marco fingiu uma tosse e engoliu em seco, surpreso pela proposta do Kirstein.
— Na verdade, não. Por que a pergunta?
— É que faz um tempo que não saímos para ir em algum lugar. Só eu e você, sabe? Aí queria saber se está livre agora pela tarde para passearmos por aí. Na praça, ir em um restaurante, uma sorveteria. Qualquer lugar, para falar a verdade. — Jean esboçou um sorriso tímido, coçando a nuca e sentindo as bochechas esquentarem. Estava em dúvida se era por conta da agitação da sua fala ou o calor do sol, entretanto, tinha de criar coragem para recitar as próximas palavras. — A-a verdade é que só queria uma desculpa para passar um tempo contigo. Nem imagino o quão chato deve ter sido sua estadia lá no Socorrão, então eu quero compensar o tempo que permaneceu lá fazendo companhia para você nos próximos dias. O que acha?
Marco sentiu as bochechas esquentarem e a pele adquiriu um tom rosado. Por um momento se perdeu em seus pensamentos conflituosos e hesitou em que resposta dar ao Kirstein.
Entretanto, quanto mais tempo se passava, o silêncio quebrado pelas buzinas e motos passando ao fundo davam espaço para o batimento no peitoral do rapaz acelerar e fazer com que aquele fosse o único barulho escutado.
O “badump” se intensificou assim que Jean o encarou com como um gato pedinte, e ainda que a luminosidade intensa o banhasse, Marco podia ter certeza de que viu a pupila de Jean dilatar.
Engoliu em seco e esboçou um fino sorriso, criando coragem para responder Jean.
— N-não. Não tenho nenhum compromisso, para falar a verdade. Você sabe que não faço muitas coisas a não ser tarefas domésticas e publicar desenhos na internet, não é? Então eu ficaria muito feliz de poder sair mais tarde contigo. Que tal irmos em uma sorveteria? Aquela que vamos desde que somos crianças?
Jean assentiu imediatamente, espantando o amigo
— Bom, não vejo porque não. Mas antes de sair, eu preciso fazer uma coisa.
— Tudo bem, não precisa ter pressa.
Jean pegou o celular e dedilhou por um tempo consideravelmente longo, por vezes esboçando estar tão concentrado no aparelho que nem se dava conta do que acontecia ao seu redor, e muito menos pareceu se dar conta de que a máquina de café do lado de fora apitava sem parar.
Além das janelas daquela sala, Marco arqueou a cabeça e viu Petra, Mike e Nanaba pegarem copos de plásticos e os enchendo com a bebida fervente. Não bebeu nada desde que chegou no departamento, e sequer sabia se era permitido beber a bebida preferida dos policiais, entretanto, acenou para o trio do lado de fora e sinalizou que café também.
Petra entrou na sala de Jean e deixou dois copos sobre a mesa, além de dois sachês de açúcar caso queiram adoçar o café.
O Bodt agradeceu pela boa ação e viu a moça assentir e se despedir, saindo e fechando a porta da sala. Pelas frestas das persianas, Marco viu a moça sair saltitante e sumir no elevador daquele andar.
O rapaz virou o corpo na cadeira e fitou o Kirstein, ainda ocupado com sabe se lá o quê no celular. Por vezes fazia caras e bocas, o que achava cômico, mas também lhe provocava uma imensa curiosidade pelo que aparecia na tela alheia.
— Sim, Jean, o que você está fazendo mesmo no seu celular? — Marco perguntou, pegando o copo de café, rasgando um sachê e pondo um tiquinho de açúcar.
Ao ouvir a pergunta, o Kirstein o mirou atentamente e, após alguns segundos sem falar, deixou o celular sobre a mesa e encarou o amigo com uma seriedade que logo se transformou em um sorriso travesso.
— Ajudei um amigo.
Marco tomou um gole grande de café, e após deixar o copo sobre a mesa, perguntou.
— Posso saber quem é esse amigo?
Jean levantou a mão direita, abrindo o palmo e estendendo todos os dedos. Em seguida, ele começou a baixar um de cada vez. Primeiro o dedo mindinho, depois o anelar, e em seguida ele disse em voz alta:
— Ele vai aparecer em três, dois, um…
Ao baixar o último dedo, o maior, ouviu-se o barulho de “tlim” vindo do elevador do outro lado da sala do policial. Como um torpedo, uma pessoa disparou em uma arrancada tão violenta que fez um tornado de papéis sair voando pelos ares daquela sala.
A porta foi escancarada, e revelou ser Arthur de Silva.
— Jean Kirstein do céu. Me diz que isso é mentira!
— O que foi, Arthur? — Jean deixou uma gargalhada escapar. Fez-se de desentendido, de braços cruzados, e fitou o Silva, que visivelmente estava espantado. — Que bicho te mordeu?
— Não, não foi nem bicho! — Arthur abanou as mãos e procurou um lugar para se sentar, e vendo que não havia canto algum, preferiu se manter de pé. — É que tipo, ‘cê tem certeza que não enviou essa quantia errada? Cento e setenta mil reais de uma vez só?
Marco ficou de olhos arregalados e fitou Jean em espanto.
“Ele transferiu quanto?!” foi o que passou na mente do Bodt.
— Nunca estive tão certo de algo quanto antes. — Jean disse, mantendo um sorriso descarado. — Essa quantia em dinheiro que transferi deve ser mais que suficiente para pagar todas as suas dívidas do seu bar, não é?
— S-sim, é mais que o suficiente. É só que não sei como reagir a isso. Eu realmente mereço isso tudo?
— Claro que merece. Fomos nós quem abatemos o Kenny. — Estalou o dedo. — Acredite, eu e meu pelotão recebemos uma quantia altíssima por trazer aquele criminoso com vida. Isso que te mandei é só o troco do pão comparado ao que recebemos, então não tem com que se preocupar, tá bem?
“Humilde, hein?”
Arthur permaneceu com os lábios entreabertos, intercalando seu olhar entre a tela rachada do celular emprestado pelo pai e o policial do outro lado da mesa, que o encarava com uma feição pretensiosa.
— Eu realmente não sei nem como agradecer. — Arthur exibiu um sorriso fino e sem dentes. — É sério. Não tem nada no mundo que eu possa usar para retribuir tudo o que fez por mim.
— Que isso, cara. Só fiz o meu trabalho.
— Eu estou falando sério, Jean. Eu quero poder agradecer de alguma forma, mas não sei como!
Jean coçou a orelha.
— Como disse, não precisa agradecer, Arthur. Mas se eu fosse indicar algo, um aperto de mão já seria o suficiente?
Arthur ficou sem jeito, ainda mais se tratando de que havia outra pessoa na sala, o qual o olhava com tamanha atenção. Não desviava o olhar deles por nada.
— Esse rapaz… — Arthur fitou Marco. — Ele é algum conhecido seu?
— Meu melhor amigo. — Jean respondeu sem hesitar em suas palavras. — A pessoa que esteve comigo nos meus momentos mais críticos e o motivo pelo qual ainda estou vivo.
— Ah, para! — Marco deu de ombros. — Não é para tanto. Eu só fiz o que um amigo deve fazer pelo outro.
— Sim, eu sei, mas é que você foi meu porto seguro quando tudo estava desmoronando, então te considero como a pessoa mais importante dentre o meu círculo de pessoas conhecidas, entende?
Marco corou, e Arthur intercalou seu olhar entre os dois homens, notando as bochechas de ambos ganhar um rubor visível.
— E aí, o beijo vai rolar quando?
— Quê? Nah! Negócio de beijo, homem! — Marco pareceu espantado ao falar aquilo. Arthur estava rindo e Jean bateu a cabeça na mesa, parecendo entristecido ao ouvir a resposta do Bodt. — Somos amigos a tanto tempo, mas nem em sonho eu faria uma coisa dessas!
Arthur recuou alguns passos, agora encostando o pé na base da porta da sala do policial.
— Bom, eu adoraria ficar para conversar com vocês mais um pouco, mas agora eu vou ali no banco para quitar essas contas de uma vez por todas. Tenham um bom dia, pessoal!
— E vê se não-
A porta foi fechada de uma só vez, espalhando o ruído estrondoso pelo salão. Jean torceu os lábios e bufou, continuando a falar em um tom gradativamente mais baixo a medida que observava Arthur avançar em disparada rumo ao elevador.
— Se encrenca outra vez. É, fazer o quê, né?
Marco exibiu um sorriso fino a medida que mirava o Silva erguer a cabeça e manter sua visão atenta no painel acima do elevador, a qual possuiu uma luz verde apontando para baixo. Aparentemente decepcionado, o jovem virou para os dois lados bruscamente, e foi naquele exato instante que avançou rumo à porta vermelha no lado direito do elevador, essa que dá rumo a uma escadaria imensa que quase ninguém ousa usar.
— Ele é bem… elétrico, não? — Comentou Marco, inclinando o rosto e se encostando na parede.
— Apesar dele ser um tanto explosivo às vezes, ele é um cara bacana. — Jean desfez os braços cruzados, inclinando a cabeça para fitar seu amigo. — Só é lelé da cuca às vezes, mas ele é uma boa pessoa. Enfim, eu vou só trocar essa gaze e essa roupa e já que te alcanço, okay?
Marco sorriu de orelha a orelha, se levantando e se apoiando em suas muletas.
— Tudo bem. Eu vou ficar lá na entrada te esperando.
◆
Arthur desceu os últimos degraus da escadaria da entrada do prédio e puxou o celular para checar as horas. Ainda eram dez e cinquenta e um da manhã.
— Acho que depois de ir ao banco, eu já sei em que lugar eu devo ir.
Arthur desbloqueou o celular, tendo dificuldade para enxergar o que estava sendo exibido na tela, e mesmo que aumentasse o brilho, a quantidade imensa de rachaduras na película trincada o impedia de enxergar. Ainda com essas dificuldades, ele entrou no aplicativo de mensagens e ligou para um conhecido, Eren Jaeger, para ser mais preciso.
Alguns segundos após discar o número, foi atendido.
— Ô, tá aí? — Perguntou Arthur.
— Tô, mano. — A voz de Eren soou irritada. — Mano, te contar que eu estava tentando jogar uma partida aqui no LoL, né, mas eu fui expulso da rankeada por causa de um Random que nem jogar de Sup sabe? Bicho, e o pior nem é isso, mas o ADC… puta que pariu, nunca vi alguém conseguir ser tão tapado jogando com essa classe. O cara não tinha visão de mapa alguma! Bicho, eu tô com um ódio tão grande, tão grande. Não bastasse isso, advinha só? Eu estou sendo impedido de entrar nas rankeadas porque fui denunciado no meio da partida! Porra!
“E parece que o Eren voltou a estaca zero”, foi o que passou na mente de Arthur, enquanto fingia interesse em ouvir a reclamação do Jaeger.
Após engolir em seco, ele murmurou em baixo tom:
— Que coisa, hein? Mas creio depois de uma partida normal você pode entrar na rankeada de novo, não é?
— Sim, sim. Para falar a verdade, eu só queria reclamar mesmo. Dizem que faz bem para saúde.
“De que Podcast ele ouviu isso?”
— Mas eu vou largar o jogo por um tempo e fazer algo para comer. — Arthur escutou o barulho de cadeira ser arrastada. — Não comi nada desde que acordei.
— Espera, nem café da manhã?!
— Nada. ‘Tava tentando subir de Rank e deu no que deu. Aí agora vou ver o que tem aqui para comer. Deixa eu ver… — Arthur escutou barulhos de porta de armário rangendo ao fundo. — Vou testar uma receita que vi na internet. Parece que vai banana, flocos de aveia, leite, ovos… Rapaz, más notícias.
— Diga.
— Dessa receita, eu só tenho a frigideira. E agora?
— Simplesmente nada a comentar, Eren. Ei, deixa eu te perguntar. Onde é que o Zeke está mesmo? Digo, o hospital que ele está recebendo tratamento.
— Ele está na clínica do meu pai.
Arthur levou a mão ao queixo, rumando para a sua moto no estacionamento à frente do prédio do Departamento de Polícia, montando e em seguida sacando as chaves para a ligar.
— Hm… A clínica do senhor Grisha por acaso se chama A Tenda?
— Essa mesma! Pretende ir lá agora?
— Aham. Acho que vou lá ver o Zeke. Faz um tempo que planejo ir ver ele, mas nunca lembrava de vir falar contigo para lembrar o nome do lugar. Enfim, valeu mesmo, meu mano!
— Disponha. Depois eu passo para ir ver ele também para infernizar um pouco ele.
— ‘Cê nunca vai sair dessa fase, não é?
— É isso que faz ser eu, oras!
— Irritante.
— Olha quem fala!
— Tchau!
Após aquelas curtas palavras, Arthur desligou a ligação e fez o mesmo com o celular. Ao colocar o capacete, ele pensou solitariamente:
“Acho que vou trocar de celular antes de ir para A Tenda. Tomara que algum esteja em promoção porque, mesmo com dinheiro todo, não vou ser estúpido de gastar tanto em um celular que não vem nem o carregador.”
Deu a partida e saiu.
“Uma coisa de cada vez, Arthur. Uma coisa de cada vez.”
◆
12:40 da tarde
— Só uma dúvida, pai, o Zeke está melhorando mesmo?
Eren ergueu a sobrancelha a medida que as mãos foram aos bolsos da jaqueta, seguindo Grisha Jaeger pelo corredor da clínica particular. O mais velho folheou a prancheta e mirou o jovem em seguida, respondendo em um tom calmo.
— Devagar, mas de forma estável. Sendo mais preciso, o pior já passou, e a minha equipe está fazendo o melhor possível para que seu irmão se recupere sem grandes problemas.
Ao ouvir aquelas palavras do mais velho, Eren deixou um suspiro exalar por seu nariz e sentir o alívio momentâneo.
De repente, enquanto andava, notou que Grisha havia parado a frente de uma porta, e o Jaeger mais novo deu alguns passos para trás para indagar o mais velho:
— Esse é o quarto dele, não é? — Eren perguntou, e com o mover da cabeça, Grisha afirmou, seguido de um grunhido.
— Uhum. Pode entrar.
Eren abriu a porta e deu alguns passos para o interior do ambiente gelado. Os pelos ouriçaram e a pele arrepiou ao sentir a frente fria do ar-condicionado na temperatura dezenove. Ainda sem se revelar, se deparou com Arthur de Silva sentado em uma cadeira, segurando um celular e possivelmente lendo algo para Zeke, o que a princípio considerou como um momento adorável.
Mas tal fofura caiu por terra ao notar que o irmão mais velho estava de olhos arregalados e aparentemente perplexo com o que ouviu do Silva.
— Eu não sei como vou lidar com essa parte, mas tudo bem. — Disse Arthur, tentando conter a risada. — Continuando, “E então fiquei molhada. Ele enfiou a língua profundamente em meu traseiro, lambendo minhas paredes vaginais. Ele chupou, lambeu e sugou, indo da minha buceta para a minha bunda e ia e voltava, e então enfiou os dedos em minha buceta e os empurrou fortemente, me fazendo gemer, sentindo algo”, — Arthur tentou conter a risada novamente, entretanto, não conseguiu, “algo tremer em meu interior e me senti no paraíso.”
Eren, ainda quieto, porém horrorizado com a barbaridade que ouviu, olhou para trás e se deparou com Grisha ainda examinando a papelada na prancheta. Parece que não se deu conta de que o “amigo” de Zeke está lendo um pornô literário a plena luz do dia, no horário do almoço para piorar!
O Jaeger mais novo se revelou a frente dos dois homens com um olhar amedrontador, como se estivesse prestes a arrancar a alma do corpo do Arthur.
Assim que Arthur notou a mirada assombrosa, deixou as pálpebras baixarem ligeiramente e delinear um sorriso descarado em sua face.
— Oi, queridinho. — Disse e cruzou as pernas de maneira elegante, como ele mesmo diz. — É falta de educação interromper o momento de histórias, sabia?
— Você está lendo putaria, Arthur!
— O seu irmão adora isso. — Deu de ombros.
Zeke nem contestou porque, no fundo, sabia que Arthur não estava mentindo. Ainda assim, preferiu não se pronunciar e permaneceu calado.
— Mas me conta, Eren. — O Silva desligou o celular, cruzou as pernas e fitou o moreno a sua frente. — Conseguiu fazer a receita que disse que ia fazer?
— Olha, não. A preguiça de ir no mercadinho comprar os ingredientes bateu e eu só comi um macarrão instantâneo que estava lá no armário.
Ao ouvir aquela palavra, “macarrão instantâneo”, Grisha forjou uma tosse que atraiu a atenção do Jaeger mais novo. Apavorado pelo olhar de repreensão do doutor, Eren engoliu em seco e se justificou, abanando as mãos de maneira apressada a medida que explicava.
— Em minha defesa, foi o único que comi em meses, beleza? O senhor sabe como eu tenho tentado evitar ao máximo comida pronta e de micro-ondas.
O Jaeger mais velho ajustou os óculos, reluzindo a luz vinda da janela do quarto.
— Já estava mais que na hora de cortar completamente essas coisas, mocinho. Trate de melhorar seu paladar antes que acabe passando mal do estômago outra vez, okay?
— Okay, pai, eu entendi. — Eren resmungou, a voz soando arrastada. — Eu juro que vou melhorar meus hábitos alimentares.
Após a repentina interrupção de Grisha, Eren, aliviado pela tensão momentânea, voltou seu olhar a Zeke e Arthur, que o encaravam com atenção.
— Mas ao menos uma coisa boa aconteceu, e isso vai surpreender vocês. — Eren suspirou, criando suspense no ar. — Eu estava estudando!
— Você? — Zeke duvidou, franzindo o cenho. — Estudando?
— Acredite se quiser, eu voltei a estudar, mas dessa vez com foco em tirar uma nota boa nos vestibulares que eu vou tentar fazer esse ano!
Os olhares de Arthur e Zeke se encontraram, ainda incrédulos com as palavras de Eren.
O mais novo continuou a comentar, agora contando nos dedos o que fazia além dos estudos.
— Estou lavando roupa, fazendo a limpeza da casa, e quando a preguiça não me derruba eu tento aprender uma receita nova, e acredite se quiser, até procurando vagas para um emprego de meio período eu estou, mesmo sabendo que as exigências em algumas empresas são tão toscas ao ponto de, cara, eu vi uma empresa ter como requisito mínimo saber três idiomas, no mínimo!
— Três idiomas? — Arthur questionou. — No way. No creo que eso sea real.
Zeke esboçou surpresa ao escutar o rapaz alternar os idiomas tão rápido, além da perfeição na maneira de falar, sem traço algum de seu sotaque. Até desejou perguntar onde ele aprendeu a falar tão bem.
Arthur, sentindo o olhar ardente do Jaeger loiro pairando sobre si, fechou a aba da “bíblia laranja” no celular.
— E sabe o que é pior? — Eren chamou a atenção dos dois, apoiando os braços na maca. — Isso era o requisito mínimo para o estagiário… Estagiário!
— Inacreditável. — Arthur comentou, esboçando uma feição de nojo. — E certeza que se fosse numa outra vaga, provavelmente pagariam no máximo um salário e meio, e o patrão estaria jurando que está fazendo muito. Ao menos foi o que aconteceu com papai antes dele ser promovido. Se bem que ele saiu da primeira empresa que estava e aí migrou para outra consideravelmente melhor… não, espera, isso aconteceu umas quatro vezes até ele estar na que está hoje. Mas vai por mim, patrão carrasco é um nojo de se lidar!
— Isso eu tenho que admitir. — Zeke continuou. — Aliás, como está a situação do Reiner lá no fliperama, se você ainda tiver contato com ele?
Eren ficou pensativo. Não entrou em contato com o bombadão por vários dias, para falar a verdade, então o máximo que sabia era uma suposição errônea.
— Do jeito de sempre, eu acho. Mas enfim, parece que você já está melhor, né? Digo, do pescoço.
— Sim, sim. — Zeke aproveitou a menção da região para coçar brevemente a área. — Ainda está um pouco dolorido, mas pouco a pouco tô de volta. E preciso melhorar logo para voltar para o trabalho, se não-
Grisha apareceu e encarou o Yeager.
— Nada de pensar em trabalho. Apesar de que você queira, precisa entender que precisa de tempo para se recuperar do que aconteceu contigo. Nada de trabalho por enquanto. Ordens do médico. Agora, Eren, é hora de você ir para o seu cursinho, não é mesmo?
Arthur e Zeke novamente se entreolharam, como se compartilhassem o mesmo neurônio.
— É. É melhor eu ir indo mesmo. — Eren concordou, não dando tempo para que a dupla a frente dele dessem as opiniões deles e se virou em direção à saída do quarto. Mas antes de sair, arqueou a cabeça na direção de Arthur e disse em um tom de ironia. — Enfim, boa leitura dessa “história” aí, Arthur. Parece que o Zeke realmente está gostando.
O jovem acenou em afirmação.
— Vou continuar. Boa aula lá!
Assim que Grisha e Eren saíram do quarto, Arthur rapidamente ligou o celular e perguntou para Zeke em que parte ele parou.
— Quando o homem estava dando uma sugada na protagonista.
— Ah, sim. — Engasgou de rir. — Continuando. “Foi quando derramei meu mel do amor na face daquele homem de barba falha. Eu sentia um calor imenso na minha região baixa, mas quem se importava? Tudo o que eu queria era aquele homem fazendo eu me sentir especial, só dele, e aquela língua voraz me fazia pensar que eu deveria estar grata pelo que ele me faz sentir, porque não há nada melhor do que ser chupada e pensando ‘eu mereço isso!’”
Zeke soltou uma gargalhada como se uma chaleira soltasse vapor intensamente. Gargalhou pausadamente, e logo se assemelhou a um porco engasgado, e por fim, chegou a um ponto em que, sinceramente, buscar sinônimos para definir a risada deste homem é um desafio maior para o autor dessa obra do que entender o que passava na cabeça do Arthur ao escolher a história que está lendo.
— Arthur, essa história é uma coisa tão confusa que só tem hot para tentar ganhar visualizações!
“Senti que isso foi uma crítica para mim”, pensou Zeke, mirando Arthur afirmar com convicção invejável.
— Você estava esperando plot em uma história postada nesse site? — O Jaeger comentou. — É pedir demais, não acha?
— Mas ei, tem muitas histórias boas lá! Muitas delas têm plots tão bons que dariam adaptações excelentes se um estúdio competente pegasse o roteiro para adaptar. Só que para poder adaptar uma história, primeiro ela teria que estar completa, o que não é o caso da maioria das que são postadas lá. Que é o caso dessa aqui que estou lendo. O próximo capítulo está nomeado como “Novidades!”, dizendo que teria capítulo novo em breve, mas ele foi postado em dois mil e dezenove.
— Hã?! Sem final?! — Zeke tossiu. — Quer dizer que a gente empacou no meio da… não, Arthur, me diz que isso é mentira!
— Não é. — A voz de Arthur soou desanimada, e saiu daquela história para conferir o perfil da autora. Assim que a página carregou, checou todas as informações dispostas na tela. — A última atualização dessa autora foi no mural dela, em dois mil e vinte e dois, quando falou que agora está casada, ingressou no mercado de trabalho e agora tem até uma filha chamada Rose que o “e” se pronuncia “ê”. E ela tem dois cachorros que são os maiores fãs do marido dela. Não podem ver ele que já querem morder ele.
Zeke ficou de lábios entreabertos, processando cada informação disparada por Arthur.
— Isso não estava no meu bingo desse ano.
— E no meu, Zeke? Mas enfim, vou procurar outra história para ir lendo para ir te entretendo.
Ao Arthur reconhecer a plataforma mencionada, procurou por histórias para entreter o Jaeger. Pulava de site em site, lia sinopses, e algumas chamavam a atenção do homem barbado, outras ele só dizia “como vou ler uma história sem descrição?”, “Eu já vi esse plot em uma centena de livros, então o que tem de diferente nesse?”, “leia e descubra? Eu vou é ignorar”, e por aí vai.
Apesar disso, Arthur estava gostando de passar seu tempo ao lado de Zeke, e o ver interessado em ouvi-lo contando as histórias, por mais mirabolantes que fossem, enchia o coração com uma paz imensurável, incapaz de contabilizar ou concretizar aquele sentimento através de palavras.
“Eu realmente queria que o tempo parasse para podermos desfrutar da companhia um do outro por mais tempo.”
— Que tal tentar outro site? — Zeke sugeriu, tirando Arthur do transe. — Esse tal o “Tãmblêr”? É assim que chama?
— Eu nunca li nada nesse site. — Afirmou e digitou o nome do site no celular. — Mas vamos ver se a gente dá sorte.
Eles não tiveram sorte.
— “A sua rata estava tão escorregadia e quente.”
— Puta merda, Arthur. “Rata”? “Rata”?!
— É tradução automática, poxa!
O autor realmente precisa gastar oito linhas para descrever esses dois homens caindo na gargalhada com uma coisa dessas?
Ao finalizarem essa história, longos minutos se passaram e Arthur permaneceu configurando o celular. Quando se deu conta, uma enfermeira entrou no quarto e deixou um cesto de comida na mesa ao lado da cama e saiu sem demora.
Como o Silva preferiu ficar por mais tempo, Zeke sugeriu Arthur dar comida na boca dele.
— Sério mesmo, Zeke? — Arthur questionou, fazendo biquinho e o mirando fixamente. — Quer que eu dê comida na sua boca?
— É. — Disse ele, com os olhos brilhando e as pupilas dilatadas. — Por favor.
Arthur fechou os olhos, e no instante seguinte, Zeke sentiu uma aura maligna exalando do mais novo. Um sorriso pretensioso se delineou na face do Silva à medida que inclinava a cabeça para fitar o Jaeger.
— Já que é assim, eu vou dar comida na sua boca. — Proferiu Arthur, alargando o sorriso. — Mas só se você disser “Ah, amorzinho, dá na boquinha, vai!”
O Jaeger revirou os olhos, sentindo um estremecer intenso de pura vergonha alheia.
— Vai se ferrar, moleque!
Zeke cruzou os braços, relutante a falar aquelas palavras vergonhosas.
“Maldita hora em que ele inventou de ser desaforado desse jeito.”
Mas logo deixou de resistir e sussurrou, com as bochechas ardendo em queimação.
— Está bem. Vai, amorzinho, dá na minha boquinha, vai.
Arthur tentou conter a gargalha, mas não conseguiu de novo, e teve de colocar a colher de volta na tigela de sopa para não correr o risco de derramar o líquido fervente nas vestes hospitalares de Zeke.
Um tempo se passou, e Arthur conseguiu fazer Zeke comer aquela comida relativamente sem gosto com certa tranquilidade. Apesar do constrangimento de falar tais palavras em voz alta, o momento entre os dois seria registrado nas memórias como um momento especial.
Também como um momento de vergonha alheia imensa, mas não vamos considerar essa parte. Vamos apenas fingir que isso foi apenas um delírio da mente do Zeke e que nada disso aconteceu de verdade, estamos entendidos?
Arthur, ao finalizar o último capítulo da história que pegou para ler, essa sendo de capítulo único e fazendo os dois sentirem fortes emoções por um personagem que nem nome tinha, se levantou da cadeira dura e se alongou, gemendo alto assim que escutou os estalos de seus membros se espalharem pelo quarto.
Ao os olhos do Silva se abrirem novamente, avistou o ponteiro menor do relógio apontar para uma hora, e o ponteiro maior deslizava rumo ao número onze. Era hora de ir embora.
— Eu já estou indo, tudo bem? — Disse, desligando o celular e o colocando no bolso, puxando também a sacola com a caixa do celular novo.
Zeke arregalou os olhos em espanto e ergueu a mão que não tinha o soro sendo injetado para segurar o pulso de Arthur.
Naquele momento, os olhares dos dois homens cruzaram e Arthur entrabriu os lábios, buscando palavras para definir a ansiedade repentina provocada pela palpitação acelerada de seu coração ao sentir o tato quente do Jaeger lhe tocar e pressionar o braço.
— Mas já? — Indagou Zeke, engolindo em seco. — Ainda está muito cedo. Realmente não pode ficar só mais um pouco?
— Eu até queria, Zeke. — Retrucou Arthur, em um tom de voz gentil. — Mas tenho que resolver umas coisas pessoais.
O Jaeger fez uma feição manhosa. Arthur se aproximou devagar, mantendo seu olhar fixado em um ponto específico do rosto de Zeke. A boca fina e seca. Queria umedecê-la com beijos. Inúmeros que desejou dar desde o momento em que entrou naquele quarto, mas tinha de conter a tentação por ora.
Naquele momento, o Jaeger sentiu os pelos de sua nuca ouriçarem intensamente a medida que Arthur diminuía a distância entre eles e sentia a respiração quente alheia se misturar a sua, e se esforçou para mover seu corpo para que Arthur pudesse o tocar imediatamente. Queria sentir o Arthur tocar a sua pele e despejar inúmeras carícias sobre ela.
No fim, Arthur deixou um simples beijo na testa alheia. O homem paralisou, murmurou um “Eh?”, e o olhar se manteve vazio por longos segundos que pareceram uma eternidade.
— Eu juro que volto assim que puder, tudo bem? Não se preocupa, Zeke. — Arthur murmurou, se inclinando para deixar uma respiração quente pairar sobre o ouvido alheio e sussurrar devagar. — Logo mais ganhará mais e mais beijos em locais que nem imagina que vai ganhar.
Em seguida, Arthur recuou a passos longos, mandou um beijo no ar e saiu daquela sala com a feição mais descarada do mundo.
No quarto gelado, Zeke continuava com a expressão vazia de alguns segundos atrás, em transe pela fala quente de Arthur ainda retumbar em seu interior, repetindo incontáveis vezes até compreender que ele realmente as proferiu.
“Mais e mais beijos em locais que nem imagina que vai ganhar” foi a frase que fez a pele do Jaeger arrepiar da cabeça aos pés, estremecendo apenas de imaginar seu corpo recebendo as carícias prometidas pelo amado.
Ainda que inconscientemente, Zeke não conseguiu conter o fino sorriso que se formou em seus lábios ao retornar a realidade.
— Acho que na próxima oportunidade em que ele estiver por aqui, vou dizer o quanto eu gosto dele. Dessa vez, de uma forma mais formal.
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