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História Guerra e Paz - Capítulo XLV- Mortos contam histórias. - História escrita por KimonohiTsuki - Spirit Fanfics e Histórias
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História Guerra e Paz - Capítulo XLV- Mortos contam histórias.


Escrita por: KimonohiTsuki e JonhJason

Notas do Autor


Preparem-se para uma aula de história e mitologia!
Voltando a sair no horário normal! =D

Capítulo 46 - Capítulo XLV- Mortos contam histórias.


Fanfic / Fanfiction Guerra e Paz - Capítulo XLV- Mortos contam histórias.

Capítulo XLV - Mortos contam histórias.

Enquanto o tempo parecia acelerar-se no mundo dos vivos, o do mundo dos mortos transcorria em sua própria singularidade.

Shun finalmente havia aprendido a separar seus pensamentos dos de Hades quando estavam em sua projeção astral, agora sabia diferenciar quando uma resolução era sua ou do deus, embora suas mentes ainda estivessem mescladas nessa forma. Isso foi muito importante quando resolveu descer pelo alçapão abaixo da sala do trono, ironicamente, um caminho similar ao que Athena o guiou meses atrás abaixo do trono do Grande Mestre, na companhia de Daidalos e Ikki, isso o fazia sentir uma sensação peculiar, como estar voltando ao começo de tudo.

Ali, segundo os pensamentos de Hades, era o único lugar do submundo que foi verdadeiramente construído, pedra por pedra, e portanto, o único lugar que não dependia da energia do deus para continuar existindo, mesmo que o submundo ruísse completamente, ainda haviam selos que manteriam esse lugar de pé, sob as águas de Poseidon.

De fato, quando chegaram ao final de uma longa escadaria de mármore negro, ele, Daidalos e Ikki se viram frente a frente a uma enorme parede, a igual que a passagem secreta do santuário, porém, a diferença daquela, essa possuía por toda a superfície escura diferentes tipos de papeis retangulares com nomes em grego presos a ela, dezenove ao todo.

De cima para baixo os nomes eram, Hades, Hécate, Cloto, Láquesis, Átropos, Hermes, Macária, Melínoe, Zegreu,  Érebo, Nix, Hipnos, Thanatos, Tártaro, Estige, Aqueronte, Cócito, Lete e Flegetonte.

- Cada um desses selos está banhado no sangue de seu respectivo dono. Os últimos seis abdicaram de sua forma física há milênios, apenas sua essência ainda vive, ajudando junto com a energia de Hades, agora a de Shun, a dar forma ao submundo – Explicou Ikki para Daidalos – O de Hypnos e Thanatos perdeu a força depois que eles foram destruídos – Apontou para dois selos quase sem cor – Este mais abaixo era de um primordial complicado, Érebo. Ele quase causou uma segunda Titanomaquia ao tentar libertar os titãs do Tártaro, mas foi emboscado por Zeus, Hades e sua esposa Nix ainda no princípio dos tempos. Seu corpo foi afogado no Aqueronte, e depois preso no próprio Tártaro, sua essência ainda rodeia as margens do Aqueronte e do Yomotsu, seu cosmo das trevas é o que impede aqueles que cheguem à entrada do mundo dos mortos de escapar. Após sua derrota é que a Hades foi consagrado o título de Imperador das trevas. Já Nix era a antiga rainha dos mortos, antes do nascimento de Hades. Na época ainda não havia um reino para recolher as almas, ela abandonou seu posto e forma física após a ruína de seu esposo e agora habita a noite da terra. Ela e Érebo foram os pais de Thanatos, Hypnos e de uns quantos outros aí.

- Como você pode saber de tudo isso? – Questionou Daidalos impressionado, por sua vez Shun apenas seguia observando a imensa parede em sua forma astral.

Benu apenas deu de ombros.

- É a história local, eu posso não me lembrar bem de minha primeira vida, na qual jurei lealdade a Hades, mas isso é simplesmente conhecimento popular. Aqui pode ser o mundo dos mortos, mas ainda assim é um reino que possuí suas próprias lendas e relatos antigos. – Explicou sem realmente muito interesse – Além disso, eu já estive aqui algumas vezes. Era um dos poucos que podia acessar esse lugar.

- Quem eram os outros que podiam? – Tornou a perguntar o prateado, imaginando que teria muito a estudar, se pretendesse ser uma ajuda verdadeiramente útil a Shun. Nunca realmente parou para pensar no submundo como um reino físico, detentor de todo um passado.

- Os três Juízes, Minos , Radamanthys e Aiacos, Hécate, Pandora, que era a general do exército do submundo, Thanatos, Hypnos, embora eles nunca tiveram interesse em pisar aqui pelo que eu me lembre, e claro, o próprio Hades. – E então pareceu recordar-se de algo – Ah sim, tinha outro espectro, Lune de Balron, ele ajudava a organizar o lugar.

- Parece bastantes pessoas para mim – Opinou.

- Levando-se em conta todos os ctônicos que já habitaram o mundo inferior, não é muita gente.

- Não deveriam haver dois guardiões aqui? – Inqueriu Shun repentinamente, chamando a atenção dos outros dois.

- Deveria – Respondeu Ikki de mau humor – Mas como esse lugar foi cada vez menos acessado nos últimos séculos, esses velhos raquíticos se mantém dormindo nessa parede. – Ao fim de suas palavras, deu um passo à frente e chutou a mesma com força – Acordem, seus inúteis!

“Não nos ofenda espectro de Benu” – Duas vozes ecoantes surgiram, como se estivessem muito distantes, mas claramente vinham da superfície à sua frente – “Apenas ainda não temos certeza se serviremos a esse novo senhor”

Dois fogos fátuos surgiram da superfície vertical, e flutuaram frente ao grupo.

- ORA! COMO VOCÊS SE ATREVEM! – Rosnou Benu, já começando a emitir seu cosmo, porém Shun esticou o braço, pedindo que seu irmão parasse, o mesmo o fez, a contra gosto.

- E o que eu poderia fazer para convencer a vós de que sou digno de vossa confiança – Inquiriu em tom polido.

As duas chamas se intensificaram, até quase ficarem na altura de seus interlocutores, e então, se extinguiram, revelando a figuras de dois homens idosos, vestindo togas brancas gregas e de pés descalços.

- Eu sou Anfiarau, antigo Oráculo da corte de Argos, atual oráculo dos mortos e guardião do templo de Hades. – Disse o primeiro, de barba mais curta e expressão mais severa.

- Eu sou Trofônio, Arquiteto do templo de Delfos e pós mortem do templo de Hades.  Além do oráculo das almas melancólicas -  Disse o segundo de barba mais longa e expressão mais suave. – Fomos incumbidos pelo senhor Hades de vigiar esse lugar, sabemos que tu herdaste seu poder, mas não sabemos se herdaste também sua habilidade.

- Entendo – Confirmou Shun para a revolta de seu irmão.

- Como assim entende?! Você reconstruiu o submundo sozinho a partir da sua própria energia! Como não teria habilidade?! – Revoltou-se.

- E o que vós propondes para me testar? – Seguiu perguntando ignorando seu irmão mais velho, que bufou com impaciência.

- Somos adivinhos, sabemos e sentimos a ameaça de Chronos – Começou Anfiarau – E tu agiste habilmente em resposta, não se pode negar.

- Contudo o tempo é traiçoeiro, ardiloso e perspicaz, ganhastes vinte anos para preparar-te para enfrentá-lo, mas ele sempre estará um passo à vossa frente.

- Sim, eu compreendo isso – Seguiu em tom grave o antigo cavaleiro, fechando os olhos.

- O tempo só pode ser enfrentado pelo próprio tempo, ou pela morte – Seguiu o primeiro – Em nossas previsões, vimos que buscar o tempo oportuno é uma das poucas possibilidades de obter a vitória.

- Mas a Oportunidade pode ser fugaz, algoz, e desonesta. Depender e esperar algo dela pode ser aquilo que trará tua derrota ao invés do contrário – Orientou o segundo – Mesmo nós, não podemos prever isso com exatidão, porque de nós ele é o soberano, ninguém consegue melhor prever o futuro, do que o próprio Tempo Exato.

- Odeio oráculos – Resmungou Benu – Nunca falam coisa com coisa!

Daidalos lançou um olhar preocupado para Shun, mas este parecia completamente tranquilo.

 - Em outras palavras – Disse calmamente – Devo convencer o irmão de Chronos, o traidor Kairos, o deus do tempo oportuno, a estar do nosso lado, além de garantir, com toda a certeza, que ele não irá nos trair. Isso é perfeito, eu já planejava negociar com ele de qualquer forma.

Ambos os senhores sorriram.

- Exatamente, jovem mestre.

-.-.-.-.

 Ikki foi absolutamente e taxativamente contra esta decisão. Toda a subida de volta a sala do trono e a caminhada até o salão que substituiu o muro das lamentações, ele usou para dar motivos diferentes do porquê Kairos jamais seria alguém confiável. Desde ele ser o irmão de Chronos, até todos os atos que cometeu na guerra santa passada.

Daidalos mantinha-se quieto escutando o esbravejar, afinal, não conhecia o tal deus que havia reencarnado como espectro há dois séculos. Aliás, sequer tinha memórias de outra vida que não fosse a sua atual, mas só de escutar os relatos de Benu sobre ele, o fez ficar com receio do que uma aliança com a divindade poderia significar.

Quando chegaram ao salão, ainda sobre os protestos de Ikki, Shun foi até a sacada que dava vista para o Rio Lete, ali, no fundo do rio do esquecimento, havia condensado a hiperdimensão, que anteriormente era protegida pelo muro das lamentações, agora, para chegar aos Campos Elísios, as almas obrigatoriamente teriam que atravessar as águas do olvido.

Fechou os olhos e concentrou seu cosmo, e assim, em pouco tempo, uma enorme esfera surgiu à sua frente, com pelo menos meio metro de raio, era de um aspecto cósmico, como se fosse um pedaço do próprio universo condensado num único globo.

- Afastem-se, por favor – Informou tornando a abrir os olhos. Os dois obedeceram, muito embora parecesse que Ikki ia matar alguém a qualquer minuto. A esfera parou no meio do salão. – Eu entendo seu receio, Ikki –Informou Shun voltando-se ao irmão – De verdade eu entendo, não pense que eu esqueci o quanto sofri por causa das ações de Yohma em minha reencarnação passada, porém não existe ninguém no mundo que conheça Chronos melhor do que ele. Eu também sei que ele é um grande manipulador ardiloso, mas essa é apenas uma outra razão para o termos do nosso lado.

- Olho por olho, dente por dente? – Questionou seu mestre, preocupado.

- Infelizmente eu não vejo outro meio de vencer essa guerra – Respondeu o imperador com expressão culpada. – Eu lidarei com ele, peço que confiem em mim, aqueles oráculos tem razão, se não posso lidar com ele, que por causa da vida passada tornou-se um espectro, eu jamais terei a habilidade suficiente para lutar contra Chronos. Não se preocupem. Eu tenho um plano, vai dar tudo certo, mas eu preciso ficar sozinho com ele, tenho o lugar perfeito para essa...Negociação.  – Sorriu maroto, o que fez ambos os espectadores franzirem a sobrancelha curiosos.

Ainda assim, apesar de tudo, obedeceram, e em sua forma astral Shun flutuou pelo mundo dos mortos, sendo seguido de perto pela esfera, até chegar ao local desejado.

Quando pousou em terra firme, seus pés transpassavam a água de um dos rios do submundo. Reuniu o cosmo limitado que ainda possuía e com ele forjou a melhor ilusão que pôde, criando em seu entorno a exata aparência da sala do trono. Subiu a escadaria e sentou no mesmo, solidificando sua imagem o máximo possível, e com um estralo de dedos a esfera abriu-se, como uma casca de uva ao ser apertada, mas ao invés de expulsar a polpa da fruta, o que saiu foi a figura de um homem, presos com os braços para cima, roupa completamente desgrenhada, cheia de sangue e rasgos.

Demorou o que pareceu um minuto inteiro, até que o ser de cabelos castanhos escuros e espetados pudesse sentir novamente o vento tocar seu rosto, e assim abrir seus intensos olhos vermelhos como rubis e encarar cansado a figura ao topo da escadaria. Franziu e expressão.

- Quem é você?  - Questionou com voz rouca e frágil, tão pouco utilizada nos últimos dois séculos.

Ao invés de responder, Shun estralou novamente os dedos e instantaneamente a prisão do homem desapareceu, fazendo-o desabar ao chão. Apesar de se lembrar de todos os atos cometidos por ele, não pôde deixar de sentir piedade pela antiga divindade, aquela figura trêmula, que fazia um enorme esforço para erguer-se utilizando-se de suas mãos, não parecia nem de longe ter sido, um dia, um grande deus.

Esperou pacientemente que ele se sentasse cruzando as pernas, para enfim dirigir-lhe a palavra.

- Yohma de  Mefistófeles, ou eu deveria dizer, Kairos, deus do tempo oportuno. – Comentou em voz grave e firme, mais semelhante a de Hades do que a sua própria.

- Presente – Ironizou a figura com um sorriso ladeado, quase desafiante – E você por acaso seria o novo fantochezinho humano de Hades?

Shun franziu a expressão pelo comentário.

- Tens muita coragem ao dizer-me isso, estando em tua posição.

Kairos deu de ombros, indicando a si mesmo com ambas as mãos.

- Não me resta mais o que perder, não acha? – Ironizou.

- Provavelmente não – Fechou os olhos – Mas tu estás enganado, eu não sou o receptáculo humano de Hades.

- Você pode dizer isso, mas sinto em ti a mesma presença de Alone...O receptáculo de quando eu pertenci ao exército do submundo. – Questionou observando curioso a figura de cabelos verdes e olhar firme.

- Isso é natural, afinal, eu fui Alone em minha última reencarnação – Esclareceu abrindo seus olhos novamente – Talvez eu deva ser mais específico, tu estás nessa prisão há 253 anos*, e apesar de eu já ter carregado o fardo de ser o corpo de Hades nessa vida também, isso agora faz parte do passado, em vez disso eu sou o próprio sucessor do trono do submundo, após Athena ter destroçado o corpo original e alma de Hades. 

A primeira reação do deus foi surpresa, sua boca ligeiramente aberta,  suas sobrancelhas franzidas.

- Hades...Não existe mais? – Repetiu incerto – A própria Athena pôs fim ao seu reinado?

- Tu podes colocar assim.

E para a estupefação do virginiano, repentinamente o mais velho começou a gargalhar, com tal gosto e intensidade que lágrimas começaram a escorrer pelo canto de seus olhos. Um sentimento amargo passou a correr pelo corpo de Shun, uma vez nesse estado astral sua consciência e a de Hades estavam mesclados. Contudo, não era raiva o que sentia correr por sua espinha, o antigo deus dos mortos era alguém absolutamente difícil de se deixar levar por esse tipo de sentimentos, não, o que sentia nesse instante era afronta.

Algo que logo descobriu ao compartilhar seu corpo com um deus, e também quando tratou diretamente com Poseidon, é que os deuses odiavam acima de tudo serem contrariados, serem humilhados ou ludibriados. Isso simplificava a maior partes dos mitos e castigos cruéis que as divindades empunham em tempos antigos.

Contudo, seu lado humano conseguiu conciliar com seu consciente divino, permitindo-o assim manter-se impassível enquanto o Tempo Oportuno se divertia em parte às suas custas.

- Eu mal posso acreditar! – Exclamou finalmente detendo suas risadas, enxugando seus olhos com as costas das mãos – E imaginar que Athena finalmente serviria para alguma coisa! Hades destruído! Um maldito deus a menos, sem dúvida, um motivo a se comemorar!

- Eu entendo seu posicionamento.

O enorme sorriso logo deixou o rosto de Yohma quando essas palavras afundaram em seus ouvidos. Sua expressão logo se franziu, enquanto tentava desvendar o que havia por trás de suas palavras.

- Entende? – Resolveu questionar ao fim.

- Claro. Tu costumavas ser um deus primordial, uma das divindades mais importantes do mundo. Até ser traído por Chronos, eu sequer posso mensurar o quão doloroso deve ter sido ser traído por seu irmão mais velho. – Declarou em tom tranquilo.

- Eu não preciso de sua piedade! – O espectro exaltou-se pela primeira vez, ficando de pé, mesmo que de forma instável. Rancor e raiva irradiando de seu ser.

- Eu sei que não – Seguiu Shun sem exaltar-se. – Mas tu foste condenado por teu próprio irmão a viver no subconsciente de diferentes humanos ao longo dos séculos, milênios, sem jamais poder manifestar-se. Apenas uma sombra do que costumava ser, tendo sua existência quase que completamente apagada.- Levantou-se também, porém sem descer a escadaria ilusória – Tu foste obrigado a ver o mundo por olhos humanos por muito tempo, sendo rebaixado de seu pedestal divino.  Por isso tu começaste a odiar todos os deuses, por isso quando finalmente reencarnou num corpo forte o suficiente para suportar tua alma divina, o homem chamado Yohma, cujo destino de  tornar-se o espectro de Mefistófeles já estava traçado, e tu sentiste a alma de Pégaso, não pôde resistir a oportunidade, a essência do Tempo Oportuno, e buscou ser aquele que traria ao mundo o “matador de deuses”, teu objetivo era usar Tenma para completar tua vingança, não apenas contra Chronos, mas contra todos os deuses que esqueceram de tua existência, os deuses que tu foste obrigado a ver por muito tempo com olhos humanos.

- Qual o motivo de buscar minhas razões agora? – Indagou com desgosto a divindade caída – Isso é apenas parte de seu julgamento para me condenar pelos próximos milênios? O que foi? – Provocou - Os juízes do submundo estão de férias e você teve que fazer a vezes de magistrado? Ou será que eles foram tão incompetentes que foram destruídos a igual que seu antecessor?

Dessa vez foi muito mais difícil conter o sentimento que crescia em seu interior. Hades considerava uma afronta a seus homens ainda maior do que uma a si mesmo. Teve que respirar fundo para conseguir se controlar, mas o sorriso de triunfo de Kairos era prova suficiente de que ele notou que dessa vez sua investida atingiu o alvo.

- Isso não é um julgamento – Alegou mantendo seu tom tranquilo, para desgosto do outro – É uma negociação, algo como um pacto. – Isso chamou a atenção de Yohma, que tornou a franzir a expressão, dessa vez desconfiado.

- Negociação? – Repetiu.

- Sim, mas antes eu devo te explicar a situação que estamos agora, a situação que teu irmão nos colocou - Decididamente, isso chamou a atenção do mais velho, então Shun se pôs a contar o destino que ele e Athena quase tiveram quando cogitaram pedir a ajuda de Chronos no Monte Olimpo para salvar o Pégaso de seu tempo, Kairos até mesmo quis saber como este se chamava, e quem era seu pai nessa vida. E escutou também sobre o ataque do deus do tempo contra o submundo com um sorriso retorcido em seu rosto. Como se a possibilidade de poder guerrear contra ele o desse uma nova razão para viver.

- Então, é por isso que você me retirou do meu castigo? Para me usar contra meu próprio irmão? - Questionou com um semblante muito mais similar ao que possuía há dois séculos, apesar de suas palavras.

- Exatamente, mas antes, se não se importar, eu tenho uma pergunta. – Como Kairos não disse nada, continuou –Quando o espírito de Mefistófeles possuiu o corpo de Yohma, a consciência de vós se dividiu? Tu divides pensamentos e emoções com esse espectro ainda hoje?

Dessa vez o mais velho pareceu realmente confuso, como se Shun tivesse dito algo absurdo.

- É claro que não. Seria realmente confuso ter duas consciências no mesmo corpo – Declarou como se fosse óbvio.

- Sem dúvida – Concordou imediatamente o imperador dos mortos com conhecimento de causa, fazendo um enorme esforço para conter uma risada pelo comentário.

- Como você bem sabe – Kairos seguiu – Quando as estrelas malignas se libertam do selo, elas possuem os corpos de humanos normais, fazendo com que sua vida anterior e passado sejam apagados, replantados pelo espírito da estrela, celeste ou terrestre. As existências humanas antes dessa possessão são simplesmente fachadas temporárias. – Uma sensação de dor passou pelo corpo do jovem imperador, dessa vez partindo da consciência de Shun, que também havia sofrido da possessão, e sabia o quão cruel e sufocante essa poderia ser, mas a mente de Hades conseguiu equilibrar suas emoções, para que pudesse seguir ouvindo o relato – Então eu e Mefistófeles ficamos sozinhos naquele corpo, mas não foi difícil nos entendermos e nos mesclarmos completamente. Ele era um grande demônio trapaceiro, e eu sou um grande oportunista, é a combinação perfeita, você não acha? Minha real forma e força estão selados, mas nossa consciência é única.

- Compreendo – Disse simplesmente – Então, sem dúvidas, além do deus do tempo oportuno, tu és definitivamente um dos meus espectros. Sempre imaginei que a necessidade de ludibriar de Mefistófeles fosse causar problemas algum dia, mas pensei que a história com Fausto* fosse o ápice de sua conduta contraditória.

- Como eu disse, somos a combinação perfeita, para sua infelicidade. - Indicou novamente a si mesmo - Devo dizer que estou bastante confortável, principalmente em relação a essa forma de se vestir.

Shun começou a descer os degraus, lentamente.

- Como eu disse anteriormente, eu entendo teu posicionamento – Parou frente a frente com o deus.  – Quando assumi o papel de Hades, eu decidi finalmente por fim as intermináveis guerras santas entre os deuses, já que nessa vida eu nasci como Shun, o cavaleiro de Andrômeda – Antes que o deus pudesse fazer mais uma de suas provocações a respeito de um cavaleiro ter se tornado o próprio imperador dos mortos, seguiu – Eu não tenho como objetivo principal matar Athena, ou subjugar a terra, como meu antecessor sempre desejou. Contudo, estando na posição que estou agora, pude avaliar esses conflitos de forma mais crítica, e posso entender a crença de Poseidon e mesmo de Hades sobre Athena não ser digna de ser a imperatriz da terra. Ela é sem dúvida uma deusa de grande poder e força, mas sua sabedoria humanizou-se demais no último século. Porém, o problema não é esse – Desviou o olhar e começou a andar ao lado do mais velho – Ela ter se deixado levar pelo seu lado humano só se torna um problema quando ela ainda insiste em viver como uma deusa.

- Aonde quer chegar – Inqueriu Kairos encarando as costas do imperador.

- Como uma deusa sábia e justa, ela tem o direito de governar a terra, uma vez que foi desejo do próprio Zeus. Há muitos séculos, no entanto, ela decidiu abandonar o Olimpo e nascer entre os humanos, muitos deuses foram contra essa decisão, principalmente seus irmãos. E ainda assim, ela o fez. Contudo, seguiu sendo uma deusa, num corpo humano, foi apenas uma forma de estar entre aqueles que ela queria proteger, no entanto, os séculos passaram. – Parou, frente aos grandes portões ilusórios que davam para a saída do salão do trono. – E a cada reencarnação, ela foi se humanizando cada vez mais, deixando cada vez mais sua faceta de deusa guerreira e implacável, de sabedoria invejável, transformando-se numa humana de coração aberto e receosa quanto à guerras. Sasha, minha irmã na outra vida, ainda possuía a sabedoria da deusa, mas Saori, Athena dessa época, já é quase que completamente humana, tendo crescido fora do santuário, mimada e paparicada desde tenra idade.  – Virou seu corpo, deparando-se novamente com o deus, que o escutava atentamente, ainda de pé – Não há problema nela se tornar completamente humana, e seguir lutando ao lado de todos em busca de um mundo melhor. No entanto, se ela seguir por esse caminho, ela não tem mais o direito de se chamar de deusa, senhora ou mesmo imperatriz da terra, porque entre os homens, não há um humano que rege absoluto e supremo sobre todos os outros, na Grécia antiga foi criada a democracia para que isso não acontecesse. Ela pode exercer seu poder sobre o santuário, até mesmo sobre a Grécia, mas nenhum humano, seja ele quem for, tem o direito de reger todo o mundo.

- Até onde eu sei Athena não rege o mundo, ela apenas o protege – Interveio Yohma, ainda tentando ver o que havia por trás daquele discurso. – Ao menos, era o que Partita e meu filho Tenma acreditavam.

- É verdade – Concordou - Ela a protege dos ataques dos deuses, Titãs e outros seres acima dos mortais. Contudo, poderia ser considerada deusa guardiã da terra quando tantas outras guerras foram travadas sem que ela intervisse? Um único cavaleiro enviado por ela poderia ter detido inúmeros massacres, deter confrontos de humanos contra humanos, porém, nunca foi seu foco, mas por que seria, não é?  Se ela é uma deusa da guerra.

- Esse não parece um discurso de um antigo servo de Athena – Provocou a divindade, observando Shun de forma desconfiada.

- Tu tens razão, eu ainda possuo um forte sentimento por Saori, ainda mais por fisicamente se parecer tanto a Sasha, minha irmã. Imagino que essa ligação é natural, uma vez que já fui o receptáculo de Hades, mas não posso simplesmente fechar os olhos para suas ações impensadas, porque eu mesmo senti em minha pele as consequências que elas podem trazer. Eu consegui conversar com Poseidon e até mesmo convencê-lo a forjar uma paz com minha antiga deusa, pensei que seria meu último gesto para protegê-la, a prova de que eu ainda sou leal a ela, mas ele impôs uma condição severa para essa paz entre nós três, e para minha surpresa, eu aceitei.

O tempo oportuno nada disse, analisando a tristeza do novo senhor do submundo ao confessar o que soava cada vez mais como uma grande traição à deusa da sabedoria, por mais que alegasse o contrário.

- Eu pedi a Poseidon que permitisse que Athena vivesse a paz que nunca experimentou realmente, pois sempre veio a terra e viveu sobre a perspectiva de uma guerra, mesmo em seu nascimento como deusa, ela saiu da cabeça de Zeus já trajando sua armadura de batalha. E essa é a maior diferença entre Hades, Poseidon e Athena, eles viveram a Guerra – Indicou a mão esquerda - E a Paz – A mão direita - Por isso buscaram por seus próprios meios voltar à época de ouro, antes dos seres humanos se deixarem corromper. Athena, por outro lado, já conheceu os humanos assim, como são hoje, e abraçou seus defeitos, enquanto luta por uma paz que nunca viveu. Isso resume toda a nossa história Kairos, Guerra e Paz, permitir que a divindade da Guerra veja a Paz pela primeira vez, que sempre foi foi seu grande objetivo, nos mostrará de uma vez por todas quem ela realmente é, e do que é capaz. Se é digna de ser chamada de deusa protetora da humanidade, ou se é uma humana prepotente com poderes demais.

- Qual foi a condição?

- Se ela mostrar-se incompetente em suas funções e não souber lidar com a Guerra e a Paz que estão por vir - Fez uma pausa, respirando fundo - Se não nos auxiliar contra Chronos e insistir em ficar contra nós, buscaremos os raios perdidos de Zeus, e somando seu poder aos nossos, selaremos Athena de uma vez por todas, e os novos regentes da terra serão os próprios humanos. Eles que decidirão o futuro de seu mundo a partir de então, sem interferência divina, e se esse futuro levar ao caos, não precisamos gastar nossas energias para destruir a humanidade, ela fará isso por conta própria.              

 - Por que está me dizendo tudo isso? – Questionou novamente Kairos sem compreender, mas genuinamente impressionado. – Mesmo que vocês selem Athena, haverá outros deuses que tentarão dominar a terra em seu lugar.

- Eu concordo que haverá. E eu estou contando justamente porque, uma vez que tu foste obrigado a ver o mundo pelos olhos humanos por tanto tempo, acho que é um dos únicos capaz de entender a minha resolução – Fechou seus olhos, respirando agora tranquilamente – Eu entendo sua raiva pelos deuses,  porque agora que minha pura alma se corrompe, eu também sinto isso, os humanos vivem com medo de três coisas em igual força e tamanho. Do passar do tempo, da finalidade da morte e do poder divino. Muitos usaram e ainda usarão isso para controlá-los, eu entendo o desejo de Hades de expurgar a humanidade quando penso o quanto eles são capazes de matar uns aos outros sem parar, porém, por também ser humano, eu entendo que existem muitas pessoas boas no mundo. Os seres humanos, entre eles, já têm problemas demais relacionando-se entre si, para ainda se verem no meio de discussões e embates divinos. É por isso que eu desejo uma nova era, da mesma forma que existiu a era dos Titãs, posteriormente a era dos deuses, eu planejo que esta termine dando origem a era dos humanos.

A divindade caída abriu a boca, mais surpreso do que nunca.

-...A primeira guerra dos deuses foi a Titanomaquia, onde os Titãs foram derrotados, a segunda guerra a Gigantomaquia, trazendo fim aos gigantes, com essa terceira você planeja por fim...Aos próprios deuses? Mesmo se Athena for um deles? – Concluiu descrente, sem desviar o olhar do garoto que possuía uma aparência tão frágil, mas cujas palavras ecoavam como verdadeiros trovões numa noite escura. Estava impressionado, não podia negar.

- Eu odeio guerras acima de tudo Kairos. O resultado de uma batalha sangrenta... É sempre outra batalha?!... A paz nunca chegará, mesmo que a gente se esforce?  Essas sempre foram as minhas dúvidas quando era cavaleiro. Porém, agora eu sei que enquanto deuses que se sintam superiores aos mortais existirem, nunca deixaremos as guerras santas para trás. Eu não posso ficar de braços cruzados sem fazer nada, ainda mais na posição que estou agora.– Encarou diretamente o olhar vermelho do deus caído, com seus olhos esmeraldinos e decididos - Se há uma coisa que o budismo me ensinou, é que nenhum humano deveria ter que se subjugar e temer a um deus. Então eu juro pela minha alma, que esta guerra será a última. Não haverá outro conflito divino que acometa os mortais depois dela, essas batalhas que trazem a morte a humanos inocentes e assim quebram o ciclo natural da vida. Eu, como novo senhor do mundo dos mortos, não permitirei que isso volte a acontecer. Nem que eu tenha pessoalmente que enfrentar cada um dos deuses do Olimpo para me certificar disso.* A simples permanência de Athena na terra talvez tenha atraído mais guerras do que se ela tivesse se mantido no Olimpo   - Então lançou um sorriso maroto ao mais velho – Tu ainda se intitula um deus, mas eu sinto em tua alma que se identificou com os humanos, não é apenas um desejo de vingança querer destruí-los , é uma ânsia por liberdade,  porque Chronos te mostrou em primeira mão o quão baixo e injusto um deus pode ser. Tu podes continuar se ocultando sob sua máscara de divindade, mas eu sou plenamente capaz de ver através de tua alma.

Kairos fez uma expressão de completo desgosto, desviando pela primeira vez o olhar.

- Os humanos são seres inferiores, isso é fato, se não fossem, eu já teria me libertado do selo que me prende. Ainda assim, os deuses não têm o direito de negar aos homens a liberdade de viver seu próprio tempo, encontrar suas próprias oportunidades, deuses que gozam do Tempo Eterno e imutável jamais entenderão o que é viver o Tempo Oportuno, porque em relação a deles, a vida humana é apenas um pequeno instante, fugaz. Como eu poderia simpatizar com essas ridículas guerras santas? Um bando de imortais ignóbeis que em sua imortalidade não dão o devido valor a um instante. – Então voltou a encarar o imperador, que sorria triunfante – Mas você está se confundindo, eu não sou um defensor dos homens como Prometeu, porém mesmo que Chronos tenha tentado apagar minha existência, eu ainda represento o Tempo Oportuno, o tempo findável, como a vida humana. Enquanto ele é o Tempo Eterno, o infindável, o relógio sem ponteiros dos deuses.

- Por isso tu querias usar-se de Pégaso, para de teu próprio modo por fim as guerras santas, matando os deuses que as causam.

- Não fale como se eu fosse uma espécie de herói, isso me enoja – Colocou com repulsa – Eu menti, manipulei e usufrui de muitas pessoas para ser chamado assim. Eu praticamente causei a guerra santa passada, e não me arrependo disso, e se tudo tivesse saído como planejei, Hades e Athena finalmente entenderiam que o tempo de um deus não é nada contra um movimento realizado no tempo certo.

- Seus meios sem dúvida são sujos e repugnantes, o que tu fizeste com todos os envolvidos. Tu buscavas teu objetivo, como a ideologia de um bem maior, através do caos - Colocou tornando a caminhar na direção do espectro – Tua alma está claramente corrompida e podre, por todo tempo que ficou se remoendo no ódio, além disso, sem dúvida tu não és alguém de confiança. É exatamente por isso que eu quero fazer um trato contigo, onde apenas nós dois tenhamos conhecimento dos termos.

- Você está louco? – Foi tudo que ocorreu a Yohma perguntar – Ouviu o que acabou de dizer? Por que não teve muita coerência.

- Tu planejavas destruir os deuses, eu estou disposto a ajudá-lo nisso, mas não todos e não desenfreadamente, apenas aqueles que insistem em impor suas vontades e força sobre os humanos. Primeiro eu vou tentar convencê-los através do diálogo.

- Isso não vai funcionar – Colocou taxativo.

- Ainda assim, eu tentarei. Caso não funcione e eles insistam em interferir no ciclo da vida dos homens...- Parou novamente frente a frente com o outro – Então eu irei subjugá-los, não destruí-los, pois sua existência é essencial para equilibrar o mundo, não, meu objetivo é mais categórico. Se eles insistem em envolver os humanos em suas disputas, que eles se tornem humanos também.

- Você pretende fazer com eles o mesmo que Chronos fez comigo?! Selar suas consciências em corpos humanos?! - Questionou com clara repulsa.

- Não, planejo fazer isso apenas com o próprio Chronos, tu não achas que seria uma vingança justa? – Um sorriso de sádica satisfação tomou a face de Kairos – Quanto aos outros, pensei em algo mais complexo. Caso tenha que matá-los, suas almas estarão em minhas mãos, eu planejo fazê-los reencarnar como humanos normais, aprender a conviver com a humanidade, caso queiram algum dia voltar ao Olimpo, isso se no final realmente quiserem.

- Onde você planeja conseguir corpos humanos que suportem a alma dos deuses? Eu levei séculos para encontrar Yohma – Inqueriu.

- Prometeu – Respondeu simplesmente – Ninguém defendeu os humanos como ele, planejo convencê-lo a me ajudar a iniciar essa nova era. Ele e seu irmão criaram os primeiros humanos, não há ninguém mais qualificado para criar corpos mortais que abriguem essas almas, e assim nenhum outro humano inocente como Yohma precisará sofrer pela subjugação da mente de um deus.

Kairos produziu um assobio.

- Você realmente parece ter pensado em tudo – Declarou meio zombeteiro, meio sério.

Shun se limitou a sorrir de forma inocente, como se não tivesse acabo de sugerir uma caça aos deuses que insistirem em intervir na vida dos homens.

- Porém, antes de fechar qualquer acordo, eu quero que me responda outra coisa, e quero deixar claro que tua resposta decidirá o rumo dessa conversa e do teu destino.

- Sem pressão – Ironizou o antigo deus.

- Se eu desse a opção de escolher entre se vingar-se de Chronos e se reencontrar uma vez mais com Partita, o que tu escolherias?

Yohma piscou, novamente surpreso pelo rumo da conversa, e com grande espanto notou que seu coração disparou com a simples possibilidade de vê-la outra vez, ouvi-la cantando ou mesmo sorrindo, ter a oportunidade de sentir seu cheiro, tocar novamente seu rosto, seus lábios, seu corpo tão belo e simples, e ainda assim perfeito. Quantas vezes sonhou com ela durante seu cárcere? Às vezes até mesmo tinha a impressão que sua alma estava ao seu lado, abraçando-o*. Como poderia ser, depois de tudo que fez com ela?

Viveu milênios odiando seu irmão, mas apenas em poucos anos Partita quase o fez desejar viver como um simples mordomo, como um casal normal que cuidava de um filho. Por isso desapareceu assim que Tenma nasceu, não teria forças para manter sua decisão se partilhasse de um tempo precioso com ela e seu filho. Sabia disso como ninguém, sendo quem era.

E de todas as atrocidades que realizou, a única que realmente lamentava era Partita, a partitura que deu luz à sua vida, ela não merecia o que recebeu. Por isso prontamente pediu a Hades para trazê-la de volta, e mesmo que ela estivesse do lado de Athena, podia sentir que no fundo Partita entendia suas verdadeiras intenções.

Não soube ao certo quanto tempo esteve perdido em suas divagações, mas quando encarou novamente o imperador, esse sorria afetuosamente, com o mesmo carinho que outrora Partita demonstrava a Pandora.*

- Já obtive tua resposta. – Declarou satisfeito – Aceita me seguir como meu servo, me ajudar a reconstruir o submundo e lutar ao meu lado lealmente na guerra que está por vir, e em troca, quando matarmos Chronos, eu prometo que te farei o deus do tempo absoluto em seu lugar?

Kairos o estudou por um instante, se ele mesmo disse que sua figura não era de confiança, por que parecia tão seguro de si? Haveria algo mais oculto em suas palavras e intenções?

- Não parece justo, o que me oferece e o que você obtém em troca – Expor sua desconfiança.

- Acredite, o submundo sofreu bastante após o desaparecimento de Hades, reerguê-lo dará mais trabalho do que imagina, e eu realmente preciso do máximo de pessoas possíveis para me ajudar, pessoas leais.

- Muito bem – Sorriu de lado, cruzando os braços – Aceito suas condições, eu serei o mais leal que eu puder, te ajudando em tudo aquilo que precisar. Em troca do trato de substituir meu irmão em seu posto.  Mas eu estou curioso, o que te fez acreditar, depois de tudo que eu já fiz, que eu realmente cumprirei com a minha palavra?

Em resposta Shun sorriu ardilosamente, fazendo Yohma erguer as sobrancelhas.

- Tu não faltarias com ela, mesmo se quisesse. – E com um movimento de mão desfez a ilusão, revelando sua verdadeira localização, as margens de um rio, mas não era um rio qualquer.

- Não é possível! – Exclamou verdadeiramente em choque, reconhecendo aquelas águas. – O salão...Era uma ilusão?!

- Tu estavas fraco demais para notar, mas esse tempo todo estávamos aqui, nas margens do Rio Estige, e todos sabem que uma promessa, um juramento que seja feito às margens do Estige é o voto mais sagrado que pôde existir. Não há um único deus capaz de quebrar seu sufrágio, veja por si mesmo.

Kairos aproximou-se, seu rosto refletindo a perfeição nas águas escuras, e por entre elas, ao invés do som de corredeiras, conseguia ouvir um sussurro baixo, rouco e assustador que repetia uma e outra vez. “Eu serei o mais leal que eu puder, te ajudando em tudo aquilo que precisar.”    

 - Além disso – Seguiu Shun com seu sorriso matreiro, que soava impar em seu rosto – Como eu disse, tu estavas fraco demais até mesmo para notar que eu não estou aqui realmente – Indicou seus pés, transpassados pela água, e sua ausência de reflexo – Sendo uma alma, não foi difícil para eu ludibriar teus sentidos. Fiquei muito bom nesse tipo de coisa nos meus últimos dias no mundo dos vivos.

- Isso significa, que apenas eu estou preso nesse juramento, já que você não está realmente aqui e não declarou nenhum voto. – Concluiu novamente impressionado.

- Exatamente! Contudo, não se preocupe – Sorriu mais calorosamente – Eu realmente pretendo cumprir com a minha parte se tu se comportar, eu diria, só precisas sobreviver a guerra, é claro.

E dessa vez não ficou tão surpreso quando Kairos desatou a rir, com mais gosto dessa vez, uma risada que soava realmente sincera.

- Você enganou a mim! O deus do tempo oportuno, o espectro de Mefistófeles*. Eu sou praticamente o deus da trapaça e você conseguiu me ludibriar! – Declarou verdadeiramente fascinado – Você, sem dúvidas é mais fascinante do que eu dei créditos a principio, se ainda tivesse minha cartola, eu definitivamente tiraria ela para você, mas como esse não é o caso.

Ajoelhou-se no joelho direito e pé esquerdo.

- Shun, não é? Você definitivamente chamou minha atenção, alguém que consegue ser mais ardiloso do que eu decididamente tem o meu respeito! Será interessante segui-lo nesse meticuloso plano – Inclinou-se ligeiramente – Mesmo que não estivesse obrigado pelo Estige, admito que estaria inclinado a segui-lo, porque estou ansioso para ver as oportunidades que você criará no futuro, meu senhor.

E assim Kairos, o caído deus do tempo oportuno, juntou-se as frente de seu exército.

Obrigado ou não.

-.-.-.-

Quando voltou ao verdadeiro salão do trono com Kairos em seus encalces, o apresentou, ou reapresentou no caso de Benu, a Ikki e Daidalos. Ao descobrir que o ex Fénix era o irmão mais velho de Shun nessa vida, levou apenas três minutos para que o deus automaticamente o desprezasse, e levantasse contra ele uma enxurrada de provocações, foi necessário Daidalos intervir para que a situação não acabasse em uma guerra civil.

Nem o imperador, nem o novo servo contaram sobre seu pequeno trato, selado pelas águas do Estige.

Quando desceram novamente pela escadaria abaixo do trono, dessa vez apenas Shun e o ex Cefeu, deixando Kairos a uma boa distância de Ikki, recuperando-se nas águas do Flegetonte, e Benu na entrada do submundo para que nenhuma alma se afogasse no Aqueronte na ausência de Caronte, notaram que a parede com os selos protegida pelos dois oráculos não fechava mais o caminho.

- Acho que era esperado -  Concluiu o ex cavaleiro voltando ao seu senhor -  Eles são adivinhos, não são? Devem ter previsto que você conseguiria.  

Em lugar da parede havia outra escadaria, iluminada simplesmente com arandelas de luz azulada.

- Esse lugar de certo modo lembra-me muito a câmera oculta no salão do Grande Mestre - Começou Shun flutuando sobre o abismo sem fim de aparência rochosa, uma vez que a escadaria se tornava íngreme, permitindo a descida apenas de um de cada vez, o antigo prateado sentiu-se incomodo com a situação, era como se estivesse andando na companhia de um fantasma, mas se absteve de comentar, assumiu que era algo que deveria se acostumar agora que também pertencia ao submundo.

- Que câmara seria essa? - Perguntou, desviando sua atenção da figura fantasmagórica.

Então Shun o explicou do salão das treze chamas, onde Saori o levou para que pudesse adquirir os ensinamentos escritos de Shaka e de outros virginianos.

- Deve ter sido uma grande honra – Impressionou-se Daidalos – Você teria sido um excelente cavaleiro de Virgem - O imperador apenas sorriu envergonhado. – Mas eu não compreendo uma coisa, por que havia treze chamas se existem doze cavaleiros de ouro?

- Eu não tenho certeza, não pude ver a sala com muito clareza, e não fiquei lá por muito tempo – Respondeu visualizando algo ao longe – Talvez seja para os Grande Mestres, mas o que me deixa realmente curioso é porque essas duas estruturas se parecem de alguma forma.

- Isso é simples de explicar, meu senhor – Uma voz idosa surgiu da escuridão. Uma fala já familiar.- Esse lugar esta inspirado no templo que criei em Delfos para o senhor Apolo, muitos futuros arquitetos se inspiraram em detalhes de minhas ideias para novas criações, acredito que a câmara oculta do santuário foi uma delas.

- Trofônio - Reconheceu Shun.

O senhor de longa barba e expressão tranquila surgiu frente aos dois, praticamente um palmo de distancia do rosto de Daidalos, fazendo-o sobressaltar-se. O submundo era definitivamente cheio de surpresas e coisas estranhas.

- Fico muito feliz que tenha retornado com sucesso meu senhor, mas é claro que já sabíamos que isso iria acontecer – Sorriu misterioso - Seria uma honra para mim, Trofônio, se me permitisse guiá-lo por este templo, embora não tenha certeza que realmente precise de meu auxílio – Deu uma piscadela para seu novo senhor, o que fez Shun pensar que provavelmente ele soubesse que Hades vivia dentro dele.

- Independe dos conhecimentos que já possua sobre esse lugar, seria muito útil ser guiado por aquele que o construiu – Respondeu simplesmente, ainda não tinha certeza se revelaria a verdade ao seu mestre.

- Muito bem então, me sigam, por favor.

A escadaria ingrime logo foi se ampliando até os deixarem de frente a um gigantesco templo, iluminado fracamente, cujo final não era visível. Parecia um enorme Partenon, contudo, feito do mais puro mármore negro, que reluzia de forma fantasmagórica devido a iluminação fornecida pelos fogos fátuos que flutuavam ao redor. O grego parou frente a grande escadaria de entrada.

- O palácio serve apenas como faixada para situações políticas. Este é o verdadeiro templo destinado a Hades, o único grego, uma vez que os mortais temiam até mesmo pronunciar seu nome, com receio de que isso atraísse a própria morte. Além disso, nosso senhor sempre foi contra oferendas em seu respeito, uma vez que isso trazia a morte prematura de um animal, o que interferia no ciclo da existência, e como rezar para pedir que alguém voltasse a vida tampouco era frutífero, não havia mesmo uma razão para os humanos criarem um desses na terra. Existia outra estrutura menor nos Campos Elísios, mas sua função era apenas resguardar o corpo original de nosso antigo senhor.  – Informou o arquiteto com sua voz tranquila e lenta – Aqui dentro existe o Serapeu, que é nossa grande biblioteca, o salão do óbolo, para onde são encaminhadas as riquezas dos mortos, e os aposentos pessoais do nosso antigo senhor. Ao redor há uma grande plantação de romãzeiras mágicas, o último feito de nosso saudoso Ascálafo antes de Démeter transformá-lo numa coruja negra. – Suspirou triste. – Mas ele ainda cuida desses jardins, sempre bica Menoetes quando este esquece de regá-las. Mesmo sendo uma ave ele continua sendo um jardineiro bem competente. Além disso atrás do templo existe o grande pasto onde Menoetes cria o gado negro do submundo, eles costumavam ficar espalhados por todo o mundo inferior, pastando por aí, até nos Campos Elísios, mas alguns heróis tinham a magnifica ideia de treinar caça quando chegavam aqui, então tive que construir um espaço que impedisse isso de acontecer. Acredite, até hoje ele ainda resmunga de suas costelas que Heracles quebrou quando esteve por aqui atrás de Cérbero em seu décimo primeiro trabalho.  

Cefeu não pôde ocultar seu completo espanto, estando de boca aberta até que ao fim do relato a fechou. Mesmo Shun estava impressionado, Hades não havia lhe contado tudo que existia em seu reino, no entanto, por estarem mesclados, cada lugar mencionado pelo arquiteto aparecia em sua mente, graças as lembranças e pensamentos de Hades, ainda assim não podia acreditar que tudo aquilo era real.

- Biblioteca? Jardineiro, gado negro? – Repetiu o ex cavaleiro sem entender – Tudo isso existe aqui no mundo dos mortos?

 Trofônio apenas sorriu para tal espanto.

- Eu compreendo sua confusão,  és novo nesse reino, estou correto? – Daidalos confirmou com a cabeça – A grande maioria dos deuses e provavelmente todos os mortais consideram este lugar apenas como um local de passagem para os mortos, mas na verdade o submundo é um reino em todo o seu direito. A biblioteca existe porque no Égito Hades era cultuado pelo nome de Serápis, e por lá sim haviam templos dedicados a ele, os Serapeus, o mais belo deles foi construído por Ptolomeu III, seu interior abrigava parte da coleção da biblioteca de Alexandria. Por estar em seu templo, eram de sua propriedade simbólica. Quando a coleção foi destruída no incêndio de Alexandria, devido a esse vínculo, e por grande obras conterem um pouco da alma de seus autores, elas vieram parar aqui no mundo inferior. Desde então toda a obra escrita que é queimada ou destruída, e carrega a essência de quem a escreveu, vem parar aqui como qualquer mortal. Em 10 de maio de 1933 o antigo templo de Hécate também tornou-se parte da biblioteca, é um templo menor que fica mais atrás, porque ela passou a viver no Olimpo e precisávamos de espaço. Nosso acervo só cresceu desde então.

- Você está querendo me dizer que os livros perdidos de Alexandria esse tempo todo estiveram no submundo?! – Colocou o argentino emocionado.

- Sim, eu costumo dizer que é nosso Elísios particular – Disse com orgulho o arquiteto – O senhor Lune sempre manteve tudo impecável, além disso, o registro da vida de cada ser, humano ou divino, também se encontra lá, acredito que é isso o que buscam, estou correto?

- Exato. – Confirmou Shun.

- Quanto a Ascálafo, as coisas não nascem naturalmente aqui no mundo inferior, ele foi o responsável por fazer florescer os Campos Elísios, o jardim de Romãs, criou junto a Hades a essência das árvores dos Campos Asfodelos, e cuidava do jardim que costumava ficar atrás da primeira prisão. Por sinal – Voltou-se a Shun- O senhor precisa conferir os Campos Elísios depois, todas as flores estão morrendo, lamento dizer que teu poder não é eficaz para criar vida.

- Sim, eu entendo – Suspirou preocupado – Cuidarei disso assim que possível.

- E por que Deméter o transformou numa Coruja? – Seguiu o americano.

- Ninguém sabe ao certo, talvez inveja, é difícil deduzir – Respondeu com tristeza -  Por último o gado, por mais que não precisemos nos alimentar aqui no mundo dos mortos, fazemos isso como uma espécie de ritual, principalmente de boas vindas para visitas como Dionísio ou Hermes. Desse gado conseguimos a carne e o leite. Se uma comida feita no submundo for levada para a terra e um mortal comê-la, ele ganhará a força e a vitalidade de sua melhor forma, mas morre após exatas três horas, se alguém vivo provar nossos pratos aqui em nossas terras, a morte é instantânea. Porém para nós ela é somente saborosa, tenho certeza que irá apreciar muito.

- Ah...- Foi tudo de coerente que o argentino conseguiu dizer.

E assim os conduziu  por dentro do grande templo, e sem dúvida nenhuma tanto Shun quanto Daidalos tiveram que concordar que a visão do Serapeu e suas estantes incontáveis de livros, que se perdiam de vista até um teto alto suficiente para caber um gigante sobre o ombro de outro, empalideceria qualquer campo florido que o Elísios poderia chegar a ter.

E pelo resto de toda semana, desde o retorno dos marinas a vida e a chegada da escama de Dragão Marinho, que descansava solitária oculta atrás das cortinas do salão do trono, os dois haviam passado todo o seu tempo lendo os registros da vida de cada um dos espectros, Daidalos os recitando em voz alta, já que o virginiano não possuía mais uma figura sólida para tocar os registros.

De certo modo, podia obter esses conhecimentos usando-se da presença de Hades, mas o antigo imperador, quando separados em sua subconsciência, alegou que se Shun quisesse ser um senhor digno, deveria obter esses conhecimentos por si mesmo e tirar suas próprias conclusões.

Concordava plenamente com ele.

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Notas Finais


Sim, a história do jardineiro, do vaqueiro e seu gado, da comida assassina e da biblioteca Serapeu é verídico! Quem diria não? xD Mitologicamente correto!!

Shun chegou a conclusões muito severas sobre Athena? Será que ele terá coragem de realizar a condição de Poseidon? O que acham dessa Nova Era, a era dos humanos? Depois desse plot twist, vocês acham que nosso imperador está mais para herói, anti-herói ou vilão? Como Daidalos conseguiu se acostumar com o submundo? (XD) E claro, Ikki e Kairos destruirão o reino? (XDD)

*253 anos, em um dos Gaiden de Lost Canvas, Kairos aparece pela última vez 6 anos após o fim da Guerra Santa + 243 anos + 4 do clássico a ND.
* Menção ao famoso livro, Doutor Fausto, onde a figura do demônio que veste terno e cartola, Mefistófeles, é apresentada ao mundo literário.
* Shun já fez esse mesmo discurso anteriormente na estória, um sinal de que ele já tinha esse plano em mente.
*A cena de Partita abraçando a alma selada de Kairos, e ele a vendo em seus sonhos é canônico.
*Partita era empregada da casa de Pandora, junto a Kairos, e ambos tratavam sua jovem senhora com muito apreço e carinho. Por parte de Partita era de verdade.
* Mefistófeles era conhecido por ser um demônio ardiloso e traiçoeiro, que sempre ludibriava humanos para conseguir o que queria.

CAÇADORES DE PISTAS - EDIÇÃO ESPECIAL! (acrescentada em junho 2019)

Será que toda essa história de Athena estar se humanizando tem algo a ver com o fato dela ter envelhecido, apesar de ter despertado seu nono sentido? =O


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