"Não o escute. Corvos são todos mentirosos. Eu conheço uma história sobre um corvo."
Velha Ama
***
Bran sentiu um perfume tomando de leve o ambiente. Olhou para a porta fechada e soube que Varys estava atrás dela, espionando. O eunuco era vaidoso e gostava de fragrâncias. Também era tremendamente quieto e sua voz era suave como a seda dos vestidos das donzelas. Seria imperceptível para a maioria das pessoas, mas não para o Corvo de Três Olhos.
Sentada à sua frente, Sansa apenas sentia a cabeça girar enquanto cutucava os cantos das unhas. Jon não era irmão deles, era um Targaryen. Ouvir toda a história da boca de Bran havia bagunçado os pensamentos dela.
— Jon escondeu esse segredo dos próprios irmãos. — Sansa avaliava — Nosso pai também o escondeu de todos nós por dezessete anos. Ele manchou sua honra. Nossa mãe morreu pensando ter sido traída por ele.
— Ele sabia que era uma informação perigosa. — Bran olhava de rabo de olho para a porta — Jon seria caçado, assim como Daenerys e o irmão foram a vida toda.
— Ele se sujou para protegê-lo. — Ela observou bem o irmão — Ainda é uma informação perigosa, não é? Ou Jon não a esconderia de nós.
— De fato ainda é. — Disse ele em tom suave, longe de parecer preocupado — Os pais de Jon aparentemente causaram a Rebelião de Robert. Se os dorneses descobrem que Elia Martell e seus filhos foram brutalmente assassinados por um capricho de Rhaegar, pode haver grande revolta. Antigos rancores e velhas feridas voltarão a pulsar. Eles conseguiriam apoio de muitas casas, pois Jon nasceu de um relacionamento que destruiu centenas de famílias e matou milhares de pessoas.
Sansa ficou calada, com a testa franzida, processando todas essas informações. Bran não esperou que ela quebrasse o silêncio.
— Esteja preparada para ver a história se repetindo.
Sansa despertou e voltou-se para o irmão.
— Se repetindo como?
— Daenerys e Jon são o espelho de Lyanna e Rhaegar. Os deuses criaram um ciclo: Os dois homens coroaram suas rainhas e abandonaram suas famílias por elas. As duas mulheres conceberam filhos deles. Os dois homens as deixaram grávidas e foram para a guerra. É um ciclo que os deuses criaram.
— Por que deuses fariam isso? — Duvidou ela.
— Porque são fascinados pelo amor humano. Provocam tragédias apenas para ver a dor que ele causa. — Sorriu Bran, como se compartilhasse desse prazer — Eu vi Jon morrendo em batalha e Daenerys no parto, Sansa, exatamente como Lyanna e Rhaegar. Vi tudo se repetindo em minhas visões.
Sansa sentiu o coração dar uma batida forte e a saliva amargar na língua, sobretudo pela total falta de sentimentos na voz de Bran.
— Você não pode ter visto isso.
— Mas eu vi.
— E o filho deles?
Bran voltou a olhar para a porta fechada. Provavelmente Varys ainda estava lá.
— Mirri Maz Duur disse que Daenerys não daria a luz a um filho vivo. Ela engravidou de Jon por compartilharem o sangue Targaryen, mas é quase impossível quebrar uma maldição completamente. Magia só se quebra com magia.
— Magia só se quebra com magia. — Ela iria se lembrar disso. Porém, algo pareceu mal explicado.
— Você dizia ter visto o filho de Jon e Daenerys nas chamas. Como agora está me dizendo que não viverá?
— Eu vejo a criança viva em alguns momentos, mas em outros eu vejo Daenerys entre lágrimas e sangue enquanto a parteira puxa a criança morta de dentro dela.
A descrição fria de Bran fazia os pelos da nuca dela se arrepiarem. Queria que o irmão ao menos compartilhasse de seu choque, mas ele parecia não sentir nada.
— Eu não entendo, Bran.
— Alguns dizem que eu vejo o futuro, mas não é verdade. — O Corvo respirou fundo, como se estivesse cansado de explicar — Eu vejo possibilidades, vejo sombras de vários destinos que podem ou não se cumprir. Isso depende do presente, das escolhas que as pessoas fazem.
— Então é possível traçar outro destino. — Concluiu Sansa, aliviada — Impedir que Jon e Daenerys continuem reproduzindo a história de Lyanna e Rhaegar.
— É possível. — Bran admitiu — Se o filho deles sobreviver ao parto, Daenerys sobreviverá. E se ela sobreviver, Jon também sobreviverá, pois ele não irá retornar se ela não lutar a última batalha com ele.
— Você está há muito tempo analisando tudo isso. — Sansa estava começando a entender — Me contou essas coisas porque tem um plano e precisa de mim, não é?
Bran não desfez a expressão sombria e estranha.
— Só você pode convencê-la a ficar em Winterfell, Sansa. — A voz dele soou fria nos ouvidos dela — A convença de que a criança pode morrer se ela for embora. Convença Daenerys a ter esse bebê no Norte.
***
Bem mais tarde, em seu quarto, com uma pena na mão e uma vela acesa ao lado, Varys escrevia. Quando terminou, passou os olhos pelas palavras, verificando as partes mais importantes:
— Jon é filho de Lyanna e Rhaegar... Responsáveis pela rebelião de Robert Baratheon... Responsáveis pelo massacre de grandes famílias... Massacre de Elia Martell e filhos... Jon permitiu que mortos que andam e assassinam pessoas atravessassem a muralha... Jon, que na verdade é Aegon Targaryen, trouxe a Longa Noite à Westeros... A Rainha Daenerys está gravemente doente e Jon reinará quando ela morrer... Um reinado ainda pior do que o do Rei Louco.
Varys selou as cartas, beijando com zelo as mentiras e verdades que continham. As enviaria para todas as pessoas que considerava relevantes no Sul. Após ouvir toda a conversa de Bran e Sansa, ele começou a planejar como sobreviveria ao caos.
Daenerys iria morrer, ele sentia isso, pois a via minguar a cada dia, da mesma forma que a mãe dela, a Rainha Rhaella, havia minguado antes de tê-la. Por isso, precisava encontrar outro possível governante. Jon não era um candidato à esse posto, pois desde que o conheceu, soube que não conseguiria soprar em seus ouvidos. Jon não era esse tipo de Rei. Ele não gostava do Mestre dos Sussurros.
Varys precisava garantir que os lordes ou o próprio povo do Sul, desejassem a cabeça de Jon. Não seria difícil criar uma imagem negativa dele, pois a história de seus pais o sujava e apenas o Norte conhecia seu coração.
Depois que os sulistas o matassem, Varys estaria livre para colocar outro líder em seu lugar. Era assim que sobrevivia. Sempre que o barco em que estava começava a afundar, ele saltava para outro mais seguro. Esse salto agora, poderia ser para alguém que estava bem próximo e que adorava sussurros.
— Sansa. — Pensava ele — Ela pode ser o outro barco. A Rainha dos Sete Reinos é um título que a agradaria.
Começaria outra vez com ela, como havia começado com Daenerys. Um governante morrendo e outro surgindo. Nenhum, porém, permanecendo. Essa era a roda que ele mantinha girando.
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