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O Capitão da Guarda estava ocupado com as últimas preparações para a apresentação dos candidatos à Campeão do Rei. Kim Taehyung ser levado à sala do trono por volta das 14 horas. Antes disso, Jungkook precisava comparecer a duas reuniões com seus homens, verificar as posições dos guardas, reforçar as orientações para que nenhum servo ou membro curioso da corte estivesse próximo da sala enquanto ocorresse a cerimônia. E, precisava começar o treinamento do jovem asssassino. Era preciso prepará-lo para situações sociais, a fim de que não conquistasse a forca logo que abrisse aquela boquinha inconsequente. Era preciso "domesticar", o jovem Kim, segundo o pedido do Príncipe.
A manhã estava fria como a noite anterior. A neve acumulara-se o suficiente para que servos do castelo fossem encarregados de limpar alguns trechos. Jungkook via um pequeno grupo de serviçais mais jovens correndo pelo jardim, mas seu olhar não fitou-os por muito tempo. Não era momento para apreciar a vista ou distrair-se com a correria do castelo. Tinha a sua própria correria para por em ordem. Então acelerou os passos até chegar ao quarto vigiado por dois de seus melhores homens. Respirando fundo, ajeitou os ombros, pousando a mão sobre o cabo da espada. Que Wyrd o protegesse de impulsos idiotas.
...
Havia sido uma noite difícil, como todas as outras ao longo daqueles anos. Mas estar de volta naquela cidade tornara seu sofrimento ainda maior. Como se o destino sorrise com a possibilidade de transformar aquele joguinho de dor e desespero ainda mais grotesco. Aquele castelo. Aquele maldito castelo.
A ideia de dormir sob o mesmo teto de um demônio como aquele que sentava ao trono... Era simplesmente intragável. Taehyung não pode controlar os tremores e o suor frio durante toda a noite. Fora o agravante de todo aquele vidro. Ele já estivera preso em jaulas de ferro, de pedra e tubulações asquerosas de esgoto. E ainda assim, aquela prisão transparente era a coisa que mais lhe causava aquele maldito buraco no fundo do estômago.
Mesmo que seu aposento ficasse na parte antiga, construída de pedra, era difícil não ficar incomodado com a ideia de toda uma maldita estrutura de vidro. Não que ele tivesse medo. Kim Taehyung não tinha medo de nada. Só ficou doloramente desconfortável.
Somente à noite, aquele aperto afrouxou um pouco, graças a companhia de um rabugento, talvez tímido, capitão da guarda. Deixando de lado o desfecho dramático e azedo de seu jantar com Jungkook, ele se esgueirou para a cama luxuosa em busca de um sono confortável após tanto tempo. Ele tentara. O conforto que não sentia há tanto tempo frustrou suas expectativas sonhadoras. As horas arrastaram-se e ele só adormeceu quando o breu era tingido por uma luminosidade esguia.
...
- Mas que diabos...
As palavras dissiparam-se no ar como um murmúrio. Em pé a alguns passos da cama onde o assassino deveria estar deitado, Jeon Jungkook via um amontoado de cobertas no chão. Seus olhos fixaram-se na figura adormecida que abraçava um travesseiro naquele bolo de tecido. Os cabelos negros estavam desleixados, cobrindo-lhe parte do rosto. Podia ver seus lábios levemente entreabertos, amassados pela forma como apertava a lateral do rosto no travesseiro. A visão tão inocente e.. Fofa, lhe despertou um misto de sensações que não queria se dar ao trabalho de analisar. Precisava acordá-lo. Imediatamente.
- Kim? O que está fazendo?
Um murmúrio foi a resposta. Então o capitão pigarreou algumas vezes, chamando-o mais uma vez. Taehyung se remexeu, apertando ainda mais o travesseiro. Então Jungkook trincou os dentes, e cortou a distância entre os dois a passadas pesadas. A reação do assassino foi ágil, sentando-se de forma ereta, ainda agarrado o travesseiro. Seus dedos finos apertavam o tecido, enquanto seus olhos inchados e desfocados varriam o quarto com o que pareceu uma aura ameaçadora. Ele não lançaria aquela porcaria, lançaria?
Contrariando as expectativas do Capitão, Taehyung passou de um felino arisco para um filhotinho manhoso, quando gemeu. Aquele maldito pirralho gemeu, enquanto esfregava os olhos.
- Não é uma das regras de etiqueta da corte bater na porta do quarto antes de entrar?
- Você é um assassino. - o capitão disse, mais para lembrar a si mesmo daquilo do que repreender o rapaz sonolento. - Não um membro da corte.
- Mas serei um Campeão em breve. Talvez deva começar a treinar suas maneiras, Lorde Jungkook.
- Talvez seja um Campeão, Hansung-sshi. - rebateu usando o falso nome que o príncipe escolhera para o assassino, tirando uma carranca emburrada deste. - Vai depender do teu desempenho. Apresse-se, temos um compromisso às 14.
- Às 14? E você me acordou agora por que...?
- Precisa se aprontar.
- Claro. E eu preciso de... Oito horas para me "aprontar"?
- O dia começa cedo nesse castelo, Kim. Precisa de Philippa. - girou sobre os calcanhares afastando-se em direção a porta. - Apresse-se e tome seu café da manhã. Estarei de volta após as reuniões.
Sem mais nenhuma palavra, o capitão saiu do quarto deixando o assassino semi nu acordado. Talvez não devesse ter reparado na quantidade de pele exposta por aquela maldita camisa. Ele havia passado anos em Endovier. Como podia ter aquelas coxas? Mais importante que isso, porque o mero vislumbre daquele pirralho adormecido lhe parecera tão… Adorável? E aquelas coxas. Aquelas malditas coxas. Jungkook não ousou deixar o olhar correr pelo ombro e pescoço expostos graças aquela camisa tão desleixadamente abotoada. Ele precisava ir para as reuniões e falar com o príncipe herdeiro. Por isso saiu em disparada. Por isso seu corpo estava tenso. Era pressa. Apenas isso. Ele estava estressado. Apenas isso.
...
Taehyung ainda sorria presunçosamente enquanto encarava a porta. Havia percebido o olhar do capitão na noite anterior, mas julgou ser coisa da sua imaginação. Estava habituado a olhares intensos e famintos, porque, bem, ele era lindo pra caralho. Seus traços perfeitamente definidos, a voz profunda e os olhos exóticos lhe serviram de armas em inúmeros trabalhos quando ainda fazia parte da Guilda dos Assassinos. Mas ficou surpreso, e inegavelmente orgulhoso e satisfeito, por perceber que mesmo após o tempo como escravo - desnutrido, sem conseguir manter sua rotina de exercícios, queimado de sol, e etc. - ainda era capaz de balançar um homem de alto escalão. Um homem que ao que tudo indicava, só havia se envolvido com mulheres. Porque ao contrário de Jimin e Baekhyun que flertavam abertamente, e dos olhares lascivos de Chisoo e outros guardas, Jeon Jungkook era a personificação do só-mulheres-me-atraem.
- Bem... Não é nenhuma novidade. No fundo, os homens são todos iguais.
- Ora ora, tão pouco tempo neste castelo e já está generalizando? Faço parte deste grupo de "homens todos iguais", Taehyung-sshi?
Ali estava, novamente preso por aquele par de olhos azuis. O tom de voz sedutor em perfeita harmonia com sua graciosidade de cortesão. Seus cabelos loiros combinavam perfeitamente com os olhos claros como os mares dos países do sul. Ele parecia ter brilho próprio. Atrativo. Perigosamente atrativo. Seus traços inocentes eram facilmente intensificados para algo pecaminoso por aquele sorriso malicioso, especialmente quando ele passava a mão nos cabelos, puxando-os para trás. Ele sabia que inclinar a cabeça daquela forma, com aquele olhar, colocava em risco a sanidade alheia?
Desde seu primeiro encontro, Taehyung soube que aquela combinação tentadora o atraía. Park Jimin não era apenas bonito. Era lindo. E causava aquela confusão de borboletas de gelo em sua barriga. Okay. Ele estaria em apuros. Tal como naquele dia, não sabia qual de seus desejos era maior: beijar ou rasgar aquele pescocinho lindo.
- Vejo que não gosta de ser comparado, Alteza, mas não espere tratamento especial. Creio que seja mimado o suficiente pelo seu cãozinho da guarda.
...
Jimin exprimiu um sorriso sacana. Encarando aquele homem tão interessante. Sim, Taehyung era muito interessante. Suas palavras eram sempre afiadas e seu olhar parecia ser capaz de ver através de qualquer um. E ainda tinha aquele corpo.
As luzes da manhã iluminavam aqueles contornos, esguios, mas ainda sim tentadores. O rapaz tinha um corpo com traços definidos, mesmo após aqueles dois anos no inferno. Com a retomada de uma dieta alimentar decente e a devida rotina de exercícios, seus músculos recuperariam a forma. Aquelas coxas ficariam ainda mais deliciosas. E o que dizer daquele peitoral semi exposto… Com os cuidados que receberia no castelo, não tardaria a reacender seu auge. Kim Taehyung renasceria em seu esplendor, e seria fatal.
O príncipe mudou o peso do corpo de uma perna para a outra. Então levou uma das mãos aos cabelos, deslizando as madeixas para trás num movimento distraído enquanto expirava. Até pousou a outra mão na cintura, distoando de Jungkook que sempre agarrava-se ao punho da espada, relaxando um pouco sua postura.
- Jungkook é meu melhor amigo, fico um tanto ofendido por chamá-lo desta forma. Mas creio que é assim que muitos pensam a seu respeito... - ele tombou a cabeça para frente, abrindo um largo sorriso quando encarou o assassino por trás das madeixas que caíram para frente. - E certamente ele deve ter vindo aqui cedo, o que lhe causou esse humor acentuado. Estou certo?
- Sim. E assim como você, entrou sem bater. Pelo que vejo não há regras de etiqueta nesse castelo.
- Oh, sinto muito por isso. Mas se tivesse batido, perderia a chance de ver meu campeão dessa forma tão adorável.
- Caso tenha esquecido, sou imprevisível, inconsequente e letal, segundo seu cãozinho predileto. Não há nada "adorável" em mim.
- Você consegue ser tudo e um pouco mais. - Jimin passou a língua sobre os lábios, analisando cada parte exposta do corpo do assassino. - Poderia argumentar mais sobre que outras coisas você consegue ser neste exato momento, mas só passei para lembrá-lo de nosso compromisso.
- Sim, às 14. Mas do que se trata?
Houve uma pausa desconfortável, que fez Taehyung cruzar os braços, contorcendo os lábios naquele beicinho emburrado. Já o príncipe apenas estalou a língua, passando a mão, novamente, nos cabelos, de forma pensativa. Quando voltou a encarar o assassino, abriu um leve sorriso, que não tinha mais a malícia costumeira. Seus olhos azuis não estavam mais tão claros.
- Vou apresentá-lo como meu campeão, ao Rei.
Taehyung pode sentir o chão desaparecer sob seus pés. O tempo pareceu congelar, mas ao invés do frio que preenchia seu quarto, ele sentiu o calor fantasma daquelas chamas. A memória o atingiu como um punho de ferro em brasa. Era doloroso, sufocante, lhe arrancava o ar e a energia.
- Só queria lembrá-lo que precisa se aprontar. Tenho uma reunião agora, então… Nos vemos mais tarde, Taehyung.
Após um leve aceno de cabeça o príncipe saiu. E só então Taehyung percebeu que o aviso repetitivo de Jungkook não se referia a banho e roupas ou ao café da manhã colocado sobre a mesa. O Capitão e o Príncipe lhe deram um aviso para sua própria segurança, em outras palavras "Não faça nenhuma besteira".
Em silêncio, ele dirigiu-se ao banheiro, preparando um banho para livrar-se daquelas chamas fantasmagóricas. O silêncio estendeu-se mesmo durante o café da manhã. E quando Philippa veio com o alfaiate para tirar as medidas e preparar Taehyung para a reunião mais tarde, o assassino permaneceu calado.
Precisava manter as palavras presas, coisas que não deveriam ser ditas, sequer pensadas.
Perante o demônio de Adarlan, precisava ser perfeito e silencioso, como uma boneca. Bonecas não falam. Não sentem. Não pensam. Bonecas são ferramentas. Ele seria um maldito boneco. Apenas uma vez mais.
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❝ Throw on your dress and put on your doll faces, everyone thinks that we're perfect ❞
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