Capítulo LXV– Eu te direi quem és.
-...Ki...Ki.
A voz fraca da amazona chamou sua atenção, baixou o livro de Épios, para ver que Marin se inclinava como podia contra uma parede, enquanto Ersa não estava à vista.
Ela segurava a barriga com força, e uma quantidade preocupante de sangue escorria por suas pernas.
- Marin! - Gritou aflito, deixou o códex cair no chão com um forte estralo e correu na direção da jovem. - Isso é...-Hesitou -A Placenta...Desprendeu?
A amazona não teve tempo de se impressionar que um adolescente soubesse de algo assim, limitando-se a confirmar com a cabeça.
- A...Ersa, entrou na loja - Resmungou num fio de voz.
- Ainda que me diga isso não posso te deixar sozinha! - Exclamou, apoiando-a em si mesmo, olhando ao redor, a loja em questão estava a menos de 200 metros, mas claramente Marin não conseguiria se manter de pé sozinha.
- Tele...Patia...Kiki - Resmungou se curvando de dor.
- Ah, é mesmo...! - Tão tenso tinha ficado que acabou por esquecer de suas próprias habilidades.
Fechou os olhos concentrando-se. Embora Ersa não seria capaz de responder, ainda poderia comunicar-se com ela. Ainda que soubesse sua localização, era difícil contatá-la já que não possuía cosmo que desse sua posição exata, ainda assim esforçou-se e transmitiu a mensagem.
“-Precisamos de você AGORA! A placenta da Marin rompeu!”
Logo em seguida, se focou a buscar o cosmo de seu Mestre, ou mesmo de Shion, mas nenhum dos dois pareciam estar nas proximidades do santuário.
Mordeu o lábio inferior, vendo que o sangue ainda escorria por entre as pernas contrárias, pensou em expandir seu cosmo pedindo ajuda, mas se vários cavaleiros surgissem juntos, mais atrapalhariam que auxiliariam numa situação crítica como essa.
Contudo, havia alguém que estava muito próximo, saindo de uma determinada casa de Rodorio, e sentindo a energia apreensiva do lemuriano, adiantou-se até sua localização para saber o que havia acontecido.
Deu uma suave guinada em sua energia, que dificilmente seria sentida a distância, num pedido silencioso para que se apressasse. Graças a isso, segundos depois, a figura de Milo, com uma mochila nas costas, surgiu rapidamente cortando a esquina.
- Kiki o qu- Sua fala foi interrompida, contudo, ao estudar a cena por si mesmo, abrindo a boca em choque – Marin!
Eliminou a distância que os separava, fazendo menção de tomá-la em seus braços, mas o ruivo o impediu.
- Não faça isso!! Ela não pode fazer movimentos bruscos, fique parado com os braços estendidos!
O escorpiano piscou estranhado, ele e o ariano haviam trocado poucas palavras um com o outro, mesmo depois da ressurreição, e, no entanto, ainda que fosse um adolescente, estava claramente lhe dando uma ordem. Em outra situação, negaria rotundamente receber comandos que não fossem de Athena ou do Grande Mestre, no máximo escutaria Camus. Contudo, claramente esse não era o momento de dar ouvidos a seu orgulho.
Por isso, optou por apenas obedecer, fazendo o que era pedido.
Assim que o fez, os olhos de Kiki brilharam, fazendo com que o corpo de Marin começasse a flutuar. Milo ergueu as sobrancelhas, surpreso, não lembrava de já ter visto Muh fazendo algo assim. Aos poucos e com muita suavidade, o corpo da jovem foi sendo inclinado, até sobrevoar perfeitamente os braços estendidos.
- Kiki!
A voz de Ersa, no entanto, fez o lemuriano perder a concentração, ainda assim, Escorpião foi ligeiro o suficiente para posicionar-se de modo que o impacto da queda fosse o menor possível.
- Minha nossa...! Me desculpe – Surpreendeu-se a enfermeira, vendo a cena, levava a mão na cabeça e parecia bem confusa - ...Aquela voz...?
- Sim – Kiki voltou-se a ela, ligeiramente cansado – Foi mal, deve ser estranho ouvir algo assim, tão repentinamente, na sua cabeça, mas precisamos de ajuda.
Ela apenas confirmou, parando de frente a Milo e analisando Marin, que gemia baixo de dor, apertando o estomago, o sangue ainda escorrendo, agora manchando a roupa do escorpiano que não se importava minimamente com esse detalhe.
- Isso não é bom, ainda é muito cedo.
- O que aconteceu? – Se aventurou a perguntar o grego.
- Realmente parece que é a placenta. – Ersa comentou vendo como Milo tentava realocá-la e Marin levou a outra mão as costas, com ainda mais dor – Não se mexa tanto, idiota!
-...- Escorpião abriu a boca para responder à altura, mas logo respirou fundo, e acrescentou em tom mais calmo – Não é melhor levarmos ela ao curandeiro? Ele fica próximo daqui.
- É nossa melhor opção por enquanto. – Resolveu a enfermeira, tirando do seu bolso um celular – Ligarei para Saori Kido imediatamente, mesmo que façamos os primeiros atendimentos aqui, precisamos realocá-la rapidamente a um hospital, e não acho que a ambulância chegue facilmente numa vila como essa. Se demorarmos, pode ser fatal...Para os dois. Ela pode entrar em choque a tanta perda de sangue, e o bebê pode acabar ficando sem oxigênio – Então ela se voltou irritada para Milo – O que você está esperando?! Vamos!!
Com expressão verdadeiramente irritada, começou a correr, junto com os outros dois, para logo ser ofendido de novo pela enfermeira de guerra nada convencional, por estar se movendo demais.
- Como eu posso correr sem fazer isso?! – Explodiu por fim, ainda assim, fazendo um esforço para Marin não sentir tanto o impacto, enquanto se deslocavam pelas ruas de Rodório – Mesmo se eu usasse o Restriction ela ainda se mexeria com o meu movimento!
- Dê um único golpe nela – Disse gritando, enquanto acompanhava o cavaleiro, mostrando energicamente um tubo de remédio que levava em mãos - E eu enfio esse remédio no meio do seu-
- Eu tenho uma ideia! – Interrompeu Kiki, que corria ao lado de ambos, simplesmente flutuou para frente do escorpiano, fazendo o mesmo processo de antes, porém, dessa vez, erguendo ambos os braços, fazendo Marin flutuar alguns centímetros enquanto o percurso era feito – Só não sei...- Começou a falar, seguindo nessa posição, flutuando de costas - ...Quanto tempo aguento...Assim.
- Muito bem Kiki! – Pela primeira vez a jovem mostrou um sorriso, vendo que a expressão de dor da japonesa amenizava. E então começou a falar em japonês no telefone, de forma muito mais respeitosa.
Pouco após chegaram a simplória cabana que Milo havia deixado minutos instantes, a enfermeira cortou a chamada. Kiki voltou ao chão, arfante, deslizando pela parede, enquanto Ersa tocava a porta.
- Mito? – A voz anciã questionou do lado de dentro – Esqueceu alguma coisa, meu garoto?
No entanto, ao abrir surpreendeu-se ao encontrar o grego segurando em seus braços um corpo parcialmente ensanguentado.
- O que houve? – Questionou aflito, reconhecendo o rosto da jovem – Marin já está entrando em trabalho de parto? Quantos meses? – E ainda assim deu espaço para todos passarem – Leve-a para o pequeno leito no fundo da casa Ersa, eu vou chamar minha esposa, ela costumava ser uma parteira.
E saiu apressado, deixando sua casa completamente a mercê dos recém-chegados.
- Você o conhecia? – Questionou surpreso Milo, sendo conduzido pela mulher ao quarto indicado, enquanto Kiki se manteve do lado de fora recobrando o ar.
- Claro, eu levantei o histórico de todos assim que assumi a gestão da recuperação de vocês dessa história de “ressurreição”. E isso inclui, óbvio, todos os antecedentes médicos. Ou no caso, todas as anotações que o principal curandeiro de Rodorio fez durantes os anos que atendeu os cavaleiros após o fechamento da Fonte de Athena. – Explicou simplesmente, abrindo uma porta e dando acesso ao Escorpião – Coloque-a na cama. COM CUIDADO.
O quarto possuía alguns quantos equipamentos médicos, nenhum novo, porém o suficiente para parecer um hospital de pouca verba. Milo caminhou até deixar, com o máximo cuidado possível, o corpo de Marin sobre uma espécie de maca, que rangeu violentamente ao sentir tal peso.
Logo em seguida, Kiki, mais descansado, entrou também no cômodo na companhia de uma senhora.
- Faz pelo menos vinte anos que eu não faço um parto – Disse ela, de longos cabelos brancos presos num coque, parecia ter em torno de setenta anos – Ainda assim, farei o que puder para ajudar.
- Obrigada senhora Kyría – Agradeceu Ersa com um sorriso – Desculpe aparecer assim tão de repente.
- Você realmente conhece todo mundo aqui – Afirmou Milo, cruzando os braços, ainda de mal humor, então olhou de lado para Kiki. – Tudo bem com você?
O ruivo se limitou a confirmar com a cabeça, sem dar muita atenção a pergunta, pendente da situação de Marin.
- Como ela está? – Perguntou.
- Você consegue falar, Marin? – Questionou a enfermeira, analisando a barriga, enquanto a senhora estudava a quantidade de sangue.
A amazona, que mantinha seus belos olhos fechados com força desde que as contrações começaram, os abriu, lagrimosos, destacando ainda mais sua pele que muito havia empalidecido.
-...Sim...
- Onde está doendo?
-...Costas...E... Estômago – Disse num fio de voz.
- Estou preocupada com a quantidade de sangue – Seguiu Kyría – Eu sempre fui a favor do parto natural, mesmo no caso de prematuros, mas se esse sangramento continuar, o melhor seria optar pela cessaria. - Sua expressão se afligiu – Mas não temos equipamentos aqui para esse tipo de procedimento.
- Kiki, vocês não têm uma técnica para deter sangramentos? – Perguntou Escorpião, para o menino que observava a cena aflito, sem saber exatamente o que fazer. – Eu já vi Muh usando algo parecido.
Um estralo aconteceu na mente do lemuriano, olhou para todos os lados, percebendo só então que havia deixado cair seu livro na entrada daquela loja.
- Kiki?
No códex, porém, havia uma habilidade muito parecida àquela que seu mestre já havia lhe ensinado, e que usou para reverter o sangramento de Shiryu ao doar seu sangue para as armaduras de Dragão e Pégaso. No entanto, ao ler, tinha a impressão de ser muito mais potente, mesmo que consumisse mais cosmo.
- Ei! Kiki! – Sentiu a mão de Milo em sua cabeça, afinal aos treze batia na altura de seu ombro – Você me ouviu?
- Ah...Sim!- Apressou-se a responder, adiantando-se até o leito, sob o olhar atento de Escorpião – Eu...Acho que posso ajudar.
A senhora estava a ponto de deter o adolescente, quando a japonesa o impediu.
- Esses rapazes fazem milagres acontecerem – Se limitou a dizer.
Kiki parou ao lado do leito, fechou os olhos e entrelaçou os dedos, de modo que os indicadores e os polegares juntos formassem um símbolo do infinito, e nessa posição, começou a emanar uma grande quantidade de cosmo, provavelmente boa parte de toda a sua energia.
Milo observou a cena entre impressionado e impactado, sentia algo familiar naquela pose, mas não sabia ao certo o que era.
Em pouco tempo, porém, o sangramento começou a parar, e a cor muito lentamente foi voltando ao rosto da amazona.
-...Muito melhor – Disse com sua voz mais integra Marin, voltando a fechar os olhos, mais relaxada - ..Eu ainda sinto as contrações...Só que mais leves.
- Impressionante! – Surpreendeu-se a senhora.
- Ainda assim creio que precisaremos de transplante de sangue – Completou Ersa. – Marin tem o sangue tipo A. Milo é tipo B, então não ajuda.
- Você sabe até mesmo nosso tipo sanguíneo? Não acha que foi longe demais nessa coisa de “histórico médico”? - Questionou o escorpiano, mas foi completamente ignorado.
- Dentro de alguns minutos, o jato particular dos Kido deve aterrissar próximo ao santuário, ainda assim é arriscado esperarmos- Voltou-se a Amazona – O que me diz Marin? Quer tentar o parto normal? Pode ser um pouco doloroso. Ou prefere esperar o avião?
- Eu farei o que for melhor para o meu filho, não arriscarei sua vida por medo de um pouco de dor – Respondeu determinada, sua voz muito mais firme.
- Muito bem – Ersa sorriu para ela, tomando sua mão com força – Façamos nosso melhor.
Então voltou-se para Milo, que ainda observava compenetrado a ação de Kiki, tentando lembrar onde havia visto aquilo antes.
- Aioria e Aiolos tem o tipo sanguíneo O e podem doar para Marin, além disso, Aioria é o pai da criança, tenho certeza que gostaria de estar presente. – Disse enquanto Kyría começava a preparar alguns equipamentos específicos. – Então eles devem vir para cá rapidamente.
- Eu vou avisá-los pelo cosmo – Informou, fechando os olhos e estava ao ponto de fazê-lo, quando sentiu algo de plástico sendo lançado contra sua cabeça. Abriu as pálpebras para ver que uma irritada Ersa havia sido a responsável. – O que foi dessa vez?! – Questionou bem menos paciente com essa mulher.
- É o primeiro filho dele! – Exclamou exasperada – E você quer passar a notícia com essa coisa de energia? Você não tem o mínimo de consideração por um amigo?!
Escorpião ponderou por um instante, não tinha pensado por esse lado, no entanto...
- Ele está na nona casa! E eu não sou bom em telepatia– Defendeu-se, teimoso. Antes de ser interrompido, pôde sentir a energia dos irmãos vindo da casa de sagitário.
- E daí? Você não tem pés? Ouvi dizer que vocês conseguem superar até a velocidade do som, então não devia ser um problema.
O escorpiano olhou de muito malgrado para a enfermeira, porém, mesmo a contragosto, cedeu.
- Muito bem, eu vou buscá-los. – Declarou entre dentes, dando as costas.
- E vá rápido!
Blasfemou em grego, saindo do cômodo, porém foi parado logo depois pelo senhor Iatrós.
- Onde vai Mito? Aconteceu algo?
- Eu vou avisar o pai e o tio da criança do parto eminente – Respondeu ainda irritado de receber tantas ordens de uma civil.
- Coberto de sangue desse jeito? – Exaltou-se – Você vai acabar matando o coitado do coração! Sem mencionar que espantará todo o vilarejo.
Olhou para baixo para constatar que, de fato, suas roupas estavam empapadas com o liquido vermelho de modo realmente preocupante.
- Venha, se troque rápido e pode ir, eu te empresto umas roupas – E levou o mais novo pela mão, como se fosse uma criança, até o banheiro. – Tem roupa no cesto, pode colocar suas peças na pia. – E fechou a porta.
Bufou. Incapaz sequer de negar algo ao senhor que havia lhe emprestado uma bolsa cheia de dinheiro, que ainda levava consigo, não tinha outra escolha. Esse estava sendo um péssimo dia, sendo obrigado a obedecer demasiadas pessoas aleatórias para seu gosto. Simplesmente arrancou suas roupas sem qualquer cuidado, provavelmente prejudicando a costura no processo, e as lançou na pia, foi até o cesto e, como imaginava, era impossível que algo daquele senhor lhe coubesse. Sem pensar muito, pegou apenas uma calça larga cinza, que ficava razoavelmente descente, jogou um pouco de água no tronco e saiu rapidamente com ele descoberto, se Ersa visse que ainda não tinha saído dali, com certeza teria que ouvir mais grosserias de péssimo gênio.
-.-.-
Correu o máximo que suas pernas suportaram, as doze casas estavam praticamente vazias, apenas Shaka, Aioria, Aiolos e Hyoga encontravam-se nos templos, estando os dois irmãos em Sagitário. Usou todo seu repertório de maldições quando passou por Leão, apelando até mesmo para ofensas em francês que esporadicamente ouviu Camus lançar, mesmo se não soubesse ao certo o que significavam.
Se tivesse emanado seu cosmo em aviso, como foi sua ideia a princípio, não precisava de nada disso.
Claro, normalmente um dourado, uma vez que não tivesse que lutar com nenhum outro cavaleiro, cruzaria as doze moradas sem qualquer dificuldade e em pouquíssimo tempo. Contudo, não estava nem de longe em seu melhor estado físico, seu coração parecia querer explodir em seu peito, sua respiração era completamente descompassada, e sentia que suas pernas iam ceder a qualquer momento, sem mencionar que provavelmente estava ficando com febre, a cada nova pisada sentia uma dor latente em sua cabeça.
Era simplesmente humilhante, que algo tão simples pudesse lhe causar um impacto tão grande.
Chegou em Virgem, encontrando Shaka em profunda meditação, pediu autorização para passar, no entanto, o virginiano não mostrou nenhum sinal de ter recebido a mensagem.
- Será que esses imbecis não percebem que algo está errado para eu subir desse jeito?! - Resmungou ao ar, a caminho de Libra. - Podiam descer e me economizar umas quantas casas!
Ainda assim, parecia ser que nem Tique nem Moros queriam ajudar-lhe em sua fortuna. Os dois irmãos seguiram exatamente onde estavam, provavelmente muito entretidos com alguma coisa.
-.-.-
- Desculpa irmão, mas eu sinceramente não consigo acreditar nisso - Dizia com seriedade Aioria, sentado no chão do nono templo, apoiado contra um dos pilares.
- Aioria, como pode duvidar de minhas palavras? - Respondeu o mais velho que era mais novo, sentado do mesmo modo - Eu já te menti antes?
O leonino desviou o olhar, incapaz de seguir encarando-o.
- Não é que eu não confie em você, a questão não é essa...
- Qual é a questão então? Aioria olhe para mim.
Leão respirou fundo, tornando a ver seu irmão nos olhos, com decisão.
- Irmão, creio que esteja vendo filmes demais - Decretou - Não pode acreditar em tudo que vê.
- Mas era um documentário Aioria - Defendeu-se - Documentários são baseados em fatos! O Titanic existiu mesmo! Um navio cem, talvez mil vezes - Dizia enquanto esticava ambos os braços, para simbolizar a dimensão - Maior do que o Barco da Esperança*, e olha que Shion sempre disse que ele era enorme!
- Desculpe, é difícil acreditar que os humanos, sem qualquer intervenção divina, conseguiram criar algo tão colossal.- Comentou sem graça o leonino - Talvez isso realmente tenha ofendido Poseidon, já que ele afundou graças a um iceberg.
Aiolos, por sua vez, fez sinal negativo com seu dedo indicador.
- Esqueceu que Poisedon estava selado nessa época? Não creio que ele tenha algo a ver com isso, sem mencionar que o santuário teria se envolvido se fosse o caso, e não temos qualquer registro disso ter acontecido.
O sagitariano desapoiou-se do pilar, deitando sobre o chão de mármore, relaxado.
- Aiolos, estou preocupado contigo - Ser chamado pelo nome tomou a atenção do grego, que inclinou o rosto para melhor ver seu irmão - Primeiro aquela história de que o homem já foi a lua, e agora esse navio...
- Sabe - Fechou os olhos com tranquilidade - O mundo é muito maior do que as divisas do santuário. Lá fora existe muito mais coisas do que eu ou qualquer um de nós conhecemos. Há muitos séculos o mundo não gira mais entorno da Grécia. O que eu vejo nos filmes, ou o que você descobriu nos livros de maternidade é apenas uma parcela disso tudo.
Isso fez o outro franzir mais a expressão.
- Meu receio é justamente esse. Não acha que podemos ofender os deuses buscando esse tipo de conhecimentos fora do que nos forneceu nossos ancestrais?
Aiolos abriu seus olhos, jogando o corpo para frente, voltando a encarar Leão, estranhado.
- Aioria, a maioria dos cavaleiros nem são gregos, apenas nós, Saga, Kanon e Milo nasceram na Grécia. A própria Athena foi criada no Japão. Há muitos séculos que isso é assim.
- Eu sei disso – Refutou – Porém é diferente, embora tenham nascido longe do santuário, foram tragos para cá muito jovens, seguem nossos costumes, crenças e ideologias.
- E quanto a Shaka? – Sorriu de lado.
-...Bem...- Hesitou - Shaka é uma exceção para quase tudo por aqui.
- Sinceramente irmão, eu não vejo como buscar por outros conhecimentos pode ofender os deuses, principalmente nossa divindade que é a deusa da sabedoria. – Pontuou – Aquário é outro exemplo, pelo que sei, geração após geração foi um assíduo leitor de diferentes temas e isso nunca pareceu incomodar ninguém.
Aioria suspirou.
- Talvez tenha razão.
- Eu respeito muito tudo que nossos ancestrais conquistaram, mas eu estava falando disso para Shina quando saímos do cinema, parece que nós paramos no tempo por aqui, e olha que eu realmente fiquei fora por treze anos. – Acrescentou com um deixe de graça, apesar do tétrico do tema - Ela acabou concordando comigo, e me contou sobre seu falecido aprendiz e como ele tinha um potencial muito maior*, que no santuário se limitava apenas a sua força física. Olha Máscara da Morte e a falta que ele fez desde que deixou o santuário, ou mesmo o interesse na área de medicina que Kiki vem demonstrando. Agora que eu tive a oportunidade de voltar a vida, tem tanta coisa que eu gostaria de aprender...
Interrompeu seus dizeres, no entanto, ao notar que Milo passava diretamente por escorpião e seguia subindo até a nona.
- Eu pensei que Milo estivesse com pressa para ir ao seu templo, mas ele continua subindo - Comentou.
- Será que aconteceu algo e ele foi falar com o Grande Mestre? - Seguiu Aioria, preocupado, levantando-se, a igual que seu irmão.
- Ele parece estar... Irritado - Analisou Sagitário.
Ambos caminharam até a entrada da casa, e em poucos segundos já conseguiam avistar a figura do grego, que se aproximava em altíssima velocidade.
- ...E cansado - Acrescentou Aioria.
Quando enfim terminou sua subida, parou frente a ambos, completamente arfante, o que por si só causou estranhamento.
- Aconteceu alguma coisa Milo? - Começou Leão.
- Por que...-Arfou-...DÊMONIOS vocês não desceram quando me sentiram nas doze casas?! - Questionou em fúria.
- Pensávamos que você estivesse evitando Jabu, ele estava te procurando hoje de manhã - Explicou.
- Ou talvez tivesse tido uma grande diarreia. - Acrescentou o sagitariano simpático. - Você não parece em sua melhor saúde desde que ressuscitamos.
- Diarreia?! Sério?!
- Acontece!
- Se fosse sério você teria nos avisado pelo cosmo. - Intercedeu o naturalmente mais novo.
- Eu queria ter feito isso! - Explodiu, quase emanando Antares - Eu devia ter feito isso!
Os irmãos silenciaram-se quanto a isso, mostrando diferentes faces preocupadas.
Escorpião respirou fundo, e evocou a calma que possuía nessa reencarnação. Reincorporou-se o máximo que pôde e voltou-se a Aioria, sério.
- Eu nunca tive que dar uma notícia dessas, então...Meus parabéns Aioria - Disse em tom mais brando.
Leão ergueu as sobrancelhas, abriu os olhos de par a par, sua boca formando um perfeito O. Aiolos apenas observava de um para o outro, atônito.
- M-mas...É muito cedo para Julian nascer!
- Sim, por isso vai ser um parto complicado, você tem que estar com ela, o mais rápido possível. Ela perdeu bastante sangue, Kiki conseguiu reverter a situação, mas ainda assim Ersa acredita que ela precisará de uma transfusão, e disse que vocês dois são compatíveis.
Essa última informação fez o choque inicial ir passando do corpo do leonino, enquanto um brilho aparecia em seus olhos.
- Que Esculápio os veja! Que os deuses reconheçam seus atos! - Num gesto bem grego, o loiro se aproximou sem preâmbulos e abraçou Milo com força, o mesmo mal teve tempo de reagir ou mesmo retribuir, e Leão já havia iniciado sua corrida desenfreada escadaria abaixo.
- Obrigado Milo, de verdade - Agradeceu um desnorteado Aiolos, dando-lhe um abraço muito mais singelo e lateral, até disparar atrás de seu irmão.
Estando finalmente sozinho, arrastou-se e deixou-se cair próximo a um dos pilares, antes ocupado pelos dois. Com o coração ainda desenfreado e cabeça pulsante de dor, cansado, se deixou envolver pelo mundo da inconsciência.
-.-.-.-
Sentiu um vento gélido atingindo seu rosto, fazendo uma sensação de alívio percorrer seu crânio, seus pensamentos logo recaíram na figura de seu amigo Camus, mas o mesmo devia se encontrar muito longe do santuário a essa altura.
Abriu os olhos devagar, encontrando-se, no entanto, com a imagem de Hyoga, de cócoras, o observando com cuidado.
- Está tudo bem? - Perguntou assim que notou a consciência contrária. - Eu senti sua agitação e resolvi descer.
- Ao menos você fez isso - Resmungou, olhando ao redor e notando que tinha acabado dormindo contra um dos pilares de sagitário.
- Eu encontrei você caído aqui e com febre alta, estou preocupado, você tem agido muito estranho ultimamente, sem mencionar que...-Hesitou- Visivelmente está muito magro.
Notou para onde o menor olhava, seu tronco exposto devido a troca de roupas, apesar de ainda aparentar boa forma e uma musculatura definida, numa segunda análise, era possível ver que as costelas começavam a aparecer.
- Isso... - Começou, sem saber ao certo como se esquivar nessa situação. - Você não é exatamente a melhor pessoa para dizer que estou agindo estranho. - Ergueu-se com certa dificuldade, o russo, por sua vez, permaneceu rente ao chão, desviando o olhar.
- Eu apenas não quero estar perto da assassina de Shun se puder evitar – Declarou com claro rancor em sua voz.
- Se quer um conselho Hyoga – Estendeu a mão para ajudá-lo a levantar também, mas o mesmo apenas fez isso por conta própria – Esqueça esse assunto, Marin está entrando em trabalho de parto nesse momento, Aioria vai estar ainda mais protetor com ela por causa disso, se notar qualquer hostilidade de sua parte, vai atacar sem pensar duas vezes, como um leão de verdade faria para defender seus filhotes.
O aquariano ergueu o rosto com ousadia.
- Se eu não me vingo dela, é por respeito a Shun, jamais seria por medo a Aioria.
- Eu agradeço por sua ajuda, me sinto melhor agora. – Começou a dar-lhe as costas, a caminho da escadaria que levava a sua própria casa – Por isso insisto Hyoga, não seja estúpido, não comece uma batalha de mil dias desnecessariamente, estamos em tempos de Paz agora.
O russo começou a apertar os punhos com força, raiva e frustração expressas em sua face.
- O que espera que eu faça?! Apenas ignore o fato de que Shun partiu em missão com Marin e apenas ela tenha voltado viva?! Que esqueça que o cosmo dela estava impregnado no cadáver do meu melhor amigo?! – Exclamou com ódio.
- Sim, exatamente isso que estou te dizendo para fazer – Simplesmente respondeu começando a descer, apenas acenando com a mão direita em modo de despedida – Boa sorte com isso.
- Você não entende... Simplesmente não posso fazer algo assim! Fingir que nada aconteceu! Não faz ideia de como me sinto, Shun era... A última coisa no mundo que me motivava a seguir vivo, agora eu... Eu...- Mordeu o lábio inferior para impedir que as lágrimas em seus olhos vidrosos caíssem. - ...Não sei mais o que fazer com a minha própria vida, eu só queria ter morrido no lugar dele, ele tinha muito mais direito de viver esses tempos de paz do que alguém...Como eu.
Milo parou, no segundo degrau à saída de Sagitário.
- Tem razão, eu não te entendo. O que significa perder a sua pessoa mais importante do mundo, um verdadeiro irmão, que te faz desejar estar vivo e lutar pela paz ao seu lado? Como é ter que conviver com seu assassino, fingindo que a morte não foi sua culpa? Como deve ser visitar frequentemente um túmulo frio e desejar estar morto em seu lugar? Como é sentir-se miserável simplesmente por ter sobrevivido?
Isso fez o russo engolir em seco, sentindo a total ironia daquelas palavras.
-...Eu...
- Isso se chama “Método Socrático” – Virou-se com um meio sorriso para o menor – Fazer o interlocutor chegar às suas próprias conclusões através de perguntas simples. É a forma mais rápida de fazer alguém perceber a tolice que está dizendo. Apenas uma das coisas que se aprende quando se é de escorpião.
Voltou-se completamente ao outro, que novamente tinha a cabeça baixa, dessa vez claramente envergonhado.
- Sinto muito...Não pensei por esse lado – E ainda encarando o chão, não resistiu a questionar -...Como...Conseguiu simplesmente não me odiar...- Hesitou - Pelo que eu fiz?
- Eu já te disse uma vez, isso seria uma enorme bobagem* e não traria Camus de volta – Tornou a subir os degraus que o separavam do menor – Mas se insiste em querer uma razão, ela é simples. – Parou ao seu lado - Eu sempre soube que Camus é um grande imbecil.
- O quê? – O russo surpreendeu-se, tornando a erguer a face, que era uma mescla de surpresa e indignação.
Milo riu suavemente.
- Desculpa dizer isso, sendo ele seu mestre, mas é a verdade – Deu de ombros – Antes de descer até a casa de Libra, Camus foi até Escorpião, ali me confessou que não desejava te matar*. Quando me disse isso, eu me perguntei até onde ele iria para evitar que isso acontecesse, quando voltou a subir as doze casas, após prender você em um esquife, eu sentia que isso não acabaria ali, faz parte da benção de Escorpião, ou melhor, maldição, que Hades colocou sobre nosso signo. Eu não via realmente o sinal da morte em ti, mesmo enquanto lutávamos, porém, eu o vi em Camus quando retornou a Aquário – Fez uma pausa uma tristeza pintando seu rosto – Eu sabia que se você passasse por mim, provavelmente culminaria na morte do meu amigo.
- Então por quê?! – Exaltou-se novamente o loiro – Por que me deixou continuar?! Por que não me matou em Escorpião?!
- Porque eu vi sua determinação, vi que vocês, na época, cavaleiros de bronze, estavam certos o tempo todo. Sendo assim, se eu o matasse, não apenas estaria traindo Athena, como também traindo meu melhor amigo. Se eu tivesse te matado, e Camus sobrevivido, ainda mais vocês estando do lado certo, ele jamais me perdoaria, é mais passional do que faz transparecer. – Respirou fundo – Eu nunca te culpei Hyoga, porque a culpa sempre foi apenas de Camus, que quis ensinar-te uma técnica à custa da própria vida. Ao ter que escolher entre si e ajudar você a vencer Saga, do jeito dele, sem hesitar ele resolveu te ajudar. Ele sempre foi assim, teimoso, fazendo muito mais do que deveria para aqueles que são importantes para ele. – Virou-se diretamente ao loiro – Agora me diga, acha mesmo que Marin matou Shun? Ou acha que ele mesmo fez mais do que deveria para salvá-la?
- Está usando método socrático de novo? – Perguntou franzindo a expressão.
- Quase – Sorriu fingindo inocência.
-...Ainda que diga isso, não é nada fácil aceitar sua morte...- Engoliu em seco, sentindo um nó em sua garganta – Meu mestre sempre me criticou por isso, mas eu não posso evitar de me ressentir e lamentar pelas mortes daqueles que são queridos para mim, como se não fossem importantes, ou como se eu realmente as tivesse esquecido. Eu não quero esquecê-las, nenhuma delas.
- Minha opinião quanto ao luto é diferente a de Camus – Sentou-se no chão, entre a entrada do templo e a escadaria, indicando que o menor fizesse o mesmo– Eu vou te contar uma história, que provavelmente entrará em conflito com o que seu mestre te ensinou, mas você já é adulto o suficiente para chegar as próprias conclusões sozinho.
Por um momento Hyoga ponderou se deveria inventar uma desculpa e se retirar, pelo que conhecia de Milo, essa podia ser uma longa história, e tinha suas próprias atividades para fazer no momento.
- Milo, desculpa, mas eu- Em troca recebeu um olhar muito irritado do mais velho.
- Eu não vou demorar – Indicou novamente que se sentasse, dessa vez, porém, havia um deixe de ameaça em sua fala, o russo suspirou, vendo que não havia modo de escapar do monólogo, acabou por sentar-se também – Francamente, vocês têm uma péssima imagem de mim, sabia?
Aquário abriu a boca para explicar que a culpa era dele mesmo e seus conhecidos falatórios, mas resolveu tornar a fechá-la sem dizer nada, era mais sábio ficar em silêncio e apenas aguardar.
- Há muito, muito tempo atrás. – Hyoga fez uma careta, para o que Milo se limitou a rir - Estou brincando, na verdade, foi depois da batalha contra Saga, enquanto vocês estavam no hospital, e antes da guerra contra Poseidon. O santuário ficou muito vazio, sem aprendizes, só nós cavaleiros de ouro, mesmo Jabu e os outros haviam retornado ao Japão. E sem a manutenção e o cuidado das patentes menores, muitas coisas do santuário começaram a se deteriorar.
- Eu pensei que Saor-digo, Athena tivesse enviado dinheiro para vocês manterem o lugar.
- Só depois que saíram do hospital, toda a atenção de Athena estava com vocês, e não queríamos pressioná-la, então nos viramos do nosso jeito – Explicou simplesmente – Tínhamos que fazer desde as coisas mais simples, limpeza, manutenção, consertos eventuais, Aldebaran mesmo quebrou dois canos em um único dia apenas testando seus golpes, mas ao menos ele consertou, enquanto Muh usou sua telecinese para controlar o fluxo da água. Isso tudo além da vigília para evitar a entrada de civis.
- Não é...- hesitou - Algo que eu consigo imaginar um cavaleiro de ouro fazendo. – Soava no mínimo surreal.
Isso fez o outro rir com ironia.
- Não é nada que não tivemos que fazer durante nosso tempo de aprendiz, além disso, não é muito diferente do que estamos fazendo agora pelo santuário, não acha? Você mesmo organizou e limpou o porão de Aquário, não é?
- Bem...É verdade.- Concordou.
- Em meio a isso, a grama cresceu na região do cemitério, de tal modo que começou até mesmo a encobrir as lápides. – Continuou seu relato - Aldebaran e Aioria decidiram carpir o local por contra própria, era um desrespeito aos que vieram antes de nós deixar naquela situação. Eles vieram até a oitava casa me perguntar se eu poderia ajudar, Muh não é exatamente a melhor pessoa para trabalhos que exijam força bruta, e Shaka...É Shaka. – Milo parou, fechando os olhos por alguns instantes - No momento que Aioria me propôs isso, eu não soube o que responder. Eu sequer havia comparecido no enterro de nossos companheiros, havia até mesmo evitado passar próximo no cemitério.
Aquário franziu a expressão.
- Muitas pessoas que perderam alguém importante de forma repentina Hyoga, passam por um difícil processo de aceitação, por vezes têm a impressão que irá reencontrá-la a qualquer momento, que foi tudo apenas um terrível pesadelo. Eu evitava o cemitério a qualquer custo, porque ver a lápide com o nome do meu melhor amigo, me trazia mais medo do que ter que enfrentar uma guerra santa. Eu sentia que se eu fizesse isso, seria o fim de tudo. – Tornou a abrir os olhos – Ainda assim eu fui, é surreal pensar, agora, quanto medo eu tive do que iria encontrar quando a grama tivesse sido arrancada, enquanto nós três trabalhávamos, eu sentia como se estivesse pessoalmente jogando a terra sobre a cova de Camus, como se eu o estivesse matando.
O russo notou que as mãos do escorpiano começaram a tremer ligeiramente, mas ele as entrelaçou para disfarçar.
- Assim, pedra a pedra, lápide a lápide terminamos o trabalho. E eu me senti um idiota, encarando o túmulo que me fez recear tanto, como se alguma coisa fosse acontecer. – O russo não disse nada quanto a isso, sentindo um aperto no peito – Ainda assim, depois disso, eu voltei lá, uma, outra e outra vez, principalmente quando nevava. – Então encarou o mais novo – O que quero dizer Hyoga, é que cada um enfrenta o luto ao seu modo, ninguém é capaz de compreender completamente a dor do outro, mas se isolar também não é a resposta. Aioria, eventualmente, notou o que eu estava fazendo comigo mesmo, e veio conversar. Sempre fomos companheiros, mas nunca nos identificamos como amigos, mas isso mudou depois que me ajudou a seguir em frente, ao invés de estagnar minha vida com medo do que havia além da grama alta.*
Então o antigo Cisne sentiu uma mão em sua cabeça, sequer notou quando tornou a baixá-la outra vez, Milo sorria, de uma forma compreensiva que por mais que já tivesse visto antes*, soava surreal em sua face.
- Ao contrário de Camus, eu não vou censurar sua dor Hyoga, muito menos o seu luto – Fez menção de levantar-se, mas o outro foi mais ágil, erguendo-se primeiro e estendendo a mão para ajudá-lo, o mais velho aceitou satisfeito, e ambos se colocaram de pé. – Porém tente não focar apenas no que você perdeu, pense em tudo que ainda existe. Você ainda tem seus amigos, e Camus que voltou para nós, apesar do seu jeito distante, saiba que ele te ama de verdade, como um verdadeiro filho, e você tem a mim também, se precisar.
Uma única lágrima deslizou pela face do russo, que se limitou a concordar com a cabeça.
-...Obrigado...- Disse com a voz embargante – Por se preocupar. – Engoliu a vontade de pranto que enrolava em sua garganta – Na verdade eu não estou passando por isso completamente sozinho, eu... – Hesitou – Fiz um amigo em Rodorio, sempre que deixo o santuário vou até a casa dele, é um senhor de idade, muito sozinho, que perdeu seu irmão e não vê os filhos há muitos anos, mas eu gosto de sua companhia, ele me trata como se eu fosse seu neto...- Apertou as mãos, sentindo-se envergonhado pela confissão – Eu sinto falta desse tipo de carinho, mais direto, diferente da frigidez de meu mestre. Eu sei que é ridículo, mas...!
- Não acho que seja ridículo. Que bom que você encontrou alguém para dividir suas dores, eu estava mesmo preocupado sobre onde você ia todos os dias, mas seria muito incisivo de minha parte te questionar sobre isso. Agora que sei do que se trata, estou mais aliviado.- A ver a expressão afligida do menor, logo acrescentou com graça – Não se preocupe! Eu não vou contar para ninguém...Pelo menos eu vou tentar não fazer isso – Coçou seu queixo – Eu nunca fui bom em guardar segredos, sabe.
Um claro deixe de arrependimento passou pelo rosto de Aquário, que só fez Milo tornar a rir.
- Não se preocupe, e obrigado pela ajuda de antes, estou destreinado e a corrida até aqui me exigiu mais do que eu imaginava. Agora se me der licença, eu preciso realmente de um banho, ainda quero retornar a Rodorio e ver se está tudo bem – Esticou os braços, e Hyoga não pôde deixar de notar a queimadura em seu punho direito, mas se absteve de comentar. – Até mais tarde.
- Milo – Novamente o escorpiano foi parado em meio a sua descida. – Isso que disse, serve para você também. Se algo acontece com sua saúde, você também pode buscar por nossa ajuda. Você é importante para muitos aqui.
O mais velho piscou, surpreso, mas logo confirmou com a cabeça.
- Eu vou me cuidar, eu juro. E buscarei ajuda se precisar – Firmou com seriedade – Depois não venha reclamar por ter se oferecido em ser meu abaixa-febres oficial.
E com um sorriso divertido, enfim retornou à sua própria casa.
-.-.-.-
Por outro lado, no Japão, Seiya estava completamente ignorante do quase nascimento de seu pseudo sobrinho. Se encontrava sentado no pátio do orfanato Filho das Estrelas, com os cotovelos nas pernas e rosto sobre as mãos, observava distante como várias crianças brincavam no parquinho.
Em dado momento, Mimiko, uma garotinha de cabelos castanhos curtos e rosto corado, começou a puxar o cabelo de sua amiga que chorou, Miho, que agora levava seus cabelos longos azuis escuros, soltos à suas costas, correu para separar a pequena briga.
“-...P-para!! Seiyaa!! Isso dói! – Choramingava um menino de cabelos esverdeados, o pequeno Shun, em meio a um enorme campo de futebol, a maioria de seus meios-irmãos apenas observava a cena, sem se meter.
- Isso é porque você errou a bola! – Respondia, bravo, seguindo a puxar.
- Para com isso, Seiya! – Hyoga vinha na defesa de seu amigo, separando-o com um tapa em sua mão – Shun não fez de propósito!
- Se não parar, Ikki vai acabar batendo em você – Intervia Shiryu. Nessa época, não tinham mais que cinco anos, mas como Hyoga e Shun, já possuía cabelos cumpridos.
-Há! Eu não tenho medo de- Até ver a irada figura de Ikki correndo na sua direção, começou a fugir desesperadamente - AAAAAAAAAAAAAAH!!
- VOLTE AQUI, SEU MALDITO!”
Um pequeno sorriso se formou em sua face, revendo essa pequena lembrança.
- Seiya? – Miho aproximou-se, curiosa, sentando-se ao seu lado – Fazia meses que eu não te via sorrir assim, o que foi?
- Nada, nada, só estava lembrando do passado.
Uma expressão triste tomou a face da jovem, que tornou a olhar para as crianças.
- Aqui se tornou muito quieto desde que Akira, Makoto e Tatsuya foram adotados, não é? – Tentou mudar de assunto.
- Realmente – Concordou – Eu espero que eles tenham encontrado boas famílias. Mimiko deve sentir muita falta deles...- Então seu sorriso foi morrendo aos poucos. – Outro dia, ela me perguntou quando o jovem bonito de cabelos verdes ia brincar com ela de novo...
A japonesa fez uma expressão grave e culpada.
- Me desculpe por isso! – Falou nervosa - Eu não consegui contar para ela que...- Hesitou.
- Tudo bem, já é muito difícil ter que lidar com a morte de seus pais, acho melhor não contar, um dia ela esquece – Respondeu simplesmente, sem emoção, mantendo-se no lugar. – Eu respondi que ele viajou para um lugar muito distante.
- Sinto muito mesmo.
- Não se preocupe, não é culpa sua.
O silêncio entre eles se estendeu, em que o cavaleiro de ouro parecia estar novamente perdido em seus próprios pensamentos, a bela jovem começou a enrolar o cabelo na ponta do dedo indicador, preocupada.
-...Seiya...- Resolveu por dizer, apertando a barra do vestido com a outra mão – Eu sei que você amava muito seu meio irmão, mas você não pode continuar assim tão catatônico.
- Hmm? – Ergueu-se, encarando-a – Como assim?
- Faz mais de seis meses que ele... – Vacilou – Faleceu, mas praticamente todos os dias você faz algum comentário sobre ele, algo que gostava, algo que vocês faziam juntos, eu sei que é doloroso, Seiya, eu perdi toda minha família, incluindo minha irmã, num acidente de carro, mas você não pode deixar de viver por causa disso. Você tem que seguir em frente, não pode deixar que o luto tome conta de você. – Ela respirou fundo, evitando encarar o rosto do outro, isso a faria perder a coragem – Onde está o Seiya animado, hiperativo, determinado, brincalhão, e positivo? Onde está o homem que me apa- Ela tampou o rosto, forjando uma tosse.
- Saúde -Respondeu sem notar nada.
- O..Obrigada, onde está o homem que aparecia aqui e causava a alegria em todos? – Finalmente se animou a levantar o rosto, encarando os castanhos inexpressivos contrários.
Em resposta, Seiya se limitou a suspirar, encarando o céu azul.
- Sinceramente eu não sei Miho, às vezes acho que uma parte de mim morreu junto com ele. – Deitou-se completamente contra o concreto – Se não fosse por Shun, eu não estaria aqui, vivo. Eu não posso deixar de pensar que é como se ele tivesse morrido por minha causa, e por mais que eu tente, não consigo me perdoar por isso. – Tampou o rosto com ambas as mãos - Eu sinto como se fosse errado ser feliz, me divertir com qualquer coisa, enquanto ele está morto.
- E você acha que ele seria capaz de descansar em paz sabendo que você segue sofrendo após sua morte? – Refutou, com insistência.
- Eu não acho que ele possa descansar em paz de qualquer forma – Disse sem pensar, lembrando como era o submundo, a menos que o novo senhor dos mortos fosse melhor que Hades, o destino pós mortem de Shun tinha tudo para ser nefasto, uma vez que recusar o antigo imperador em seu corpo não devia ser um ato muito bem visto naquele reino.
- O que quer dizer...?
- Nada, nada – Destampou o rosto – De qualquer forma, acho que você tem razão, mas eu não sei, sinceramente, como seguir em frente. Às vezes, quando olho para trás, eu percebo que fui uma pessoa horrível com ele, briguenta e mal-educada. Ao mesmo tempo, sinto que estar com Shun, aos poucos, me fazia querer ser uma pessoa melhor, ele me fazia uma pessoa melhor. Acho que se não o tivesse conhecido, eu seria totalmente diferente, alguém realmente insuportável. – Fez uma pausa, acompanhando o movimento das nuvens, que pareciam formar um grande pássaro no céu – Eu sempre achei que fosse o centro de nossa equipe, aquele que mantinha todos juntos e os guiava em direção a nosso objetivo. Porém agora eu vejo como estava sendo idiota em pensar assim, com a morte de Shun, Hyoga se afastou completamente, Ikki desapareceu, e eu não tenho uma conversa decente com Shiryu há meses, tudo que faço é passar alguma mensagem para Saori. É como se o laço que nos unia, que realmente nos fazia uma família, simplesmente tivesse ruído. E o centro desse laço era Shun. Mesmo Saori já não é a mesma pessoa de antes, mesmo que eu tente, ela não quer confessar suas dores para mim, mantendo-se simplesmente ao lado de June.
Miho abaixou a cabeça, desamparada.
-...Você...Sente ciúmes de June? E ...- Hesitou – Falta da senhorita Kido?
Seiya franziu a expressão, voltando-se novamente a jovem.
- Como assim? Ciúmes? Por que eu sentiria isso? Eu só acho estranho ela me evitar e se aproximar de alguém que conheceu há alguns meses. – Explicou como se fosse óbvio.
- Ah sim – Tornou a sorrir, ruborizando-se – Mas sabe Seiya, às vezes você é mesmo idiota. – Seguiu com uma expressão marota.
- Eu achei que você estivesse tentando me animar! – Exclamou fingindo ofensa
- Quer que eu minta para você?
Isso fez o sagitariano inflar as bochechas, fazendo sua acompanhante rir, corando-se um pouco mais.
- De qualquer forma, eu quero me empenhar para me tornar alguém muito melhor, é a única forma que eu consigo pensar em retribuir tudo que ele fez por mim, tentar ter nem que seja uma parcela da amabilidade que ele sempre mostrou com todos. – Declarou isso com firmeza, como costumava ser.
- Eu sei de uma ótima forma de começar – Disse ela levantando-se – Ontem chegou uma nova órfã, ela ainda está muito tímida, tem apenas um ano e está começando a andar agora, geralmente crianças assim tão pequenas são adotadas rapidamente, então ela não deve ficar muito tempo comigo. Você podia me ajudar a cuidar dela enquanto isso. Como-como se - Envergonhou-se ainda mais, se possível – Ela fosse nossa filha.
Isso trouxe uma careta a face do ex Pégaso.
- Eu disse que queria ser alguém melhor, não babá de uma pivete!
- Você também disse que queria ter parte da amabilidade do seu irmão, sempre que estava aqui Shun costumava me ajudar a cuidar dos órfãos. – Colocou ambas as mãos cruzadas na frente do corpo.
Abriu a boca para responder, mas tornou a fechá-la, grunhiu irritado, mas levantou-se.
- Está bem! Está bem! Você venceu.
Satisfeita, Miho o guiou para dentro do orfanato, onde mais lembranças cruzaram sua mente, de quando corria com seus irmãos por aqueles corredores, até que pararam de frente a um pequeno quarto.
Nele, havia várias camas, e um berço, o qual era o único ocupado nesse momento.
Então Seiya a viu, um bebê de cabelos castanhos lisos e curtos, olhos negros profundos e uma aura, uma aura que jamais esperou sentir de alguém tão pequeno.
- É uma garotinha, como eu disse, os pais dela foram mortos durante um assalto – Explicava a japonesa, sem notar a completa abstenção do outro – Ela não tem irmãos, e os tios dela não a quiseram, por isso veio para cá.
Sagitário já estava na altura do berço, vendo com fascínio e assombro a pequena face, que também passou a encará-lo, até abrir um enorme sorriso desdentado e erguer os braços para o recém-chegado.
- O nome dela é Suite, e parece que ela gostou de você.
- Suite – Repetiu, esticando seus braços e pegando-a no colo, desajeitadamente, fazendo Miho correr até ele para ter certeza que a menina não cairia, mas a mesma não parecia minimamente incomodada com a instabilidade, não deixando de sorrir em nenhum momento.
Não tinha dúvidas, por irreal que fosse. Esse bebê, mesmo sendo tão jovem, já possuía um suave cosmo emanando ao seu redor, como se de alguma forma, de algum jeito, primitivamente e por instinto, tivesse identificado o japonês que acabou de conhecer como um igual e tentava chamar sua atenção.
Algo que conseguiu, com absoluto sucesso.
-.-.-
Longe do santuário, Shion caminhava ao lado de Afrodite numa pequena colina de Florença.
- Você pode retornar agora, se quiser, Senhor Shion. – Dizia o pisciano, andando alguns passos atrás do mais velho.
E, no entanto, o ancião não parecia ouvi-lo, se locomovendo devagar, até chegar a um penhasco que dava uma clara vista da cidade italiana. O lemuriano parecia muito perdido em seus próprios pensamentos, enquanto sua mão deslizava pelo tronco de uma árvore.
- Há duzentos e quarenta e quatro anos, aqui começou a guerra santa – Falou de repente, sem virar-se para o sueco. – Toda a vez que venho aqui, sinto um enorme vazio, além de um nauseante sentimento de impotência, por termos falhado depois de tudo.
- Impotência? – Repetiu sem compreender o outro – A antiga geração não apenas ganhou a guerra, como o senhor e o senhor Dohko ainda conseguiram sobreviver. Não vejo como isso pode ser considerado uma falha.
- Todos os nossos companheiros morreram Afrodite, um a um. Muitos sequer tinham um corpo para ser velado. Além disso, não pudemos salvar Alone, Tenma e Sasha, nossa Athena. Não vejo como tudo isso pode ser visto como um sucesso.
- Morreram, mas cumpriram seu objetivo. Afinal, nossa única função como cavaleiros é morrer por Athena em alguma guerra santa – Disse em tom indiferente, manifestando uma rosa com seu cosmo, observando-a. – Então foi sim, uma vitória.
Shion voltou-se ao mais novo, vendo-o com tristeza, porém o que mais desconcertou Peixes foi notar que havia piedade em seus olhos.
- Alguma vez, antes da batalha do santuário, você desejou que sua vida fosse mais do que o santuário tinha a oferecer? – Questionou.
- Não – Foi taxativo.
- E agora? Que vivemos a paz que tanto buscamos, que você encontrou alguém capaz de tocar seu coração?
Isso desconcertou o sueco, que apertou a rosa em mãos, sem dar a mínima para o corte produzido pelos espinhos.
- Sinceramente – Seu tom era mais vacilante – Eu não sei.
- Eu olho para trás e me sinto culpado – Voltou a vista para a cidade – Mesmo que tenha permanecido poucos anos com alguns de vocês, me sinto culpado pelo que se tornaram. Se eu tivesse cuidado melhor de Máscara, como o antigo mestre fez com Manigold, se tivesse olhado melhor por ti, Saga e Kanon, vocês provavelmente não teriam desenvolvido visões tão extremas de mundo, talvez as coisas teriam sido diferentes. Porém eu estava tão cego me afogando nas dores do passado, que fui incapaz de me doar a todos como um digno Grande Mestre deveria fazer– Respirou fundo, o mais novo apenas escutava, sem se manifestar - Por mais que tente me desvencilhar disso, ainda me sinto completamente preso ao passado, preso aos meus erros e suas consequências. – Tornou a olhar para Afrodite – Eu não posso mudar o passado, mas nós podemos escrever nosso futuro de agora em diante. O novo Grande Mestre tem razão, ele tem determinação, um espírito curioso, e o desejo de mudança que morreram dentro de mim junto a meus velhos amigos. A verdade é que vocês todos merecem mais do que tiveram até agora, oferecidos por mim ou por Saga, merecem conhecer realmente o mundo que os cerca, e que morreram para proteger, merecem viver de verdade. Por isso, eu te peço cavaleiro de-, não, Afrodite, meu companheiro, traga Máscara de volta para casa, não deixe que ele estrague essa oportunidade de uma nova chance, manchando suas mãos de sangue, ele e todos vocês são muito mais do que simples assassinos.
Peixes piscou surpreso frente à essas palavras, mas ao fim concordou com a cabeça, fazendo uma sutil reverência.
- Eu farei o que for possível, senhor Shion.
E com um último sorriso, mesmo que melancólico, o lemuriano retornou a Rodorio.
-.-
Assim que pisou nas antigas calçadas de pedra do vilarejo do santuário, sentiu que algo estava errado, havia uma estranha movimentação de pessoas, principalmente de crianças e pessoas que murmuravam entre si animadas.
- É verdade! Minha mãe mesmo viu! Um avião parou próximo da área rural! – Disse um garoto que passou correndo ao seu lado, junto a um amigo. Ambos adolescentes.
- Mas por que um avião pararia em um lugar como este?
- Eu não sei, por isso estamos indo ver!
Shion virou-se, vendo os dois garotos se afastando animados, pensando no que haviam dito.
Um avião? Seria possível que a senhorita Athena enfim tinha voltado a Grécia com um de seus jatinhos?
Começou a caminhar, no sentido oposto aos que os curiosos tomavam. Podia sentir pelo menos quatro cosmos energias na vila. Todos realmente bem agitados, sobretudo uma. Aioria e Aiolos pareciam eufóricos, Marin, extremamente cansada, porém o mais surpreendente era Kiki. O menor explodia seu cosmo num nível que até mesmo ultrapassava o sétimo sentido.
- O que aconteceu aqui?! – E, no entanto, não sentia qualquer presença ameaçante ou inimiga nas redondezas. Estava prestes a correr na direção em que o grupo se encontrava, quando algo chamou sua atenção, no chão, em frente a uma loja.
Um livro, de aspecto muito antigo.
Foi em sua direção e o tomou em suas mãos, esquecendo-se por um segundo dos cosmos agitados. A capa dizia ser um livro sobre cardiologia, virou a mesma, notando em seu verso uma antiga e rebuscada letra que conheceria em qualquer lugar.
“Este livro pertence a:
Dégel de Aquário”
Contudo, esta era uma capa falsa, porque logo embaixo dela havia outra, em couro, sem título, ao invés disso havia talhada a constelação de serpentário, e a seguinte dedicatória.
“À Astéria, chama que sempre queimará entre as estrelas.
À Erisictão, e sua dor que perdurará até o fim de sua maldição.
E a todos os meus companheiros que jamais tornarei a ver.
Épios.”
Um sentimento de deja vúu tomou seu corpo, mesmo que não lembrasse de algum dia ter visto aquele livro alguma vez, e talvez, o mais estranho de tudo, era a dedicatória à primeira Escorpião e ao primeiro Aquário, e esse nome... Épios, por coincidência era o mesmo nome do médico que encontrou em suas viagens pela Grécia, e que havia lhe contado de um menino especial que vivia sozinho nas cavernas da Ilha de Milos. Épios não era exatamente o nome mais incomum da Grécia, ainda assim era...
Uma coincidência estranha.
Sem embargo, isso abandonou sua atenção quando sentiu uma explosão ainda mais intensa por parte de Kiki, deixou isso de lado, segurou o livro por baixo do braço e correu vila a dentro.
-.-.-
Marin gemia de dor, em meio a respirações longas e forçadas. Aioria, de joelhos, segurava sua mão com força. Enquanto Aiolos ajudava a senhora Kyría a trazer panos limpos.
- O avião que vocês chamaram chegou – Informou o senhor Iatrós da porta do quarto, que tinha ficado com o celular de Ersa.
- Não podemos levá-la do jeito que está – Informou sua esposa, colocando, com cuidado, os panos que estavam nas mãos de Aiolos entre e embaixo das pernas da amazona. - Melhor realizarmos o parto aqui, e os dois serem rapidamente transferidos ao hospital.
Kiki, por sua vez, com o rosto tomado pelo suor e com respiração arfante, mantinha a posição de antes, usando seu cosmo para fechar qualquer sangramento excessivo. Ersa caminhou até seu lado, colocando a mão em seu ombro.
- Pode me ouvir, Kiki? – O mesmo apenas confirmou com a cabeça, vagamente – Será que você pode ajudar, com isso de cosmo, a estimular a musculatura do útero de Marin? Mesmo sendo uma amazona forte, qualquer apoio é bem-vindo.
O adolescente não respondeu de imediato, recordando de algumas lições e técnicas que viu em seu livro perdido, não havia nada nele sobre partos, mas chegou a ler um capítulo sobre estímulos a musculatura, principalmente depois de lesões graves, que ajudava a reativar a função de membros paralisados ou com baixo funcionamento. Teria que servir.
- Posso...Tentar. – Disse com dificuldade, entrelaçou os dedos, como se fosse realizar uma massagem cardíaca, e os colocou em cima da barriga da amazona, porém, sem fazer contração. Os gemidos de Marin diminuíram.
- Aioria – Ersa chamou – Me ajude a sentá-la.
- Vão fazer o parto sentada? – Surpreendeu-se.
- Sim, é mais confortável para a mulher desse jeito – Disse a senhora Kyría, segurando Marin por suas pernas, enquanto Aioria, e Ersa a erguiam por suas axilas.
- Aiolos, ajude a senhora Kyría, segure a perna esquerda.- Seguiu orientando a enfermeira.
- Sim!
E assim o trabalho de parto teve início, e já estava acontecendo quando Iatrós abriu a porta a um preocupado Shion. O antigo patriarca teve que se reapresentar como um filho do antigo líder do Santuário, uma vez que havia conhecido o curandeiro quando ainda possuía sua aparência envelhecida, era mais fácil dizer ser simplesmente um parente de si mesmo, do que explicar que havia ressuscitado em outro corpo.
Sendo assim, foi conduzido à sala, espantando-se com a postura firme de Kiki, que não hesitava um instante, enquanto empenhava toda sua energia em ajudar naquele processo, usando o cosmo de um modo que nunca tinha visto antes.
Manteve-se do lado de fora do cômodo, fechando seus olhos e enviando, o mais sigilosamente que pôde, suas energias para o aprendiz de seu aprendiz, de modo que este não se desgastaria tanto. Não demorou para médicos, que vieram junto do avião, se unirem a todo o processo, levando consigo mais equipamentos para profissionalizar o máximo possível tudo.
Foram necessárias cinco horas para que todo o trabalho de parto tivesse fim, incríveis sete horas a menos do que o convencional para esses casos. Nessa altura, todo o santuário já sabia do nascimento, os cavaleiros de bronze se amontoavam na saída da casa do curandeiro, mesmo Milo, uma vez tendo repousado um pouco, tornou ao local, devolver a roupa emprestada e oferecer sua ajuda novamente, apesar de sua bronca com Ersa. Mantendo vigília ao lado de Shiryu, e Dohko, que foram informados do nascimento por Hyoga.
A noite já havia caído por toda a Grécia quando, finalmente, um choro fraco pôde ser escutado, e naquela noite de 28 de julho de 1994, Marin e Aioria puderam ver e tocar pela primeira vez, seu pequeno Julian, enquanto Kiki caía desacordado, amparado por Aiolos. Shion, por sua vez, teve a ajuda de Milo e Dohko para se sentar em uma cadeira da pequena casa, apesar de aparentar grande fraqueza, possuía um grande sorriso de satisfação e orgulho.
- Assim, começamos a escrever o futuro. – Disse apoiando-se no encosto.
Seu melhor amigo sorriu abertamente, concordando.
- É Shion, assim começa o futuro.
Mesmo Milo e Shiryu, sorriam, o segundo ainda que incapaz de ver, podia ouvir como Aioria soluçava como uma criança, frente a seu primeiro filho.
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