6 horas depois - 19h45pm
Fim do dia, começo do fim da noite na agitação comum em Nova York, com centenas de pessoas saindo do trabalho e caminhando apressadas em seus telefones, cansadas e se enfiando em transportes lotados ou horas parados no trânsito para chegar em casa após um exaustivo e longo dia de trabalho e para amanhã fazerem tudo de novo, apenas a espera do último dia do mês quando o salário cai, as contas são pagas, a vida continua e quando possível o lazer vem.
Alice é só mais uma dessas pessoas na multidão de um dia qualquer em uma metrópole qualquer. Saindo de mais um dia de trabalho, desceu o elevador, se despede de todos em seu caminho, fez o que sempre faz, carrega o guarda-chuva na mão até chegar ao lado de fora e se certificar de que está apenas frio e não chovendo. Tomou alguns analgésicos para dor de cabeça depois da hora do almoço para conseguir focar em alguma coisa depois do acontecido, ainda em choque, ainda achando que está louca e não conseguiu focar em mais nada, nem ao menos trabalhar direito, trêmula e obcecada em pensar em Loki, em ler livros sobre ele e ainda mais obcecada com tudo que ele lhe disse na tarde de hoje e Alice continua se questionando se perdeu ou não o juízo, se está imaginando ele, criando ele em sua cabeça depois de tanto pensar sobre ele ou se ele realmente é real.
Saiu do prédio da S.H.I.E.LD e caminhou pelas calçadas cheias de gente, fitou o relógio de pulso, apressando o passo ao ver que logo perderia o ônibus da noite e passo após o outro atravessou a rua, fitando a movimentação de Nova York, as diversas pessoas correndo ou parados em seus carros, o vento frio batendo no rosto e congelando o nariz.
Alice mexeu na bolsa, à procura do celular e do fone de ouvido, querendo ouvir uma música para acalmar sua mente e seus pensamentos confusos.
Mas é impossível, não consegue parar de pensar. Está há 6 horas, ou melhor, está há mais de dias pensando nele sem parar, sem conseguir tirá-lo de sua cabeça, sem conseguir sanar as dúvidas.
Será que vai vê-lo de novo? Será que ela está ficando doida? Será que ele realmente nunca mais vai aparecer? Será que ela deve ou não contar ao Coulson tudo que sabe? Por que não sente vontade de contar?
Tão surreal que Alice só consegue acreditar que ela está ficando doida e criando Loki em sua mente. Precisa de um psiquiatra.
- Olá, Alice. Céus, este lugar está um caos. Quantas pessoas caminhando pra lá pra cá feito manadas, argh como vocês conseguem viver assim?
Alice se assustou novamente, o coração na garganta, a esse ponto realmente com medo de ter um ataque cardíaco ao levar tanto sustos em tão pouco tempo. A voz. Loki. O sotaque fechado semelhante ao britânico, o tom de voz rouco e irônico, levemente sussurrado dele.
Ele ali de novo. Aparecendo ao lado dela mais uma vez. Repentinamente e andando ao lado dela.
O susto foi tamanho que ela suspirou alto e parou de caminhar na hora que virou para o lado e encontrou Loki ao lado dela, ou melhor, outra projeção, outra ilusão dele, pois vez ou outra pessoas passavam perto da projeção e a imagem se desfazia minimamente.
Não é real. Outra ilusão. Tamanho susto que ela parou no meio da rua, olhos piscando rápido e coração se chocando no peito, parada no meio do fluxo ao ponto que pessoas esbarravam e reclamavam com ela por estar atrapalhando.
Uma de suas dúvidas foi respondida. Loki apareceu de novo, no mesmo dia, apenas 6 horas depois.
E Alice não consegue entender porque ele continua aparecendo mesmo dizendo que não irá aparecer. O que ele quer com ela? Que respostas são essas que ele quer? Será que ele ainda não percebeu que Alice não pode o dar nenhum resposta? Então por que ele continua aparecendo?
E a resposta que Alice não sabe e que Loki sabe mas não assume para si mesmo é: o simples fato de que ele quer vê-la. De que não consegue parar de pensar na humana e não consegue parar de sentir vontade de ver a humana, mesmo que só em sua mente, mesmo que só em pensamentos. Pensar nela afasta os chitauri. Mas ver ela é um desejo do interno dele. Um desejo que o coração congelado do homem egocêntrico nunca irá assumir.
Mas aqui ele está após passar o dia confuso no porão. 6 horas depois e ele voltou a vê-la. E Loki sempre arruma desculpas para justificar a si mesmo o simples fato de que quer vê-la, agora inventou que precisa saber sobre ela já que a teoria de bruxaria não é mais válida, então conhecê-la e saber tudo sobre vai ajudá-lo a entender o que ela fez com ele na Alemanha.
- Meu Deus - Alice suspirou, fitou o chão, tentando se acalmar e sorriu incrédula, abrindo os olhos e os lábios e balançando negativamente a cabeça - Só posso estar ficando louca. Não é possível que isso esteja acontecendo de novo.
- Quer que eu vá embora? - Loki questionou, a fitando, analisando cada uma das expressões dela, as sobrancelhas arqueadas com a face de incredulidade e choque, a ponta do nariz avermelhado e alguns fios de cabelo voando com o vento frio, querendo entendê-la, querendo saber mais, a conhecer, cada expressão dela - É muito para sua mente humana...quer dizer, é assustador para você quando eu apareço assim?
Não, não quer que ele vá embora.
Alice saiu de seu choque e percebeu que o tom de voz dele estava suave, a pergunta com um tom de preocupação, levantou o olhar minimamente e notou que Loki tinha as sobrancelhas arqueadas para baixo, olhos focados nela, esperando uma resposta, a face da dúvida. Ele se preocupa com ela? O que diabos ele quer aqui? O que está acontecendo e por que ele continua aparecendo?
- Não é assustador - ela respondeu em outro sussurro, odiando a sensação de falar sozinha e olhar para um vulto enquanto dezenas de pessoas passam ao redor. Alice continuou andando, seguindo o fluxo e olhando para Loki de canto de olho, a imagem dele seguindo os passos dela - Mas é difícil para uma mente humana compreender.
- Acho que posso entender - tentou pensar em como deve ser difícil lidar com algo que não estão acostumados.
- O que você quer? Você disse que seria o último contato e aqui está você de novo. Já lhe disse que não tenho respostas para suas perguntas. Você não tem o que fazer? - foi irônica, rindo de si mesmo e perdendo qualquer medo ou empecilho na fala, realmente acreditando que ficou doida e está criando Loki na cabeça e não que é ele ali de verdade.
- Huh, digamos que não é muito animador estar num porão.
- Então prefere conhecer a correria de Nova York e está usando sua conexão comigo para isso? - foi irônica, mais uma vez sorrindo de si mesma por estar falando sozinha.
Loki estranhou esta reação, notou como ela parecia mais leve e suave e sorridente, embora não fossem sorrisos de alegria e sim sorrisos irônicos, quase iguais aos dele. Parecia mais solta, à vontade e demorava menos tempo para aceitar a aparição e começar a conversar com ele do que das últimas duas vezes quando ela tremeu, se beliscou, cuspiu café e segurou os cabelos se auto questionando por quase dez minutos. E agora ela parece estar...o aceitando ali.
- Não quero conhecer Nova York e nada de inútil que há nesta selva que chamam de cidade. Quero conhecer você.
Alice parou imediatamente de andar de novo. O coração bateu no estômago gelado e a arrepiou ao ouvir esta frase. Engoliu em seco, sentindo os arrepios em cada poro. Não sabe porque se sentiu assim, o rosto pegando fogo em cada pelugem rara nas laterais da face ao ouvir a frase dele. Levantou sutilmente o olhar, Loki havia parado de caminhar também e estava a fitando. Alice notou que ele sempre olhava para o meio do rosto dela ou para as mãos e principalmente para os cabelos dela, mas nunca a olhava nos olhos.
Mas o que ele quer saber sobre ela? A conhecer? Alice gaguejou, ainda mais confusa - O que? Me c-conhecer? - abriu a boca, em choque, erguendo as mãos no ar, as pessoas olhando para ela conversando sozinha, mas ela nem se importou, focada em olhar para Loki e chocada com as palavras que saíram por entre os lábios dele - Por que?
- Preciso de respostas e se você não pode me responder, vou descobrir as respostas sozinho - Loki respondeu, a fitando, mas não fitando os olhos da humana, com medo dela fazer algo com ele como fez na Alemanha e Loki não teme nada, não tem medos, é sempre tão seguro, arrogante e egocêntrico e agora tem medo de uma simples humana e os efeitos dela em seu cérebro. Alice o fitou, notou que ele não estava mais com roupas de humano e sim com as roupas verdes e asgardianas de couro dele, aparecendo do jeito que ele está deitado no porão, a deixando ver do jeito que ele está de verdade, por mais que seja uma ilusão. E Loki nem notou que estava com suas vestes normais, a deixando vê-lo com olhos murchos de quem não dorme cansados dos pesadelos dos chitauri, a deixando ver sua vulnerabilidade. Vê-la, falar com ela afasta os chitauri e talvez seja por isso que ele queira tanto vê-la, porque olhar para ela o acalma.
Alice percebeu como ele parecia ainda mais perdido do que na Alemanha, face de preocupação e agonia, mãos inquietas, olhos vidrados nela. E se ela não é uma bruxa, ele precisa saber mais sobre ela, a conhecer por completo para entender o que ela fez com ele, ou melhor, o que ela está fazendo com ele, porque ele não consegue parar de pensar na mulher de cabelos dourados, precisa de respostas urgentemente e só ela pode o dar - Por favor, Alice...é importante para mim.
E esta é a primeira vez que Loki usa o termo “por favor” em todos os seus anos de existência. Ele nem ao menos sabia que essa palavra existia em seu vocabulário.
- Importante? Ok - Alice ainda incrédula e confusa, sorriu de choque de novo, respirou fundo tentando se acalmar - Isso não pode ser real, não mesmo - ainda com dificuldades de aceitar que está vendo uma ilusão de Loki, incapaz de acreditar que coisas tão surreais como poderes e magias existem. Sorriu de nervoso. Mas não medo dele. Apenas nervoso de incredulidade pela situação.
Loki percebeu - Então ainda acha que sou fruto da sua imaginação?
- Sim - Alice tornou a andar ao ser xingada por mais pessoas reclamando por ela estar no meio do caminho e ele andando lado a lado com ela, podendo ver o vento levar os cabelos dela para longe e revelando o rosto dela completo, a testa, as sobrancelhas, os olhos, o nariz, as orelhas, o pescoço, a boca, as luzes vermelhas e verde dos sinais de trânsito da rua aberta que ela passava refletindo na face dela.
- Ah, acho sim! Tenho certeza que fiquei louca, mas estou tentando entender como isso funciona, porque te chamei e você não veio, então não sei como isso acontece, se você só aparece em determinados momentos, mas é estranho, porque penso muito em você durante o dia e às vezes você aparece quando eu não penso então…
Loki cortou a fala dela, surpreso - Você me chamou? E passou o dia pensando em mim?
- Não sei como estou te criando em minha cabeça, acho que preciso de remédios para loucura.
- Alice, escute-me. Você não está me criando. Eu estou aparecendo para você, é real, ok? Abra sua mente para compreender coisas maiores do que o seu mundo oferece. Thor e super heróis são reais, mas minha projeção você não consegue acreditar? Eu sou real, acredite.
- Então se você é real mesmo, o que quer comigo?
- Já lhe disse. Respostas.
- Por que de mim?
- Porque você fez algo comigo na Alemanha e se você não pode responder, eu preciso descobrir o que foi.
- Eu não fiz nada com você na Alemanha - agoniada, bateu os braços no ar - Eu não tenho respostas. Você deve estar se confundindo, não fui eu que fiz seja lá o que você acha que eu fiz, ok?
- Você fez, talvez inconscientemente, mas fez, fez, eu sei que você fez, eu senti - Loki lembrou-se de como olhar para ela o trouxe tantos pensamentos e o fez soltar o cetro e se render - Pode me responder?
- O que quer saber?
- Tudo que puder me contar sobre você será importante e essencial, Alice.
Alice respirou fundo e parou de andar, Loki parou também - Ok - outro suspiro, fechou os olhos, tentando se acostumar com isso - Vamos supor que eu não esteja ficando louca e que você é real mesmo, como pode me assegurar de que você não é uma ameaça para mim, de que quer me fazer mal ou obter informações para se beneficiar de alguma forma contra a S.H.I.E.L.D? Eu sei que você me salvou, mas nem você consegue responder o porque, eu não quero acreditar que você é o cara mal, mas é difícil ao ver tantas pessoas te procurando e os acontecimentos passados que não me envolvem. Eu também sei que talvez seja completamente insana por não te entregar ao Fury com as informações que tive e tenho sobre você, mas e-eu não consigo entender porque não faço isso, porque acredito que talvez você não queira ser o vilão - sim, ela sabe, ela tem uma teoria, a luz azul, de que Loki é controlado pelo cetro, mas não sabe entender até que ponto ele quer isso ou se está perdido ou se as intenções dele realmente são as piores. Será que Fury acreditaria se ela disser que ele está sendo controlado e não quer agir do jeito que age? Será que ela é que está louca tentando defender um vilão? Mas Alice sabe o que viu na Alemanha quando Loki pegou o cetro e gritou de dor na mudança de cor dos olhos, virando outro.
Loki respirou fundo, puxando ar do fundo do peito com a surpresa de ouvir essas palavras da boca dela, em não ser taxado como vilão pela primeira vez na vida, logo balançou a cabeça negativamente. Mas esses dois últimos atos ele fez apenas em seu corpo físico no porão, não a deixando o ver na ilusão que no real ele respirou fundo, franziu o cenho e os olhos de surpresa e o balançar de cabeça.
- Minhas intenções com essas informações não são ruins, posso te garantir que será boa para sua terra - Loki não quer fazer nada para prejudicá-la, apenas entender o que ela fez com ele que tirou o chitauri da mente dele, que tirou o controle dos chitauri dele - Vamos fazer um acordo.
- Li cerca de duas mil páginas sobre você nos últimos 3 dias e todas dizem que você é o ser menos confiável em todo o universo.
Loki sorriu baixo - Ok, é um bom ponto.
- Eu não confio em você.
- Não a julgo por isso, também não confiaria em mim se fosse você. Mas você vai ter que arriscar. Ouça minha sugestão primeiro.
- Tudo bem, diga - cruzou os braços, o fitando, atenta, olhos nele, no rosto dele, nas expressões dele, nos cabelos longos penteados para trás, em como ele franze o cenho enquanto pensa e passa língua sutilmente pelos lábios antes de soltar um sorriso irônico de canto, em como ele parece mais confortável ao usar as roupas reais dele, o couro verde escuro o cobrindo, calça e blusa de mangas longas, bota de combate, apenas o pescoço e os pulsos expostos. Olhos calmos, sempre fita os olhos dele para saber se pode ficar calma e sem medo, olhos azuis esverdeados de pupilas dilatadas e suaves, calmos, bem longe do azul do cetro. Mas hoje ele não usava elmo e nem capa, apenas a roupa, uma aparência suave e casual. Alice notou como ele tinha veias levemente saltadas nos braços subindo pelo pulso e então ela não mais conseguiu ver pois os braços estavam cobertos pela manga do traje esverdeado com tons suaves de dourados em algumas linhas que a fez se lembrar da textura do tecido quando esteve em cima dele na Alemanha e as palmas da mão tocaram no peito de Loki quando ela se levantou dos escombros. Em seguida Alice desceu o olhar para as mãos grandes, subiu os olhos ainda vendo Loki pensando e sorrindo baixo em arfadas audíveis. Precisou subir muito os olhos para fitar o rosto dele, novamente notando como ele é cerca de mais de trinta centímetros mais alto que ela, como o rosto de Alice bate na altura do peito dele. Seu 1.60m bem longe do quase 1.90m que ele tem.
- Te darei informações importantes sobre mim se me der informações importantes sobre você e assim estamos um na mão do outro, ambos ameaçando um ao outro. Se eu trair meu pacto, você trai o seu e dá informações sobre mim ao Fury.
- Como terei certeza que as informações que está dando sobre você são verdadeiras?
- Como eu terei certeza que as informações que está dando sobre você são verdadeiras? - ergueu as sobrancelhas, movendo o pescoço lateralmente e piscando um olho só para Alice - Sei que você quer saber sobre mim, prefere confiar nos livros ou na fonte verdadeira?
- Acordo fechado - Alice respondeu em um suspiro ainda incrédulo e voltou a andar - Mas eu não tenho informações importantes sobre mim, minha vida é assim, Loki, pacata e sem graça, como a de qualquer outro humano, não há segredos ou poderes mágicos, não há nada que possa ser útil.
- Tudo sobre você pode ser útil e importante, Alice, apenas me conte. Mas antes - Loki voltou a acompanhá-la ao ver Alice apressando o passo em direção ao ponto de ônibus - Preciso dizer que não tenho muito tempo hoje, em breve vou desaparecer, mas não se assuste se eu retornar nos próximos dias. Não consigo me concentrar por tanto tempo assim de uma só vez sem perder a mente.
- Tudo bem - Alice sorriu baixo de incredulidade de novo, ainda achando que está ficando doida.
- Ok, uma pergunta e uma resposta em troca de uma pergunta e outra resposta.
- Combinado, mas eu começo. Como sabe meu nome?
- Coulson gritou seu nome severas e diversas vezes na noite em Stuttgart e eu estava lá para ouvir - mentiu, Loki soube o nome dela pela primeira vez quando a viu nos corredores da S.H.I.E.L.D, disfarçado - De onde você é? De que lugar de Midgard? Me conte sobre seu primeiro dia - queria saber se havia algo na infância da garota que justificasse ela ser algo especial e com poderes ao ponto de danificar a mente dele o fazendo pensar tanto nela.
- Sou de Nova York, nascida e criada em Manhattan desde o dia 05 de maio de 1986. Nasci numa maternidade pública qualquer porque o sistema de saúde dos EUA é péssimo, huh, nada de especial sobre esse dia, nasci saudável, com peso certo e altura certo. Família nova-iorquina tradicional, pais e mães controladores e machistas que seguem as regras da sociedade. Dois pobres soberbos que queria ser o que não eram só para impressionar os vizinhos e por isso estragaram a saúde mental da filha única.
- Você não tem irmãos?
- Não. Ei, você fez duas perguntas seguidas!
- Tudo bem, retribua.
- Quais são seus poderes? Asgard e coisas fora da terra realmente existem e como é possível chegar na terra?
Loki mentiria nessa também, não a diria todos os seus poderes - Só os dois que você já viu, posso me disfarçar ao me camuflar usando a aparência de outras pessoas e posso fazer truques e ilusões, como um mágico. Sim, Asgard realmente existe, não só Asgard, mas a vida fora do universo é imensa - tomou cuidado com suas palavras, para não assustá-la ao dar tantas informações que poderiam chocar humanos - 9 reinos, milhões de galáxias, seres e civilizações. Quanto ao meio de transporte são diversos, mas Asgard possui algo chamado ponte de arco íris, mas aposto que você já leu sobre ela em seu livro. Mas não foi assim que cheguei aqui, algo mais complexo, exílios e pactos, mas não vou te contar isso.
- Como foi sua infância? Há algo diferente de destaque que se lembre? Algo que pode ter acarretado algo especial?
Alice sorriu de ironia e incredulidade - Loki, eu não sou uma bruxa, ok?
Reparou como ela estava falando o nome dele com maior frequência, sorriu no porão e não na ilusão - Só me responda.
- Não, não tem nada de especial na minha infância, uma criança comum que brincava e ia a escola, na maioria das vezes renegada pelos pais, nunca prestavam atenção em nada que eu fazia, huh, nunca iam em apresentações da escola, sempre focados neles mesmos, o patinho feio da família. Pais egocêntricos não desencadeiam bruxaria.
- O que é patinho feio da família?
- Ah, é um termo usado aqui na terra - ela sorriu de novo, incrédula com a situação, deuses, seres de outro mundo e termos terrestres - Você sabe o que é uma metáfora?
- Sei.
- Há uma história sobre um pato ignorado pela família por ser diferente e por isso ele é ignorado, algo assim, não lembro direito, então se torna excluído.
- Oh, posso compreender bem isso - sorriu irônico de novo e Alice lembrou sobre o que leu nos livros e a família de Loki, mas não quis perguntar isso, pois também leu que ele não lida bem com os problemas familiares, medo da reação - Metáforas de livros infantis - Loki mudou de assunto, rindo irônico e pensou em contar e explicar sobre Alice no País das Maravilhas, nem ao menos sabia que o conto é conhecido na terra, como Alice sempre atrasada o lembra a história, mas desistiu, não querendo perder tempo sabendo que perderia a conexão a qualquer momento.
- Como é Asgard?
- Grande e brilhosa, muito ouro, uma longa ponte colorida, jardins extensos e verdes, lagos cristalinos, guerreiros e um enorme castelo. Frutas e castanhas para comemorar, muita bebida, celebrações a cada final de uma batalha ganha e… - Loki parou de falar pois sentiu saudade de casa, odiava essa sensação, pois o rancor sumia. E então ao fitar Alice ele viu que os detalhes ao redor estavam começando a desaparecer e ele notou que sua conexão nunca durava mais do que meia hora, no dia da biblioteca, no almoço e agora de novo, este é o máximo de tempo que tem com ela e logo sumiria - Alice, presumo que teremos que continuar nossa conversa outro momento pois não vou conseguir ficar muito mais tempo.
- Ok - ela respondeu e estranhou quando se sentiu desanimada, mesmo que esteja conversando sozinha na rua, a tão solitária e sem amigos Alice estava gostando da sensação de ter alguém para falar. Ela fitou o relógio e se assustou quando viu que já marcava 20h15 - Merda! Perdi o ônibus - tão distraída que o ônibus já havia passado há vinte minutos e ela não percebeu pois continuava caminhando na mesma calçada e nunca chegando lá de fato. Tão distraída que quando olhou ao redor percebeu que a avenida já estava vazia. Correu até o ponto de ônibus e Loki a acompanhou, observando quando Alice suspirou fundo de desânimo ao ler no painel que o próximo só passaria às 21 da noite. Ela deu meia volta e Loki continuou a acompanhando, vendo os detalhes diminuindo cada vez mais, mas percebeu para onde estava indo.
- Alice, me prometa algo. Não desça na rua do transporte em trilhos, é perigoso.
Alice deu meia volta, surpresa com aquela fala e lembrou-se da noite em que Loki a salvou no beco escuro, mas ele estava ali de verdade e agora era só um vulto na mente dela - Não posso ficar aqui esperando por 45 minutos, não chegarei em casa nunca e preciso acordar bem cedo amanhã - suspirou, mas não reclamou, apenas sentou no banco do ponto de ônibus vazio, ouvindo a recomendação de Loki e não descendo para o metrô - Bom, de qualquer forma não quero ir pra casa mesmo, então - deu de ombros e Loki se interessou por aquela informação, decidiu que perguntaria sobre isso na próxima aparição - Odeio ficar aqui nesse ponto sozinha e vazio - revirou os olhos e nem mais sabendo se Loki estava ali ou não, falando consigo mesmo e odiando a sensação de solidão ao olhar para a avenida enquanto o tempo parece não passar.
E Loki não entendeu o que sentiu ao vê-la sentar no ponto e não se enfiar em perigo ao descer a rua. Alívio. Temendo que ela se machucasse. Mas aqui na avenida onde passam carros e espera pelo ônibus está segura longe do beco. Ela respirou fundo, fazendo alguns fios do cabelo voarem, fitando o relógio. Ele se aproximou e se pudesse sentar, sentaria ao lado dela e esperaria com ela, mas não podia, então apenas aproximou a projeção do rosto dela - Posso ficar aqui e esperar com você, ao menos pelo tempo que ainda me resta antes de sumir, te fazer companhia - os detalhes desaparecendo cada vez mais.
Alice tremeu no banco, quase caindo do mesmo e se tivesse capacidade de falar algo teria gaguejado pela falta de ar da surpresa doendo em seus pulmões com o choque de ouvir isso da boca dele. Fazer companhia para ela?
Alice sorriu de incredulidade novamente, um riso que doeu as bochechas pois as queimou - Você nem está aqui de verdade, como pode me fazer companhia?
- Mas estou te vendo e posso falar com você pelo tempo que ainda me resta.
- Por que? - gaguejou, incrédula.
- Oras, porque sei que não gosta de ficar sozinha, ninguém gosta. E este ponto é meio - Loki fez uma careta - Fantasmagórico.
- Ah, eu estou falando com um vulto seu e o ponto que é fantasmagórico? - riu de novo e Loki riu de volta, mas dessa vez na projeção também, não conseguiu se segurar para rir apenas em seu corpo real - Tá bom.
E Alice nem ao menos sabia que ele podia rir de verdade, rir por vontade e não o riso forçado e irônico de lábios crispados que ele dá a cada cinco segundos.
E ele está certo, Alice odeia a solidão.
- Estou curioso - Loki tornou a falar - Ainda acha que sou fruto da sua imaginação e por isso age assim, mas como agiria caso eu retorne a aparecer pessoalmente? - curioso com a reação dela, em como ela está ficando cada vez mais calma a cada aparição, e teme que ela volte a correr ou gritar ou o olhar com pavor se souber que é ele pessoalmente.
- Eu não sei - Alice pensou e respondeu depois de alguns segundos - Minha cabeça tá muito confusa com tudo isso.
- Uma resposta incógnita. Você desperta muitas dúvidas em mim, Alice.
- E você em mim.
- A diferença é que eu não consigo achar centenas de livros sobre você, se eu os achasse, certamente os leria.
- Seria uma leitura tediosa.
- Não para mim - franziu os lábios novamente, a fitando - Por que se subestima tanto?
- Acho que a auto depreciação é algo comum aos humanos não especiais.
- E por que acha que não é especial?
- Porque ser especial não existe. Nunca existiu na minha vida ao menos. Você mesmo age como se nós humanos fôssemos frágeis e tolos, então você concorda que não tem nada especial sobre uma humana na terra com uma vida tediosa.
- Alguns são, outros não - o Deus da mentira inventando desculpas porque não quer machucar a humana com suas palavras, o quão cômico é isso?
Alice ficou em silêncio, olhou para as próprias mãos segurando a bolsa e Loki a observou, vendo uma nova expressão no rosto dela, bochechas vermelhas, mas não pelo frio, um sorriso baixo e olhos incrédulos. O rosto baixo fazia os cabelos longos e dourados caírem em cima da face dela e Loki sentiu vontade de tirá-los dali e escondê-los na orelha dela para que pudesse vê-la, o rosto tela totalmente, as sobrancelhas, o nariz empinado, os lábios levemente volumosos, maçãs do rosto que parecem pintadas à mão. E ele nem percebeu quando sua versão de corpo levantou a mão para fazer isso, esquecendo que ele não estava ali de verdade e que não podia tocá-la.
Loki engoliu em seco quando percebeu sua mão esticada no porão, em sua versão de carne e osso. Levantou imediatamente, perdendo mais a concentração, tentou voltar, mas quando voltou tudo estava desaparecendo, a concentração se esvaindo de vez e antes de desaparecer de vez, Loki viu ela levantando o rosto, o fitando diretamente no olho e Loki não conseguiu desviar dos olhos da humana pelos dois segundos até desaparecer de vez.
Olhos azuis. Olhos de íris tão azuis quanto céu de verão ou lagos cristalinos, olhos azuis como a explosão de estrelas ou azuis como as tulipas azuladas típicas de jardins asgardianos. A córnea semelhante a estrelas num céu estrelado quando a noite de verão chega morna, pupilas dilatadas como rochas dentro do mar.
E olhar nos olhos dela, algo que ele estava evitando em todos os seus contatos, o trouxe aquela sensação de novo, o aperto em seu peito que o fez puxar ar do fundo do corpo para conseguir respirar normalmente e se perguntar sozinho em voz alta no porão vazio “o que é que você está fazendo comigo, Alice?”
Alice viu o momento que ele desapareceu, o vulto sumindo até sair de seu campo de visão e ela ficar sozinha no ponto de ônibus.
Ela odiou a sensação da solidão e do silêncio, mesmo achando que estivesse ficando louca e o projetando em sua mente, sentiu falta da energia dele, da voz, da companhia. Fitou o relógio do ônibus e suspirou ao ver que ainda estava longe de passar o próximo, mas ela seguiu o que Loki disse e não desceu a rua do metrô, ficou sentada no ponto e puxou o caderno e os fones de ouvido, escutando uma música qualquer para se distrair e sem perceber o leve sorriso em seu rosto, Alice começou a anotar diversas perguntas para fazer a ele da próxima vez que aparecesse.
Se ele aparecer.
Mas ele disse que iria. Então será que ele vai?
De qualquer forma, ela anotou tudo que veio a cabeça, desde perguntas importantes sobre o universo até perguntas tolas sobre Loki, se ele gosta de música, o que ele faz no tempo livre e coisas idiotas que a fizeram gargalhar.
Sim, sorrir. E Alice nem ao menos lembrava a última vez que havia sorrido de verdade.
E o sorriso se contagiou por todo o corpo da humana, pois quando chegou em sua casa vazia cerca de uma hora depois, sentiu-se feliz, mesmo estando no ambiente que menos gosta, mas a falta da presença estúpida de seu marido a deixou confortável e feliz, algo que ela não sentia há anos.
Empolgação sem motivo.
Alice chegou em casa cantando com a música em seus fones de ouvidos, dançando pelos cômodos, mãos acima da cabeça, passos desleixados e divertidos, bochechas avermelhadas. Entrou no banho, se trocou e se agasalhou, tudo isso dançando e ouvindo música. Decidiu fazer macarrão e cozinhar para ela mesma e a dar uma janta legal, empolgada com a vida, até mesmo ligou para a loja de conveniência mais próxima só para pedir um vinho e beber.
E foi isso que ela fez por horas na noite, comendo, sorrindo sem motivo, empolgada para o dia seguinte, uma empolgação que mesmo o relógio marcando meia noite e meia ela não quis ir dormir, mesmo que fosse acordar cansada amanhã.
Dançando e deslizando pelo carpete da casa, se movendo em passos divertidos, os fones no ouvido, cantando alto, a taça na mão, jogando os cabelos, os olhos fechados, sentindo a música e se sentindo…viva.
Se sentindo. Sentindo.
Alice sentiu as batidas da música aumentando e a deixando ainda mais elétrica, a fazendo sorrir e meio bêbada pelo álcool do vinho subindo em sua cabeça a fazendo dançar e cantar alto segurando o celular com força conforme girava “I wanna sing a song, that'd be just ours, but I sang 'em all to another heart” - gritou, sorrindo, mal se importando se os vizinhos estavam ouvindo - And I wanna cry, I wanna fall in love, but all my tears have been used up!” - girou de novo, mas se assustou quando a música de seu ouvido diminuiu e um dos lados do fone foi arrancado com violência de seu ouvido.
Deu um suspiro assustado quando abriu os olhos, parando de dançar e encontrou seu marido parado ao lado dela e chegando em casa às duas da manhã com cheiro forte de álcool, olhar vermelho e camisa desgrenhada - Que porra é essa, Alice? - ele perguntou, puxando os dois fones do ouvido dela - O que pensa que está fazendo? São duas da manhã, não podemos nos prejudicar com a vizinhança.
- To pouco me importando para a vizinhança - respondeu ríspida e pegando o celular de volta que ele havia jogado. Nem ela soube de onde veio a própria ignorância na voz pois ela nunca era assim, mas estava tão cansada e enojada da vida dele e do marido que não tinha mais paciência para isso, para se sentir tão mal dentro de sua própria casa. Estava tão feliz antes dele chegar. Já acostumada à violência dele, mas cansada.
- Que merda é essa? - ouviu a voz embriagada e violenta atrás dela e virou para ver o que ele estava falando, encontrou ele apontando para a garrafa de vinho e a taça - Decidiu virar puta agora? Acha que isso é comportamento de uma mulher de família, beber? Comportamento de uma mulher minha, porque NÃO É! - Alice se assustou quando os cacos se espatifaram no carpete de madeira no momento que ele jogou a taça no chão a deixando tremendo atrás do sofá com essa atitude explosiva - E limpa essa merda, vê se limpa essa casa bem pelo menos uma vez na vida, não é pra isso que mulheres servem? - passou por ela sorrindo ríspido - Minha mãe vem nos visitar amanhã, deixa essa casa brilhando, me entendeu? Seria bom cozinhar algo decente ou pedir já que você não tem capacidade disso e vê se usa uma roupa decente para agradá-la e não esses trapos que usa todos os dias. Ela precisa ver que você é bem tratada.
Alice engoliu em seco, tremendo, uma única lágrima de humilhação caindo quente e arrepiando seu rosto, seu interior todo se revirando e queimando. Mas não de tristeza, e sim, de ódio. E decidiu que pediria o divórcio de uma vez por todas, nem que more num hotel de beira de estrada e fique só com as roupas do corpo, mas não quer mais ter que aguentar isso, não quer mais se sentir assim, sozinha, agoniada, humilhada.
Não quer.
Nunca mais.
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