“Vou desmaiar... Com toda certeza eu vou desmaiar…”
Nunca havia andado tanto em toda sua vida. A cada quarteirão pelo qual passavam andando apressadamente, sentia que uma bolha se formava nos seus pés.
Após saírem pelos portões da sua masmorra particular, sentiu-se leve. Não leve como uma pluma, não leve como aquela borboleta do seu sonho, mas leve como se faltasse alguma coisa. Tão leve que sua cabeça e seus pensamentos fluíam de lugar a lugar sem lhe dar tempo para compreender o que se passava.
Duas vezes a sua visão havia ficado turva, duas vezes recebeu um puxão no laço que ligava ela ao homem de cabelos prateados que andava à sua frente e pensou que perderia sua mão.
As ruas eram escuras, a neve que vinha no formato de geada batia em seu rosto descoberto que permanecia inquieto. Eram tantas coisas, inúmeras coisas. Casas, apartamentos, sacadas, comércios, lojas abertas e fechadas, mas nenhuma pessoa.
Tinha recebido instruções para não falar, não responder ou encarar ninguém, mas aparentemente não havia nada ali. Andavam em uma linha reta, faziam alguns cortes em vielas e becos, mas seguiam por ruas principais cheias de neve.
“Meu nome é neve. ”
Tentava olhar para baixo, para seus pés. Tudo o que havia visto entrava e saía da sua mente com muita facilidade agora. O frio parecia queimar sua boca, seu nariz, queria não precisar respirar porque tudo ficava turvo...
Em um momento pensou que queria voltar, mas o homem se mantinha firme. Não afrouxava o laço que apertava seu pulso e o fazia arder como se estivesse queimando a carne ali. E estava, na verdade.
A geada parecia derreter entre seus cabelos, ou talvez estivesse apenas suando. Um frio a tomava de ponta a ponta. Suas pálpebras ficaram pesadas e seus pés já não queriam responder aos seus impulsos nervosos.
“Quando vamos chegar? ”
Queria sua cama, pensava nos seus livros que deixou para trás. Aquele casaco não era assim tão pesado, não repelia o frio que sentia. “Está bom ”, pensava “Já chega de andar. Já chega. Já chega... ”
Queria vomitar, mas não havia comido nada. O sono que não tinha colocado em dia voltou para somar aos músculos que doíam e toda sensação de cabeça leve que a incomodava.
“Ele podia parar só um pouquinho. Só quero me encostar numa árvore dessas, só um pouquinho... ”
Uma árvore enorme se encontrava à frente dos dois, no meio da calçada dentro de um canteiro. Havia algo entre as árvores, percebeu. As folhas se mexiam e chacoalhavam um pouco, mas não por conta da geada.
Estacou
“Isso... Isso é impossível. Não pode ser real... ”
Era um pássaro.
Não sabia que tipo era, não sabia exatamente como havia identificado, mas não compreendia o que ele estava fazendo ali, no meio de um clima como o deles. “Tinha se perdido? Não conseguiu migrar? ”
As perguntas simplesmente sumiram de sua cabeça quando percebeu que o ser de cabelos platinados havia virado e caminhava agora em sua direção. O pássaro voou agitado.
“Ele vai me dar um soco bem forte... Vou acordar outra vez numa jaula. ”
A cada passo raso que o sujeito dava ao seu encontro, Yuuki recuava dois. Em um momento qualquer percebeu raiva nos olhos dele e então começou a dar três passos.
“Eu vi um pássaro... Como eu vou voltar a estar presa quando vi um pássaro? ”
O frio a atingiu por completo, suas pálpebras pesaram e seu corpo desfaleceu sobre a calçada cheia de neve. A última coisa que e lembrava era de estar voando...
Quando acordou ainda era noite. Seus olhos não demoraram a se acostumar à pouca luz do lugar em que estava e percebeu que não era exatamente uma jaula.
Muito diferente do quarto de onde havia sido tirada, aquele cômodo era completamente fechado, sem barras. Poderia descrever como um quarto, mas além de um colchonete onde se encontrava deitada, o restante estava entulhado com o que pareceu ser comida.
Havia uma porta na sua frente e todo o cômodo era quase iluminado pela luz que passava pelas suas brechas. Tentou se levantar e sentiu uma dor no pulso. Ele havia se regenerado, mas o fio prata ainda continuava preso ali e a impedia agora de andar livre pelo espaço que possuía.
Engatinhou seguindo o percurso que ele fazia. Percebeu que a outra ponta do fio estava enrolada em um carretel e ele estava ali, disposto ao chão sobre uma pilha de roupas.
Tocou seu corpo preocupada
Alguém havia retirado seu casado, suas meias e seus sapatos. Estavam encharcados e por isso formavam uma possa no chão.
O primeiro impulso que teve foi o de tomar o carretel prateado em suas mãos e sair correndo, mas o quanto mais pensava nessa ideia, mais idiota ela parecia. O quarto estava quente, mas não o suficiente para que ela não sentisse frio, e do carretel exalava um calor que fazia sua mão recuar todas as vezes em que tomava coragem para segurá-lo.
“Minha mão vai cair se eu tentar levantar ele. ”
De repente a porta se abriu e o ar quente que entrou a fez suspirar. Havia música lá fora, sentiu o cheiro de outros humanos.
O homem alto de cabelos prateados fechou-a e depois puxou uma pequena corda que pendia do teto. A luz do cômodo se acendeu e então ela finalmente entendeu que estava numa dispensa.
Ele carregava consigo muitas coisas, mas ao decorrer em que as ia largando ali e aqui, entendeu que não ficariam por muito tempo. Ele não olhou em nenhum momento para ela, mas sentia que queria muito o fazer.
Ofereceu um copo com água e algumas pastilhas. Jogou um casaco sobre o colchonete ao seu lado e pôs um par de botas na sua frente. Yuuki tentou disfarçar o quão próxima estava do carretel prateado, temia ainda levar uma surra e acordar novamente já no seu destino final.
Queria ver tudo lá fora
Seu corpo havia descansado e as pastilhas que tomou sem pensar duas vezes a fazia perder ainda mais a sensação de cansaço. Estava mais alerta agora. Conseguia ouvir alguns barulhos ao longe, um pouco de música e o cheiro das pessoas lá fora. A sensação de leveza havia deixado para trás algumas habilidades que Yuuki não sabia possuir, como essas.
—Nós vamos sair por esta porta.
Assustou-se com o tom do homem. Enquanto calçava os sapatos ele se movia por dentro do quarto apertado com muita agilidade. Pegava coisas nas prateleiras, deixava coisas em caixas e arrumava várias vezes a mochila de lado que levava consigo.
Ele indicava a mesma porta por onde tinha entrado.
— Você não vai falar. , deu um passo na direção em que ela se encontrava agachada. —Você não vai encarar..., mais um passo. — Não vai fazer nada que eu não diga pra fazer. Entendeu?
Ela acenou positivamente com a cabeça, como uma garotinha obediente. Realmente não queria perder a oportunidade de respirar e sentir a neve em contato com o seu corpo outra vez só porque foi malcriada com um caçador.
Ficou de pé e pôs o casaco. Ele colocou o carretel dourado dentro do próprio bolso e pagou a luz com um puxão. Uma mão puxou Yuuki na escuridão, forçou seu corpo magro contra a pele rija e dura, coberta por um fino casaco do homem de cabelos prateados.
De um súbito sua mão foi entrelaçada pela dele, mas a porta foi aberta antes que ela pudesse se desvencilhar.
O intenso clarão quase a cegou
Havia uma longa escada a ser percorrida em direção ao térreo. Percebeu que o cômodo era subterrâneo, o que a fez sentir um mal-estar leve, mas conseguia distinguir agora falas muito claras, gargalhadas, sons estridentes.
O homem a puxava escada acima e ela fazia esforço para acompanhar o ritmo de seus passos. Com as mãos dadas como estavam agora, não poderia ficar atrás a deslumbrar da paisagem.
Nos últimos degraus ela já pôde ver cabeças flutuantes, depois ombros e daí troncos por inteiros. Eram muitas pessoas sentadas em mesas, dispostas em um grande salão com assoalho de madeira. Havia mesas para algum tipo de jogo e um balcão no canto, com várias bebidas dispostas em prateleiras e um senhor que chamou a atenção do homem que segurava sua mão.
— O seu taxi chegou, Kiryuu-Sama. Tá esperando lá na frente.
O prateado acenou com a cabeça e cursou um trajeto direto até a porta de madeira talhada que parecia pesar bastante.
Yuuki desviou seus olhos para o chão após ter escutado aquele nome.
“Todos os Kiryuu se parecem. ”
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