Depois do curioso incidente no metrô, Nayara continuou o caminho da estação ao seu novo colégio. Vários pensamentos giravam por sua cabeça, como crianças encapetadas giram em um gira-gira cada vez mais rápido até uma das crianças sair voando, bater em uma parede qualquer e os pais chegarem e tirarem todos os pirralhos dali. Será que as aulas seriam boas? Será que faria amigos? Será que as gurias saberiam que usar shorts com mais de três palmos de comprimento faz bem para a saúde?
Enquanto refletia sobre todas essas questões, Nayara mal percebeu que chegara ao seu destino. Um enorme portão cinzento de aço fundido levantava-se, imponente. Nele viam-se letras metálicas, que diziam "Colégio Projac". Apreensiva, nossa heroína cruzou os portões e chegou em uma área externa gigantesca. Um caminho de pedras conduzia até a porta principal do prédio da escola, cercado por pequenas tulipas roxas. Haviam árvores grandes e tortas, cheias de estudantes trepados em seus galhos e casais abraçados na grama molhada, aproveitando sua sombra. Alguns bancos de pedra se espalhavam pela paisagem, a maioria grafitado por vândalos ou partidos políticos. Alguns dentes-de-leão se amontoavam pelo chão, prontos para serem soprados.
Pensando em como sua escola tinha um nome horrível e parecia um colégio de filme americano, Nayara nem percebeu que começara a andar, até que deu de cara com um garoto que vinha da direção contrária, igualmente distraído. Os dois caíram, e seus materiais voaram em diferentes direções, se espalhando pelo chão.
-Meu Deus, desculpa mesmo, eu estava distraída e... -Nayara não conseguia terminar a frase.
-Não, tudo bem, sério.-disse o menino, que parecia um cruzamento de um tomate e um pimentão, com um misto de rubor natural, esforço físico e vergonha intensa.
Era um rapazola mais ou menos da altura de Nayara, de ombros largos e rosto comprido e rechonchudo. Seus cabelos eram negros, com um corte bastante comum. Tudo nele inspirava simpatia e confiança.
-Meu nome é Nayara.
-Eu sou o Evaristo.
-Prazer em conhecer, Evaristo.
-Então, em que série você está?
-Eu vou começar o primeiro ano.
-Sério? Eu também.
-Pode me ajudar? Eu acabei de chegar e não sei como as coisas funcionam por aqui.
-É de onde?
-Sergipe.
-Sério? Como foi a mudança?
-Horrível, não conheço praticamente ninguém por aqui.
-Deve ser péssimo. Eu pessoalmente nunca saí do Rio.
-Nem queira. Sabe onde fica a sala?
-Geralmente eles indicam no quadro de avisos.
-Vamos lá então, porque eu estou torrando aqui fora.
-Você leu meus pensamentos.
Após se localizarem, Nayara e Evaristo se dirigiram a sua sala. Sentaram próximos um ao outro e assistiram a três aulas com professores calvos e gordos e professoras de tetas caídas que só ficavam sentadas, por causa de suas varizes. Quando o sinal do recreio tocou, os dois adolescentes saíram correndo para não ficarem muito atrás na fila da cantina. Depois se sentaram num banco e ficaram observando o movimento, enquanto Nayara brisava legal e Evaristo devorava um apetitoso pão de queijo.
-Evaristo, você vai morrer engasgado.
-Pelo menos no céu tem pão.
-É isso aí, garoto! -disse o professor de literatura, se metendo na conversa.
-Professor Aragão, precisamos conversar! -gritou uma mulher idosa na porta.
-Já estou indo!
E foi.
-Quem é aquela? -perguntou Nayara, confusa.
-A diretora Hebe, ela é a manda-chuva daqui.
-Ela tem uma cara de morta, credo.
-Sei lá. -disse Evaristo, voltando a seu pão de queijo.
Mas, no momento em que ele ia morder aquele pequeno pedaço de delícia mineira, algo o fez parar e apenas ficar lá, babando. Nayara ficou muito intrigada. "O que poderia fazer com que Evaristo parasse de comer? ", pensou ela. Seguindo o olhar do rapaz, Nayara viu uma garota muito bonita, de cabelos curtos e sorriso branco.
-Quem é aquela?
-Quem é quem? Aonde? Você tá vendo alguma coisa? Eu não tô vendo nada. -perguntou Evaristo, acordando de seu transe sobressaltado.
-HMMMMMMMMMMM Evaristo, pode começar a me contar, que eu não sou tonta.
-Tudo bem, você venceu. Aquela é a Sandra.
-Sua peguete?
-Quem me dera.
-Nossa, Evaristo, eu não conhecia esse seu lado.
-Que lado?
-O lado hétero.
-Vai se foder.
-Você ama ela, não ama?
-Não disse isso.
-Ela é a única coisa que conseguiu fazer você parar de comer. Se isso não é amor, eu não sei o que é.
-Mesmo assim, ela nunca iria me querer.
-Já perguntou pra saber, anta?
-E precisa perguntar? Olha pra mim, mano. Um monte de deuses gregos malhados atrás dela, e eu não tenho nem bíceps direito.
-Talvez ela não goste de malhados. Além disso, você é esperto, e fofo também.
-Sério?
-Sim. Chega nela.
-E se ela não me quiser? Até o sobrenome dela é melhor que o meu!
-Jesus Cristo. Quer saber? Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé.
-Espera, o quê? Nayara, volta aqui!
Mas Nayara já estava andando em direção à garota. Abrindo caminho por entre piranhas estudantis e rodinhas de Yu-Gi-Oh!, chegou perto de Sandra, que estava conversando com uma garota mais velha, provavelmente do terceirão.
-Sandra?
Sandra transferiu sua atenção àquela estranha de sotaque engraçado. Sua companheira, sentindo o cheiro da treta, foi para outra rodinha.
-Sandra Annenberg, a seu dispor. Quem é você? -perguntou Sandra.
-Meu nome é Nayara, e eu preciso falar contigo um momento . Será que a gente pode ter um pouco de privacidade?
-Ah... tudo bem.
As duas foram em direção a um canto afastado da escola, onde poderiam conversar sem serem ouvidas, o que alimentou alguns boatos. Quando finalmente se viu sozinha com Sandra, Nayara disse:
-Escuta, você precisa ajudar o Evaristo em matemática.
-O Evaristo? Mas ele é o melhor aluno da sala em matemática.
-Em História então.
-Na verdade ele é o melhor aluno da sala em tudo.
-Sei lá, ajuda ele em qualquer coisa, só ajuda.
-Você é esquisita.
-Olha, eu sei que parece estranho, mas faz o que eu tô falando.
-Tem alguma coisa que você não está me contando?
-Quê? Imagina.
-Você tá tentando jogar ele pra cima de mim?
-Não.
-Nayara...
-Tá bom, eu tô. Tá feliz agora?
-Ok. Se você quer tanto que eu fale com ele, eu falo. Mas só avisando que não vai dar em nada.
-Valeu mesmo, você é muito gente boa.
-Tá, tá, agora vamos que o sinal tocou 5 minutos atrás.
-Pera, o quê?
-É isso aí. CORRE BERG.
Mesmo ativando seu modo SenhoraBergAllen, Nayara chegou na sala em cima da hora, e o professor quase não a deixou entrar. Isso deixou Evaristo preocupado.
-Meu Deus garota, onde você estava?
-Longa história. Só digo que valeu a pena.
-O que valeu a pena?
-Espere e verá.
Na saída, Nayara viu Evaristo todo vermelho enquanto Sandra falava com ele sobre a sociedade burgo-capitalista ou algo assim. Era a primeira vez que ela bancava o cupido, e descobriu que esse era um dos grandes prazeres da vida, juntamente com a rapadura e o busão vazio. Evaristo era um cara legal, e o mínimo que ele merecia era ficar com a garota dos seus sonhos. Nayara deu um pequeno sorriso. Hoje iria rolar tainha, vinho e muito...
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