Quando Jimin e Yoongi despertaram do estupor que se encontravam, perceberam que ainda estavam abraçados. Seus olhos estavam molhados, assim como seus rostos, que exibiam rastros de lágrimas sofridas de uma vida de que não lembravam. Seus corações não batiam, mesmo que aquele fosse o dia de fingir ser humano, porém suas almas doíam.
Nenhum dos dois tinha palavras; não conseguiam falar, apenas apertaram um ao outro no abraço e se permitiram sentir. Acima de tudo, eram melhores amigos e estavam precisando de um conforto.
Os dois não entendiam o que tinha acontecido nem o que aquela imagem — ou melhor dizendo, lembrança — significava. Quem eram Jongsu e Yeong-Cheol, afinal? Eram eles em vida? Porque se pareciam com eles, certo? Isso queria dizer que…
— Espera. — Jimin fungou, afastando-se de Yoongi para olhá-lo nos olhos. O que diabos tinha acontecido? — Você viu o mesmo que eu vi? É por isso que está chorando?
— O que você viu? — Yoongi perguntou, incerto. Sinceramente, ele esperava que Jimin não tivesse passado por aquilo, porque ele havia conseguido sentir cada molécula de seu corpo em desespero, com medo do que o senhor Han faria com o homem cujo nome era Yeong-cheol. E se aquele era Jimin… Yoongi engoliu em seco. — Existe alguma chance de você ter um irmão gêmeo?
— Quê? — O Park inclinou a cabeça para o lado, confuso. Coçou seu narizinho vermelho e deu de ombros. — Não sei, não lembro. Mas me conta, por que você está chorando?
Yoongi hesitou, sem saber se contava a verdade ou não. Analisando o brilho ansioso de Jimin, resolveu ser sincero.
— Quando eu te abracei, eu… como posso dizer? Parece que revivi uma cena. Eu era eu, só que… humano. Meu coração batia e eu precisava respirar, sabe? E tava doendo. Tudo doía. E o que mais me machucou, na verdade, foi ver você, ou pelo menos alguém idêntico a você, sendo ferido.
— Ferido…? — Jimin mordeu o lábio, pensativo. Será que realmente tinham visto a mesma coisa?
— Sim. Foi horrível. — Suspirou, estendendo a mão para o Park.
Jimin nem sequer hesitou, entrelaçando seus dedos nos do Min. Ele sorriu, fungando e limpando suas próprias lágrimas com as costas da mão livre. Com carinho, levou seus dígitos até a face de Yoongi e passou pela pele molhada, secando os rastros salgados que tinham ali.
— Eu vi você amarrado em um mastro de navio — contou o mais baixo. Seus olhos voltaram a marejar e ele os desviou, tentando afastar a cena tão vívida em sua mente. — E depois ser jogado na água.
Yoongi balançou a cabeça, compreendendo. Ele havia praticamente revivido tudo aquilo, afinal. E se Jimin sabia disso… significava que ele também tinha passado por isso também. Usufruiu da ligação física entre eles e puxou-o em sua direção, apertando-o em seu abraço. Não seria possível ouvir seu coração bater, mas o Min esperava que sua alma pudesse acalentar a de Jimin.
— Eu sinto muito.
Porque, no fim, não importava que eles aparentemente tivessem sido Jongsu e Han Yeong-Cheol. Naquele momento, eles eram Park Jimin e Min Yoongi e só tinham um ao outro.
Foi lado a lado que assistiram o nascer do sol naquele dia, já com suas figuras totalmente transparentes e intangíveis. Conversaram um pouco sobre tudo e nada, e resolveram deixar a memória para lá, pelo menos por enquanto. Apenas aquele resquício de lembrança tinha surgido; eles ainda não faziam ideia do que havia acontecido previamente àquela cena nem quem eram de fato, só possuíam informações vagas e dolorosas.
No fim, com o primeiro raio de sol do dia os atravessando, prometeram a si mesmos que continuariam juntos, independente do que descobrissem eventualmente. Eles sentiam que a amizade que tinham construído naquele tempo vagando pelo pós-vida valia mais a pena do que o que já estava no passado e pretendiam honrar o sentimento.
Contudo, conforme os dias passavam e as estações mudavam, Jimin começou a se questionar sobre o que vira. O senhor Han, seu pai, aparentemente, havia dito algo sobre Jongsu e Yeong-Cheol serem amantes… Isso significava que Jimin se apaixonara pela mesma pessoa duas vezes? Em vida e em morte? Ou era algum erro de seu pai que, no fim, custou a vida dos dois fantasmas?
Isso também fazia o mais baixo também pensar muito a respeito dos sentimentos de Yoongi. Será que o Min já tinha imaginado ambos juntos romanticamente? Ou queria apenas a amizade de Jimin? E se Yoongi gostasse dele também?
O Park tentava observar os pequenos gestos de Yoongi enquanto eles vagavam pelas diferentes ruas de Seul. As pessoas passavam por eles dia e noite, mas, sempre que possível, em um hábito, tentavam desviar delas, para que não transpassassem suas almas. E Yoongi fazia questão de chamar a atenção de Jimin, levando-o junto a ele quando dava um passo para o lado, a fim de evitar que um vivo atravessasse um deles. Aquilo deveria ser algum tipo de sinal de cuidado, certo?
Porém, o tempo passou e Jimin não chegou a um consenso. Mesmo que sua alma parecesse clamar por Yoongi, o Park não sabia como proceder. Confessava? Deixava como estava? Ele tinha muitas incertezas naquele momento; as únicas certezas que possuía era que estaria onde Yoongi estivesse e que terem se encontrado no pós-vida era coisa do destino.
Sorrindo, seguiu Yoongi por entre a multidão mais uma vez, dessa vez sentindo os vivos esbarrarem em seu ombro diversas vezes. Era mais um dia 31 de outubro, e dessa vez eles estavam fantasiados de professores: um de Educação Física e outro de Literatura. Jimin até achou engraçado quando o Min escolheu as fantasias dos dois, mas só aceitou quando ele pegou um par de óculos, colocou um livro debaixo do braço e disse que seria o melhor professor de Literatura daquele Halloween.
Obviamente o Park nem contestou, só materializou um apito e fingiu ser um professor de Educação Física.
Era no mínimo interessante observar a mudança nas comemorações ao longo dos anos. Em geral, a Coreia não costumava decorar suas casas nem as crianças saíam para pedir doces; mas com o passar das décadas, os sul-coreanos aderiram a alguns costumes norte-americanos. Naquele ano em específico, eles estavam passando por uma rua extremamente movimentada e com decorações de Halloween por toda ela.
Havia lanternas de abóboras decorando algumas lojas, várias tinham pendurado morcegos no teto, luzes na cor laranja chamavam sua atenção e até os funcionários dos estabelecimentos usavam fantasias. Ah, tinha até esqueletos em algumas portas apontando para o cardápio da noite também.
— Para onde estamos indo? — perguntou Jimin, voltando seu olhar para Yoongi logo à sua frente. Seus dedos entrelaçados não deixavam que se perdessem no caminho.
— Quero te levar a uma cafeteria que tem por aqui. Vi uns vivos comentando que ela é bem antiga, do tipo tradicional, mas resolveu fazer um evento de Halloween pela primeira vez.
— Sério? — Jimin animou. No mesmo instante, ele apertou o passo, andando mais rápido para ficar lado a lado de Yoongi.
— Sim. — O Min olhou-o de rabo de olho, com um sorriso nos lábios. — Ouvi dizer até que tem aquelas tortas de abóbora que são famosas nos Estados Unidos.
— Abóbora? — Jimin fez uma careta. — Devem ser péssimas, abóboras são ruins.
— E você já comeu? — Yoongi arqueou a sobrancelha.
— Já! — Ele respondeu com tanta propriedade que o Min teve que parar por um segundo e olhá-lo diretamente. Sob o olhar de Yoongi, Jimin corou e levou os dedos livres à própria nuca, coçando-a de leve. — Não — admitiu por fim.
Rindo levemente, Yoongi voltou a andar, puxando-o mais uma vez.
— Então como pode dizer que são ruins?
— Yoon — Jimin fez manha, deixando que um bico tomasse conta de seus lábios.
— Que paladar infantil, Park — brincou Yoongi. — Não sabia que você era assim.
— Você sabe que nem sentir mais o gosto das coisas a gente sente!
— Meras desculpas, claramente.
Em meio a risadas, chegaram à cafeteria do qual Yoongi estava falando, Sucheol. De fato, ela tinha uma aparência mais antiga, com paredes e teto de madeira, plantas decorando o lugar e luzes amarelas tornando o ambiente mais acolhedor. Estava bem cheio, mas deram a sorte de um casal estar saindo, então logo ocuparam seu lugar à mesa.
Jimin logo pegou o cardápio, pronto para escolher algo para comer que não fosse tortinha de abóbora. Ora essa, ele não era nenhum bruxo em Hogwarts, muito menos americano, então por que comeria tortinha de abóbora? Dava nervoso só de pensar.
Ele balançou a cabeça, afastando esses pensamentos, o que atraiu a atenção de Yoongi.
— Paladar infantil, tsc — fez Yoongi, implicante, mas logo riu quando Jimin lhe mostrou a língua.
— Olha, Yoon, eles têm um bolinho em formato de aranha!
Na mesma hora, Yoongi fez uma careta.
— Não peça isso.
Jimin arqueou as sobrancelhas em petulância, mas deixou que um sorriso surgisse por conta da fofura de Yoongi.
— Agora vou pedir dois — brincou.
Ele esperou um pouco para que Yoongi escolhesse o que pediria e fez sinal para o garçom fantasiado de Naruto, um personagem de desenho. O Min já tinha usado uma dessas, e ele tinha ficado a coisa mais fofa com os risquinhos do ninja sonhador; a lembrança deixou o interior de Jimin quentinho.
No fim, Yoongi escolheu uns biscoitinhos em formatos sortidos. Uns vieram na forma de caveira, outros eram fantasmas, havia até morceguinhos, e uns poucos tinham o formato de abóbora. Eram fofos. Jimin pegou um para experimentar e deliberadamente evitou o que tinha formato de abóbora, arrancando mais uma risada de Yoongi.
— Seus biscoitinhos são ótimos, certamente melhores do que torta de abóbora.
— Jiminie, Jiminie…
Quando terminaram de comer, resolveram passear pelo local, porque de fato era uma cafeteria situada num terreno antigo. Provavelmente havia sido uma residência de alguma família um pouco mais abastada em algum momento e transformada em um negócio posteriormente, então acabaram ficando curiosos sobre as histórias que o lugar escondia.
— Olha, Yoon — Jimin apontou para algo que havia visto ao longe.
Naquele momento, foi como se algo os atraísse para uma pintura um pouco mais escondida, na parte interna da cafeteria, em um corredor que levava para o banheiro. Ela era simples, mas bonita. As pinceladas eram delicadas, mas firmes. A imagem era de uma paisagem comum, mas chamativa.
Era diferente do clima de Dia das Bruxas; aquela pintura não tinha nada a ver com a comemoração, ela era apenas um elemento da decoração cotidiana do lugar, por isso estava tão escondida. Sua tela exibia um ambiente quase pastoril, com um campo verde e uma grande árvore em evidência. Sob ela, repousava um jovem com roupas escuras, num tom de verde totalmente diferente da paisagem, complementados por um cinto vinho. Era um soldado militar… da Coreia do Norte. E sua expressão era tranquila, serena. Em paz.
Embaixo da tela, uma placa dourada podia ser vista. Nela, estavam os dizeres:
A beleza não está na aparência, nas vestimentas nem na riqueza. Ela está no coração de quem é visto e nos olhos de quem vê. Assim como o amor.
— Han Yeong-Cheol
Jimin franziu o cenho, reconhecendo o nome. Han Yeong-Cheol… não era…?
Na mesma hora, sua visão escureceu e ele cambaleou, estendendo a mão para se apoiar em Yoongi, que estava ao lado. Contudo, no instante que suas peles se tocaram, mais uma vez eles foram teleportados para uma cena antes esquecida.
A paisagem que era mostrada no quadro tornou-se o cenário deles e os dois que estavam lado a lado passaram a estar separados por um grande campo verde. Ao longe, Jimin podia ver Jongsu dormindo embaixo de uma árvore com um livro sobre seu peito. Seu primeiro impulso foi correr até ele, porém seu corpo não se movia conforme sua vontade. Ele só pôde assistir a si mesmo se aproximando calmamente do outro.
Seu coração parecia bater rapidamente, como há muito não fazia; talvez por estar animado com a presença de Jongsu ou ansioso, por ter encontrado um soldado norte-coreano perto de si. Ele não sabia o que estava acontecendo, só tinha conhecimento de que ele estava novamente preso em uma recordação, no corpo de Han Yeong-Cheol.
Quando se aproximou o suficiente, ajoelhou-se ao lado da pessoa adormecida. Parecia que algo emanava dentro de si, e era algo que Jimin conhecia muito bem.
— Su — chamou baixinho, tocando o ombro dele. — Acorde, Su.
Tentou acordá-lo com tanta delicadeza que Jongsu nem se mexeu, totalmente imerso em seu sono. Yeong-Chul revirou os olhos, mas acabou escondendo um sorriso com as mãos quando Jongsu roncou.
— Su! — Sacudiu o ombro do homem adormecido algumas vezes até que ele começasse a abrir os olhos, sonolento. — Eu demorei tanto assim?
— O quê? — Jongsu bocejou, levantando-se o suficiente para sentar corretamente. — Pode repetir?
— Eu perguntei se demorei tanto assim. — Yeong-Cheol se ajeitou, sentando-se sobre seus pés. O mais alto negou, esfregando seus olhos para se despertar. — Perdão, meu pai voltou da fronteira, aí fizemos um almoço em família. — Aproveitou para estender uma pequena vela para o outro, desejando em seu interior que ele ficasse protegido naquele dia de 31 de outubro. — Cuidado com os espíritos hoje, é o dia de visitarem a Terra, e bem… provavelmente há muitos.
Jongsu desviou o olhar, sabendo o que aquelas palavras significavam. Se o pai dele havia voltado e comemorado, provavelmente o Sul tinha anexado mais um território. E se o Sul tinha ganhado… O soldado só podia torcer para que seus companheiros estivessem bem. E quanto aos espíritos…
— Eu sinto muito — sussurrou Yeong-Cheol, estendendo seus dedos para o outro. Era sua maneira de dizer que esperava que não tivessem tido muitas fatalidades. Eles entrelaçaram seus dedos e conectaram seus olhos, transmitindo ali tudo o que podiam. — Como estão as coisas? Conseguiu se comunicar com sua família?
Ele balançou a cabeça negativamente.
— E acho que nem vou conseguir mais. A tensão está aumentando… A guerra está ficando cada vez mais violenta. — Jongsu entortou a boca, insatisfeito. — Sinceramente, cada vez mais me sinto revoltado por ser obrigado a lutar. Esse não é o meu lugar, eu não sou um soldado.
— Su… — Yeong-Cheol sorriu tristemente. — Queria que pudéssemos fugir disso tudo. Você não merece passar por isso.
— Eu também queria — sussurrou o mais alto. Seus olhos brilharam, como se imaginasse uma nova vida para eles. — Seria ótimo. Consigo imaginar você pintando seus quadros e eu escrevendo meus livros, lado a lado, como dois melhores amigos… dois amantes.
O mais baixo assentiu, sentindo seus olhos marejarem. Seu peito se apertou com o desejo que sentia de ser livre, feliz, ao lado daquele que amava. Mas não podia. Não podia, porque não tinha como abandonar sua mãe e sua irmã; era um dos únicos homens da família e tinha tido sorte de não ser chamado para lutar na guerra, mas seu pai tinha sido. E se seu progenitor morresse, Yeong-Cheol deveria estar lá para cuidar da família.
Além disso, sabia que, mesmo que Jongsu quisesse deixar o exército, ele nunca faria isso. Assim como Yeong-Cheol, Jongsu tinha sua família para cuidar. Fora que seria considerado traidor, o que faria com que as pessoas que amava fossem executadas por seu egoísmo.
No fim, não havia nada que pudessem fazer a não ser se encontrar às escondidas.
— Isso é tão… — sussurrou Yeong-Cheol, respirando fundo logo depois.
— Estranho? — sugeriu Jongsu, deixando que seu polegar percorresse os dedos gordinhos de Yeong-Cheol. — Se apaixonar pelo inimigo?
Yeong-Cheol hesitou, porque não eram exatamente inimigos inimigos, mas… bem, considerando que estavam no lado oposto em uma guerra…
— Sim. — Suspirou, soltando seus dedos por um instante.
Os olhos de Jongsu seguiram a figura de Yeong-Cheol até que ele se deitasse ao lado, posicionando-se de modo a apoiar a cabeça em seu colo. Quando o menor terminou de se ajeitar, o soldado abaixou-se, deixando que seus lábios tocassem a testa do outro. Yeong-Cheol fechou os olhos para apreciar o carinho e permitiu que um sorriso tomasse conta de seus lábios.
— O destino nos uniu, Cheol. Tenho certeza de que vamos conseguir ser felizes algum dia. Quem sabe quando a guerra acabar…
— Você acha? — A voz de Yeong-Cheol soou mais esperançosa do que deveria. — Não acho que aceitariam dois homens juntos… E eu não sei se acredito muito em destino… Acho que fazemos nossas próprias escolhas, não que estamos presos a algo já escrito. Falar assim tira o peso de nossas ações.
Nesse momento, Jongsu pareceu refletir por um segundo.
— Não acho que alguém, a não ser nossa família, tenha algo a ver com nossa vida. E sobre o destino… bem, eu acredito. — Ele sorriu. — Para mim, o amor não é algo que acontece por acaso, aleatório. Para mim, é como se… se fossemos escolhidos a dedo um para o outro. Sinto que nos conhecermos estava escrito nas estrelas, por isso nos encontramos da forma mais idiota que existe.
Yeong-Cheol riu.
— Quem diria que ter uma vontade súbita de pintar um riacho poderia fazer com que eu encontrasse o amor da minha vida? — brincou.
— Não é? E quem diria que um banho em um riacho longe do acampamento faria eu conhecer o amor da minha vida? — Jongsu sorriu, deixando que seus dedos percorressem o rosto do amado.
Ao final das palavras de Jongsu, a imagem começou a escurecer, como se Yeong-Cheol estivesse pegando no sono. No entanto, Jimin estava muito bem acordado, com sua alma totalmente preenchida por diversos sentimentos.
Ele nem sequer sabia o que sentir primeiro. Havia um clamor em seu interior que ele sabia que era por Jongsu. Yoongi. Pelo amor da sua vida e da sua morte. Além disso, havia também um eco em sua mente, com luzes piscando e diversos sons se misturando, como se por trás de suas pálpebras passassem várias imagens ao mesmo tempo. Sua mente doía, lembrando-o momentaneamente de que estava em um corpo humano, e ele estendeu sua mão em direção à cabeça para tentar aliviar a dor.
Não adiantou, porém ela não demorou a passar.
Sua visão, no entanto, estava levemente turva quando voltou a abrir os olhos. Ainda assim, encontrou-se novamente nos braços de Yoongi, porém dessa vez nenhum dos dois chorava. Era uma boa lembrança. Não havia motivos para chorar. Certo?
Contudo, quando se recordou das palavras de Jongsu, os olhos de Jimin começaram a lacrimejar. O destino nos uniu, Cheol. E o destino havia feito eles se reencontrarem após a morte também, mesmo que não tivessem nenhuma memória do que haviam vivido juntos.
— Yoon… — chorou, incapaz de segurar a avalanche de sentimentos que o preenchia. — Ai, meu Deus. Nós… nós éramos… Como…
Um soluço impediu que ele continuasse, mas não foram necessárias mais palavras para que Yoongi fizesse algo. Os braços do Min, que antes o apertavam, afastaram-no por um segundo para que pudessem olhar um nos olhos do outro e no mesmo instante o polegar de Yoongi foi levado à face de Jimin, fazendo das lágrimas reféns de seu polegar.
— Está tudo bem, Jiminie, não chore — pediu ele, com seu próprio nariz vermelho. Ele pigarreou para afastar o nó da garganta, mas deixou que um sorriso tomasse conta de seus lábios. — Você fica ótimo de hanbok.
Jimin soltou uma risada, que foi seguida por um soluço. Ele pouco se importava que estavam no meio de um corredor, mas fez questão de segurar a mão de Yoongi novamente.
— Seu bobo! A pintura… — Ele virou para o lado momentaneamente, gesticulando para o quadro e a plaquinha.
— Foi você quem pintou, pelo visto. — Yoongi sorriu. De certa forma, ele estava em paz depois de tudo aquilo. Assim como Jimin, ele também estava com dor de cabeça e parecia que tinham jogado uma enxurrada de memórias em sua mente de uma vez só, mas… o Min se sentia bem. — Ela ficou linda.
— Sim! Pintei ela um pouco antes de… — Jimin fungou, apertando os dedos que estavam entrelaçados aos seus. Aos poucos, suas lágrimas paravam de cair, mas o nó em sua garganta continuava. — Se chama O Norte Também Ama.
— Oh? — O mais alto arqueou as sobrancelhas, surpreso, e voltou seu olhar para a placa. Aquilo não estava escrito em lugar algum; parecia que, quem quer que tivesse exposto ou comprado o quadro, não sabia disso. — Em homenagem a…
— Você? Sim. E à sua família também. Lembro que disse que eles estavam muito preocupados com você na última carta que mandaram. — Um quê de tristeza passou pelo rosto de Yoongi. — Eu sinto muito…
— Não precisa se preocupar, Jiminie, já passou. Tenho certeza de que eles viveram bem, da forma que podiam.
— Mas você morreu por causa do meu pai… — sussurrou ele, em partes para que ninguém o ouvisse, em partes pelo sentimento de culpa que carregava. — Ele nos viu juntos nesse dia da memória. Quando voltei para casa, ele fez questão de me espancar e me arrastar até o navio. Disse que ia cuidar de mim como faziam com traidores. — Seus olhos voltaram a marejar, refletindo a dor que existia dentro dele. — E… e-eu estaria bem se ele quisesse matar apenas a mim, mas quando os subordinados dele trouxeram você também…
— Jiminie… — Yoongi tomou o menor em seus braços, sentindo sua alma doer novamente, como se estivessem revivendo a própria morte mais uma vez. — Não diga isso, eu não suportaria perder você… Tive esperanças até o último segundo de que o veria novamente, porque…
— O destino nos uniu — murmurou Jimin a frase que Jongsu havia dito.
— O destino nos uniu — repetiu Yoongi, apertando-o contra si antes de respirar fundo e esconder o rosto no pescoço de Jimin.
O silêncio tomou conta deles por uns segundos, enquanto colocavam o pensamento em ordem.
Naquele momento, suas memórias estavam mais organizadas, então já era possível saber o que havia acontecido. Yeong-Cheol e Jongsu tinham se conhecido em um riacho não muito longe daquele campo de uma forma pouco provável. O mais baixo havia posto na cabeça que queria pintar um riacho e acabou indo em busca de um; o problema era que ele fora longe demais de casa e acabara perto demais de um acampamento de militares do Norte que estavam infiltrados no Sul, esperando ordens.
Enquanto pintava, foi surpreendido por um indivíduo começando a banhar-se nas águas, sem perceber que estava sendo observado. Ele não reparou na farda de Jongsu jogada ao chão, então não notou que estava diante de um soldado do Norte, por isso acabou se aproximando da água.
Acabou assustando o nortista, porém o encontro acabou sendo verdadeiramente divertido. Sem saber com quem falavam, descobriram interesses em comum e uma nova fuga para o estresse. No fim, combinaram de se encontrar ali mais vezes.
Quando o esconderijo deles se tornou precário, porque outros militares passaram a visitar o local, Jongsu sugeriu que conversassem sob uma árvore antiga que ele tinha visto a vários metros dali, onde não era mais coberto pela floresta. Cauteloso, porém decidido a confiar no novo amigo, Yeong-Cheol foi.
Os encontros aconteciam toda semana, sempre no mesmo lugar e horário, quando Jongsu podia tirar um tempinho para descansar do treinamento sigiloso. Aos poucos os sentimentos de ambos foram mudando e pequenos toques foram tomando forma, até entenderem o que queriam de fato; em menos de um ano, passaram a desejar algo a mais do que a amizade. O porto-seguro se tornou também o amor de toda uma vida… e uma morte.
Era um sentimento tão forte que superou qualquer preconceito que pudessem ter naquela época; nenhum dos dois chegou a questionar a necessidade que tinham de entrelaçarem seus dedos ou ficarem abraçados, apenas faziam porque queriam. Não houve beijos profundos nem sexo na relação deles, mas isso não os fez menos amantes, porque o amor deles vinha do coração, assim como a beleza, que estava no significado do nome de Jongsu.
Eles se amaram até o fim, no dia 31 de outubro de 1950, quando seus últimos desejos e pensamentos foram sobre o outro.
Contudo, a morte violenta de ambos, o homicídio por parte do pai de Yeong-Cheol, misturado com a homofobia e a tortura física, fez com que suas almas acabassem sofrendo e bloqueassem suas memórias para que não sofressem no pós-vida. O problema foi que, com isso, não tinham mais como finalizar suas pendências para partirem.
Jimin já apareceu sem memórias na praia de Busan, onde seu corpo foi parar depois de ser jogado ao mar. Por outro lado, o corpo de Yoongi não foi encontrado, perdido na imensidão da água; sua família sofreu durante muito tempo, até que receberam um pacote anônimo endereçado a ele. Eram o diário e a pintura de Jimin, que haviam sido enviados pela irmã do pintor, junto a uma carta escrita à mão por ela, relatando a morte dos dois.
Han Minah, a irmã, havia seguido o pai quando ele saiu esbravejando, carregando Yeong-Cheol com ele. Não tinha como se intrometer, porque, no fim, o que uma mulher poderia fazer sozinha em um navio cheio de homens? Porém, em meio às lágrimas e ao acalento de sua mãe, após contar o que o pai deles havia feito com o irmão e filho amado delas, ela decidiu que o faria ser punido. Era preciso ser forte para trazer justiça ao irmão. Foi quando seu pai finalmente foi preso por crimes de guerra e pelo assassinato do próprio filho que ela se permitiu dar algumas das memórias de seu irmão para a família da pessoa que ele amava.
Desde então, a família de Jongsu tinha aberto um restaurante em Seul e o mantinha sob o comando familiar. Em uma das paredes, exibia o mais belo quadro que tinham de um de seus filhos, o que foi morto pelo ódio e pela guerra, e o que havia sido amado verdadeiramente por alguém. A frase que constava na placa era do diário de Yeong-Cheol, um dos pequenos poemas que ele havia escrito sobre Jongsu.
Enquanto tudo isso acontecia, Jimin e Yoongi estavam presos ao mundo humano, sem qualquer chance de reencarnação, ignorantes ao que ocorria às suas famílias. Contudo, no fim, tudo ficou bem, porque eles se reencontraram décadas depois.
Saindo do abraço no qual ainda se encontrava, Jimin se afastou, puxando Yoongi para um dos banheiros dos quais estavam perto. O Min o seguiu sem nem pestanejar. Após entrar e trancar a porta, o pintor respirou fundo, sentindo que finalmente estava na hora de falar aquilo que estava em seu peito. Tinha passado décadas demais sentindo falta de seu predestinado e, ao reencontrá-lo, não teve coragem de declarar seus sentimentos… até aquele momento.
— Yoon… — começou, entrelaçando seus dedos nos do outro. Yoongi apenas os apertou de volta, sinalizando para que Jimin continuasse. — Primeiro eu queria dizer… Obrigado por estar comigo por todos esses anos. Tanto o primeiro ano em vida, quanto os que passamos juntos em morte. Você é tudo para mim. É o meu melhor amigo, meu companheiro fantasma, meu porto-seguro, a pessoa com quem eu posso contar sempre… e também é o motivo pelo qual eu acredito em destino.
— Mesmo? — Yoongi murmurou, com um curvar de lábios. Ainda estava fresco em sua mente a memória de Yeong-Cheol falando que não acreditava em destino, mas naquele momento… Jimin dizia que acreditava. Por causa dele.
— Sim. — Jimin assentiu, sorrindo. Ele se aproximou de Yoongi lentamente e fez uma pausa apenas para beijar os dedos longos do Min. — Você disse que o destino nos uniu, lembra? E eu não acreditava nisso, mas agora eu acredito. Yoon, o destino fez com que nos encontrássemos no riacho e depois fez com que nos esbarrássemos em Seul, no meio de uma festa de uma universidade que nenhum de nós nunca nem frequentou… quase setenta anos depois! Isso não é uma coincidência.
— Nada é uma coincidência — Yoongi sussurrou, levando seus dedos livres até o rosto de Jimin. Havia muitos sentimentos em sua alma; o desespero foi tanto no final de sua vida que havia ficado impregnado ali, por exemplo, porém o amor que aprendeu a sentir por Jimin durante aqueles anos como fantasmas era ainda mais intenso do que isso. — Quando eu te conheci, minha alma ficou mais leve — confessou.
— A minha também… — contou o Park. — Era como se eu tivesse preso em um desespero profundo, procurando por algo que eu não sabia o que era. — Ele fez uma pausa, mordendo o lábio inferior enquanto sentia, pouco a pouco, o que lhes fazia humano indo embora. O tempo deles como humanos estava se esgotando, estava prestes a dar meia-noite. — No fundo, eu soube que era você a pessoa por quem eu estava procurando. Só não entendia o porquê, mas agora eu sei.
O corpo de ambos começou a formigar conforme a luz da lua, que estava em seu ponto mais, tomava conta do lugar. Logo acabaria o dia 31 de outubro, e eles voltariam a ser fantasmas. Porém, quem sabe deixariam de ser apenas fantasminhas camaradas e passariam a ser… amantes? Namorados?
Enquanto isso, os olhos de ambos estavam fixos nos do outro, lendo todo e qualquer sentimento que estavam marcados em suas almas.
— Yoon… Quando eu vi você morrer, tudo que eu consegui foi pensar que eu deveria ter dito que te amava. Que você era o meu tudo, o meu mundo, o meu paraíso. Que nós deveríamos ter mesmo fugido juntos, porque eu faria qualquer coisa por você. — A voz de Jimin ameaçou embargar novamente, mas ele respirou fundo, tentando conter o choro. — Eu continuo me sentindo assim. Ainda quero estar com você até o fim do mundo, por toda a eternidade. Se a gente conseguir reencarnar, eu quero nascer no mesmo tempo que você para que possamos nos encontrar novamente.
Yoongi sorriu. Era um sorriso choroso, emocionado, porém feliz. Seus melhores sonhos estavam acontecendo naquele momento. Ele foi obrigado a soltar a mão de Jimin porque seus dedos começaram a atravessá-la, mas ele não se importou, porque também precisava pôr tudo o que sentia para fora antes que transbordasse.
— Eu também me sinto assim. Não foi difícil me apaixonar por você, porque sua risada irradia luz, assim como sua alma. Ao seu lado, sinto que me tornei feliz quando tinha tudo para estar triste; tanto antes quanto agora, você me deu forças para continuar. Eu me sentia tão solitário vagando eternamente pela Coreia, Jiminie… Por obra do destino, resolvi participar de uma festa de Halloween um dia e encontrei você, o Ceifador mais Homem de Preto que eu já vi.
Jimin soltou uma risadinha, sentindo sua alma tremular com a intensidade de seus sentimentos.
— Você diz que espera que possamos nos encontrar na próxima vida, e… tenho certeza de que o destino se encarregará disso. Nós não nos conhecemos por acaso, nosso amor não é por acaso. Ele fará com que existamos em um mesmo momento novamente e poderemos ser felizes juntos. A sociedade está melhorando, está acolhendo mais as pessoas como nós… então até lá ficaremos bem.
Sorrindo, Jimin estendeu sua mão até o rosto de Yoongi, mas seus dígitos o atravessaram. Mesmo assim, não desviaram o olhar nem o Park abaixou a mão.
— Eu vou te amar por todo o infinito, Yoongi.
Yoongi quase pôde sentir seus olhos arderem, porém fantasmas não eram capazes de chorar. Então, seus sentimentos refletiram em sua imagem, em sua alma. Ela ganhou um pouco mais de brilho e tremeluziu, ao passo que o Min tentou estender a mão para segurar a de Jimin… em vão.
À sua frente, o pintor já perdia sua cor e sua transparência ficava ainda maior. Jimin estava sumindo. Ele estava livre. Antes que ele sumisse de vez, Yoongi tratou de dizer:
— Eu também, Jimin. Eu te amo, amei e sempre amarei. Por toda a eternidade. — Porque ele também havia pensado que deveria ter dito a Yeong-Cheol que o amava quando teve tempo.
Assim como Jimin, deixou que a luz tomasse conta de seu corpo e permitiu que os deuses o levassem para a próxima encarnação.
Poucos segundos depois, não havia mais nada nem ninguém no banheiro. Ele permaneceu fechado, trancado pelo lado de dentro, pelo resto da noite.
Enquanto isso, a roda do destino girava, conectando as almas de Park Jimin e Min Yoongi mais uma vez para que pudessem se reencontrar na próxima vida.
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