Depois de terminar de vestir a farda, pego minhas chaves e caminho em direção a porta, passando meus olhos, como sempre, pela foto de minha família sobre a cômoda.
Minha irmã, Claire, estudava há quilômetros de mim. Sorridente como nunca na foto, nunca deixava de me causar uma pontada de saudade... Afinal, embora a distância, somos muito próximos, algo que meus pais sempre zelaram quanto a nós. Mas depois que morreram, nosso laço de irmãos se fortificou ainda mais, graças a Deus. Ela cresceu e se mudou para frequentar a faculdade e eu cresci e me transformei num policial, como o meu pai. Só não tão renomado e famoso quanto. Ainda.
Meus pais... Estavam na foto, sorrindo enquanto nos abraçavam ainda muito jovens. Dois exemplos em nossas vidas, que sem dúvidas nos amaram até o último segundo daquele caminhoneiro bêbado bater contra o carro deles. Minha mãe, uma fisioterapeuta talentosa que já tinha ajudado tantos com seus problemas, e, meu pai, um policial renomado que com certeza já tinha perdido a conta de quantos criminosos havia prendido e quantas famílias havia salvo. E então, um caminhoneiro bêbado acaba com tudo isso.
– Ainda te darei orgulho, pai. Aos dois.
Saio do apartamento e dirijo reto a delegacia, sem tempo para comprar algo para comer no caminho. Estaciono na vaga de sempre e olho no relógio, feliz em conseguir chegar meia hora antes como de costume, mesmo com tantos pensamentos na cabeça.
– Bom dia! Bom dia!
Subo as escadas sem querer perder tempo com o elevador e sem surpresa, sou o primeiro a chegar na sala. Acendo as luzes e ligo o computador, sem querer perder tempo, não podia deixar os casos acumularem de forma alguma. Apesar de Raccoon City ser uma cidade bem mais tranquila do que as cidades grandes, ainda tinham crimes bem sérios. E eu, com meu objetivo de ser tão bom quanto meu pai, não podia errar. Não podia deixar nada passar.
Me espreguiço na cadeira e bufo esperando o computador iniciar de vez, mas enquanto espero, meus olhos passeiam pela sala e vão até os troféus na estante. Competições de tiro, combate corpo-a-corpo, pilotagem, policial do ano... Todos com meu nome. Mas na estante mais antiga, haviam os de policiais que completaram missões grandiosas. Prenderam grandes assassinos, contrabandistas do mercado negro e criminosos do pior ao mais terrível. E estes, na prateleira superior, estavam todos preenchidos com o nome do meu pai.
Ainda darei orgulho a você e passarei para esta estante, pai.
– Bom dia... De novo tão cedo, Chris?
Barry, um antigo amigo de meu pai, responsável por anos de criação minha e de Claire. Depois da morte de nossos pais, ele meio que nos “adotou” até minha irmã decidir ir morar fora devida a faculdade e eu... Bom, já tinha barba o suficiente quando atingi minha maioridade, apesar dele e de sua esposa insistirem que não era incômodo, muito pelo contrário, achei mais apropriado arrumar meu próprio canto.
– Barry! Como vai?
– Bem, mas você, pelo que parece, anda caindo muito da cama!
– Quando focamos em nossos objetivos, alguns sacrifícios devem ser feitos!
Ele ri comigo e dá de ombros. Barry sempre ficou feliz em me ter pela delegacia, mas ele nunca escondeu a preocupação de “paizão” que tinha quanto a mim. Enquanto a Claire decidiu partir para Engenharia Mecânica, profissão muito mais segura, e, as meninas dele mesmo sem idade para faculdade, sonhavam em ser uma Professora e a outra vencedora de MMA, eu decidi seguir os passos do meu pai. Do verdadeiro e do de “término de criação”.
Volto meus olhos aos troféus com o nome de meu pai e Barry parece me acompanhar.
– Sabe que ele já tem orgulho de você, não sabe?
– Não o suficiente... Meu nome ainda estará ali, Barry! É questão de honra agora!
– Desde que não fique obcecado ou ultrapasse limites... Tudo bem.
– Conheço limites, relaxa, Barry! Te darei orgulho também!
– Já me dá, Chris! Sempre me deu! E ao seu pai também.
– Bom dia, Popeye! Bom dia, Rambo!
Quando uma terceira imagem aparece pela porta, automaticamente eu e Barry afastamos o assunto anterior. Volto ao meu computador, já iniciado agora e começo a trabalhar, afinal, aquela conversa já tinha tirado praticamente todo o tempo extra que tinha quando cheguei. Mas Barry é o Barry.
– Bom dia, Forest! Caiu da cama também? Ainda não deu o horário.
– Parece que somos todos homens muito bem comprometidos com o trabalho, Popeye Barry! – Ele funga e Forest ri com os olhos em mim – Afinal, não é só o Chris que está querendo entrar para a estante do “sucesso”...
– Devia primeiro entrar para a de tiro... Já que sempre é humilhado.
Ele me joga uma bolinha de papel e desvio rindo, já que ele sempre era o dono do segundo lugar. Ótimo atirador, mas... Sempre tinha “alguém” um pouco melhor na competição. E ele nunca superou.
– Meu dia chegará, Rambo Redfield!
– Toma, um lencinho para enxugar as lágrimas!
Estendo um guardanapo qualquer para ele que ri e me joga outra bolinha.
– Não disse que veio para trabalhar?
– Para que se te encher é muito mais divertido?
Reviro meus olhos e rimos os três juntos, mas quando o Capitão Wesker entra pela porta batendo na mesa para chamar nossa atenção, ficamos em silêncio rapidamente e viramos para ele com uma postura bem melhor.
– Bom dia, Capitão. – Barry o cumprimenta rapidamente.
– Sala de reunião. Os três. Agora.
Ríspido e direto como sempre, Wesker sai dali e não demoramos para acompanhar. Para ter uma reunião já cedo e para resultar uma expressão ainda pior que a normal em nosso Capitão, não deve ser coisa muito boa.
Albert Wesker, Capitão da nossa equipe, totalmente profissional, rigoroso e algumas vezes... Bem bruto. Mas para minha sorte, nos demos bem desde o início, já que a única coisa que parece ter valor a ele, é dedicação e fidelidade ao trabalho. E, como não era segredo para ninguém o quão eu era focado, nunca tive problemas com ele.
Chegamos a sala e estranho ainda mais quando estamos só nós quatro nela e ele fecha a porta a trancando. Procuro pelos demais da equipe, mas nem sinal deles.
– Não esperaremos os outros, senhor? – Pergunto curioso.
– Na verdade preciso só de dois, mas como estavam em três...
Nem precisei olhar para saber a quem ele se referia como o “terceiro dispensável”. Enquanto eu sempre me dei muitíssimo bem com o Capitão, Forest sempre se deu muitíssimo mal. Por mais que tentasse puxar o saco dele... Bom, acho que este era o principal problema, as piadas e puxação de saco. Wesker detestava isso.
– Agradeço a confiança, Cap! – Forest fala fingindo não notar nada.
O Capitão não dá a mínima para o comentário e diminui as luzes, ligando o retroprojetor onde a imagem de um homem apareceu imediatamente. O reconheci na hora, já que era um dos homens mais procurados do país.
– Richard Kalel Valentine. Mais conhecido como Dick Valentine. Traficante, contrabandista, agiota, ladrão, vigarista, enfim... Acho que tal nome me poupa das explicações.
Este cara dá dor de cabeça a polícia do país todo há anos ninguém e conseguiu sequer chegar perto de prendê-lo. Quando achavam que estavam próximos, Dick dava uma rasteira e mostrava estar do outro lado do país provando ser um grande estrategista. Muito mais do que as equipes comuns da polícia.
– O que tem ele, Capitão? – Barry pergunta.
– Temos uma pista.
O quê?
– Aqui? – Pergunto boquiaberto.
– Bom, não exatamente... Mas não muito longe.
– E por que está contando isso a nós? Não é meio grande até mesmo para os STARS? – Forest pergunta e Wesker apesar de gostar de ignorá-lo, vê a mesma dúvida em minha feição com a do Barry e respira fundo antes de falar.
Éramos uma equipe de táticas especiais, ficávamos bem acima da polícia comum, mas uma missão dessas sinceramente também acho ser meio “demais” para nós. Não que fôssemos incapazes de resolver, mas duvido que a polícia de elite das cidades grandes deixariam nós entrarmos de frente nisso ainda antes deles.
– Dick já enfrentou os maiores figurões da nossa profissão. As melhores equipe, os melhores dos melhores. Mas até então, nada foi o suficiente. Então, desta vez, eu e... Alguns acima de mim, concordamos que talvez uma tentativa mais investigativa e silenciosa seja o essencial para colocarmos de uma vez por todas esse homem de atrás das grades.
– “Investigativa e silenciosa”...? – Pergunto.
Quase garanto que Wesker sorri de canto, mas quando ele passa para outra imagem no retroprojetor, meu queixo e o do Forest parecem cair na mesma hora, mas eu consigo me conter melhor ao desviar da morena de olhos azuis que aparece na tela.
– Jill Valentine... Filha dele.
– “Filha”? Ele tem uma filha? – Forest pergunta incrédulo.
Como uma mulher tão linda dessas pode ter sangue dum escroto desses? Inexplicável.
– Sim, ele tem...
– E ela é o quê? Traficante Júnior? Procurada em quantos lugares? Forest ri.
– Aí que você se engana, Speyer... Ela é uma civil. Ficha mais limpa do que a sua.
Forest desvia provavelmente pela lembrança das bebedeiras, direção incorreta e farra até madrugada no apartamento, as quais resultaram em algumas denúncias e boletins contra ele. Encobertos, mas existem.
– E... – Wesker continua – Tivemos informações que ele tem se comunicado com ela.
– É filha, claro que se comunica... – Digo – Mas ela é tão digna assim a ponto de entregá-lo?
– Aí que está, Chris... Ela foi várias vezes chamada na delegacia da cidade e questionada a respeito, mas a resposta dela sempre foi a mesma. Negativa. E até então, nunca houve a menor razão para mantê-la sob custódia ou sequer incomodá-la com mais frequência, na verdade ela até entrou na justiça quanto a isso e ninguém mais pode chegar perto.
– Se ela não tem nada a ver, está com a razão.
– Sim, mas... Há razões que fazem tanto eu como alguns outros, desconfiarem disso. Por isso os chamei aqui em segredo, é uma missão de total confidencialidade. E, mesmo “pequenos” para tal caso, acho que um alguém um pouco mais anônimo seria mais difícil de ser desmascarado.
– “Desmascarado”, senhor? – Pergunto intrigado.
Ele enfim sorri de canto e se aproxima de nós.
– Vamos vigiá-la de perto até Dick entrar em contato e conseguirmos uma pista verídica.
– Como faremos isso sem ela sacar? – Barry pergunta.
– Com uma identidade falsa e uma ótima atuação.
Nós três trocamos olhares intrigados e me seguro para não dar um passo a frente e me escancarar como primeira opção para o caso. Uma missão dessas, está longe de ser qualquer coisa, pelo contrário... Seria minha chance de ouro. Ter no histórico a participação de uma prisão desse nível, me proporcionaria o orgulho que sempre quis dar ao meu pai.
– Precisamos nos aproximar dela, conhecê-la e desenvolver uma... Relação. Amigo, namorado, seja o que for, precisamos de alguém em quem ela confie para contar qualquer tipo de segredo, PRINCIPALMENTE este. Porém... Sem se envolver emocionalmente.
Essa é minha chance.
PRECISO dessa missão, mas sei que ele já tem sua decisão.
– Chris... Acha que pode fazer isso?
Bingo.
– Por que el...? – Forest tenta falar.
– Capitão, não sei se é... – Barry interrompe Forest, mas não o deixo terminar.
– Eu aceito, Capitão! Será uma enorme honra, agradeço demais pela confiança. – Dou um passo a frente e novamente tiro algo semelhante a um sorriso do Wesker.
– Ótimo, Chris. Pensei em você desde o início... Parabéns, Redfield. Ou melhor, “Sheppard”.
Ele me estende a mão e a pego rapidamente, com uma vontade interna de pular de empolgação com a oportunidade. Sei que não é uma situação onde terá muito caráter e sinceridade envolvidos, mas às vezes minha profissão exige isso... E estou disposto a cumprir esta missão de forma muito bem sucedida.
– Obrigado mesmo, Capitão!
– Não há porque agradecer, você fez por merecer.
Sorrio, querendo partir dali no mesmo instante, mas espero ele falar.
– Vá para casa, arrume suas coisas e passe aqui para receber os novos documentos e instruções antes de se mudar temporariamente. Novo sobrenome, novo endereço, nova profissão, nova vida. Até termos o que queremos ou você fracassar.
– Não vou fracassar.
– Tenho certeza. Agora vá.
Me afasto deles, mas antes de abrir a porta, reparo no olhar preocupado do Barry e no olhar ciumento do Forest, emburrado como uma criança de cinco anos. Wesker, parecia decidido e mal os olhou, porém ainda antes de sair, olho outra vez para a mulher da foto...
Jill Valentine... Serei a melhor companhia da sua vida.
Desculpe, mas... É necessário.
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