Tudo havia se acalmado no vestuário. Madara não tentou sair debaixo do chuveiro depois que cedeu aos cuidados de Hashirama. Apenas ficou em silêncio, sentindo a forte rajada de água caindo sobre si, sentindo os braços que rodeavam seu tronco afrouxarem um pouco o apertado abraço e sentindo o peito atrás de si inflar e desinflar em um movimento constante. Madara sentiu quando a mão do doutor deslizou por baixo da toalha, segurando seu ombro com suavidade e tornou a deslizar encostando brevemente em seu pescoço.
— Ainda está meio quente… — comentou em um tom de voz baixo ao tirar a destra.
Madara continuou em silêncio, por não saber o que dizer a Hashirama e porque tentava entender o que estava acontecendo consigo. Seu corpo inteiro doía e tremia, estava sentindo um frio surreal e a vontade de vomitar só crescia a cada instante. Madara ergueu a cabeça e repousou as mãos — uma em cada lado da cabine.
— Eu vou vomitar — alarmou.
Hashirama soltou o seu corpo. Madara se inclinou para frente e permaneceu ali, sentindo a onda de vômito na boca do estômago pronta para sair, mas por alguma razão ele não conseguiu colocar para fora. De repente, sentiu quando os dedos alheios deslizaram pelos seus fios, juntando e segurando todos eles no topo de sua cabeça. Madara continuou na posição que estava, mas pelo que conseguiu perceber Hashirama havia conseguido se levantar.
— Ainda quer vomitar? — Hashirama perguntou depois de um tempo, visto que o ato não havia ocorrido. Recebendo um leve aceno como resposta. — Você está sentindo mais alguma coisa?
Madara ficou em silêncio, avistando os pingos que caiam em abundância do corpo acima do seu. Hashirama já sabia que ele estava com febre, caso contrário não teria forçado-o a entrar embaixo do chuveiro. Madara apenas negou e tentou se levantar. Hashirama por sua vez o ajudou, ouvindo quando os passos no banheiro se fizeram presentes.
— Hashirama — proferiu a voz feminina.
O Senju saiu de dentro da cabine ajudando Madara logo em seguida. Madara se sentou na cadeira que antes estava dentro do box, sendo secado e vestido pelos técnicos de enfermagem que voltaram também. Enquanto David penteava seus cabelos, o Sr. Yoshida colocava um termômetro em si. O banho frio havia baixado a temperatura que o banho quente elevou, mas o Uchiha ainda estava febril.
Madara desviou o olhar quando o Yoshida lhe encarou, avistando Hashirama mais distante de todos. O Senju estava de costas, retirando a camisa social de cor branca que vestia. Madara avistou os ombros largos e os músculos que ficaram visíveis quando o Senju torceu a roupa ensopada. Hashirama tinha o corpo bronzeado e torneado. Não era enorme como os dos marombas obcecados por academia, mas era definido e proporcional a sua altura, que chegava em torno de 1,83cm. Isso explicava de onde tirou a força para prender o Uchiha com tanta facilidade.
— 38.2°graus — O Yoshida proferiu, fazendo o semblante de Hashirama encará-lo nada contente.
— Não quero nem imaginar o número que esse termômetro atingiria antes do banho frio — proferiu ríspido, aparentando raiva com a situação.
Madara abaixou o semblante.
— Ele não deixou a gente mudar a temperatura da água. Não tem ideia de como ele é quando as coisas não ocorrem da forma que ele deseja!
Hashirama se virou, terminando de vestir a camisa que havia acabado de tirar e viu quando Madara apresentou sutilmente uma inquietação, aparentando nervosismo com o início de uma possível discussão entre o enfermeiro e o Senju por causa de uma coisa que ele mesmo fez.
— Aqui não é local para termos essa conversa. Meu paciente precisa ser cuidado por alguém que realmente tenha capacidade para tal ação, mas não se preocupe, nossa conversa vai continuar em outro lugar — provocou.
Apesar do semblante descontente, Kai não falou nada, apenas se manteve em silêncio. Sabia da nova posição de Hashirama e não queria arrumar problemas. Por mais que não gostasse de admitir, ele estava errado e havia cometido um erro grave.
Shizune se manteve neutra na situação. Quando o falatório acabou ela se aproximou do Senju, conversando em um tom tão baixo que Madara não era capaz de ouvir nem os cochichos da conversa. Ele não ousou olhar, pois conseguia sentir que o casal de amigos direcionava o olhar para ele. Os enfermeiros já estavam terminando de arrumar todas as coisas e recolher todas as toalhas que Hashirama usou quando de repente, a voz grave do doutor se fez presente.
— Sr. Yoshida, Sr. Filler. Estão dispensados dos cuidados que se refere a Madara Uchiha — ditou em um tom tranquilo, avistando os olhares incrédulos se direcionado a si. — A situação ocorrida neste cômodo será levada e discutida no conselho e até o momento da reunião ambos estarão suspensos de seus afazeres.
Hashirama caminhava para perto de Madara ao proferir tais palavras, cessando o caminhado ao chegar ao lado do Uchiha. Madara não queria olhar nos olhos de ninguém que estivesse presente naquele cômodo, mas conseguia perceber — mesmo com o semblante baixo — que o Senju não havia trocado de roupa, apenas retirou o excesso de água e permaneceu vestido com a roupa úmida.
— Por mais que não tenham tido a intenção, vocês serão acusados pelo terceiro ato da brochura; Quando ocorre um erro por parte do profissional que não procura ajuda superior, podendo assim levar a morte do paciente em questão. — Shizune explicou.
— Como água quente ia matá-lo? — Kai perguntou totalmente desnorteado, sabia da informação que viria a seguir, mas estava tão perplexo com a fala de Hashirama que não estava raciocinando direito.
— Quando a temperatura do corpo se eleva em níveis altos, convulsões podem ser desencadeadas! Como sabem, sem o socorro correto as convulsões matam! — Shizune explicou.
— Não posso ser despedido! — David Filler comentou.
— Eu não despedi você, suspendi. Na verdade, foi a sua superior que me orientou a tomar tal decisão e quem decidirá se ficaram aqui ou não é o conselho depois de analisar o caso — explicou. — Shizune, por favor leve Madara para a sala de observação e faça o que sabe de melhor. Ninguém entra ou sai daquela sala se não tiver o devido acesso. Você já conhece a senha — concluiu.
Na instituição possuía uma área restrita dos demais profissionais destinada a casos de isolamento. Aquele setor na Instituição Senju estava desabilitado, mas para não perder a localidade e ter prejuízo para manter o ambiente sem estar usando, alguns casos migravam para serem tratados por lá. Hashirama esperou até que os técnicos de enfermagem saíssem, deu uma última olhada no banheiro e notou o olhar confuso que recaiu em cima de si.
Hashirama não fez questão nenhuma de dar a notícia aos técnicos de enfermagem pelas costas do paciente, queria que Madara soubesse que os homens não seriam mais responsáveis por ele. Já que conseguia perceber o incômodo que o Uchiha sentia sempre que a dupla estava presente.
— Madara — chamou em um tom de voz pacífico, fazendo o Uchiha olhar diretamente em seus olhos —, não se preocupe, deve ser só uma virose e eu tenho certeza que vai passar logo. Prometo que mais tarde eu passo pra ver você — sorriu.
Hashirama sabia que o que estava acontecendo com o Uchiha era consequência da sessão de quimioterapia que realizou no paciente na noite anterior. E torcia para que Madara não descobrisse.
Hashirama saiu do banheiro depois que Shizune saiu empurrando a cadeira de rodas onde Madara estava sentado. A roupa do Senju ainda estava molhada, no entanto, não deixava mais rastros por onde passava. Quando o corpo passou pela entrada do local avistou quando Lia recaiu o olhar sobre si e em seguida sobre o relógio. Ele apenas suspirou.
— Agora são sete horas e oito minutos de atraso. Por onde pretende começar?
— Pelos requerimentos de faixa vermelha — proferiu, andando de modo apressado até o banheiro de sua sala. — Quero que encaixe Madara Uchiha na minha agenda.
— Madara Uchiha? Uma hora por dia, três vezes na semana. Isso equivale a doze…
— Não Lia, está fazendo a conta errada. Vou acompanhá-lo todos dias. Não somente como psiquiatra, mas como o responsável temporário por este local. Vou gastar pelo menos duas horas do meu dia com ele, isso incluindo os dias de terapia. Duas horas por dia, sete dias na semana, isso dá quanto mesmo?
— Quatorze horas semanais, equivalente a cinquenta e seis horas no mês!
— Ótimo!
— Vai dar um certo trabalho pra encaixar isso aqui — ditou mostrando o tablet para o doutor. — Sem contar que a informação que recebi era a de que doutor Tobirama assumiria o caso de Madara Uchiha.
— Tobirama não está aqui! Madara é meu paciente agora e continuará sendo até eu diga o contrário. — A mulher não disse nada, apenas assentiu e continuou seguindo o Senju enquanto mexia nas inúmeras planilhas abertas no aparelho em mãos.
Hashirama trocou de roupa, sentou na ilustre cadeira de Butsuma Senju e começou a aceitar os requerimentos de faixa vermelha — maior prioridade — separados por Lia. Quanto mais aceitava e ou recusava, mais documentos chegavam até si. Depois de um bom tempo analisando os requerimentos o trabalho se tornou maçante e monótono. Hashirama sentiu quando a cabeça começou a doer e percebeu que vez ou outra se pegava pensando em assuntos que não desrespeitavam a instituição. Suas costas repousaram no assento acolchoado da cadeira, as orbes cansadas puseram-se a observar o teto momentaneamente e de repente, Hashirama fechou os olhos.
Seu peito inflava e desinflava em um movimento constante. Hashirama ouviu bem distante de si o barulho que a água fazia ao cair no chão, sentia o peso recaindo sobre o seu corpo e sentia o tremor do corpo alheio lhe causando ansiedade. Hashirama abriu os olhos e avistou o corpo de Madara recaído sobre o seu, avistou a pele alva que se escondia em meio às toalhas e os intensos olhos que se fecharam na intenção de talvez suportar as diversas sensações que estava sentindo. Hashirama ouviu quando os passos no banheiro se fizeram presente, ouvindo em seguida a voz de Tobirama que ressoou ríspida pelo cômodo.
— Onde ele está?
O Senju mais novo não entendeu o que estava acontecendo, passou a prestar um pouco mais de atenção no cômodo e percebeu que estava entre as cabines do box do banheiro, no entanto, esta tinha uma porta.
— Madara — Tobirama gritou o nome pausadamente.
Hashirama apertou os braços ainda mais forte no corpo que estava na frente do seu. Ouvindo as batidas violentas que o empurram contra as portas dos boxes executavam ao bater na cabine. O barulho se tornava cada vez mais alto, mostrando o quão próximo o albino se encontrava dos dois. Hashirama ergueu os dois pés e repousou o solado da superfície plana da porta.
— Madara — sussurrou ao pé do ouvido do Uchiha, mas o mesmo não o respondeu.
De repente, o empurrão fora executado na porta do box onde Hashirama estava, mas a mesma não se abriu por conta dos pés do Senju que a seguravam do lado de dentro.
— Hashirama — Tobirama gritou raivoso, batendo cada vez mais rápido e com ainda mais força. — Abre a porta e entregue ele pra mim!
Hashirama não respondeu. Continuou segurando a porta com os pés à medida que balançava o corpo de Madara na intenção de acordá-lo. Hashirama ergueu a destra e avistou a mesma encharcada de sangue, desviou o olhar rapidamente e notou que todo o abdômen do Uchiha estava coberto pelo viscoso líquido carmesim. Hashirama pressionou aquela região, sentindo a forte pressão que os chutes e os empurrões de Tobirama ocasioanavam em si ao acertar a porta.
— Madara — sussurrou novamente chamando-o. — Por favor… — suplicou. Pedindo a Deus que o corpo a sua frente não estivesse na condição que sua mente deduzia.
— Hashirama, eu não vou falar de novo.
A cada empurrão executado, maior era a fenda que dava acesso ao lado de dentro do box. Hashirama fechou os olhos com força à medida que Tobirama também exercia força sobre a porta de alumínio tentando abrí-la. Quando menos esperou a porta foi aberta em solavanco, seus olhos abriram com o estrondo e seu corpo pulou com o susto.
Hashirama avistou os cabelos castanhos presos em um coque. A blusa social de cor branca e a saia justa em um tom de azul escuro vestirem o corpo miúdo. Seu coração batia com força no peito, seus olhos analisaram rapidamente o cômodo que estava e percebeu que se encontrava no escritório de seu pai. Lia olhava confusa para sua feição assustada. No entanto, isso não impediu que a moça olhasse as horas em seu relógio de pulso e antes que a mesma pudesse dizer alguma coisa, Hashirama interviu.
— Não ouse dizer… — pediu com a respiração fatigada. Tendo certeza que Lia lhe informaria sobre os minutos em que adormeceu e os acrescentaria nas horas de atraso.
A mulher fechou a boca e reformulou a frase.
— Quer dar uma pausa para o almoço?
Hashirama encostou as costas sobre o assento da cadeira e assentiu levemente ao suspirar.
— Tem quarenta minutos disponíveis. Quando terminar, acho que seria interessante começar a analisar as listas de pedidos da farmácia ou do almoxarifado. Talvez ajude a distrair a mente.
Hashirama permaneceu em silêncio, tomando consciência de que o que aconteceu consigo não passou de um mero pesadelo. Seus olhos voltaram ao monitor apagado assim que Lia se retirou da sala. Questionando-se se a febre de Madara havia passado e se o mesmo já estava bem. Hashirama se levantou da cadeira e se retirou do cômodo arejado, andando calmamente pelos corredores enquanto tentava passar a sensação de serenidade, algo no qual ele não sentia.
Durante o percurso, Hashirama pensava no irmão, no fato de Tobirama e ele não estarem se falando e principalmente na questão do albino estar voltando para a instituição. Hashirama não sabia como Tobirama agiria ao descobrir que o albino não seria mais responsável por Madara, e que Hashirama não abriria mão do paciente enquanto ele não melhorasse. O Senju só desejava que a situação não ficasse ainda pior.
Assim que entrou na ala isolada no qual havia pedido para Shizune deixar Madara, avistou o local vazio, seus pés cessaram o caminhado ao ficar de frente para a parede feita de vidro que se situava no corredor e olhando através dela, avistou o corpo do Uchiha deitado sobre a cama. A face pálida, no entanto delicada, dormia sobre o travesso. O corpo estava coberto por uma manta fina, mas não havia sinal de equipamentos, nem de soros e medicações. Hashirama concluiu que o mesmo estava bem e estável.
A destra do Senju repousou sobre o vidro espesso, aproximando a face da superfície transparente para ver com mais nitidez. Madara realmente dormia. Hashirama só se afastou do local quando notou o peito do Uchiha subir e descer algumas vezes, tendo a certeza de que ele respirava. Seus olhos passaram pelo local do lado de dentro e notou que o almoço do paciente estava intacto. Ou Madara dormia desde cedo, ou havia se recusado a comer e adormecido em seguida.
Hashirama suspirou. Seus pés puseram-se a traçar o caminho de volta, mas antes de chegar na sala de seu pai ele cessou os passos. O nome de Tobirama estava escrito em um pequeno painel de metal pregado à parede. Hashirama buscou pela chave mestre em seu avental e adentrou a sala do irmão. A sala estava impecável, mesmo que estivesse fechada não era possível identificar poeira sobre a mobília, sobre os porta-retratos ou sobre a decoração. Hashirama não mexeu em nada, apenas passou o olhar sorrateiro de longe e quando queria observar algo com mais atenção, simplesmente se aproximava.
Ao chegar mais perto dos pertences do albino, seus dedos puxaram a primeira gaveta da escrivaninha. Avistando canetas, pequenos blocos de anotações, carimbos, receitas em branco e alguns clipes de papel. Nada diferente por ali, então seus dedos a fecharam de novo. Ele avançou mais uma gaveta, esta estava emperrada. Hashirama puxou, ajeitou e puxou a gaveta novamente até que a mesma abriu. Passou o olho por cima e notou uma pasta cheia de arquivos acumulados. Hashirama a pegou, sentou-se na cadeira de couro e folheou os arquivos. Todos eles eram encaminhamentos e receitas antigas. Hashirama contou cerca de quinze receitas de anfetamina, narcóticos e psicoestimulantes diferentes para um mesmo paciente.
"Verônica Mélis Vaito"
Seu cenho franziu. Hashirama continuou folheando os arquivos, procurando por mais alguma coisa que fizesse referência a tal moça que identificou nas receitas, ou qualquer outra informação que lhe chamasse a atenção, mas não encontrou nada. Hashirama guardou a pasta da forma que se lembrava que o material estava e fechou a gaveta. Seus dedos percorreram pela maçaneta da última gaveta, mas a mesma estava trancada. Uma chave diferente na qual Hashirama não tinha a cópia.
Seu corpo recostou sobre o assento enquanto pensava, eles não tinham trancas nas gavetas dos escritórios. Até a parte financeira da instituição era resolvida por transferências e depósitos bancários, justamente para não terem problemas e nem contato com o dinheiro. O Senju ficou pensando o que era tão importante e secreto que Tobirama fazia questão de trancafiar.
Enquanto pensava, o sol que entrava de penetra pela cortina de cor clara reluzia no vidro do porta-retrato posto em cima da mesa, chamando a atenção de Hashirama.
No fundo da fotografia a paisagem floral tomava de conta do cenário e no centro da moldura Tobirama abraçava o corpo de Sakura por trás. Os cabelos da mulher não estavam tingidos como ela gostava, fazendo a face pálida de Tobirama se perder entre seus dourados fios. Aquela era uma foto espontânea, algo muito raro de ver vindo do albino. Hashirama se levantou da cadeira, deixou tudo do jeito que havia encontrado e se retirou da sala.
Sakura havia sido assassinada um ano antes de Hashirama voltar para o país. Pelo que se lembrava, Tobirama estava prestes a pedí-la em casamento. O Senju mais novo não chegou a conhecê-la, mas se lembrava muito bem dos rumores que se espalharam pelos integrantes da família Senju quando o ato aconteceu. Quando chegou de viagem, Hashirama procurou não tocar no assunto, não queria trazer o acontecimento à tona, até porque Tobirama parecia ter superado. Mas agora, vendo a fotografia em cima da mesa do médico, o Senju mais novo exalava confusão. Por não entender o motivo que levou Tobirama a continuar com a fotografia em cima da mesa de trabalho depois de quase cinco anos.
Seu corpo caminhou em direção ao refeitório, ainda lhe restava vinte e cinco minutos e para não adormecer em cima dos seus afazeres novamente, resolveu almoçar para repor as energias. Queria adiantar o máximo de coisas possíveis para não ter que ouvir Lia chamando sua atenção, afinal ele não era criança. Quando Hashirama chegou ao local, avistou os curtos fios balançarem à medida que a portadora deles caminhava, e com isso, não conseguiu seguir seu cronograma sem antes dar uma palavrinha com a mulher.
— Shizune — chamou meio alto, fazendo o semblante virar até si. Ela já sabia o que ele queria e por isso poupou o esforço do Senju de perguntar.
— A febre passou! — afirmou quando Hashirama chegou perto. — Até o momento ele não apresentou nenhum outro sintoma e como ele estava meio fraco o deixei tomando soro. Mesmo assim, ele se recusou a comer, acho que vem fazendo isso com frequência porque quando comparado a última pesagem, dá para ver a perda de aproximadamente seis quilos que ele teve.
— Quando foi a última pesagem dele?
— Acho que há um mês. Tem que ver no prontuário pra ter certeza e, mudando de assunto, você recusou o requerimento feito pelo doutor Kankuro.
— Eu recusei?
— Recusou, seria uma ressonância pra mostrar na revisão. Precisar aceitar o requerimento porque se estiver tudo ok com o exame é uma vaga aberta para um possível paciente!
Hashirama ficou buscando na mente o requerimento que Shizune mencionava. Não se recordava, no entanto, resolveu relevar visto o cansaço que estava sentindo, resultando na análise superficial que fez nos últimos requerimentos que analisou.
— Ele me pediu pra conversar com você. Vou dizer para ele fazer outro requerimento e aconselho que você aceita ainda hoje, a revisão será em três dias — ditou a medida que se afastava do local.
— Tudo bem — proferiu em resposta.
Hashirama olhou para as estufas observando o que ainda tinha para vender, desviou o olhar e notou o baixo movimento de pessoas pelo local. Os pés do Senju puseram-se a caminhar novamente, voltando para a ala de isolamentos onde seu paciente se encontrava. Hashirama colocou a senha no painel eletrônico e a porta que dava acesso a um dos inúmeros cubículos de vidro abriu, dando espaço para que ele entrasse.
Assim que entrou no cômodo, os olhos escuros recaíram instantaneamente sobre seu corpo. Madara estava sentado na cama. Hashirama pôde notar a cor saudável que adornava a pele do Uchiha ao analisar com mais atenção o seu rosto, benefício do soro que Shizune o fez tomar. Mas Madara ainda não estava bem, no entanto, a preocupação que Hashirama sentia sumiu por um instante dando sossego a sua mente ansiosa.
— É muito bom olhar pra você e ver uma corzinha predominar em meio a todo esse branco — ditou sorrindo. — Está se sentindo melhor? — perguntou ao caminhar em direção ao paciente.
Madara ficou olhando para o Senju que ao chegar perto de si sentou-se na beirada da cama, visto que Madara estava com as pernas cruzadas e todo o espaço inferior do colchão estava vazio. O Uchiha assentiu em confirmação para o Senju quando o mesmo passou a olhá-lo, desviando o seu olhar para a manta fina que recaía sobre seu colo. Hashirama notou quando a destra do Uchiha passou algumas vezes pela parte superior do braço e com isso, o sorriso fraco que tinha em seus lábios fora sumindo aos poucos.
— Madara — chamou baixinho, recebendo a atenção do Uchiha no mesmo instante. — Quero pedir desculpas pela forma bruta que eu… agarrei você, lá no banheiro — pediu, olhando para a face do moreno quando terminou de falar. — Foi uma reação impulsiva, eu só não queria que se machucasse ou que a situação ficasse pior… — explicou —, espero que eu não tenha apertado com tanta força e que eu não tenha machucado você.
— Não machucou… — pausou. — Sei que fez o que devia fazer.
— Nem sempre o que deve ser feito é o melhor a ser feito. Eu podia ter procurado outra solução…
— Tá tudo bem! — Madara afirmou ao olhar brevemente para o rosto de Hashirama. — De verdade…
Hashirama assentiu um pouco mais tranquilo.
— Já almoçou?
Madara recaiu o olhar sobre a comida que se encontrava coberta na cabeceira de cama. Era notório o olhar de desgosto do paciente sobre o alimento intocável.
— Alguns dizem que a comida é sem sal — O Senju comentou.
— E as bebidas são sem açúcar… — ditou baixo fazendo uma careta.
Hashirama sorriu.
— O que acha de almoçar comigo hoje? — perguntou. Madara ficou olhando surpreso para o doutor. — Vamos lá, não me diga que não está com fome.
Madara assentiu involuntariamente, se dando conta do movimento que fez pelas palavras que soaram da boca do doutor depois.
— Então está decidido.
Hashirama levantou do colchão e caminhou até a cadeira de rodas que estava escorada na parede do cômodo. No entanto, a voz do paciente ecoou pelo local antes mesmo que o Senju pudesse encostar no objeto de apoio.
— Não! — afirmou, fazendo Hashirama estacionar e com isso Madara reformulou o que disse. — Quer dizer… — pausou. — Será que eu posso ir… andando?
Hashirama virou o semblante para o Uchiha e permaneceu olhando para ele por alguns segundos antes de responder:
— Claro! Mas com uma condição…
Madara ficou imóvel, prestando atenção nas palavras que soariam da boca do Senju com apreensão. Não tinha ideia do que viria a seguir e não conseguia esconder o nervosismo que sentia.
— Eu não gosto dessas algemas que querendo ou não fazem parte do protocolo de segurança. — proferiu, fazendo o cenho de Madara franzir ao executar uma breve pausa. — Pra mim isso é coisa de criminoso então…, pra que você não precise usar; terá que ficar ao meu lado o tempo todo e se possível andar com o seu braço entrelaçado ao meu, por precaução… como se estivéssemos dando um pequeno passeio…
Madara não respondeu, apenas permaneceu olhando. Agora era Hashirama quem apresentava nervosismo, por não ter uma resposta alheia e por começar a achar que Madara não gostava da ideia de tê-lo por perto. E o motivo não era só o fato do Uchiha querer protegê-lo. Hashirama avistou quando Madara negou sutilmente com o semblante.
— Muito perto… — ditou em um fio de voz.
— Madara, você está estável! Eu tô tentando ajudar você, mas eu não consigo sem você — afirmou de imediato. — Quer sair daqui? Adivinha só? Você não vai! — afirmou aparentando raiva, no entanto seu tom de voz não era grosseiro e muito menos alto. — Primeiro, porque eu preciso fazer uma declaração mostrando seu progresso e eu não tenho nada pra por na folha. E segundo, eu preciso da assinatura de mais três médicos psiquiatras para comprovar que o que está na folha é verdade. E adivinha de novo? Ninguém vai assinar se não ver com os próprios olhos aquilo que eu vejo!
— O que você vê?
— Potencial! Você está mais tempo lúcido agora do que nas primeiras sessões que tive com você. Tem a oportunidade de melhorar, mas isso só vai acontecer se você quiser que aconteça — ditou aparentando frustração. — Sendo bem sincero com você, eu nem podia te tirar do quarto — Hashirama abriu o jogo.
— E por que tirou?
— Porque eu sou teimoso — ditou de imediato e após uma breve pausa, continuou —, e porque não consigo seguir as regras! Não consigo ficar parado sabendo que posso ajudar as pessoas de uma maneira diferente. — Hashirama desviou o olhar. — Estou te dando escolhas e estou fazendo escolhas que eu nunca tinha feito antes. Mas se não quer ser ajudado me diga agora pra mim parar de fazer esforços e eu irei embora, juro que você nunca mais vai me ver ou ouvir falar de mim! — concluiu chateado, tendo certeza que seus fracassos eram exclusivamente culpa de sua presença, tirando as próprias conclusões de que Madara não o queria como médico.
Madara manteve-se em silêncio. Hashirama não obteve uma resposta do Uchiha e com isso ele apenas suspirou, praticamente desistindo de tentar se aproximar do paciente. Seus olhos notaram quando a destra esguia puxou a manta e a afastou para longe, desdobrando as pernas e as colocando para fora do colchão. Madara se levantou e caminhou devagar até o doutor. Hashirama não disse nada, apenas sentiu quando a mão alheia deslizou sobre o tecido da manga de sua camiseta e segurou sutilmente o seu bíceps.
— Eu não vou te prejudicar por sair assim?
— Se permanecer desse jeito, não! — afirmou.
Madara assentiu e passou a observar as sandálias que calçavam os seus pés. Um suspiro de alívio escapou pelos lábios do Senju. Hashirama ainda não acreditava que o Uchiha havia saído da cama, mas procurou sair imediatamente do cômodo antes que o paciente mudasse de ideia.
À medida que andavam pelo corredor, era possível notar o olhar incrédulo dos profissionais recaindo sobre os dois, principalmente em cima do corpo menor que vestia branco. Não entendiam o motivo de o mesmo estar andando pela instituição, muito menos o fato de suas mãos estarem livres das algemas.
Hashirama sentia os olhares fulminantes, mas sentia com ainda mais intensidade o aperto em seu bíceps e o corpo alheio quase grudado ao seu. Provavelmente receoso pelo que aqueles que estavam distantes podiam falar ou fazer com ele. Sentiu quando a outra destra de Madara repousou em seu bíceps também, mostrando o quanto ele estava desconfortável com a situação e buscava desesperadamente pela sensação de segurança.
Hashirama só pôde andar um pouco mais rápido na intenção de aliviar a situação. Sabia do medo que todos sentiam de Madara Uchiha, mas não achou que todos parariam seus afazeres por conta de quem caminhava no corredor.
— Sei que tem medo de perder o controle e machucar alguém. Então vamos combinar uma coisa — proferiu, tomando novamente a atenção do paciente. — Quando não estiver se sentindo bem. Me diga que não está bem e prometo que nada irá ocorrer. Vou pedir para todos manterem distância — ditou.
Madara ficou em silêncio, reduziu um pouco a velocidade que caminhava e instantes depois parou de andar no meio do caminho, consequentemente fazendo o Senju parar de andar também.
— Não estou me sentindo bem! — afirmou em um tom de voz baixo.
Hashirama olhou para ele confuso.
— Tá falando sério?
— Não! Só tava testando — ditou, na tentativa de quebrar o gelo que os olhares intensamente alheios deixaram no ar.
Hashirama balançou o cenho descrente, percebendo o leve arquivar de lábios que se formou em seu próprio rosto. Não demorou muito para chegarem ao refeitório, o local tinha uma baixa movimentação de pessoas. Em parte era porque o horário de almoço de quase todos os funcionários já havia acabado e aqueles que ainda estavam almoçando optaram por comer fora. Madara analisou cada canto daquela estrutura, visto que nunca esteve presente no cômodo antes.
Seus olhos recaíram sobre um potinho de acrílico dentro da estufa quando ambos chegaram até o balcão, Hashirama pediu dois pratos com o cardápio do dia e dois sucos de laranja. O Senju não gostava da fruta, mas a escolheu para não fazer pedidos distintos e para acompanhar Madara. Hashirama notou o olhar vidrado do Uchiha em direção a estufa que estava mais afastada, notando algumas sobremesas separadas por sabores.
— Você quer? — Hashirama perguntou.
Madara ouviu perfeitamente a fala do Senju, mas a pergunta lhe fez lembrar de algo que ele gostaria de esquecer…
Tobirama estava sentado do outro lado da mesa branca pregada no chão presente no quarto do Uchiha. Uma embalagem colorida e pequena encontrava-se bem no centro da mobília, no entanto, tudo o que o paciente fazia era olhar para o alimento.
— Você quer? — Tobirama perguntou, observando o olhar desejável que Madara lançava para o pacote que continha um bombom.
O Uchiha assentiu levemente em confirmação, desencostando as costas da cadeira e repousando a mão sobre a mesa para pegar a embalagem. Tobirama levantou uma das pernas e a bateu sobre a superfície da mesa, gerando um estrondo e afastando a pequena embalagem dos dedos esguios. Suas costas ainda estavam grudadas nas costas da cadeira, observando a reação do corpo alheio perante ao seu comportamento inusitado.
— E o que te faz achar que você merece? — perguntou, avistando o corpo do paciente voltando lentamente para o seu lugar…
— Madara? — Hashirama o chamou, trazendo à mente do Uchiha de volta a realidade. — Você quer alguma coisa dali?
Os olhos do Uchiha ainda estavam direcionados às estufas, sem mover seu rosto para outra direção ele desviou o olhar ao chão e com o tom de voz baixo, respondeu:
— Não.
Hashirama viu quando um suspiro sorrateiro escapou por entre os lábios de Madara, quando o semblante direcionou o campo de visão para frente e quando a destra passou algumas vezes pela cabeleira negra a fim de arrumá-la. O Senju não disse nada, apenas voltou a atenção para o homem que se situava do outro lado do balcão.
— Quais são os sabores de mousse que vocês tem?
— Chocolate, limão e maracujá — o atendente respondeu.
— Eu nunca provei nenhum — balbuciou pensativo — O que você me recomendaria, Madara? Já provou algum desses? — perguntou direcionando o semblante ao homem.
O moreno direcionou o campo de visão a Hashirama, as orbes negras lhe encaravam em confusão.
— Acho que… — começou, voltando a olhar para os potinhos dentro da estufa — chocolate.
— Será que pode pegar um mousse de chocolate pra mim — pediu ao balconista.
— Pra agora ou depois do pedido?
— Pra agora! — afirmou. — As coisas sempre são mais gostosas quando comemos no momento em que sentimos vontade — explicou por fim, avistando o homem caminhar do lado de dentro na busca pela sobremesa.
Assim que o potinho recaiu sobre suas mãos, Hashirama entregou para o paciente e se pôs a caminhar, sentando-se em uma mesa vazia que não ficava muito distante do balcão. Madara sentou-se na ponta da mesa retangular e Hashirama sentou-se na lateral da mesa — lhe proporcionando a visão das estufas e do balcão, para que quando o prato estivesse pronto ele pudesse ver e ir buscar.
O Senju viu quando Madara colocou a sobremesa em cima da mesa, ao lado de uma pequena colher de plástico posta sobre um guardanapo. Alguns minutos se passaram e nenhum movimento fora feito, fazendo com que o mousse de chocolate permanecesse intocável.
— Hum…, acho que não é tão gostoso se não estiver gelado — comentou. — Sugiro que coma antes de aquecer.
— Mas eu disse que não queria — proferiu baixo, mantendo o olhar focado na sobremesa.
— Você disse; no entanto eu não acredito.
Madara olhou para a face que já lhe observava, analisando a expressão de tranquilidade no rosto alheio.
— Por quê?
Hashirama pensou um pouco antes de responder.
"Porque a entonação da voz que você usa quando realmente não quer algo é diferente da entonação que usou agora."
— Porque todo mundo gosta de chocolate. E porque eu queria lhe dar algo gostoso pra comer. Não se esqueça…, isso não irá ocorrer todos os dias…
Madara não respondeu, simplesmente voltou a olhar para o potinho.
— Eu comprei pra você, mas pode deixar pra depois do almoço ou pode optar por não comer se você não quiser.
Assim que terminou de falar, Hashirama viu quando o balconista acenou, ele levantou do assento e fora buscar a comida de ambos, no entanto, ainda faltava o suco. Hashirama repouso a refeição sobre a mesa e avistou quando o Uchiha deixou o mousse de lado para aproximar o prato colorido que fora ofertado a si. Madara respirou fundo na intenção de saborear o delicioso aroma que emanava, olhando atentamente para cada alimento presente no prato.
— Vou deixar pra sobremesa — avisou ao colocar o potinho de acrílico próximo da região do Senju. Não queria que Hashirama pensasse que ele estava fazendo desfeita.
— Como preferir — respondeu com um convidativo sorriso.
Madara e Hashirama iniciaram a alimentação, o tempero parecia ter agradado o paladar do paciente visto a leve rapidez que comia. Hashirama avistou quando os sucos foram postos sobre o balcão, mas antes de se levantar viu quando o próprio balconista abriu um saquinho e despejou uma uma boa quantidade do que pareceu ser um pó branco sobre um dos copos. O Senju permaneceu olhando disfarçadamente. Madara não havia percebido que o doutor tinha parado de comer e não demorou muito para que a figura do homem que lhes servia se aproximasse da mesa.
Hashirama prestou muita atenção no copo que o balconista tinha colocado em cada uma das mãos. Notando também que o copo que havia sido adicionado algo fora de encontro exatamente na direção do Uchiha. O homem deixou as bebidas sobre a mesa e girou os calcanhares na intenção de se afastar.
— Senhor, esse suco tem açúcar?
— Não, doutor. O doce da bebida fica a critério do cliente. Tem açúcar e adoçante sobre a mesa.
Hashirama assentiu e viu quando o mesmo se afastou bastante tranquilo, tendo certeza que o Senju não tinha percebido suas ações. O doutor não teve mais apetite para continuar comendo e assim que os dedos pálidos de Madara encostaram sobre a vidraria gelada, sua destra moveu-se com ferocidade e não deixou que o Uchiha guiasse o copo até a boca, parando os movimentos da mão alheia antes de sair da superfície plana.
— Esse copo tem menos, deixa eu ficar com ele!? Já tô me sentindo satisfeito com o que comi.
Madara afastou a mão do copo e deixou que Hashirama fizesse a troca, não questionando e nem encarando-o na tentativa de entender o que se passava na mente do doutor. O único questionamento que rondava os pensamentos de Hashirama era a probabilidade da comida também conter o pó branco que avistou ou outra substância semelhante.
Ele não podia simplesmente pegar o prato de Madara e trocar pelo seu, ele não queria que o Uchiha soubesse o quê havia acabado de acontecer, porque o paciente já estava apresentando uma certa dificuldade para se alimentar e se soubesse do ocorrido a possibilidade de piorar se tornava maior.
A única coisa que Hashirama sabia era que o mousse de chocolate não tinha a tal substância, visto que a embalagem de acrílico estava lacrada e fora sortida em meio a tantas outras. Tudo o que pôde fazer fora esperar, e minutos depois se encantar pela forma engraçada que Madara se deliciou com a sobremesa depois que acabou o almoço, parecendo uma frágil e doce criança aos seus olhos…
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