"O coração mente e a cabeça brinca conosco, mas os olhos parecem verdadeiros."
Eddard Stark
***
O próprio cheiro do ambiente dentro do salão estava mudando, o frio estava aumentando e os arrepios estavam permanentes no corpo. Gilly abraçou o filho apertado.
— Os Outros estão vindo. — Pensou.
Sentada entre várias outras pessoas comuns e amedrontadas, ela olhou para Lady Sansa e Lorde Varys conversando. Imaginou o que passava por suas mentes. Se eles fariam algo para salvá-los.
— As passagens secretas podem ser reais. — Ouviu Sansa dizer a Varys.
— E podem não ser.
Os dois estavam muito mais próximos nos últimos tempos, conversando secretamente pelo castelo vazio. Uma dessas conversas foi a respeito de como fugiriam caso os mortos invadissem Winterfell.
— Temos que tentar, Lorde Varys. — Insistia Sansa — Winterfell é imensa e muito antiga. Mesmo que as passagens não existam, nós podemos adentrar cada vez mais e nos esconder no alto das torres ou no bosque sagrado.
— A céu aberto? — A ideia assustou Varys — Isso é loucura, milady.
— Se quiser ficar, fique. — Disse ela, se levantando, impaciente — Temos que tentar sobreviver e aqui não sobreviveremos.
Gilly viu quando Sansa se aproximou e avisou o povo de seu plano, depois fez com que abrissem a porta do imenso salão. Quando saíram para o corredor, uma centena de pessoas estava acompanhando Lady Sansa. Gilly notou que ela parecia aborrecida ao ver que a maioria ficava para trás. Mas Sansa não os culpava, o que estava fazendo era tão incerto e perigoso quanto permanecer ali.
A Lady de Winterfell foi à frente, liderando as pessoas pelos corredores. Gilly viu que ela estava com uma adaga bem firme na mão e ficou se perguntando se ela saberia usá-la quando precisasse.
— Como eles devem se parecer? — Pensava Sansa — A Velha Ama dizia que eram branco-azulados, frios e cristalinos.
A respiração de Sansa começou a ficar densa no ar e foi nesse momento que ela parou de correr. Estava certa de que algo apareceria, então segurou a adaga com as duas mãos. Ela ficou à espreitar a escuridão à frente e quase a enfiou em Brienne, quando esta apareceu correndo do lado oposto, mas a mulher segurou seu pulso com facilidade antes que a lâmina chegasse perto de seu estômago.
— O que está fazendo? — Perguntou ela, soltando a garota respeitosamente — Não é seguro aqui, Lady Stark.
— Nos salões também não é!
Brienne sabia disso. Realmente não achava seguro e por isso estava indo para lá.
— Não sigam para a ala leste, foi por lá que os Outros entraram. — Disse Brienne — Estão quebrando as portas e passando. Precisamos correr ou nos alcançarão.
O queixo de Gilly tremeu ao sentir os bracinhos de seu filho ao redor do pescoço, mas continuou a seguir as duas pelos corredores. Brienne com sua armadura e enorme espada, e Sansa com seu delicado vestido e uma pequena adaga. A vontade de viver, contudo, parecia idêntica em ambas.
***
Bran estava sob o represeiro, sozinho e imperturbável pelo caos que ocorria do lado de fora. Sua mente estava dentro de Viserion e ele seguia muito perto de Daenerys, ainda que ela não o percebesse.
— Está cansada... — Notava o Corvo — Os Outros a enfraquecem...
Dany estava tremendo de frio, mesmo com o calor de Drogon. Por mais disposta que estivesse desde que Jon prometeu sua lealdade a ela e ao filho que esperavam, Daenerys seguia doente. Não havia demonstrado fraqueza, pois aprendera que não deveria, mas estava física e emocionalmente fraca. Sentia que deveria sair logo do Norte, deixar o frio e a escuridão para trás. Estava minguando ali e não sabia até quando iria aguentar.
Enquanto voava outra vez para a escuridão, ela viu, aliviada, que de trás das colinas não saíam mais mortos. Aqueles que caminhavam para Winterfell eram os últimos e, ainda que fossem milhares, era extremamente calmante ver que eram os últimos.
— Precisamos defender a entrada agora, mais do que nunca. — Pensou ela, desviando com Drogon para os portões — Isso tem que acabar.
Quanto mais ela se aproximava, mais seu peito se apertava. Dothrakis e imaculados jaziam mortos por todos os lados. Ela não conseguia deixar de se desesperar pela quantidade de homens de seus exércitos perdidos e então pensou nele, em Jon.
— Onde você está? — Ela fez Drogon voltar para muito perto do castelo, buscando defender os exércitos que sobravam, desejando aflita não ver seu marido entre os corpos. Até então estava tentando não pensar nele, nem em nada, apenas fazer o que deveria fazer, mas havia chegado ao limite.
Jon, por sua vez, estava recuando para perto do castelo, se juntando aos soldados restantes na batalha. Não havia uma só parte dele que não doía, mas deixaria para contar os ossos quebrados se sobrevivesse. Quando viu Daenerys retornando, seu peito cansado sentiu um alívio. Era o sinal de que aquilo estava no fim.
Ele seguiu a passos vacilantes, sentindo a cabeça rodar, ouvindo vozes por todos os lados chamando por seu nome. Era uma multidão de fantasmas, um intenso delírio criado pelo veneno dos Outros, pela magia do Deus da Morte.
— O Rei do Norte!
— Não... — Ele tentava afastar as vozes.
— O Rei, hoje e sempre!
— Não... — Ele apertava os olhos.
— Defenderá o nosso povo!
Jon via as pessoas mortas no chão, via os portões de sua casa arrebentados, via sangue por todos os lados, gritos e gemidos. Ele era um líder, tinha responsabilidades e, no fim, não havia feito o bastante. Seus soldados, seus amigos... quase todos estavam mortos.
— Garoto... — A voz de Tormund veio a seus ouvidos — Como está pequeno corvo?
— Cuide-se, filho... — Então a voz de Davos — Cuide-se, isso está o caos!
Ele se virou para todos os lados, mas não havia ninguém. Então ele prosseguiu brandindo sua espada nos mortos que vinham atacá-lo. Mas, quando se virou para os que se aproximavam do outro lado, seu braço paralisou. Eram eles. Com olhos azuis profundos, seus companheiros de batalha se erguiam contra ele: Tormund, Davos, Thoros, Beric e vários outros soldados do Norte.
— Não... — Jon sentiu os dedos fraquejarem na espada — Não posso... Não posso fazer isso...
Ele observou os olhos azuis, as feridas abertas e a palidez causada pelo frio e pelo sangue congelado nas veias. Os nortenhos mortos começaram a formar um círculo ao redor dele e Jon foi recuando pela primeira vez na vida.
— Tormund? — Jon pensava se era mesmo ele. Como levantaria uma espada contra Tormund? Como ele havia morrido? E se não estivesse morto? Talvez houvesse um jeito de trazê-los de volta, todos eles. Melisandre, ela poderia fazer algo...
Jon segurou Garralonga e se preparou. Não haveria tempo para nada, eles o estavam cercando.
— Viva o Rei do Norte!
Jon calou as vozes com um golpe e depois outro e outro nos cadáveres dos soldados nortenhos. Logo veio Beric, que avançou em sua direção e depois Thoros. O coração de Jon se apertava a cada golpe que deferia neles e a sensação piorou ao ver todos no chão. Jon estava destroçado, perdido, se sentindo culpado por estar vivo, tão exausto que não estava conseguindo colocar toda sua força naquela luta.
— E aí, garoto? Ouvi dizer que é o Rei agora! — Ao ouvir aquela voz, se virou e viu Tormund vindo até ele com um sorriso no rosto. Mas não estava morto, era o mesmo selvagem de sempre, o mesmo amigo de sempre, com seus olhos cristalinos e seu sorriso marcante, não o cadáver que havia visto antes.
— Tormund? — Perguntou Jon, iludido por aquela farça — Não, não é você...
Então a imagem se desfez diante de seus olhos e Jon voltou a ver o cadáver do selvagem olhando-o com violência. Os dois ergueram as espadas no mesmo momento e elas bateram com tinidos agudos.
Jon recuava toda vez que sentia que o mataria. Seu cérebro estava confuso e ele não conseguia agir. Mas, vendo que Tormund ia matá-lo, Jon o acertou no coração, fazendo-o cair à sua frente. Mal se ajoelhou na neve ao seu lado e voltou a ver o rosto do selvagem completamente vivo outra vez.
— Eu gostava de você, garoto, e você me traiu. — Chiou ele, fazendo Jon se afastar rapidamente, tentando parar aquelas vozes e visões.
— Deve tomar cuidado, filho. — A voz gentil de Davos doeu, fazendo Jon se desequilibrar — Cuide-se... Precisa se cuidar... — O Cavaleiro das Cebolas estava com um rosto contorcido de tristeza.
Jon não queria olhar para ele. Quando não houve saída e precisou matá-lo para se defender, com um golpe em sua barriga, viu o rosto decepcionado do homem diante de si, o queixo trêmulo e os olhos brilhantes de lágrimas.
— Jon? Filho? O que está fazendo? — A última fala arrancou um soluço de Jon, que conseguiu, por fim, puxar a respiração com força para dentro do peito.
Quando não havia mais mortos naquela parte, ele levou a mão à cabeça e começou a sentir que tudo girava. Sua garganta travou e o desespero da culpa o tomou. Jon estava tão desesperado que seus olhos se encheram de lágrimas quentes e vergonhosas.
Daenerys circulava ao redor quando o viu, mas assustou-se por notar que Jon não estava mais lutando, que estava parado de joelhos na neve, com diversos cadáveres caídos ao seu redor. Não entendia o que estava acontecendo, mas voou para perto dele assim que viu dezenas de outros mortos avançando naquela direção.
— Dracarys! — Ela varreu os cadáveres para longe de Jon e fez Drogon pousar, causando um tremor na terra, mas nem isso fez Jon reagir.
Dany observava, mas não entendia. O dragão se aproximou e ele parecia em transe, então ela desceu rápido, chamando seu nome com urgência.
— Jon?!
A voz dela o fez sentir um calafrio. Então a viu e, antes que ela o tocasse, deu um salto para trás. Estava muito alerta.
— Dany? — A dor se multiplicou milhares de vezes — É uma ilusão também? — Pensou e apertou o punho na espada, fazendo-a recuar.
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