— Você não tem a chave por acaso? — perguntou o esverdeado receoso do por que raios Shouto havia apertado a campainha ao invés de só simplesmente entrar na casa, como qualquer pessoa normal faria.
Ainda mais porque a casa e o terreno eram grandes o suficiente para que mesmo que alguém escutasse, ainda demorasse para abrir o portão desenhado para que entrassem. Sim, eles ainda permaneciam do lado de fora da casa, mais precisamente na rua.
— Eu até tenho, mas prefiro que saibam que cheguei.
— Isso tem a ver com a sua mãe? — Izuku entrelaçou os dedos da mão cheia de cicatrizes entre os dedos do namorado, sentindo ambos o frio gelado que proporcionava à pele agora fora do calor do bolso do casaco. Tentou com esse gesto dar um certo apoio ao imaginar que tudo ali girava em torno do quanto Todoroki se sentia desconfortável.
— Sim... Se ela souber que estou por aqui já estará preparada para dividir a casa com a minha presença, e assim podemos ficar longe um do outro e tudo correr bem.
— Mas você não gostaria de falar com ela? — após a pergunta sentiu Shouto lhe apertar os dedos das mãos, ainda mais desconfortável.
— É tudo que eu mais desejo, mas eu sei que isso seria inviável e não faria bem para ela. — Voltou seus olhos bicolores para o esverdeado, que curioso como sempre não desviava sua atenção. — Mas provavelmente é porque eu sou bem mais covarde do que você imagina.
— Covarde? O que quer dizer? — ainda que o bicolor tivesse dito a ultima sentença em voz baixa, Midoriya não deixaria passar nenhuma informação despercebida, ainda não sabendo do peso que tinha aquela visita nas costas do namorado.
A verdade é que como Todoroki achava que Izuku era ingênuo demais para algumas coisas, ele não entenderia o que aquilo significava. Tanto a visita quanto a frase dita sem pensar, ele realmente achava que seria ótimo continuar preservando essa pequena centelha de inocência que ainda rondava os olhos esmeraldinos e transmitiam uma paz que tanto gostava.
Mas no geral, o bicolor sentia-se péssimo.
Estar ali de volta à casa que fizera parte de sua vida por tantos momentos, somada à lembranças de situações que o fizeram fugir daquele lugar, e agora ter de trazer consigo a única coisa que Shouto achava que prestava em sua vida (Midoriya) correndo o risco de estragar tudo, só piorava esse sentimento ainda mais.
Talvez fosse a aura mórbida que girava em torno de seus ombros, ou então fosse aquele lugar em especial, já que ele quase podia ver uma nevoa negra flutuando sobre a casa.
— Eu a evito porque não quero ouvir as coisas terríveis que ela tem para me dizer. — Apertou os lábios, transformando-os em uma uma linha fina e torta, porém continuava vendo aquela expressão de inocência nos olhos do esverdeado. Ele não o entenderia.
— Isso é normal, ninguém quer ouvir coisas ruins. — Izuku sorriu discreto, tentando motivar o que quer que fosse essa angustia explícita ali.
— Não é isso. — Poderia explicar melhor mas se limitou a apenas aquelas três palavras. Não obstante, estas foram o suficiente para que o esverdeado comprimisse o cenho tortuoso. Ele havia entendido muito bem, não era à toa que o chamavam de stalker.
A verdade não dita naquela simples conversa e somente agora percebida por Izuku foi que: Todoroki a evitava porque se agarrava à pequena possibilidade, a pequena esperança de ainda quem sabe ser amado pela própria mãe. E como se não bastasse ele estar segurando esse resquício com tanta força, ainda tinha o fator de que o bicolor faria de tudo por essa mãe, incluindo a coisa mais terrível que ela poderia lhe pedir; desaparecer.
E desaparecer em todos os sentidos que aquela palavra poderia ter era tudo que Shouto desejou por muito tempo em sua vida, tempo demais, em que se mantivera silencioso e acatando os desejos de seu pai como se fosse uma simples marionete.
Fazendo coisas que não queria, estando em lugares que não deveria, desde que seu pai cumprisse o acordo e não o importunasse para que ficasse perto de sua mãe Yuki.
Todoroki Enji tinha a péssima mania de fazer acordos, e dentre todos os mais típicos sem sentido algum, o principal para Shouto era que depois da fatalidade — a qual ganhara a cicatriz no rosto — ele não mais participaria dos assuntos da família, mas continuaria fazendo tudo que o pai desejasse sem pestanejar.
E era nesse mais profundo sentido que Todoroki sentia-se um covarde.
Covarde por não conseguir ouvir as coisas que sua mãe tinha para lhe dizer depois do acidente.
Covarde em não questionar a atitude de seu pai.
Covarde por deixar que seus irmãos o culpassem por toda a loucura da senhora Todoroki.
Covarde por não fazer nada que quisesse.
Covarde por ter se interessado no garoto agora ao seu lado, que somente conseguira criar a tal “coragem” quando este compartilhou um de seus mais íntimos segredos.
Definitivamente voltar àquela casa lhe trazia toda uma nuvem de mau agouro e sentimentos negativos que levavam Todoroki ao seu mais profundo abismo. E seu deus interior, quem havia lhe dado uma punição da última vez que estivera ali, deveria estar se contorcendo enfermo enquanto toda aquela sensação ruim voltava.
— Não fique assim, Shouto. Seu deus interior vai surtar de angustia se você ficar sofrendo dessa forma —, apontou para a face emburrada do bicolor que tinha uma seriedade que Izuku nunca tinha observado antes.
Precisaria descrever ela em seu caderno de anotações o quanto antes, como fazia com todas as expressões novas que Todoroki demonstrava.
— Não há necessidade de se preocupar com ele; não estou tão mal quanto aparento, — estava, e estava muito.
— Claro que preciso. Imagine se ele resolve te punir ainda mais por isso e você vira um gato para sempre? — contudo o bicolor riu, descontraído. Somente Izuku conseguiria fazer uma coisa como essas em um momento tão negativo.
— Isso não vai acontecer, Izuku. A minha forma de gato é mais um incentivo do que uma punição, por mais que eu as vezes ache ela mais punição do que um incentivo, — tirou os outros dedos gelados de dentro do bolso do casaco e os afundou nos fios encaracolados verdes, ficando totalmente de frente a ele; fazia um carinho na cabeça do esverdeado, que ruborizou um pouco pela ação e pela risada melodiosa.
Midoriya não poderia evitar ficar assim toda vez que contemplava o sorriso doce de Shouto e o carinho tão amoroso. E esses dois gestos simples num momento como aquele só poderiam significar “eu te amo”.
— Shouto! Me desculpe pela demora... — uma garota um pouco mais velha Todoroki passou pela porta de entrada e correu até o portão, vestindo um yukata verde com chinelos de madeira e meias grossas nos pés, agora remexendo com as chaves para que eles finalmente pudessem entrar. — Está mais frio aqui do que eu imaginava.
— Por que veio nos recepcionar pessoalmente? — perguntou confuso, enquanto esperava ela terminar de abrir o portão.
— Papai deu folga para todos os empregados no dia de hoje, então eu meio que estou cuidando de tudo sozinha, incluindo o almoço. — Ela tinha cabelos brancos como o lado direito de Shouto, mas haviam pequenas mexas vermelhas que entregavam a mistura clássica entre branco e vermelho, no entanto os olhos dela continuavam sendo apenas de uma cor, aquele azul turmalina notável e brilhante que Enji tinha e que mesmo tendo toda a carga, continuavam sendo admiravelmente bonitos. — Ah, sou Fuyumi. Todoroki Fuyumi. É um prazer conhecê-lo.
Assim que ela abriu de fato o portão, estendeu a mão para ele, se apresentando.
— Midoriya Izuku. — Aqueles traços nada confiantes da personalidade do esverdeado continuavam ativados em suas expressões naquele momento, mas havia dito à si mesmo que Shouto não precisava de alguém que sequer conseguisse pronunciar uma frase completa quando fossem à sua casa. Então, tinha optado por não deixar sua voz tremer, fosse o que fosse, acontecesse o que acontecesse.
— Ele é tão fofo! — ela abraçou o esverdeado, o amassando e o soltando dos cuidados de Shouto, que infelizmente não conseguia mais afundar seus dedos nos cabelos macios. — Eu só quero amassá-lo e mordê-lo.
— Fuyumi, pode tirar suas mãos dele, por favor? — o tom sério a fez soltar Izuku, que parecia um tanto afogado na mesma hora.
— O que foi? Esta com medo, é? Eu não vou realmente mordê-lo! — ela parecia uma criança emburrada agora, enquanto cruzava os braços ao lado deles.
Ela era mesmo a tal irmã mais velha de Shouto? Era o único pensamento que Midoriya conseguia ter naquela situação.
— Acontece que ele é meu. — O que raios era aquele sentimento de posse vindo do bicolor? Notoriamente seu instinto felino estava falando mais alto, mas isso ainda não queria dizer nada, não sobre a relação estranha que eles tinham.
— Você sempre fica com tudo mesmo, já estou até acostumada, — desdenhou, desviando o olhar para as laterais e logo em seguida para o bicolor de novo, abrindo um sorriso elegante. — Eu estava com saudades de você já, seu irmão caçula ingrato.
Fuyumi abraçou Shouto estranhamente — já que era bem menor do que ele, até mesmo era mais baixa que Izuku —, que retribuiu com a expressão um pouco mais leve do que há segundos atrás.
Foi um abraço breve. Com isso, o processo de pegarem as malas que tinham trazido consigo e levar para dentro da casa também teve agilidade.
— Quais são as intenções em ter dado o dia de folga aos funcionários? — era mais do que claro para Izuku que uma casa daquele tamanho e naquela estrutura não se manteria sozinha ou com os feitos de apenas uma pessoa. Seriam necessários alguns, vários, funcionários.
— Talvez ele só tenha dado o natal de folga para que eles passassem com a família, — ela respondeu rapidamente enquanto abria o shoji¹ de entrada da sala e logo esperando que eles retirassem seus sapatos e calçassem os chinelos almofadados.
— Você acredita demais nele.
— E você de menos.
— As coisas não são tão simples assim, Fuyumi. Ele não faz nada sem ter alguma intenção por detrás.
— Não posso acreditar que ainda tem essa ideia na cabeça. É muito fácil para você ser o filho favorito e pensar o que quiser do nosso pai que só quer o seu bem, tudo isso sem correr riscos de deixar de ser amado.
— Amado? Quer mesmo falar que o que ele sente por algum de nós aqui é amor? Temos um exemplo bem nítido do que esse amor fez com a mamãe.
— Lá vem você defender ela de novo. Francamente, Shouto, chega. Não vamos discutir sobre isso de novo, não quero ter que pensar que você mal acabou de chegar e eu já estou querendo te matar. — Izuku era um mero expectador naquele momento. Não somente pela casa do quão se encontrava deslumbrado com os desenhos finos e mitológicos nas paredes de Fusuma², como também pelo piso de tatame, do qual tinha gostado muito de permanecer das vezes que ia até o quarto do namorado no dormitório escolar.
Além, é claro, da pequena discussão entre irmãos, que foi útil para que absorvesse informações cruciais da personalidade de Fuyumi.
Ela era estranhamente mimada porém adorável em como detestava brigas e desconfianças entre a família. Parecia até mesmo como se duas pessoas diferentes estivessem dentro dela e falando ao mesmo tempo.
— Ele está em casa?
— Não, só chega perto da hora do almoço, — começaram a caminhar por dentre a casa, chegando até o Engawa³ que externava para um jardim que, pelos cálculos de Izuku, deveriam ser no centro da casa, como se esta circulasse aquele espaço ao ar livre.
Não foi difícil em achar aquele jardim bonito, já que havia uma bela árvore de cerejeiras (agora sem flores ou muitas folhas por causa do inverno) no centro, junto à um pequeno banquinho em que poderiam desfrutar de uma bela sombra quando a primavera chegasse.
Chegou até mesmo em fazer planos de como seria fantástico se ele e Shouto tirassem algum dia dos meses à seguir para fazer um piquenique debaixo daquela árvore, até se lembrar de que voltar àquela casa era a última coisa que o bicolor queria, mesmo que em todas as férias ele tivesse de passar lá para dar um ‘oi’.
— Eles também estão em casa?
— Se está se referindo à seus irmãos preguiçosos e vagabundos que me deixaram sozinha resolvendo toda a organização da casa e do almoço, sim, eles estão, e vão almoçar conosco. — Certamente ela tinha um jeito estranho de reclamar das coisas, sempre numa constante mudança de humor. — Em compensação, eu espero que goste da minha comida, Izuku.
Ali estava ela, no seu ar gracioso e o mais elegante possível, como se a outra de segundos atrás não existisse e nem nunca houvera existido.
— Ele vai, não se preocupe com isso. — Shouto respondeu por ele, deduzindo que seria melhor responder à irmã o quanto antes, para que esta não mudasse de humor novamente.
— Seu quarto está da mesma forma que deixou quando saiu, na mesma organização, — pararam em um lugar especifico dali, abrindo um shoji bem de frente para a árvore. — Se quiserem dormir aqui esta noite, me avisem para que eu prepare o futon para os dois, de modo que fiquem no mesmo quarto. Mas decidam-se antes do pai chegar. Ele provavelmente vai odiar a ideia de deixar vocês dois juntos.
— Nós não iremos dormir, será apenas um almoço, Fuyumi. Somente isso, — ele adentrou no quarto, colocando as malas que carregava sem tocá-las realmente.
— Vocês tem até o almoço para decidir, ok? Eu preciso terminar de arrumar as coisas antes que ele chegue. Você sabe, se ele ver que eu não fiz nem a metade do que deveria, vou estar morta antes do dia acabar! — a mais velha saiu em disparada para dentro da casa, os deixando a sós no quarto, fazendo com que Todoroki corresse o shoji, os fechando ali dentro e impedindo que o ar frio continuasse entrando.
O bicolor suspirou se sentando em um dos zafus¹ que tinham ali, sendo estes as únicas coisas presentes naquele comodo. Shouto não havia deixado nada do que gostasse para trás. Todos os livros que tinha gostado, todas as coisas pelas quais tinha mostrado interesse, não existiam naquele quarto.
Não havia nada ali.
Apenas um vazio.
Exatamente o vazio que ele ficava quando estava naquela casa.
— Ela me parece ser uma ótima irmã. — Izuku foi o primeiro a iniciar o diálogo entre os dois. — Bastante sufocante, mas uma ótima irmã, — repuxou um pouco do cachecol, se lembrando do quanto Fuyumi havia o amassado, ainda mais porque teimou que não queria se sentar em um zafu ao lado do namorado e isso o deixou nervoso, porque no fim decidiu se sentar em algo melhor do que um zafu: o próprio namorado.
— Izuku, o que... — o esverdeado se sentou no colo do bicolor o abraçando, fazendo com que Shouto se preocupasse em corresponder o abraço e não em questionar a situação, ainda mais porque o esverdeado entraria em colapso se tentasse justificar sua atitude.
— E-eu disse que ela parece ser uma ótima irmã.
— Ela é às vezes, mas não confie nela. Quando você menos esperar, ela vai te trair, — Midoriya se desgrudou do abraço que estava com Shouto, o encarando assustado com a afirmação.
— O que você quer dizer com isso?
— Nada com que deva se preocupar, não vai precisar conviver o suficiente para isso. — O bicolor, aproveitando que agora Izuku o encarava próximo de si ainda em seu colo, esboçou um pequeno sorriso, daquele mesmo felino que tinha quando as coisas tomavam um rumo em especifico. — O importante agora é saber se você está tão afim assim de estrear esse cômodo comigo.
— Nã-não diga essas coisas de forma tão direta... e nem me olhando desse jeito. — Afinal, Shouto ainda tinha a mania de manter seu olhar fixo em alguém, de forma que deixava as pessoas desconfortáveis e à mercê de tudo que ele queria.
— Dizer o que? — porém, parecia que quanto mais Izuku dizia para ele que não o olhasse daquele jeito, mais Todoroki insistia em olha-lo como um gato espreitando um rato. — O quanto eu gosto quando está nessa posição sem nenhum tecido?
— Shouto! — Acontece que: por mais que Izuku ainda tivesse vergonha de muitas coisas e não tivesse perdido ainda esse seu lado nada confiante, as palavras de Todoroki direcionadas tão diretamente e sobre uma situação tão em específico aumentavam o calor em seus quadris e fervia o corpo. E justamente por isso o bicolor dizia coisas dessa forma, com a intenção de deixá-lo atiçado, pois Izuku gostava de ouvir coisas como aquelas.
A pele da nuca já arrepiada, entregando um poderio que somente aqueles olhos heterocromáticos tinham.
Soltou o cachecol do esverdeado que havia se entregado ao momento, lhe beijando em busca de algo mais. Exatamente, quem havia tomado frente à situação tinha sido o próprio Midoriya, pois se Shouto não via problema em transformar as lembranças daquele lugar, por que ele veria?
Todoroki o apoiou com as costas no tatame ainda entre beijos, enquanto Izuku cruzava seus braços atrás do pescoço do mesmo, que agora fugia para a área que tanto gostava há tanto tempo: a nuca desprotegida.
As marcas roxas continuavam bem vívidas desde o dia do gelo, e não só daquele dia, pois ainda nesse meio tempo haviam desfrutado mais algumas vezes no próprio chalé. Sempre se controlando em sons, para que a senhora Midoriya não ouvisse.
O esverdeado, agora um pouco mais afobado, deslizou a mão ainda gelada por debaixo dos casacos, alcançando a barriga lisa do bicolor, do qual tanto gostava de escovar com a ponta dos dedos trêmulos.
Algumas batidas foram ouvidas na porta de shoji, fazendo com que ambos parassem confusos com o que Fuyumi poderia querer, já que ela tinha tantas coisas para se fazer.
Agradeceram mentalmente, enquanto se afastavam do beijo, que dessa vez não haviam sido flagrados em momentos íntimos, e apesar de terem sido cortados do clima, não tinha sido nada grave.
— Shouto, você esta ai? Eu queria falar com você —, não era a voz de Fuyumi. Parecia um pouco mais velha para os ouvidos de Izuku, que ficou confuso em: por que esta pessoa não correu o shoji, o abrindo como normalmente alguém faria?
No entanto, olhar para Shouto foi a sua revelação daquele dia. A pessoa não era Fuyumi e nem um irmão qualquer, era o maior medo de Todoroki de todas as vezes que voltava para casa.
— Eu sei que é melhor que não nos vejamos, mas sabe, eu estou com tantas saudades de você.
Shouto saiu de cima de Midoriya bastante desnorteado. Olhou para o esverdeado esperando que ele o ajudasse de alguma forma, como se estivesse pedindo socorro para uma situação como aquela. E o problema era que o bicolor não conseguiria resolver isso. Ele não conseguiria sair e falar com sua mãe por segundos que fosse.
Ele jamais poderia correr os risco de jogar fora sua única esperança de ainda achar que era amado por ela.
— Shouto, por favor, vamos conversar. Eu sei que está aí dentro. — Como iria fugir de uma afirmação como aquela?
— Eu vou, — respondeu Izuku ao lado do bicolor, de forma baixa para que a mulher em si não ouvisse nada ao lado de fora, se ajeitando enquanto também levantava.
— Não! — o bicolor ficou desesperado com a atitude repentina do namorado.
— Eu vou, e você não vai me impedir! — Ali estava um traço confiante na voz. Queria ajudar Todoroki da forma que fosse a se livrar dos sentimentos ruins, e aquela era uma ótima forma de fazer isso.
— Tem certeza? — Por mais eu quisesse impedir que o namorado se metesse ainda mas naquela família maluca que tinha, seu corpo não poderia responder, porque no fundo só queria que Izuku pudesse ser seu próprio herói. Midoriya assentiu e ia sair do quarto rápido, mas Shouto colocou o cachecol envolta do pescoço dele, o agasalhando com cuidado, tentando demonstrar um mínimo de gratidão pelo que Izuku estava prestes a fazer. Apesar disso, colocou o cachecol da forma que pode.
O esverdeado antes de qualquer coisa abraçou o bicolor, e em seguida o empurrou para um canto, assim ele não ficaria visível para os planos que tinha em mente. Por fim, abriu a porta.
— Me desculpe, eu não sou o Shouto... Ele foi fazer algo com Fuyumi e acabei ficando aqui, — se justificou coçando a nuca, reparando na mulher que vestia um yukata azul e tinha uma aparência bastante jovem.
Ela era muito bonita, o que o fez relacionar a beleza dela ao porque de Todoroki ser aquele pedaço de mal caminho. Não pode evitar entre abrir os lábios um pouco chocado, já que nada do que o bicolor tinha falado sobre ele ser comparado ao pai parecia fazia sentido. Shouto era a cara de sua mãe.
— Ah, lamento, eu... Bem... Sou a mãe dele, Todoroki Yuki, — sorriu descontraída, parecendo muito normal e meiga para que o coração de Midoriya pudesse raciocinar. Chegava a ser ilógico como uma mulher de sorriso tão adorável pudesse ter feito aquela marca no rosto do filho.
— Midoriya Izuku. Eu sou, bem...
— Namorado dele, eu sei, — ela sorriu sem jeito. — Bom, vamos nos sentar naquele banco. Quero conhecer melhor o meu genro.
— Sim, — argumentou da forma que pode, pois ainda não conseguia acreditar que ela era tão calma e doce. Num total, a situação fazia extremo sentido, principalmente na parte em que ele se lembrava de que Shouto tinha dito sobre seus surtos.
— Vocês estudam juntos, estou certa?
— Sim, nos conhecemos no colégio, — se sentaram no banco em baixo da árvore
— Oh, então Shouto tem amigos? E eles gostam dele?
— Sim, nós temos alguns amigos e às vezes fazemos algumas coisas juntos, como ir ao parque de diversões ou passar o dia no chalé da minha família. — Sentia-se em um questionário, mas era um dos mais agradáveis que tinha pensado em passar pelos Todorokis.
— E sua mãe? O que ela achou desse relacionamento de vocês? — parecia empolgada com a conversa, sempre com um sorriso gentil.
— Ela não se importa com isso; quer dizer... ela ficou um pouco brava porque mentimos no começo, mas foi mais pela mentira do que pelo relacionamento.
— Vocês são tão corajosos, — ela apertou o rosto de Izuku com ambas as mãos. — Pena que vocês não terão tanta sorte com meu marido. Sabe, ele tende a achar que controla tudo e à todos, então vai ser difícil convencer um homem tradicionalista como ele de que seurelacionamento é algo normal e saudável.
— Senhora Todoroki, — Midoriya se sentiu incomodado com o que pretendia falar, ainda mais porque ela soltou suas mãos de seu rosto. — Eu lamento o tom, mas... creio que, nesse caso, nem eu e Shouto estamos procurando aprovação. Apenas se ele respeitar já vai ser lucro.
— Vocês são tão corajosos em não se preocupar com nada, em se amarem de verdade. — Yuki tinha esse semblante estranhamente triste nos olhos cinzas e nebulosos. Ela se assemelhava muito a Shouto nesse aspecto. As expressões faciais não eram nada se comparado aos sentimentos que os olhos transmitiam.
— A senhora não vê problemas nisso? — continuou focado em desvendar o que ela tanto sentia ou temia, sempre a olhando para detalhar cada feição.
Jamais imaginaria que ao estar na casa dos Todorokis estaria tendo uma conversa amigável com a atual sogra, à quem sequer esperava esbarrar naquela casa imensa. E a melhor e pior parte daquela conversa é que Izuku tinha certeza que Shouto estava ouvindo tudo, já que as paredes eram feitas de tapumes e papéis de seda, além de que a árvore de cerejeira, agora enrijecida pelo frio, não ficava longe de onde era o quarto do bicolor.
— Eu? Ah... Bem... Minha opinião não conta muito sobre essas coisas, já que quem toma as decisões finais nessa casa é meu marido, — observando que Midoriya permanecia instigado com a sua resposta, teve de continuar a a falar: — Jamais veria problema em um relacionamento tão puro. Não existe pressão ou riscos, e vocês não podem gerar filhos, o que em si já é ótimo, além de que vocês escolheram um ao outro, e isso é muito importante.
Yuki parecia contente com a ideia de um relacionamento recíproco, tendo deixado bem nítido todos os seus motivos, incluindo o porque de ela parecer estar tão contente em saber que não poderia ter netos.
— Shouto provavelmente vai ficar muito feliz em saber que a senhora não vê problemas, — disse um pouco mais alto do que deveria, já que eram informações que tinham de ser guardada apenas com ele.
— Você acha? Sabe, eu me preocupo tanto com ele... Gostaria tanto de saber que ele está feliz e em paz, — ela agitou as mãos, um pouco animada com a ideia.
E apesar de todas as situações, Yuki continuava a ser mãe, se preocupando e desejando o bem aos filhos.
— Eu também quero muito, e ele tem toda razão em pensar na senhora como uma mãe amorosa.
— Ele pensa em mim dessa forma?
— Sim, sim. Ele gosta muito da senhora, — e ela abriu um sorriso de orelha à orelha, mostrando as covinhas de quem Shouto havia herdado.
— Eu fico tão feliz em saber disso! Eu o amo tanto, e ele é um menino tão bem educado e estudioso. Meu filho caçula é um orgulho. — Certamente ela não parecia uma mulher que tinha surtos em que achava que o filho era seu agressor, nem sequer parecia ter algum resquício de raiva dele. — Estou tão orgulhosa de vocês dois que puderam encontrar um amor tão verdadeiro.
Quem sabe Izuku não seria um viés entre a relação mãe e filho daquela família? Quem sabe com aquelas suas mãos ele não poderia ajudar a consertar os erros e a culpar o verdadeiro culpado?
Uma pequena folha remanescente das poucas que ainda restava na cerejeira cruzou os olhos de Izuku, que em uma tentativa de pegá-la, acabou derrubando o cachecol que tinha sido colocado do jeito mais simples que Shouto conseguiu.
— Um amor tão puro e límpido, que não deixa mar...
A senhora Yuki parou no exato momento de falar, assim que viu as tonalidades roxas no pescoço de Midoriya, a maior prova do controle que Todoroki insistia em exercer quando desfrutavam intimidades por dentre os lençóis.
Devido às revelações recentes que Todoroki o fizera, só provavam que toda essa atitude feroz que o bicolor tinha era como seu ponto de escape, uma das poucas maneiras de tomar o controle de algo em sua vida. E sabia que jamais reclamaria de algo como isso, porque Shouto era sempre tão inocente em desejos e sempre tão carinhoso consigo que essa pequena parcela de dominância fazia parte das coisas que ele mais gostava.
E na mesma hora que o silêncio das palavras sempre tão saltitantes da mulher se fez, Izuku soube que havia algo de errado acontecendo. Somente de voltar naqueles breves segundos à olhá-la que entendeu o que significava o tal silêncio: surto.
O olhar opaco dos olhos cinzas transmitiam uma tempestade de sentimentos e confusões, como se em pensamento ela estivesse tentando raciocinar em como tinha se iludido sobre o próprio filho.
— Eu sempre soube que ele era um monstro… — sibilou baixo, de uma forma que nem mesmo o esverdeado entendeu.
— Não compreendi. A senhora poderia repetir? — ainda que tivesse plena ciência de que ela não estava muito bem de seu juízo, tentou parecer o mais tranquilo possível enquanto pegava o cachecol que havia caído.
— Eu não posso acreditar que mesmo num relacionamento assim, ele... Ele... Ele machucou você! Ele é um monstro! — ela apertou os dedos das mãos um sobre o outro frenética, como se seu corpo tivesse recebido uma descarga elétrica terrível, enquanto seus olhos se devoravam de um lado para o outro na mesma intensidade em que seus dedos se moviam. — Ele saiu de mim! Aquele filho do demônio saiu de mim! Eu tive filhos de um demônio, todos saíram de mim!
— Senhora Todoroki, eu não...
— Não diga nada! Você precisa fugir antes que ele volte! Você não pode ter uma vida igual à minha! — era difícil para que Izuku pudesse pensar em algo para acalmá-la, já que ela falava compulsoriamente e numa velocidade extraordinária. — Você precisa! Por favor, saia da minha casa. Saia antes que seja tarde, antes que não tenha mais volta. Céus, você é um garoto, e mesmo assim isso está acontecendo com você. Eu jamais poderia imaginar algo como isso, que mesmo passando por tudo isso, pela pressão, aceitação, ele tenha coragem de o machucar.
— Yuki-san, ninguém me machucou. Isso são... São... — O problema é que Midoriya não sabia explicar como aquilo tinha ido parar ali e nem sabia se isso faria alguma diferença, pois para alguém tão traumatizada com a violência, ainda mais se tratando de que tinha sido forçada à muitas coisas, não poderia ver aquilo como algo agradável.
— Não o proteja! Um garoto bonito como você merece algo melhor, merece algo que não seja fruto da maldade. Eu sou podre por dentro garoto, eu só produzo monstros. E este, em especial, é o pior! Livre-se dele!
— Eu jamais me livraria de Shouto, eu o amo com todas as minhas forças.— Entretanto, ela o abraçou assim que terminou essa sentença.
— Se você está o protegendo é por que é um monstro igual, são todos monstros, não seja mais um monstro! — Yuki apertou o abraço ainda mais forte, respirando como se o ar estivesse rarefeito. — Por favor, não seja. — Aquilo pareceu uma súplica e Izuku entendeu que todo esse tempo ela só queria uma pessoa normal em sua vida.
A senhora Todoroki estava implorando enquanto apertava o abraço ainda mais, chegando a começar a machucar Izuku, que não sabia que reação deveria ter a partir dali. Só conseguia pensar em como deveria ajudá-la e em como deveria ajudar o bicolor, que provavelmente estava ouvindo tudo por de trás das paredes finas.
Um pouco desesperado, apoiou sua mão esquerda — a que não era deformada — nas costas da mesma e a outra colocou por cima dessa, retribuindo o abraço.
Não sabia se um abraço funcionaria, mas foi tudo que conseguiu pensar que ela pudesse precisar. Todo esse tempo, ela deveria precisar de um abraço, apertando a ponta dos dedos da mão esquerda nas costas dela.
— Vai ficar tudo bem, ele não vai me machucar, — disse no seu melhor tom, a ouvindo parar de respirar rapidamente, como se estivesse mais calma em um passe de mágica.
— Como você pode ter certeza? Como pode garantir isso?
— Porque ele é a pessoa mais gentil que eu já conheci. — Ele a afastou um pouco do abraço para olhá-la nos olhos, agora sorrindo. — E pelo que entendi, ele herdou isso de você, sempre se preocupando com o bem estar das outras pessoas.
O sorriso junto as palavras de carinho ajudaram a finalizar aquele surto, pois Todoroki Yuki retribuiu-o como se estivesse orgulhosa de saber que o filho era uma pessoa fantástica.
Ficaram naqueles minutos em um silêncio agradável, até a mulher dizer que para o bem do universo seria melhor que Enji não a visse perto do quarto do filho, ou acabaria surtando com ela. Izuku concordou com o repentino afastamento, entendendo que não seria agradável surto algum e que provavelmente deveria estar envergonhada pelo surto.
No fim deixou o esverdeado sozinho olhando para a mão esquerda que havia a acalmado, imaginando o quanto eles são infelizes nas relações mãe e filho e o quanto eles têm hábitos semelhantes em sua gentileza. Mãe e filho eram idênticos ao se preocuparem com os outros. Questionando o fato de que: quem sabe Midoriya ainda não seria o intermediário dessa relação? Quem sabe ele não poderia ajudar a fazê-los ambos felizes?
E se fosse ele quem se transformasse um gato, certamente teria se transformado já, pois desejou com todas as suas forças que pessoas tão sofridas quanto aqueles dois pudessem ser felizes na mesma intensidade em que se amavam.
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