História Feitos de Barro - Prólogo - O Sol

"Província de Xian, China  ㅡ 1952

Para aquele que me ensinou a ser quem eu sou:

Nem tudo é o que aparenta ser, a vida está em movimento e toma formas diversas. Todos os dias, em todos os momentos somos retirados de nosso estado de inércia e seguimos o seu movimento:

Rápido. Preciso. Torturante.

Podemos não ver seus claros sinais, mas ela gira como se acompanhasse o movimento da Terra: em torno do sol e em torno de si própria.

A questão é descobrir qual o sol que puxa-nos pela gravidade gerada na interação de nossos corpos.

Minha sorte foi encontrar o meu sol, foi ter uma órbita e hoje é poder seguir em frente: sonhando nossos sonhos, possuindo nossas esperanças, ganhando um pouco de seu calor, tendo um sentindo, buscando em seu centro o centro de mim.

Foi ter um sol para chamar de meu, pois estrela tu sempre fostes.

Porém, ainda sofro com minhas incessantes dúvidas e sem ter-te ao meu lado para que eu possa sentir-me seguro e orbitar tranquilo, questiono-me:

O que é a humanidade?

E o que torna-nos humanos?

Gostaria de dividir contigo minhas conclusões, pois fazes parte dela:

Aprendemos que o que nos difere de outros animais é a nossa capacidade de pensar; raciocinar, mas somos humanos apenas por isso?

Somos humanos pois pensamos?

Gostaria de poder seguir esse raciocínio, pois isso torna-me um pouco mais humano, porém minha mente insiste em golpear-me com questões que não consigo resolver sem ter-te aqui para ajudar-me.

Algumas pessoas insistem que a humanidade está naquilo que sentimos, portanto será esse o segredo?

Se de fato esse for o segredo, por que destruímo-nos pouco a pouco em conflitos, guerras e afins?

Ganância, é um sentimento muitas vezes destrutivo, então concluo que a humanidade vive e destrói-se por ser humana.

Ser humano é apenas ser humano: falho, porém completo pois sente-se, vive-se e supera suas fraquezas.

Tu mostraste-me isso, deu-me esperanças.

Mas mesmo assim, odeio e amo a humanidade, a odeio por tirar-te de mim e a amo por tu ser humano.

Apenas por ti sou capaz de tentar esquecer as memórias implantadas em minha mente, apenas por teres ficado ao meu lado desejo viver um dia de cada vez, como se fossem parte de um todo que não posso; não consigo enxergar.

Por amar-te, por saber o significado de amor, por entender o que meus pensamentos queriam me dizer e por abandonar pedaços da minha razão entendo e amo a humanidade.

Mesmo que ela não seja totalmente minha ou que eu a compreenda de fato, mas os próprios humanos não a entendem, portanto deixo-me questionar enquanto sonho mais uma vez com seu sorriso doce a dizer-me que tudo ficará bem.

Contudo, odeio a humanidade, odeio a sua ganância insaciável, odeio a sua autodestruição, odeio o fato dela ser tão frágil, odeio a falsidade que emana dela, odeio o ódio que sinto.

Pelos deuses, estou melhorando e ganhando sentimentos que nunca desejei.

Estou confuso, perdoe-me se deixei transparecer minhas inseguranças e temores.

Ainda questiono o porquê desejei ser humano, porém posso ver que humano nunca serei totalmente.

Mas tornei-me um pouco mais humano por ti, e prometo realizar seus sonhos, todos eles.

Seria melhor se eu nunca tivesse aprendido o significado de certos sentimentos pois assim eu não saberia o quanto dói ver-te partir, o quanto sinto saudades de ti, o quanto desejo ver-te outra vez.

Mas como tu bem sabes sou apenas um ser que vive sem viver, que aspira ser humano quando de humano não possuo quase nada. Quando de humano tudo que possuo é o que ensinaste-me, quando de humano tudo que tenho são sentimentos que ganhei, os mesmos que diferem-se daquilo que eu esperava, quando de humano sou apenas algo que sofre sem ti.

Ainda assim, serei sempre teu, mesmo que tu tenhas pertencido a mim por tão pouco tempo, serei teu somente teu, mesmo que o brilho da lua cesse, mesmo que uma a uma as estrelas se apaguem no céu, mesmo que a Terra deixe de existir, serei teu e tu serás o que sempre foi.

Tomarei por meus os teus sonhos e viverei por eles, enquanto eles brilharem em minhas memórias os manterei vivo.

Cuidarei de tudo que deixaste para trás, prometo que serei o mais fiel possível as tuas coisas e teus sonhos.

Mesmo que tu tenhas pedido para esquecê-los, mesmo que tu tenhas pedido para esquecer-te, mesmo que tu tenhas me deixado sozinho nesse mundo infinito de lamúrias, os guardarei no fundo de minha memória, pois eles são as únicas memórias reais que eu possuo.

Ainda sentirei tua falta; falta de nossas longas conversas, falta de teu sorriso, falta de tua pele macia, falta de teus ensinamentos.

Falta de ti por completo.

Se hoje, sou pelo menos um pouco humano é porque lutaste por mim, então guardarei essa humanidade incompleta como meu tesouro mais precioso.

Sabes, tenho medo. Acho que melhorei, não achas?

Tenho medo do futuro, pois ele avança rápido demais, não sei como vou encará-lo, nada é como deveria ser, nada está no lugar.

Tudo muda e eu permaneço igual.

Já perdi tudo mais de uma vez, o mundo gira tão rápido que me sinto tonto e não consigo acompanhá-lo, esses movimentos me enlouquecem, me fazem lembrar de ti e da vez que ensinaste-me a dançar.

Gira. Gira. Gira. Gira.

Oh, pelos deuses, mundo pare de girar, ou gire ao contrário e leve-me ao passado feliz.

Leve-me ao dia que dancei ao lado daquele que me ensinou tudo que sei.

Tu eras o meu sol, lembras?

Era o que me dava eixo para orbitar, era o que me puxava de volta a realidade atual, era o meu sentido e direção, era tudo que eu procurava sem saber, era a minha vida.

Então, agradeço-te por teres ensinado a temer algo, mesmo que isso seja a sua ausência.

Será que viverei bem?

Viverei! Ah, como soa irônico!

 Mas se eu não vivo o que faço? Sobrevivo? Talvez...

Pois bem: será que sobreviverei bem? Ando inseguro sem ti ao meu lado para ensinar-me o que devo fazer.

Porém preciso sobreviver bem, então prometo que o farei!

 Pelos teus sonhos sobreviverei bem!

Lutarei por eles, pois ensinaste-me que enquanto um sonho brilhar na mente humana ela torna-se viva.

E eu quero ser vivo, quero ser humano.

Mas a minha carne é superficial, assim como meus sentimentos que ainda são poucos e confusos.

Entristeço-me ao pensar que um dia tudo foi diferente, pergunto-me o custo da vida que levo e creio que foi alto demais.

Meu sol não brilha mais, esse é um alto preço.

Derramei muitas lágrimas, fiz corações quebrarem em mil pedaços enquanto banhei minha lança em sangue, estou a pagar por tudo que fiz?

Penso que nunca deveria ter existido, pois minha existência desafia as leis humanas e divinas, porém estou aqui a pagar o preço de minha miserável vida.

Estou pagando por ser irreal, por viver no mundo humano carregando apenas um coração e entranhas de carne, pois ainda sou feito de barro.

Sou um boneco de barro que sobrevive por ti e por teus sonhos, então Heechul, seja lá onde estiver, dei-me a chance de realizar teus sonhos, pois eles tornaram-se meus.

Sei que tu jamais lerás essa carta, porém quis escrevê-la, pois as palavras têm grande poder e sonho no dia que elas tomem forma e tu voltes para junto de mim.

Porém a guardá-la-ei junto a meu coração para dar sentido a minha existência, para que ele possa bater mais uma vez.

Com todo amor que ensinaste-te a ter,

Seu bonequinho guerreiro e confidente,

Han Geng."