"Você tem em si mais do Norte que seus irmãos, Jon."
Tyrion Lannister
***
Jon e Sam vigiavam o horizonte pelo muro de Winterfell. A neve estava tão alta que as poucas árvores haviam desaparecido debaixo dela. Sempre era preciso estar atento, pois os mortos não paravam de atacar os vilarejos e era necessário cercá-los antes que ultrapassassem as divisas do Norte.
— A verdade está sendo guardada, Jon. — Disse Sam — Gilly e eu não dissemos nada e Bran também não. Ele diz que a decisão é sua.
— Lorde Stark guardou o segredo de Lyanna por muitos anos. — Era impossível para Jon chamá-la de mãe, pois ainda não a havia perdoado. — Ele manchou sua honra por mim, mentiu para Catelyn por mim. Eu que nem era seu filho. Agora sou eu que devo guardar esse segredo pelo bem de todos e em memória dele. É o único pai que reconheço.
Jon se lembrou da vinda dos Reis à Winterfell, quando toda a família Stark ainda estava viva. Havia bebido vinho naquela noite, sentado ao lado do tio, Benjen Stark.
— Quero servir na Patrulha da Noite. — Havia dito.
Tinha refletido sobre o assunto longa e duramente, deitado na cama à noite enquanto os irmãos dormiam à sua volta. Robb um dia herdaria Winterfell, comandaria grandes exércitos enquanto Protetor do Norte. Bran e Rickon seriam vassalos de Robb e governariam castros em seu nome. As irmãs, Arya e Sansa, se casariam com os herdeiros de outras grandes Casas e iriam para o Sul como senhoras de seus próprios castelos. Mas a que lugar podia um bastardo aspirar?
— Não sabe o que está pedindo, Jon. — Seu tio o alertara naquele dia — A Patrulha da Noite é uma irmandade juramentada. Não temos famílias. Nenhum de nós algum dia será pai. Somos casados com o dever. Nossa amante é a honra.
— Um bastardo também pode ter honra. — Dissera Jon. — Estou pronto para prestar o juramento.
Agora, depois de tantos anos, Jon pensava em como sua vida e a de todos havia mudado. Suas irmãs eram senhoras de si mesmas e seus irmãos estavam mortos, até mesmo Bran, que agora dizia ser outra coisa e não um Stark. Ele pensava sobretudo em Daenerys, nas últimas vezes em que a tomou nos braços. Acreditava que conseguiria fingir que nada havia mudado, mas havia dias em que não era possível. Acabava deixando-a sozinha na cama e passava horas a pensar ao lado da lareira. Isso deixava Dany aborrecida, mas ele não conseguia evitar.
— Casamento entre irmãos, como os Targaryens faziam, nunca foi algo bem visto, mas mesmo os Starks se casaram entre tios e sobrinhos para manter o sobrenome e as heranças na família. — Sam ponderou — Isso não é incomum em Westeros. Não sei como é no Norte, mas no Sul tem muitos casamentos assim, sobretudo nas famílias mais ricas.
Sam sabia que Jon era um homem muito conservador em alguns aspectos, assim como Ned. E, mesmo que não admitisse, escondia esse segredo também pelo fato de se envergonhar de que as irmãs e os homens que o serviam soubessem que mantinha um casamento com uma mulher de seu próprio sangue. O que Jon não conseguia entender é que ninguém além dele realmente se importaria. Ele não era uma pessoa qualquer, era um Rei, e Reis faziam o que queriam.
— Não consigo vê-la como alguém da minha família. — Revelou Jon — Ela é mais nova que eu e sequer a conhecia até alguns meses. Além do mais, ela está esperando um filho meu. Mesmo assim me sinto errado.
— Eu o entendo, mas posso te dizer uma coisa com toda sinceridade, Jon?
Jon encarou o rosto rechonchudo e bondoso do amigo.
— Sempre.
— Talvez esteja procurando desculpas para não aceitar um novo posto em sua vida. Ainda me parece querer baixar a cabeça e viver como um bastardo. Ainda me parece estar se castigando por algum pecado que sequer cometeu.
Jon baixou a cabeça, pensando longamente nisso.
— Posso confessar uma coisa bem pessoal, Sam?
Ele fez que sim.
— Não consigo dormir ao lado dela sem tocá-la. E quando a toco, fico cego, queimando por dentro e, quando me dou conta, já aconteceu. Mas não é apenas vontade, isso eu poderia controlar...
— Sério? — Riu ele. Havia pouco tempo que Sam sabia o que era uma mulher. Não conseguia imaginar qualquer homem resistindo à uma bela e amorosa esposa em sua cama. Seu próprio cérebro sequer funcionava quando Gilly se trocava à sua frente.
— Eu realmente a amo, Sam. Não consigo me separar dela. A verdade é que eu não quero também. — A voz dele estava irritada e sua expressão pesada — Ela vai ter um filho meu! Eu quero essa criança e quero ela. É errado querer? É isso que me perturba.
Sam colocou a mão no ombro do amigo, tentando tirar um pouco de sua tensão.
— Você não está fazendo nada errado, Jon, vocês estavam destinados um ao outro.
— Por que acredita nisso?
— Talvez você não saiba, mas a magia dos Targaryens se enfraquece quando misturam seu sangue com o de outras famílias. Eu li nos livros. Por isso se casavam até entre irmãos, que era pra manter a magia sempre forte.
Jon começou a prestar muita atenção na fala dele, buscando consolo nela.
— Se as coisas fossem diferentes, se seus pais e os dela não tivessem morrido depois da Rebelião de Robert, provavelmente você e Daenerys seriam prometidos em casamento. Acabariam reinando do mesmo jeito. São os herdeiros do trono.
— As coisas não foram assim. — A mente de Jon era teimosa — Não fui criado como um Targaryen, mas como um Stark.
— Mas não percebe como tudo aconteceu? — Insistia Sam, entusiasmado com suas próprias conclusões — Vocês foram separados quando nasceram! Os últimos Targaryens do mundo! Os herdeiros do trono! Um foi mandado para o sul e outro para o norte! Você cresceu lutando de um lado e ela de outro. No meio de vocês havia outros reis lutando pelo trono esses anos todos, mas eles morreram e agora vocês dois saíram de onde estavam, carregando várias pessoas ao seu lado, e se encontraram na guerra dos tronos.
— Não acha que anda fantasiando demais?
Sam o encarou, como quem não aceita ser refutado.
— Quais as chances de os últimos Targaryens do mundo se encontrarem e se unirem sem nunca terem se visto antes? Sem nem saber que o outro existia?
— Eu não sei.
— Acredite, os deuses, ou destino, ou seja lá o que for, uniu vocês outra vez, provavelmente para ressuscitar a casa Targaryen e tomar de volta o governo dos Sete Reinos, que é dos dois por direito!
Jon encarou o sorriso de Sam, sem saber o que responder. Sua mente se expandia, fazendo conexões estranhas com antigos fatos de sua vida. Lembrou-se da estranha sensação de familiaridade que havia sentido por Daenerys desde o primeiro momento que a viu. Parecia haver um plano maior em tudo que acontecia com ele, no final das contas, coisas que nunca parecia compreender totalmente. Jon andava bravo com os Deuses Antigos, mas então começou a pensar que talvez não estivesse entendendo seus propósitos.
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