A contagem regressiva para a meia noite já se iniciava quando o vi pela primeira vez. Pode soar idiota, mas acho que senti até mesmo minhas pernas fraquejarem por um instante.
Seus trajes eram tipicamente brancos, como os meus e os de quase todos os outros presentes naquele show à beira-mar, em plena noite de ano-novo. Suas madeixas minunciosamente cortadas no famoso estilo tigelinha levavam uma coloração cor de rosa, e sua estatura era consideravelmente baixa.
Certamente muitas criancinhas estariam lhe rodeando e confundindo com algum personagem de filme da Disney se não levasse uma expressão mal-humorada, que, por sinal, parecia ficar cada vez pior.
Comecei a me sentir curioso quanto ao motivo de sua expressão fechada, a qual podia-se ver perfeitamente, mesmo que a iluminação do local estivesse tão baixa. Era quase meia noite e estávamos na beira da praia, não tinha como ser diferente.
Ponderei rapidamente se deveria ou não ir falar com o baixinho, logo chegando á conclusão de que tentar algum tipo de contato seria mais interessante do que acompanhar a contagem regressiva para o novo ano.
"Três!"
A maior parte das pessoas á minha volta exclamava animadamente enquanto eu pensava sobre o que diria ao garoto.
"Dois!"
Uma ideia genial (ou nem tanto) veio em minha mente. Me aproximei discretamente de onde ele se encontrava, a carranca em seu rosto intacta, mesmo com a animação das pessoas à sua volta. Talvez não fosse tão contagiante assim.
"Um!"
Cheguei em meu destino, e, nossa, aquele cara conseguia ser ainda mais bonito visto de perto.
Espera, o que eu estou prestes a fazer? Ainda não bebi absolutamente nada e vou agir como um bêbado.
Os fogos de artifício já começaram a iluminar o céu. Não pensei em mais nada, logo pulando nos braços do duende mal-humorado.
— Feliz ano novo, amigo! — Permiti-me exclamar animadamente em seguida.
Por um momento o coitado permaneceu paralisado, tive que reprimir uma risada; mesmo assim um sorriso de orelha a orelha tomava conta de meu rosto.
— Ya, quem é você? — questionou assim que me separei do abraço.
— Oh meu Deus, você não é o Seokwon! Me perdoe, acho que lhe confundi com alguém. — Cara, eu sou um ator maravilhoso. Não sei porque ainda não estou atuando em Hollywood, fala sério! Inventei até um nome pro cara que eu supostamente deveria ter abraçado. — Ah! Sou Kwon Soonyoung, mas se quiser pode me chamar de Hoshi.
Curvei-me, observando a expressão de "o que que tá acontecendo" do garoto, que logo deu lugar a um sorriso quase imperceptível.
— Não vai me dizer como você se chama? — perguntei, depois de alguns segundos apenas observando o sorriso-que-eu-não-veria-se-estivesse-distraído no rosto do menor.
— Meu nome é Lee Jihoon. — Curvou-se em seguida, educadamente.
Nossa, quanta coisa estou sentindo ao mesmo tempo. Quero guardar esse garoto em um potinho para todo o sempre e, ao mesmo tempo, quero beijá-lo por um longo tempo. Acho que fiquei louco de vez. Agora deve ser a hora perfeita para ir visitar o hospício que vi alguns dias atrás, quando estava andando pelo centro de minha cidade antiga com Seokmin.
— Então, Hoshi... Você não vai ir falar com esse tal Seokwon, que era pra você ter abraçado em vez de mim? — Jihoon perguntou depois de alguns instantes enquanto coçava a nuca, parecia meio constrangido. Coitado, mal sabe que Seokwon nem existe de verdade, é apenas uma invenção da minha mente.
Kwon Soonyoung, você é muito perverso.
— Ah, que nada, Seokwon não vai morrer se eu falar com ele só mais tarde. — contei. Inventei, na verdade, mas isso pode ficar em off.
— Tudo bem então. Ah, e feliz ano novo pra você também. — Ele não pareceu se convencer muito, porém não falou mais nada sobre o assunto.
Sorri em resposta e ficamos os dois ali, em silêncio, observando os fogos de artifício tingirem o céu de várias cores diferentes.
— Mas, então, Jihoon, o que faz sozinho aqui? — Aquele silêncio todo estava me incomodando.
— Woozi. Me chame de Woozi. — Assenti, esperando que continuasse. — Na verdade eu não 'tô sozinho. Quero dizer, 'tô, mas não era pra eu estar. Era pra eu estar com o Vernon e com o Seungkwan, mas aqueles dois imbecis desapareceram assim que a gente chegou aqui! — Agora eu entendo porque ele passou o tempo inteiro revoltado.
— Eles podem ter sido sequestrados, e você 'tá aqui, falando mal dos coitados.
— Não, eles não foram sequestrados. — Agora ele já estava ficando vermelho de raiva. — Eu vi os dois agora a pouco, e não pareciam muito preocupados em me procurar.
— Ah, que merda. — Sinceridade é tudo. O resto é resto. — Você devia dar uns tapas neles.
— Tapas? Eu vou pegar aquele violão que o Vernon comprou sem nem saber tocar e quebrar na cabeça daqueles dois, isso sim! — Que revolta. Não vou mentir, adorei.
— Eu filmo! — exclamei, dando pulinhos animados depois. Imagina se ele fizesse isso de verdade e eu filmasse? Faria um sucesso imenso no YouTube!
— Filmar pra quê? — Suas sobrancelhas estavam franzidas de uma forma estupidamente fofa.
— Pra postar no YouTube, claro! Imagina que louco se o vídeo viralizar? — respondi, pulando mais empolgado ainda. Já estava batendo palminhas.
— Se o vídeo viralizar você pode deixar todos os créditos pra mim, obrigado. — Sorriu.
Nesse momento um cara aparentemente bêbado passou por perto cantando alguma música de dor de cotovelo. Aí, me lembrei que ainda não tinha bebido nada.
— Jihoon-ah! — exclamei.
— O quê?
— Vamos beber?
[...]
Não sei em que ponto da noite eu deixei de cuidar o quanto bebia, só sei que me arrependerei amargamente amanhã de manhã. Aliás, porque eu bebi tanto?
Talvez tenha sido pelo fato de Jihoon não parecer se importar com o quanto de álcool estava ingerindo. Qual é, eu já sou um cara volúvel e influenciável quando estou completamente sóbrio, imagine então quando já bebi um pouco e o álcool começa a se fazer presente em meu sangue.
Mas enfim, lá estava eu, bêbado, visão turva, voz embargada, falando coisas que nem sequer sabia o sentido, em frente a Lee Jihoon. E, cara, ele 'tava podre de bêbado. Sério, 'tava pior que eu.
— Será que eu consigo encontrar esse copo pra comprar naquela loja lá do centro? — o mais novo me perguntou, sua voz estava quase mais embargada que a minha. E mesmo bêbado daquele jeito o desgraçado conseguia estar bonito.
— Sei lá, qualquer coisa compra no bom negócio ponto com — soltei a primeira idiotice que veio na minha cabeça, literalmente. Em seguida nos olhamos e caímos na gargalhada.
— Mas o Adamastor me disse que lá só vendem copos com estampa de cachorro! — Woozi praticamente gritou, e se não fosse pela música alta, boa parte das pessoas presentes naquele bar teria ouvido.
E, sim, nós abandonamos o show da praia e estávamos em um bar.
Eu já não estava mais gostando tanto dali, e, graças ao fato de ter ido sozinho, não precisava ficar procurando ninguém para dizer algo como "ei, estou saindo, chame um táxi depois".
É, eu ia passar o ano novo sozinho se não tivesse conhecido o mais baixo. Fazer o quê, ninguém mandou mudar de cidade nessa época do ano.
— Adamastor não era sua escova de dentes? — Virei mais um copo de whisky goela abaixo assim que terminei de falar.
— Era, só que depois que eu comi o feijão azul que comprei com o Seungkwan no su... super mercado, ela magicamente se transformou no meu mordomo! — Credo, ele 'tava realmente muito louco.
— Por que você ainda não contou essa história no casos de família? Podia ganhar um prêmio nobel da paz!
— Podia, mas o cabelo do mordomo é azul, nem ia rolar. Eu podia ser denunciado por violência contra xícaras. — E lá vai mais whisky. Chega a doer o coração só de pensar em todo o dinheiro que gastamos em bebidas nessa noite.
— Nossa, é verdade. Uma vez meu amigo Seungcheol quase foi denunciado por causa disso, mas na verdade tinha sido uma pegadinha do porteiro Alfredo. Até hoje não entendo essa história. — Gente, meu porteiro se chama Daeyeol. O que diabos eu estava falando?
— Olha lá, tem um cara abrindo a loja de doces do outro lado da rua! Vamos lá comprar uns chocolates? Eu pago com a grama que cortei do quintal de casa esses dias. - Woozi, completamente do nada, deu um pulo na cadeira e apontou para uma loja de doces (que eu já planejei visitar assim que cheguei nessa cidade) do outro lado da rua, e não é que tinha um homem abrindo mesmo? Mais tarde acabei por descobrir que na verdade ele era um funcionário que tinha esquecido algo importante ali. Não lembro o que era, mas isso não faz muita diferença, de qualquer forma.
— Ah, vamos sim! — Exclamei, me levantando bruscamente, o que acabou por chamar a atenção de algumas (lê-se muitas) pessoas. Mas eu não estava em meu estado normal, então obviamente nem me importei.
Jihoon levantou-se em seguida, e fomos em direção à saída do bar cantando alguma música de uma forma bem desajeitada e vergonhosa. Nem preciso dizer que isso chamou mais atenção ainda.
A rua estava silenciosa. Por algum motivo, quando chegamos nela, ficamos em silêncio também. Vocês entendem a raridade disso? Dois bêbados andando em silêncio no meio da madrugada. Acho que merecemos um prêmio por conseguir realizar tal feito.
Chegamos ao outro lado da rua sem nenhum tipo de problema, tirando o fato de que eu tropecei e meu nariz quase deu um "olá" ao chão. Qual é, não é porque eu estava quieto que não ia estar cambaleando também.
Ao pararmos em frente à loja, dei uma olhada lá dentro e parecia estar deserta. Onde o cara que abriu aquela joça tinha se enfiado?
— Jihoon — chamei, cochichando no pé de seu ouvido, meu nariz quase encostando nos cabelos tingidos de cor de rosa. Eu já disse que amo os cabelos dele? Pois então, eu amo os cabelos de Woozi.
— O que foi? — cochichou de volta, sem mover um músculo sequer. É sério, nós merecíamos um prêmio por estar fazendo tanto silêncio naquelas condições. — Eu já disse que não tenho um porco de estimação.
— Acho que ele tá fazendo alguma coisa errada, vamos entrar em silêncio pra ele não nos ver e não sobrar pra nós dois depois. — Qual o sentido disso, Kwon Soonyoung? Devia era ter passado reto em vez de entrar no lugar. Eu já faço muita merda sóbrio, e quando não tenho consciência de nada é pior ainda.
Mas isso vocês já devem ter notado.
Entramos na loja em completo silêncio. O cara tinha realmente sumido do mapa.
E, meu Deus, aquele lugar era um perfeito labirinto. Era enorme e tinha estantes, prateleiras e um monte de coisas cheias de doces em todos os lugares. Não vou mentir, adorei.
E nós dois fizemos o quê? Começamos a andar pelo lugar, analisando tudo, ainda em completo silêncio. Silêncio que estava começando a me incomodar, e quando fui falar alguma coisa percebi que tinha perdido Jihoon de vista.
Comecei a andar pela loja em busca do mais baixo, e, exatamente na hora em que fui abrir a boca para chamar seu nome, ouvi um barulho de batida, bem alto. Como eu estava bêbado meu cérebro não percebeu que devia ser o cara que abriu a porta mais cedo indo embora, então simplesmente ignorei.
Que merda eu fiz.
— Woozi-ya! Onde foi que você se enfiou? — gritei, minha voz saiu irreconhecível.
— Eu 'to indo pra Nárnia, com licença. — Sua voz soou ao longe, mas não pude identificar de onde vinha o som.
— E nem me chama pra ir junto? Que tipo de amigo você é? — Comecei a pular em um pé só sem motivo algum. Parecia que a cada segundo eu ficava mais bêbado.
— Eu não sou seu amigo, te conheci hoje! — Sinceridade é tudo na vida, crianças.
— Eu 'to falando sério, me diz aonde você está! Quero ir pra Nárnia também!
— Eu 'to aqui. — Caralho, que susto da porra. O garoto simplesmente apareceu das cinzas na minha frente. Acho que eu estava começando a ter alucinações.
— Que susto, imbecil! Quer me matar? — Não poupei xingamentos mesmo.
— Talvez. — Que naja. Parece eu.
O que se seguiu depois disso não foi muito relevante. Só ficamos falando coisas idiotas, gritando coisas idiotas e sendo mais idiotas do que o normal.
Pegamos as balas que ficavam em um cesto em cima do balcão do caixa e fizemos uma espécie de guerra de balas, uma daquelas desgraças quase furou meu olho. Não me orgulho disso.
O mais engraçado é que por mais que eu recapitule todos os acontecimentos que consigo me lembrar, em nenhum momento nenhum de nós dois se deu conta de que estávamos presos em uma loja de doces em plena noite de ano novo. Dá um desconto, estávamos podres de bêbados, em não muito tempo cairíamos em um sono profundo que custaria décadas para ser interrompido.
E foi isso mesmo que aconteceu.
Do nada, simplesmente me deitei no chão gelado, do qual eu nem me importei com a temperatura, e Jihoon me imitou, usando minha coxa como travesseiro. Espera, quem deu essa intimidade toda a ele? Eu é que não fui.
Enfim, todo o sono que eu nem me lembrei de sentir durante a madrugada inteira pareceu surgir magicamente naquele momento.
Ficamos os dois em silêncio, a única coisa que se ouvia era o som de nossas respirações.
— Woozi-ya, eu já disse que amo a cor do seu cabelo? — Foi a última coisa que me lembro de ter dito antes de pegar no sono.
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