"Quantos olhos o Lorde Corvo de Sangue tem? Mil olhos e mais um."
Duncan, o Alto
***
Sansa olhava intrigada para o aço valiriano diante do fogo. A adaga que fora de Mindinho brilhava na palma de sua mão, iluminada pelas chamas da lareira da pequena sala em que se encontrava. Era uma peça rara, valiosa, mas ela sentia que havia um mau agouro impregnado nela.
— Vejo que ainda a carrega consigo. — Comentou Bran, que a observava sentado próximo à janela. Já era noite e fazia alguns dias que Daenerys partira — Sabe que Arya a deu a você por uma boa razão. Os objetos também tem seu destino e essa adaga está esperando.
Sansa notou que Bran a observava de forma estranha. Nos últimos tempos se sentia dividindo o lar com um estranho, com alguém que a todo tempo estudava seus movimentos.
— Há algo que gostaria de entender. — Ela caminhou na direção dele com cautela — Houve outro antes de você, não é? Outro Corvo de Três Olhos.
— Brynden Rivers. — Respondeu Bran — Foi Mão do Rei há vários anos.
— E foi bom no cargo, imagino.
— Por sua habilidade de ver tudo, ele podia prevenir qualquer tipo de perigo que viesse na direção de Porto Real.
Ela ergueu as sobrancelhas em sinal de compreensão e se sentou à frente de Bran.
— Septã Mordane dizia que ele foi um dos homens mais cruéis do Rei Aerys I.
— Você sempre foi uma boa aluna. — Disse ele, com uma voz desafiadora. Sabia que Sansa estava imaginando se a mesma maldade vivia no irmão caçula.
— Diga-me, o que houve com o antigo Corvo, Bran?
— O Corvo de Sangue, como Brynden ficou conhecido, se tornou Lorde Comandante da Patrulha da Noite, mas desapareceu além da muralha em sua última missão. Ele foi a última pessoa vista carregando a Irmã Negra e acredita-se que a levou junto dele.
— Irmã Negra?
— A espada ancestral da casa Targaryen. — Explicou Bran — Brynden era filho bastardo do Rei Aegon Targaryen IV.
Sansa entendeu que Bran sabia do paradeiro dessa espada, da mesma forma que sabia do paradeiro de Brynden, mas não era algo que contaria a ela.
— Se você agora é um feiticeiro e não meu irmão, um Vidente Verde e não um Stark, o que você quer Bran? O que o antigo Corvo queria?
Enquanto olhava para Sansa, Bran recordava do velho embrenhado entre os galhos retorcidos naquela caverna além da muralha. A figura estranha que havia sido hospedeira do Corvo de Três Olhos antes de passar a entidade a ele ainda assombrava seus sonhos.
— Vá até a lareira e olhe para as chamas, Sansa.
Ela estranhou a ordem, mas obedeceu. Enquanto se levantava e se dirigia para a lareira, a voz do Corvo ressoava nas pedras que formavam as paredes ao redor.
— Olhe o mais profundo delas.
Por um momento, Sansa se sentiu estúpida tentando ver algo nas chamas, mas então uma sequencia de acontecimentos começou a passar diante de seus olhos. Havia gritos, sons de espadas e sangue na neve. Ela viu também um guerreiro lutando com uma espada longa de aço brilhante. A lâmina estava ensanguentada e o elmo cobria a cabeça da pessoa, mas, de algum modo, Sansa soube que não era um guerreiro, mas uma guerreira. Era Rhaella.
— Você pergunta o que eu quero? — A voz de Bran prosseguiu fantasmagórica nos ouvidos dela — Eu quero que isso termine definitivamente. Você tem esperança em um reinado Targaryen, eu sei, mas não vê o que eu vejo. Rhaella nasceu de um feitiço de fogo e sangue, da mesma forma que os dragões nascem. Ela será tão feroz quanto um dragão pode ser.
— Disse que essa criança seria o mais terrível dos dragões. — Sansa se virou para o irmão — Ainda a teme, não é?
— Você também temeria se olhasse para ela.
— Eu olho, — Sansa caminhou de volta para ele — e só vejo um bebê.
— Pois tente ver o filhote de dragão. — O semblante dele ficou sombrio.
— Ela tem o sangue Stark também. — Sansa se sentou outra vez com ele — Da mesma forma que Jon tem. Também o teme?
Bran pensou antes de responder.
— Varys esperava que o amor de Jon fizesse Daenerys amolecer, que ele um dia a controlasse. Uma expectativa muito inocente. O mais óbvio era que Jon despertasse seu lado dragão por ela, esse lado que esteve adormecido sua vida toda. Hoje os dois são assassinos incontroláveis e Rhaella será como eles um dia... O dragão tem três cabeças... — Bran entoou a antiga frase.
— Sempre quis entender o que significa isso... "o dragão tem três cabeças".
— Os Imortais profetizaram que é preciso três Targaryens no mundo outra vez para completar a magia dessa família. Jon, Daenerys e Rhaella são as versões de seus ancestrais, de Aegon, Rhaenys e Visenya.
Os braços de Sansa se arrepiaram e ela se preservou em silêncio enquanto os olhos do Corvo brilhavam em sua direção.
— As três cabeças do dragão estão completas depois de muitos e muitos anos. — Explicou Bran — A dinastia Targaryen pode recomeçar com a mesma magia antiga, repleta de fogo e de sangue. Compreende o risco?
— Sinceramente não. — Sansa confessou — Não me importo com quantas mortes Jon e Daenerys causem. E realmente espero que Rhaella se torne tão feroz quanto eles um dia.
O rosto de Bran se contraiu em desagrado.
— Você escolheu seu lado.
— Bran... — Sansa segurou as mãos dele, como se quisesse recuperar seu irmão de volta — Olhe como nossos pais acabaram por serem tão bons! Por que Jon e Dany deveriam seguir os passos deles? Por que deveriam criar Rhaella para ser inocente e frágil como eu era? Westeros precisa de um governante bom, mas também forte e temido. O dragão de três cabeças pode ser a melhor coisa para todos nós.
Ele ficou em silêncio e sério por um tempo.
— Guarde bem a adaga. — Disse, por fim — Chegará um dia em que terá de usá-la de novo.
Sansa sentiu um frio no estômago e se afastou do irmão, incomodada com seus olhos sinistros. Ela deixou o cômodo e ficou vagando pelos corredores, pensando no que ele havia dito. Estava com medo e confusa. Terminou indo até o quarto de Rhaella, que estava livre para sua entrada. Os imaculados tinham permissão de Daenerys para deixá-la entrar.
Sansa se aproximou do berço devagar, como se fosse um cesto de cobras. Ao ver a criança, no entanto, seu coração amoleceu. Ela estava dormindo muito serena com os bracinhos gorduchos para cima, do jeito mais vulnerável e inocente.
— Desde que nasceu, todos só falam de você. — Disse Sansa — Eles a amam por ter trazido a luz de novo. Será que tirará a luz que você mesma trouxe um dia?
Sansa retirou a adaga da cintura e a segurou pelo cabo, olhando da lâmina para a criança.
— Realmente não quero ter que usá-la outra vez.
***
Bran continuou sozinho na sala, olhando para as chamas douradas e ouvindo o estalar confortável das brasas vermelhas. Ele começou a fugir de seu corpo e procurou por Viserion. Sua mente voou sobre as montanhas do Norte, junto dos corvos da noite, até descobrir o esconderijo dele além da Muralha. O ninho ficava em uma caverna gelada, muito distante e que Bran conhecia muito bem. O dragão estava enroscado no mais profundo dela, mas não dormia, seus olhos de ouro espionavam a noite.
— Você está fugindo de todos desde a guerra em Winterfell. — O Corvo se embrenhou pelo corpo do dragão, que rugiu furioso, mas obedeceu seu comando — Não pode protegê-los, não pode...
Quando a enorme fera se ergueu, o fez com fúria, pois não queria sair da caverna. Havia uma explicação para toda a estranheza do dragão, algo que sequer Daenerys entendia, mas que Bran conhecia bem. Entre todas as carcaças de animais e galhos retorcidos que formavam aquele estranho ninho, havia tons brilhantes brincando na escuridão, vermelhos, dourados, verdes e azuis... Ovos de dragão!
Bran fez Viserion voar para longe, rumo ao Sul. Os séculos se passariam, acreditava o Corvo, e a neve cobriria a entrada da caverna, congelando seu tesouro escondido.
Conforme as horas se passavam, Bran se sentia mais poderoso. Ninguém no mundo jamais conseguiria wargar um dragão, mas ele conseguia. Sobrevoou o sul, sentindo o frio e a escuridão abraçar as escamas de Viserion.
— Não tema a escuridão. — Disse a si mesmo — Ela será seu escudo, será seu leite materno, ela o tornará forte.
Bran tinha plena noção de que pertencia às forças ocultas daquele mundo. Sua missão era para com o Grande Outro, assim como era a missão do Rei da Noite. A morte não era o mal, a morte era a justiça para toda desgraça que o ser humano causava a si mesmo. Assim como os corvos se alimentavam de animais mortos, ele se alimentaria da humanidade perdida. Tudo que os Deuses Antigos queriam era cessar o sofrimento, era recomeçar uma nova era e, para isso, precisavam matar toda aquela geração.
— Essa é minha missão. — Pensou Bran — Ser a ave da morte.
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