Capítulo 95 – O tempo que passamos juntos. Fim 5ª Temporada.
Camus voltou-se rapidamente para a nova figura, entrando em posição de ataque, e mesmo depois que o reconheceu, não mudou sua posição.
O homem de cabelos negros desgrenhados o observou sem grande interesse, sorrindo de sua forma maliciosa habitual, usava um terno impecável e uma gravata de laço vermelha, flutuava em pleno ar enquanto rodava em sua mão direita uma cartola a par com seus trajes.
- Olá Aquário – Cumprimentou com sua expressão ardilosa – Eu vim educadamente em vossa subconsciência através do mundo dos sonhos, para lermos as letrinhas miúdas do seu contrato de criação de espectro. Começamos quando você estiver pronto~
- Meu contrato... – Então engoliu em seco, finalmente aliviando a postura, mas mantendo sua expressão franzida, ainda tentando se recuperar da visão da criança que chorava lama. - ... Então aquilo não foi um pesadelo...
- Ora ora...! Não, mas é claro que não! – Disse enfim pousando, vendo o cavaleiro com um sorriso matreiro – Tudo foi a mais puuura realidade meu amigo, a queda do avião que deixou nosso Lunezinho órfão, você e o pivete do pior signo do zodíaco tentando bancar os heróis, sendo pegos na explosão, até serem salvos pelo voluntarioso Milo de Escorpião, que teve uma melhoradinha na saúde, graças a mim, para que pudesse resgatar vocês. Ainda assim, ao invés de agradecê-lo como se deve, o que você fez? Quase perfurou seus dois acompanhantes com estacas de gelo, tsc, tsc – Fez um sinal negativo com o dedo indicador – Ainda bem que eu estava por perto, não é? Para tãaao despretensiosamente vir ao seu auxílio, pedindo em troca a bagatela de quase vinte míseros anos cuidando de um espectro para o submundo, criando-o como seu filho, ah! Sábio é o pai que conhece o seu próprio filho. Agora, eu refresquei sua memória meu caro Aquário?
- Sim – Foi a resposta seca de Camus, permitindo-se sentar no gelo, o qual, para sua surpresa, não estava frio – O que...Vocês pretendem fazer com ele quando os vinte anos acabarem...?
- Meu caro Aquário, não confunda as coisas, você não está em posição de fazer perguntas aqui – Disse com sorriso prepotente, sentando-se também de forma pomposa, subindo as barras de seu frac. – Eu só estou aqui para ter certeza que você entendeu nossos termos, já que estava faltando ar no seu cérebro quando conversamos pela última vez. E claro, me precaver que você seja um bom pai e guardião, aaaah a ironia do destino.
-...Ironia mesmo – Colocou com ainda mais repulsa do outro – Pelo que eu saiba, você foi um péssimo pai para Tenma, o anterior Pégaso.
- Não tenho como discordar dessa lógica – Deu de ombros, retando importância – Mas aprenda comigo, Aquário, que nunca se deve dizer a uma criança que sonhos são bobagens, poucas coisas são tão humilhantes e seria uma tragédia se ela acreditasse nisso. Eu, pelo menos, posso garantir que sempre confiei, e muito, no potencial de meu saudoso filho. Porém, eu não sou o assunto aqui, não é mesmo? – Disse abrindo um sorriso, demonstrando assim seus dentes pontiagudos quando seus olhos brilharam em amarelo. Ergueu a mão direita, e no centro dela, surgiu o que parecia uma pedra negra - Isso é o adamantino que eu te mencionei na última vez que nos vimos. – Os olhos de Camus, se possível, se franziram mais – Hmmm pela sua cara, você parece saber do que se trata realmente essa coisinha~ Isso é ótimo, facilita as coisas para mim. Adamantino, o mitológico material, que chega a ser quase indestrutível quando solidificado. A foice que o titã Kronos usou contra Uranos, o elmo de Héracles, as correntes que fizeram de Prometeu prisioneiro, a armadilha de Hefesto com o fim de vingar-se de Ares e Aphrodite, as sandálias feitas para Hera, a arma que matou a Medusa, nosso saudoso muro das lamentações, e por último e não por isso menos importante, as sobrepeliz e a Kamui de Hades são feitas desse material mitológico.
-... E o que isso tem haver comigo e com Milo? – Questionou ríspido, tentando recordar-se do diálogo que haviam tido antes, percebendo que as memórias estavam confusas em sua mente, como se estivesse dopado na ocasião. - ...Você tinha dito algo sobre a doença do Milo...Estar ligada com sua alma, isso não faz qualquer sentido!
- Vamos por parte, vamos por parte, meu caro, não se afobe meu amigo – Fechou seus dedos sobre o metal com seu sorriso inescrupuloso – Como eu ia dizendo, os espectros, em sua maioria, não eram detentores de poder algum, suas identidades e poderes, desde a segunda guerra santa, vinham de suas sobrepelizes, oooou seeeja, esse metal aqui tem a propriedade de armazenar uma graaaande quantidade de poder, está conseguindo me acompanhar?
O francês se limitou a confirmar com a cabeça, mesmo que impaciente com a atitude contrária.
- Você usará isso aqui para absorver o cosmo existente no corpo de Lune, encostando-o em seu coração assim que voltar ao mundo dos despertos, e assim nós nos ocuparemos de selá-lo aquii.
- Destituir alguém de cosmo...Isso é realmente possível?! Se é assim como nunca usaram isso contra nós na Guerra Santa? – Inquiriu com desconfiança.
- Porque seria impossível, apenas podemos fazer isso com Lune porque ele é um espectro, e sua alma e ser pertencem completamente ao submundo. E como você se lembra que eu mencionei quando fechamos nosso pequeno acordo, o cosmo de um espectro tem o poder de reverter a doença de seu querido amigo de sua alma– Os olhos de Camus se encheram de desconfiança.
- Isso é impossível... E insisto que não faz o menor sentido – Refutou - Que servos da morte tenham um poder curativo...E que exista uma doença na alma de alguém.
- Tuuudo tem a ver com o verdadeiro mal que aflige seu amigo, e não me refiro a Hemofilia, e sim o que REALMENTE aflige seu ser. – Disse com teatralidade – Mas caso te faça sentir mais seguro, eu juro em nome da minha alma vil e suja que o cosmo de Lune funcionará para retardar os males do seu grande amigo.
- Não existe a menor possibilidade de que eu acredite em você – Impôs desafiante, cruzando seus braços.
Quanto a isso Kairos sorriu, um sorriso verdadeiramente ardiloso e sarcástico. Então, como havia feito antes, o espectro simplesmente desapareceu, para numa cena deja vúu aparecer frente a Camus, tomando seu queixo.
- Esqueceu, meu caro Aquário? Você não tem escolha, nosso trato já está selado, a criança já está no santuário contigo – O francês deu um tapa em sua mão soltando-se, apenas para o deus caído pegar essa mesma mão e depositar o metal sobre ela. – E agora, também está em posse do metal, ele é bem pequeno, então você pode até mesmo... –Levou a mão ao bolso, tirando de lá um colar com broche de flor de lis - ...Colocar aqui dentro! Eu dou isso para você também! Veja como sou caridoso e atencioso.
Camus aceitou o colar, tornando a franzir a expressão ao reconhecê-lo.
- Isso é meu. Pertenceu a minha mãe e estava na minha cabana – Colocou com firmeza – Como se atreve a me roubar assim?!
- Aaaah siiim – Desconversou o espectro girando sua cartola na ponta do seu indicador – Poooode ser que eu tenha, sem querer, afanado isso quando usei meu cosmo em Milo para fazê-lo ter força para buscar vocês.
- Como você pode ser tão...- Grunhiu, tendo ainda mais certeza que tinha feito acordo com um demônio.
- Sujo? Imundo? Desleal? – Opinou, abrindo novamente seu sorriso cheio de dentes – Me agradar não vai mudar nossos termos Aquário, nem tente. – Virou-se de costas, tornando a flutuar levemente – Só tenho mais duas coisas para te dizer antes de sair desse subconsciente tão gris e desolador. – Fez um exagerado rodopio em pleno ar, tornando a encarar seu interlocutor. – Como eu acho que já disse antes, Lune não lembrará de nada da sua vida de espectro, nadinha de nada, entãooo não se preocupe, cuide dele como uma criança normal, te garanto que ele não morde, diferente de outros que eu tenho a infeliz missão de vigiar – Sua expressão mostrou-se cansada – Ele será apenas um bebê comum e corrente, cujo único problema será sua total incapacidade de manifestar cosmo. Um pouco triste para quem crescerá entre leeendáaarios cavaleiros, mas são coisas da vida. E em segundo lugar, jamais use esse colar próximo as três da manhã, caso contrário, o poder soturno estará mais forte, e é possível que o selo não consiga contê-lo. Então é isso, meu caro novo pai – Fez uma exagerada reverencia de noventa graus, tirando sua cartola – Caso o “colar” não funcione como eu disse que funcionaria, nosso acordo será desfeito e eu buscarei Lune na madrugada seguinte. É um bom acordo e justas condições, não crês? Eu ainda acho que devíamos tomar sua alma como garantia, mas não sou eu que faço as regras – Deu de ombros, já há quase um metro do chão – Alguma pergunta mais?
No que Camus abriu a boca para questionar, Kairos reergueu-se de seu gesto exagerado.
- Aaaaaah siiiiiim!! Eu esqueci de algo mais – Colocou a mão no bolso de sua formal vestimenta, tirando de lá uma pequena sacola feita de couro, jogando na direção do aquariano que a tomou no ar, agora de pé ainda encarando de mal grado o outro – Isso são para cobrir os custos do nosso pequeno, tinha mais, na verdade, mas eu fiquei com uma peeequeeena comissão, então economize para não gastar tudo de uma vez, está bem? Muito bem entãooo, tenha uma boa vida como pai! Espero que não nos vejamos tão cedo, porque isso significaria que você está sendo negligente, e não queremos mais problemas com o submundo nessa época de “paz”, queremos? – Novamente mostrou seu sorriso cheio de dentes pontudos e antes que algo mais pudesse ser dito, ou qualquer pergunta pudesse ser feita, simplesmente desapareceu.
E no momento seguinte, Aquário estava sozinho, deitado em um leito mais macio do que de sua cabana ou de sua casa zodiacal, e não havia qualquer sinal do espectro traiçoeiro à vista, porém, ainda assim pôde sentir em sua mão direita o colar de sua mãe, com a pequena bolsa e o dito Adamantino ao seu lado.
Levantou-se, e por mais que olhasse ao seu redor, não sabia dizer onde se encontrava, pois nunca havia estado ali antes, porém sua confusão logo passou para outro momento quando do seu lado esquerdo encontrou a figura adormecida de Milo, sua expressão ainda estava pálida, mas constatou para sua surpresa que todas as feridas que possuía aparentemente tinham sido curadas. Mesmo seu cosmo emanava em ondas suaves e tranquilas, indicando que provavelmente estivesse sonhando.
- Hmm... Eri....- Resmungou o grego - ... Não... – Porém era evidente que ainda não estava totalmente curado.
Mesmo que assim fosse, o aquariano permitiu-se suspirar longamente, sentindo pela primeira vez em muito tempo um alívio real e palpável.
Então um pequeno resmungo, dessa vez fino, chamou sua atenção. Voltou-se para seu lado direito, deparando-se com o um berço improvisado feito com tabuas de madeira que rodeavam um leito. Se perguntou se estavam na casa do curandeiro de Rodorio, mas logo descartou a ideia, o local, o qual frequentou centenas de vezes, não era assim tão grande.
Ergueu-se, rangendo inevitavelmente de dor, sentindo os ferimentos abertos da explosão do avião, somados as queimaduras que contornavam sua pele. Ignorando a dor latente, porém, ergueu-se, caminhando como podia até o berço e franzindo a expressão para o bebê que ali estava.
Ele viu o espectro, era um infante comum, pele alva como a neve, poucos fios loiros claros saindo de sua cabeça, mas sem dúvida o que chamava mais a atenção eram seus olhos lilases. Usava um pequeno macacão com um leão na frente.
Um espectro, pensou, responsável por milhares de mortos, talvez milhões ao longo dos milênios, e agora teria que simplesmente fingir que ele era uma criança comum?
Mesmo que sem memórias, talvez o fosse, ainda seria muito difícil encarar por duas décadas, todos os dias de sua vida, a mesma face de quem no passado matou os seus, porque até onde se lembrava, a aparência dos espectros não se alterava a cada Guerra Santa.
Forçou-se a não pensar mais nisso, desviando o olhar para os objetos em sua mão, colocou o diminuto metal dentro do broche e então, com ele aberto, encostou no coração do pequeno menino.
Imediatamente ele começou a chorar, mas parecia incapaz de se debater ou sequer impedir que algo tão vital fosse tomado de si. Enquanto Camus via como um fio mínimo de cosmo era simplesmente sugado pela negra superfície, deixando para trás apenas uma sensação gélida capaz até mesmo de estremecer um cavaleiro de gelo.
Então tudo acabou, porém o menino seguiu chorando, agora sim balançando seus bracinhos. O mais velho fechou o emblema de flor de lis e guardou no bolso de suas roupas gastas, enquanto abria o saco de couro, sem se importar minimamente em acalmar o menor.
Por sua vez, Milo franzia a expressão com todo o ruído que era feito.
Dentro da saca feita de couro, impressionou-se imediatamente ao ver seu conteúdo.
Havia peças de ouro puro ali dentro, e algumas pedras que se pareciam com Safiras e outras com rubis. Ao todo eram 9 moedas, 11 safiras e 8 rubis. Tinha certeza que aquilo deveria valer uma grande quantia, mas duvidava muito que fosse o suficiente para arcar com os custos de duas pessoas por vinte anos sem qualquer preocupação, precisaria economizar, e usá-lo para conseguir uma fonte de renda que fosse estável o bastante para que o submundo não reclamasse que estava falhando com sua parte do trato.
- Você chora demais – Resmungou encarando o bebê, e sem mais remédio, guardando a saca junto com o colar em seu bolso, pegou o pequeno em seus braços sem ter a menor ideia de como fazê-lo parar. Nem Hyoga nem Isaak eram tão pequenos quando os tomou sob seus cuidados. Tentou balançá-lo, mas acabou sendo um movimento muito brusco, fazendo o renomeado agora como Soleil apenas chorar ainda mais. - ... Qual o seu problema? Fome?
Obviamente não obteve resposta, para o que resolveu caminhar até Milo, ao ouvir como o mesmo grunhia baixinho. Espantou-se ao ver como o amigo parecia estar palidecendo rapidamente e sua respiração se tornava arfante.
- Eu não tenho tempo para você agora – Dito isso colocou o bebê choroso sobre o leito do oitavo cavaleiro, mais precisamente entre seus joelhos, para que as pernas do mais velho o impedisse de rolar para fora. Colocou a mão novamente no bolso e de lá tirou o colar, reabrindo-o e colocando-o da mesma forma que fez antes, porém dessa vez, no peito do maior.
Não pôde acreditar em seus próprios olhos quando presenciou a palidez contrária imediatamente se desfazendo, a respiração se acalmando, e os resmungos cessando.
-...Funciona... – Suspirou entre impressionado e chocado, voltando o objeto para si e examinando-o mais de perto, enquanto Soleil se ocupava de sugar a calça do escorpiano com sua pequena boquinha, ainda sem deixar de lamentar. – Como é possível que funcione?
“- Agora...A razão pela qual Escorpião tem esse pequeno detalhe em sua alma, é algo que você terá que descobrir sozinho, mas se quer um palpite, e os meus são sempre bem acertados, eu buscaria a ajuda desse Épios, ou eu deveria dizer “Esculápio”, o deus da medicina.”
Os dizeres do trapaceiro deus do tempo, ainda quando se encontraram na Sibéria real, vieram à sua mente.
-...Épios... – Na ocasião, não havia tomado verdadeira atenção àquele nome, afinal, estava sendo praticamente torturado quando o outro dizia isso. – É o mesmo nome do médico que curou Milo no passado... Não pode ser coincidência...Mas como é possível, por que um deus ajudaria Milo em primeiro lugar?
-...Hmmm... – Mas esse assunto passou para segundo plano quando notou que o escorpiano recuperava a consciência -...Camus? – Questionou, olhando para os lados, confuso. -...Onde nós estamos...?
O tempo que levou para o grego sentar-se estralando seus ombros, tentando reconhecer onde se encontrava, foi o que o mais novo precisou para novamente guardar seu colar em suas roupas.
- Eu também não sei, mas deve ser algum lugar próximo ao santuário, não está frio o bastante para estarmos na Sibéria. – Comentou simplesmente voltando a esquadrilhar o local.
-...Camus...- Seguiu em um tom entre o duvidoso e confuso, chamando a atenção de seu amigo que encarava lívido Soleil – Existe alguma razão especial para ter um bebê devorando o meu joelho...?
Enquanto tentava pensar numa boa forma de explicar a peculiar aquisição, Escorpião se curvou, pegando o menino no colo de forma muito mais eficiente do que o outro instantes antes, do mesmo modo que Marin e Ersa havia lhe ensinado quando foi conhecer o recém nascido Julian.
- É pequeno, mas ainda é maior que o Julian, mas acho que isso é normal, já que ele era prematuro – Comentou vendo como seu polegar tinha quase o tamanho do pezinho contrário - E pobrezinho, está chorando de fome.
- Como pode saber por que ele está chorando? – Inquiriu, ao que o escorpiano o encarou descrente.
- Isso é óbvio, olha para ele – Disse indicando-o, que agora se empenhava em babar em uma das pontas do cabelo azul que pôde alcançar com suas mãozinhas, ainda se lamentando baixinho. – Por um acaso ele tem mãe?
- Está morta – Respondeu prontamente – O pai também.
- ...Típico do santuário, imagino – Suspirou longamente, começando a aninhá-lo suavemente – Mas é estranho pegarmos alguém tão pequeno...
Para surpresa de aquário, com os movimentos certos, Milo sim pôde acalmar o bebê, que enfim deixou de chorar, mas sem libertar a madeixa de sua boquinha.
- Não é um novo aprendiz de cavaleiro – Disse prontamente – É um sobrevivente de um acidente aéreo na Sibéria. Eu o salvei, mas não pude fazer o mesmo com seus pais.
-... Que tragédia... – Comentou vendo o mencionado com pesar.
- Eu resolvi adotá-lo como meu filho. O nome dele é Soleil.
A expressão do escorpiano chegava a ser cômica encarando o mais novo com total descrença.
- AAAAAH! Camus! Você não deveria estar de pé assim! Milo, o que está fazendo sentado? Deviam estar descansando! – Exclamava o adolescente Kiki exasperado, entrando na Fonte de Athena, seguido de um radiante Dohko segurando um Julian de cinco meses em seus braços, enquanto Shoryu e Suite, ambos com pouco mais de um ano, seguravam a barra de sua calça.
- Não se preocupe tanto Kiki! Eles parecem bem, Milo! Você está com uma cor ótima! Que bom que acordaram.
- ...Quem são todas essas crianças? – Camus não pôde deixar de questionar, havia apenas visto Shoryu de relance quando o mesmo tinha só três meses, mal lembrava de como ele era.
- Aaah, é verdade, você nem os conheceu com essa história de ermitão! – Exclamou Libra feliz – Esses são Julian, Suite e o pequeno Shoryu, ele cresceu bastante, não? – Disse apontando para cada um – Julian é o filho de Aioria e Marin e Suite é filha adotiva de Seiya.
Era a vez de Aquário mostrar uma expressão chocada ao tempo que Áries se aproximava para avaliar seus ferimentos.
- Eu escrevi cartas explicando sobre isso, mas pelo jeito elas não chegaram. – Explicou Escorpião ao amigo – Esse lugar está começando a ficar realmente cheio...
- EXATAMENTE! -Exclamou animado o velho ancião, aproximando-se do leito do escorpiano. – Por isso trouxe todos eles comigo, a nova geração tem que se conhecer!
-...Senhor Dohko praticamente sequestrou eles para trazê-los aqui, está realmente ilusionado com isso de “nova geração” – Sussurrou Áries para Aquário que se limitou a franzir as sobrancelhas.
- Ei! Eu ouvi isso! Saiba que ainda vão me agradecer um dia, quando esses rapazes se tornarem uma suuper equipe juntos! – Exclamou com orgulho inclinando o pequeno leonino que começou a puxar o macacão de leãozinho que Soleil usava.
- Eu não posso acreditar que você trouxe todos mesmo, Dohko, eu sinceramente não sei o que passa na sua cabeça – Era a vez de Shion entrar no local, com os braços cruzados, Ersa logo ao seu lado.
E o local repentinamente ficou lotado.
O velho lemuriano foi recriminar seu amigo, em chinês, para que os demais não entendessem. Enquanto Ersa foi avaliar Milo, que por toda a situação, não havia notado que Soleil tinha deixado de comer seu cabelo, e agora babava sobre seu tronco.
- Você parece mais saudável, isso é muito bom, mas depois eu quero fazer alguns exames para me garantir – Colocou a escorpiana analisando o cavaleiro do seu signo – Mas antes, deixe-me alimentar Soleil, ele parece faminto, e onde ele está procurando com certeza não vai achar nenhum leite.
Dito isso, Milo viu que o menino estava chupando sua camisa próximo demais do seu mamilo direito, claramente procurando uma mama. Imediatamente tirou o garoto dali estendendo para que a civil pudesse pegá-lo, ruborizando-se pela situação.
- Aaaah! Não se envergonhe por isso Milo! É só o instinto do bebê para se alimentar! Sabe, quando Shunrei era um bebê ela uma vez-
- Gòule, Dohko! – Bramou o lemuriano, simplesmente arrastando o mais velho para fora, Julian se divertindo com a situação ao tempo que Suite e Shoryu acompanhavam os adultos à saída dando tchaozinho para o recém-chegado.
- Agora que as coisas estão mais calmas, Kiki, pode medicar Camus enquanto eu alimento Soleil? – Questionou indo até uma geladeira velha, embaixo de uma bancada de mármore gasta, e de lá tirando um saco amarelado e molenga.
- Sim, senhora! Vamos, Camus, sente-se na cama, por favor. – O maior apenas obedeceu.
- Agora Milo, qual é a última coisa que você se lembra? – Perguntou a enfermeira de costas, preparando uma mamadeira com o bebê ainda no colo.
Tal pergunta chamou a atenção dos outros dois, que encararam o maior expectantes, Aquário ainda mais, por saber o quanto Kairos havia apagado da memória de seu amigo.
- Hmmm...Sinceramente, a última coisa que me lembro é de estar na Sibéria, andando numa nevasca e...- Comentou levando a mão ao queixo, ainda um pouco sem graça – E depois é tudo branco na minha mente, como a neve...Eu desmaiei lá ou coisa parecida?
- Sim – Foi Kiki que se apressou a mentir – Foi isso que aconteceu.
-...Isso é um pouco humilhante... – Resmungou.
- Não na sua situação – A enfermeira lançou um olhar sério aos três que estavam naquela ala – Todos os aqui presentes sabem sobre sua Hemofilia. Francamente, esconder uma doença dessas assim... – Isso fez o cavaleiro estremecer lançando um olhar de desculpas principalmente a Camus - Eu só não relatei ao Grande Mestre por pedido de Afrodite, ele disse que resolverá esse assunto diretamente com vocês. Porém a minha condição é que você continue o tratamento que iniciamos! Claramente está surgindo efeito, então não desista da vida tão prontamente assim!
Escorpião, numa rara ocasião, não argumentou nada contra isso, se limitando apenas a balançar afirmativamente com a cabeça. Uma suave esperança crescendo em seu coração.
Talvez não morreria tão cedo como imaginava.
-.-.-.-
O véu da noite já havia caído sobre Versalhes, na França, quando um anjo negro simplesmente começou a descer dos céus, até pousar com suavidade sobre uma pequena escadaria de seis degraus, de forma circular, rodeada por pilastras gregas, formando assim um pequeno templo.
No centro da abóboda, o anjo negro observou com atenção a presença de uma estátua de puro mármore feita no clássico estilo heleno. Era uma figura alada, jovem, de cabelos cacheados, segurava entre as pernas e com a mão direita um grande porrete de madeira, enquanto com a esquerda possuía frente ao peito um objeto de talhar. Preso às suas costas, estava sua fiel aljava.
- Finalmente encontramos você...Templo de Eros – Disse para que o próprio lugar pudesse ouvi-lo. Caminhou a passos firmes até o deus de mármore, seus cabelos azuis curtos e espetados tremulando com o vento que entrava pela pequena ilha, enquanto recolhia as negras asas de sua sobrepeliz.
Sem mais esperar, Ikki de Benu caminhou a passo decidido para as costas da escultura, ficando assim de frente para a aljava que guardava suas flechas. Então fechou seus olhos, reunindo todo o seu cosmo, sendo resguardado pela proteção de Shun, para que essa explosão não pudesse ser sentida no santuário.
- Vamos lá Ikki, Shun conseguiu fazer isso há mais de um ano, você também consegue... – Disse isso respirando fundo. Precisava elevar seu cosmo até o nível de um deus, para que assim, da mesma forma que Shun conseguiu ver a espada de Hades atravessada no peito de Seiya, pudesse em sua vez ver a flecha do destino que Moros supostamente havia escondido ali, e através dela, recuperar a sanidade de Orphée.
Sua energia continuou se expandindo, e expandindo, até o nível que o chão começou a tremer levemente.
“Não posso destruir esse lugar” – Pensou, Daidalos havia lhe advertido que destruir um templo de um deus, mesmo que um moderno, poderia render sérios problemas para seu irmão. Sendo assim, começou a canalizar suas forças, tentando deixá-las menos destrutivas, o que lhe exigia um enorme esforço, dado que sua natureza basicamente se baseava na raiva e na ira.
Levaram largos minutos até que pudesse se controlar, focando suas energias em sua sobrepeliz, e deixando que essa servisse de receptáculo, ao invés de explodir suas forças a esmo.
Quanto mais cosmo energia reunia, mais o vermelho que o circulava começava a perder sua cor, escurecendo a um tom vinho, até atingir o negro. Esse ponto fez o corpo inteiro do leonino tremer, sangue começar a escorrer da comissura de seus lábios, de suas narinas, até mesmo de seus ouvidos.
Quando achou que não iria mais suportar, suas pernas mostrando sinais de que iriam ceder, a viu.
Uma flecha brilhante, negra e azul, revestida de um cosmo prateado que imediatamente reconheceu pertencer a Moros.
-...Isso! Aí está ela...! – Fez menção de caminhar, mas seu corpo parecia pesado demais para se mexer, enquanto a imagem da Flecha do Destino começava a vacilar, como se fosse uma espécie de miragem – Não! Eu preciso dela!
Arrastou seus membros, mesmo sentindo uma sensação excruciante de que eles estavam se quebrando frente ao cosmo negro que Hades havia herdado de Érebo, e que por sua vez, havia herdado de Shun ao dividirem completamente o mesmo sangue, esticou a mão e então a tomou com força, imediatamente depois abrindo um portal para o Yomotsu abaixo de si.
Acabou estatelando-se no chão da montanha da morte, inconsciente pelo esforço, mas vitorioso, com a reluzente flecha segura em sua mão direita.
Não demorou muito para que Daidalos viesse prontamente ao seu socorro e o tirasse dali, porém sem tocar a flecha diretamente, porque sendo um completo mortal, não tinha certeza que poderia tomar tamanho atrevimento.
-.-
Quando acordou, não estava sozinho.
Estava em seu templo, reconheceu de imediato o local quase sem iluminação composto por dois leitos, de lados opostos, dois guarda-roupas feitos de ébano puro, e duas grandes mesas barrocas, feitas de ferro e couro escuro.
Ao seu lado, porém, deparou-se com um rapaz jovem, de longos cabelos castanhos, presos em um rabo de cavalo baixo, vestia uma toga grega tradicional que chegava até seus joelhos e sandálias de gladiador feitas também de couro.
- Oh! Senhor Ikki, que bom que o senhor acordou! – Disse prontamente curvando-se assim que viu o irmão do imperador sentando-se em sua cama, fazendo o fofo colchão afundar sob seu peso.
- Quem é você? – Disse diretamente e sem rodeios, encarando o homem de cima a baixo – Os esqueletos não tem autorização para entrar no templo dos espectros.
- Ah sim, eu sei, meu senhor Ikki – Respondeu ainda de cabeça baixa – Mas eu fui designado pelo Senhor Daidalos ao cargo de Alcade da Necrópole, e também do cuidado dos espectros, caso algum se ferisse. – Indicou com a mão uma pequena mala aos pés da cama, possuía frascos com água, romãs, panos, um bisturi e outros equipamentos claramente médicos os quais não fazia ideia de qual eram seus nomes.
-...Hmm... – Resmungou simplesmente, levantando-se para pegar uma camisa nova em seu armário, uma vez que havia sido deposto da que levava antes, provavelmente para avaliar se tinha mais ferimentos, enquanto se perguntava o que esse Esqueleto tinha de especial ou diferentes dos outros para receber cargo tão superior sobre os demais. – Pode ir então, eu não preciso de ajuda.
Como se lê-se seus pensamentos, o jovem questionou, tornando a erguer-se.
- O senhor Ikki não está me reconhecendo, não é? – Comentou com tom suave, nem um pouco intimidado pela atitude contrária.
Quanto a isso o ex cavaleiro de bronze esquadrilhou novamente o servo, mas não mostrou nenhum reconhecimento.
- Eu sou Iatrós, o curandeiro de Rodorio – Disse por fim, com um sorriso amável, fazendo os olhos do espectro se ampliarem – Como eu estou morto, minha alma pode ter qualquer imagem que eu já tive em vida, por isso, acabei escolhendo minha aparência de quando tinha dezenove – Explicou com a suavidade do mesmo idoso que há mais de um ano havia cuidado de si quando Shun o fez recobrar suas memórias – Quem diria que o meu primeiro paciente aqui no mundo dos mortos seria novamente o senhor.
-... Irônico no mínimo – Disse, forçando a si mesmo a ser pelo menos um pouco educado com quem havia cuidado de si no passado – Mas não precisa se preocupar comigo, eu sou o espectro de Benu, minha feridas se curam sozinhas.
- Eu sei disso Senhor Ikki, mas nosso Imperador pediu diretamente que cuidasse de seu querido irmão, vossa alteza veio várias vezes vê-lo com seus próprios olhos enquanto o senhor esteve desacordado – Confirmou prontamente, fazendo o mais novo franzir a expressão, dando as costas para o curandeiro para não mostrar que estava envergonhado.
-...Eu já estou bem, pode ir agora. Se ele contestar, diga que eu que te dispensei.
-...Hmmm...- Iatrós não parecia muito convencido, ainda assim fez um a nova reverência ao comandante – Como desejar então, senhor Ikki, mas eu estarei cuidando do senhor Kairos se precisar de mim.
Essa última informação chamou a atenção do ex Fênix.
- Cuidando daquele imbecil prepotente? Por quê? O que aconteceu? – Quis saber, voltando a encarar o serviçal, lembrando-se que o Deus Caído do Tempo tinha sido enviado em uma missão para salvar o espectro Lune de Balron.
- Bem...Eu ainda não me acostumei com essas coisas de superpoderes – Colocou com sinceridade o ex-idoso - Senhor Kairos estava usando emprestado uma parte do... Cometa do nosso senhor, para ajudar um dos espectros que recém reencarnaram, Lune de Balão.
-...Cosmo e Balron – Corrigiu.
- Balrogs? – Questionou confuso – Como em Senhor dos Anéis? Eu li o livro quando era jovem.
- Isso não importa - Retou importância, perdendo a paciência – Quer dizer que o prepotente não conseguiu aguentar um pouco o poder de meu irmão correndo por seu corpo e colapsou? – Questionou com um sorriso de satisfação.
-...Hmm...Precisamente senhor Ikki.
- É mesmo um inútil. – E sem dizer mais nada, vestindo a regata vermelha, saiu do seu templo disposto a atormentar o outro.
Chegou sem dificuldade ao local onde era visível em seu arco o símbolo de Mephisto e de Nasu, e sem sequer pedir licença, entrou.
E se arrependeu em seguida.
- Ah, oi galinha de fogo, finalmente acordou é? – Foi recepcionado pelo mesmíssimo dono daquele lugar, completamente nu, sentado sobre sua cama, bebendo numa taça o que desprendia um forte cheiro a romã e possuía uma consistência de vitamina. Seu corpo era visivelmente pálido, acima do normal, como se tivesse recém se recuperado de uma hemorragia severa, pois além de tudo, estava visivelmente fraco.
- O que DEMÔNIOS está fazendo....Despido dessa forma?! – Exclamou, tampando imediatamente seus olhos – ONDE ESTÃO SUAS MALDITAS ROUPAS?!
-...Foi você que entrou no meu templo sem pedir permissão, maluco – Disse sem o entusiasmo ou provocação habitual, deixando a taça ao chão e deitando-se de barriga para cima – Onde estão minhas roupas? Dobradas sobre minha cadeira, eu não sou um animal.
- EU TENHO SÉRIAS DÚVIDAS! -Bramou, abandonando o templo imediatamente, enquanto Kairos apenas dava de ombros, virando de lado disposto a dormir.
Irritadíssimo, Ikki chamou sua sobrepeliz, que prontamente obedeceu ao seu chamado, assim abriu suas enormes asas e partiu na direção do salão do trono.
Abriu as portas sem pedir a autorização, sabia que já havia sido sentido de qualquer forma.
- ...Meu irmão, fico feliz que tenha acordado – Anunciou a voz suave de Shun.
- Ikki, mesmo você não pode entrar assim no salão do trono sem se anunciar. – Recriminou a voz severa de Daidalos.
Além da bruma de seu irmão, parado no fim da escadaria acompanhado de seu leal mestre e general, havia também Eurídice, com uma expressão apreensiva que em nada combinava com seu belo rosto.
- Eu vi o estado que ficou o pervertido e repugnante do Kairos – Disse, sem expressar que o mesmo estava nu, em respeito a ex amazona – Ele falhou em sua missão?
- ...Não – A resposta partiu do próprio imperador – Ele a realizou com primor, talvez com primor até demais... – Proferiu com expressão franzida, pensando na forma que havia empurrado o mestre de Hyoga ao limite para aceitar o acordo com o submundo. Por isso estava disposto a procurar um outro jeito que não dependesse do cosmo do submundo para reverter os efeitos do flegetonte no sangue de Milo, era o mínimo que podia fazer por seu meio irmão para compensar o sofrimento que faria seu mestre passar.
- Mas ele usou excessivamente a energia de Shun para conseguir distorcer o espaço tempo, mesmo selado, sem mencionar tudo que teve que fazer para parar o tempo de um avião inteiro – Expôs Daidalos – É natural que esteja completamente exausto. Provavelmente não acordará pelos próximos nixes.
- Nixes, sério? Há milênios não escuto alguém falar assim – Não pôde deixar de comentar o comandante aproximando-se do trio – Se ele não falhou na missão, aparentemente serve para alguma coisa, mas ainda assim continuo insistindo que ele não é confiável Shun, é um deus completamente instável e imoral, a qualquer minuto pode nos atacar pelas costas.
- Tenho que concordar com Ikki quanto a isso, meu senhor – Juntou-se Daidalos - Kairos é verdadeiramente instável e imprevisível. É só ver a situação que ele colocou Camus de Aquário.
- Camus de Aquário? Ele não ia fazer um contrato com Milo de Escorpião? – Perguntou estranhado.
- Houve uma mudança de planos, Milo estava fraco demais para fazer jus a visão dele. – Seguiu Shun.
- Ou isso, ou o demônio não foi útil o suficiente para interpretar a visão decentemente – Atacou, cruzando os braços com satisfação.
-...Ikki... – Começou Shun em tom sério – Visões não são cem por cento precisas, uma vez que o futuro ainda não está escrito.
- Isso é o que ele diz. Provavelmente só foi atrás de Camus para não ter que negociar com um escorpiano como Milo, que como Radamanthys, são uns aracnídeos difíceis de tragar, ele só não quis ter mais trabalho lidando com alguém tão passional – Impôs com implicância. Contudo, suas palavras não atingiram quem gostaria, notou isso quando a doce Eurídice baixou sua cabeça com tristeza.
-... Sim, meu Orphée é um escorpiano também, por isso deixou seu coração falar mais alto e veio ao submundo atrás de mim – Sussurrou ela com sua voz melodiosa - ...O que o mergulhou de cabeça em todas as desgraças que tivemos que enfrentar.
- Iremos recuperá-lo Eurídice, não se preocupe – Garantiu Shun, lançando um olhar censurador ao seu irmão mais velho, que apenas franziu a expressão e virou o rosto, nem um pouco feliz de ser recriminado pelo menor – Ainda mais agora que Ikki acordou, já podemos preparar tudo para trazê-lo de volta.
- Só estávamos aguardando seu despertar – Informou o general com seriedade – Precisamos de toda a energia que pudermos desfrutar, a força de Orphée de Lira era lendária no santuário, não podemos arriscar subestimá-lo, ainda mais agora que sua alma está quase que completamente corrompida.
- Meu marido não gosta de lutar, mesmo sendo um cavaleiro de prata – Recomeçou a jovem, olhando com um deixe de carinho para o imperador – Nisso ele se parece muito com o senhor Shun. Porém, ele tem o instinto protetor muito forte, quando se trata de proteger aquilo que ama ou acredita, pode chegar a ser bastante assustador. Eu ouvi dizer até mesmo que quando o exército de Athena teve que enfrentar os Berserkers de Ares, antes mesmo que os cavaleiros de ouro da atual geração tivessem nascido, ele conseguiu subjugar sozinho o comandante do batalhão do Fogo Vermelho, o deus do anti-amor, Anteros. Só não o matando porque não dispunha das armas de Libra banhadas no sangue de Athena, capazes de matar deuses.
- Sim, eu já ouvi essa história, contam que o antigo mestre de Shura de Capricórnio, Izo de Capricórnio, deu o golpe final com a espada de libra. – Relatou o juiz levando uma mão pensativa ao queixo - Porém, sinceramente eu não saberia dizer o quanto dessa história é verdade, tradicionalmente as gerações que nascem muito antes da Guerra Santa contra Poseidon e Hades, e por isso não participam das mesmas, não costumam deixar muitos registros, sendo considerados “gerações intermediarias”, sua principal função é velar pela reconstrução do santuário e buscar aqueles que protegeram a Terra na seguinte “geração principal”, e não deixar seu nome escrito na história. Por isso chamamos eles de Heróis Anônimos, Orphée de Lira e Teneo de Touro são alguns dos poucos cujos nomes perduraram por causa de suas habilidades lendárias.
- Eu não sabia disso – Colocou ríspido Ikki olhando do general para a ex amazona, para então se voltar ao seu irmão – Você sabia Shun?
- ...Sinceramente nunca tive muito estômago para estudar a história do santuário – Confessou o menor, lançando um olhar de culpa para seu mestre, que sorriu para ele com carinho lembrando como o outro costumava ficar enjoado e chorar quando tentava contar para ele as lendas das guerras dos cavaleiros do passado – Mas faz sentido, no pouco tempo que fui cavaleiro de Virgem, percebi que havia um grande vão entre Shaka e Asmita, e isso se repetia a cada ciclo de duzentos e quarenta e três anos. Eu realmente achava estranho que as casas zodiacais ficassem vazias por quase três séculos, quando há outros deuses que atentam contra Athena antes que o ciclo contra o submundo e Poseidon se repetisse.
- Por essa razão, e por ser alguém que nunca se importou em ser reconhecido por algo mais do que sua música, meu caro Orphée nunca quis adentrar nesse assunto comigo, então tampouco eu sei o quanto disso é verdade ou não. – Findou a jovem – Porém, eu posso garantir que ele é mais forte do que se mostrou quando o senhor e seu meio irmão o conheceram, senhor Shun. - Seguiu voltando-se novamente ao imperador, clara tristeza em sua face – Aquele Orphée já havia desistido de seu espirito de luta, da paixão da vida, e mesmo tendo decidido lutar por Athena no final, não era mais do que uma sombra do que costumava ser em seus anos áureos no santuário.
- Muito bem então – O antigo Andrômeda voltou-se ao seu irmão mais velho, notando que seus olhos pareciam brilhar de antecipação pela perspectiva de um confronto real depois de tanto tempo - Acha que está suficientemente recuperado para enfrentá-lo até que volte a si, Ikki?
Em resposta, Benu bateu seu punho direito fechado contra a palma de sua mão esquerda aberta.
- Quando quiser Shun, não me subestime. Se eu não tiver que me conter, será ainda melhor! – Bramou o leonino.
- Não se esqueça de não feri-lo gravemente, não é para ser uma luta de vida ou morte, lembrem-se que ele já está morto, ou seja, você estará danificando diretamente a alma dele, enquanto você, se não se cuidar, pode morrer no confronto. – Alertou Daidalos com sua seriedade característica, e cada vez mais forte desde que assumiu a postura de juiz substituto.
- Naah, você se preocupa demais, não se esqueça que eu sou Benu, a fênix egípcia, precisa de muito para me destruir – Disse com um sorriso prepotente e orgulhoso – Por mim, podemos ir agora mesmo findar esse assunto de uma vez por todas.
Quanto a isso, o imperador dos mortos suspirou longamente, sentindo um mau pressentimento.
- Muito bem então, que assim seja.
-.-
Estavam em uma ladeira tão íngreme que precisavam pisar com força no chão para não deslizar moro a baixo, a terra era vermelha, e dela desprendia um calor insuportável, que, no entanto, parecia a Ikki sumamente agradável.
Ao seu lado estava Daidalos, vestindo a sobrepeliz de Griffon, o qual suava apenas ligeiramente, acostumado com temperaturas agressivas devido ao terreno da Ilha de Andrômeda. Quem estava parecendo estar tendo maior dificuldade era Eurídice, apesar de usar-se a modo de empréstimo a armadura de prata de Lira, que não havia abandonado o submundo mesmo apesar do estado de seu mestre, a mesma não lhe servia muito bem, e não parecia ser capaz de dissipar o calor assombroso.
Ao seu lado direito, Shun, que simplesmente se limitava a flutuar e não era minimamente afetado pela temperatura ao ser uma projeção astral ,encarava preocupado a ex amazona.
- Eu sinto muito por não ser tão resistente – Alegou ela, com semblante baixo.
- É natural que se sinta mal Eurídice, estamos no Tártaro, uma alma tão bondosa como a sua jamais teria como se sentir bem em um local como este. – Alentou a jovem com seu tom suave – Porém, para enfrentarmos Orphée esse é sem dúvida o local mais indicado, pois é o mais resistente do submundo, e é impossível de ser sentido em outros reinos. Ele ficou numa dimensão à parte do mundo dos mortos por milênios desde que as Guerras Santas começaram, para evitar que os Titãs escapassem. Os criminosos e vis, e infelizmente mesmo pessoas que não mereciam castigo tão severo, passaram a ser penitenciadas na própria estrutura principal do submundo e suas prisões desde a segunda Guerra Santa contra Athena. Basicamente esse lugar estava inacessível, pelo desejo de Hades, desde os tempos mitológicos.
- ...Não é perigoso encontrarmos algum Titã? Ou a...Luta – Colocou com hesitação – Ajudá-los a fugir.
- Não se preocupe com isso – Garantiu Shun com um sorriso – Os Titãs estão na área mais profunda do Tártaro, esse lugar fica com facilidade há mais de 420 quilômetros dessa entrada, ainda assim... – Seguiu mais hesitante - ...Eu te aconselho a não olhar ao redor enquanto não chegarmos a onde Orphée está...
A amazona imediatamente obedeceu, baixando seu rosto ao solo, justamente ao tempo de perder a visão de um homem alto, em carne viva e com ossos a mostra, empurrando com dificuldade uma enorme pedra ladeira acima. E mesmo que não o visse, ainda podia sentir seus gemidos de dor.
- É de fato, esse lugar não mudou nada desde a última vez que estive aqui – Comentou Ikki com tranquilidade observando os arredores como se fosse um simples viajante revisitando um lugar que já esteve no passado – Os mesmos mortos condenados pelos deuses a eternidade de dor, o mesmo calor sufocante, esse cheiro de enxofre e carne queimada. Lembro que passava a maior parte do meu tempo aqui na minha primeira vida. Um ótimo lugar para lutar e treinar. Por vezes Violate, Valentine e mesmo Radamanthys vinham aqui para isso também. Se mais tivessem se preocupado em serem mais do que servos organizadores do mundo dos Mortos, não teríamos perdido a primeira guerra para Athena.
- Não tenho certeza se isso seria melhor ou não, sinceramente – Comentou Shun em tom sombrio, de forma pensativa – Mas suponho que teria evitado muita coisa. Talvez seja melhor, mesmo que nosso plano seja a paz entre os exércitos, restabelecer os treinos aqui.
Ninguém argumentou sobre isso, porque tal perspectiva de novas Guerras Santas contra Athena ou mesmo outros deuses, não era nem um pouco animadora, mesmo para Ikki.
Finalmente chegaram à planície do lugar, que não era mais convidativa. Haviam gêiser feitos de fogo puro por toda a parte, subindo como torres de lava aos céus, a superfície era esburacada e o terreno completamente desigual, enquanto o céu era negro, como o resto do submundo.
Não havia ninguém no horizonte, além de três figuras de pé e uma ajoelhada, presas a correntes escuras, com o semblante baixo.
Duas mulheres cercavam de cada lado o prisioneiro. Seus cabelos eram feitos de fogo, cujas chamas tremulavam fantasmagoricamente ao redor de suas cabeças, seus olhos eram vermelhos vivos e usavam longos vestidos negros de barras rasgadas, muito semelhantes ao que Hécate levava a maior parte do tempo. Entre elas, segurando as correntes do prisioneiro, havia um homem de pelo menos dois metros, corpulento, usava um macacão negro gasto, e botas feitas de couro também negro. Possuía olhos escuros e seu rosto tinham uma fisionomia quase Neandertal.
- Meneotes, Empusas – Cumprimentou Shun parando de pé frente ao seu grupo – Obrigado por trazê-lo para cá para nós. Podem se retirar agora, cuidaremos de tudo de agora em diante.
O vaqueiro apenas grunhiu como resposta, enquanto as mulheres responderam com um tom suave.
- Estamos a ordem, imperador – Disse a mais velha.
- Vigiar os condenados é nossa função – Disse igualmente monótona a mais nova, de cabelo mais curto.
E sem mais, ambas desapareceram em pleno ar. Com um novo grunhido descontente, Meneotes fez uma reverencia torta sem conseguir mexer bem a coluna, e foi embora caminhando lentamente.
Quando o homem estava já longe no horizonte, numa linha onde não poderia mais ser ferido, Shun voltou-se a todos.
-...Até agora, eu o estive selando com o meu poder, tentando assim atrasar a corrupção de sua alma. Por mais que tenhamos pesquisado, não encontramos muito mais sobre o efeito da flecha do destino – Dito isso estendeu a mão, e sobre ela, flutuante, apareceu a brilhante flecha negra e azul – Apenas que ela é feita de Oricalco e Adamantino. Uma combinação que eu nunca tinha visto antes.
- Mesmo que não tenhamos encontrado qualquer descrição que dissesse que a flecha pode ser nociva para a alma ou corpo, precisamos ter cuidado. – Seguiu Daidalos – Eu avisei para que Iatrós ficasse de prontidão, por si acaso.
-...Ah....Faraoh... – A conversa se deteve bruscamente quando um sussurrar áspero foi emitido a partir do escorpiano. - ...Pandora...
- ...Orphée, por favor, eu sei que esses dois nos fizeram sofrer, mas não conseguirá nada deixando sua alma se corromper pelo ódio e rancor! – Exclamou a jovem, levando a mão ao peito, porém, seu amor seguia sem parecer escutá-la, ainda de cabeça gancha.
- Eu desfarei meu selo, para termos certeza que meu poder não interferirá no efeito da flecha, então...
- Eu terei que segurar Orphée para que Daidalos possa atirar no coração dele – Concluiu Ikki, girando seus ombros para estralá-los.
Com isso, fazendo um suave movimento circular com a palma da mão para frente, formando uma meia lua, um arco negro flutuante surgiu frente a Shun, porém, antes que esse pudesse voar até Daidalos, alguém deu um passo para a frente.
- Não – Proferiu Eurídice com uma firmeza que sequer parecia ser sua – Por favor, me permita fazer isso.
- Eurídice, é muito perigoso – Advertiu Shun – Não temos ideia do efeito que ela poderá ter em ti, sabe bem que nas pesquisas que fizemos nada é dito sobre o que acontece com quem atira a flecha.
- Sim, eu sei – Disse ela resoluta, como alguém que não estava disposta a mudar de opinião - Mas isso tudo o que aconteceu a nós é minha culpa, depois de tudo que meu amor fez por mim, é o mínimo que posso fazer por ele.
Vendo que ela não estava disposta a mudar de opinião, Shun suspirou longamente, fazendo o arco voar em sua direção, até que a jovem o tomasse, mas a flecha seguiu flutuante junto ao imperador.
- Por favor tomem cuidado, todos vós – Impôs vendo os três, enquanto Ikki começava a avançar animado para sua presa – Se as coisas fugirem do controle, eu e Daidalos vamos intervir.
- Não será necessário! – Exclamou Benu, de costas, fazendo um gesto com a mão para seu irmão – Já pode soltá-lo, quero ver se um escorpião pode ser mesmo capaz de sequer ferir a pata de um Leão!
Dito isso, as correntes que seguravam o escorpiano começaram a despegar lentamente, até caírem pesadamente no chão, com um baque, e se desfazerem sobre a terra ardente.
Um cosmo violento e claramente perturbado começou a ser emitido em ondas, com tamanha intensidade que fez um pequeno corte surgir na bochecha esquerda do leonino, e ainda foi capaz de empurrar tanto Daidalos quanto Eurídice alguns passos para trás, enquanto fez apenas tremular a projeção astral do imperador.
- Fique atrás de mim, Eurídice, é mais seguro – Tentou argumentar o juiz, mas a guerreira negou com veemência.
- Eu estou bem, não se preocupe! – Impôs com firmeza.
- Ikki, tem certeza que não quer usar sua sobrepeliz nesse combate? – O imperador argumentou preocupado, vendo como Orphée levantava-se devagar, cambaleante.
- Eu não vou usar armadura, se Orphée também está desprovido da sua, assim fica mais interessante – Dito isso, arrancou a regata que recém havia colocado, lançando-a longe, a qual se carbonizou e virou pó antes mesmo de tocar o solo – Vamos ver se a teoria do Shiryu de lutar com tudo sem a armadura tem algum fundamento.
Então o músico ergueu o rosto, seus olhos finos, franzidos, com uma expressão congelada de ódio, uma nova onda de cosmo assumindo seus arredores.
-...É pior do que pensei... – Shun colocou, aflito, chamando a atenção dos outros três – Eu...Achei que ele estava preso em alguma ilusão em sua cabeça, parecida ao efeito do miasma na mente de Marin quando ela me executou, mas...Mesmo alguém afetado pela essência do submundo, ainda tem seus princípios, sua razão, porém ela está distorcida e perdida frente ao que os olhos de sua mente veem. Porém...Orphée...Não vejo qualquer sanidade em seu olhar, muito menos em sua alma...
- Seria como o efeito do Satã Imperial? – Questionou Ikki franzindo o rosto, lembrando-se imediatamente de Aioria.
- Não... – Negou com a cabeça – O satã imperial manipula a mente, não a destrói. O que está à sua frente é alguém movido apenas pelo ódio e desejo de vingança....Como...
- O mesmíssimo estado Berserker – Completou o espectro estralando os dedos – E...Há! Que ironia! Então será melhor do que eu imaginava!
Contudo, esse pequeno momento de distração foi fatal, porque frente aos seus olhos o outro havia simplesmente sumido.
- ...IKKI, CUIDADO!
Tarde demais, com um grito seco, Benu sentiu como algo simplesmente perfurava seu ombro direito, causando uma dor agoniante e indescritível. Por puro reflexo, deu um salto para trás, para presenciar, com choque, que a unha do dedo indicador direito do músico estava comprida, rubra, e da sua ponta escorria sangue, que vaporizava ao tocar o solo.
-...Isso....Não é possível...ANTARES?! – Reconheceu o golpe característico da oitava casa, já havia visto e sofrido ele em mais de uma vida, mas a sensação parecia ainda mais dolorosa. - ...Desde quando ele é capaz de fazer isso?!- Questionou, desviando de uma segunda agulha. – Eu imaginei que ele fosse um lutador apenas a longa distância!
- Ah...Me perdoe, eu não mencionei que meu Orphée chegou a ser cogitado como cavaleiro de Escorpião, por isso recebeu treinamento dessa casa. – Explicou a jovem aflita - ...Como está desarmado, instintivamente ele deve ter recorrido a isso...
Shun não disse nada, apenas olhando para seu mestre, vendo como este tinha o rosto franzido, encarando a execução de uma das técnicas que o havia matado.
- PODIA TER ME DITO ANTES – Berrou Ikki em resposta, fazendo a donzela estremecer e voltar a se desculpar. Então levou a mão direita para trás, para logo voltá-la para a frente, criando assim um tufão de ar em chamas, que acertou Orphée em cheio, lançando-o longe, para logo ser atingido por uma gigantesca ave de fogo com as asas abertas. – AVEEEE FÊEEEEEENIIIIX!!!!!
- ORPHÉEEEE!!!
O juiz fez menção de repreender Benu por usar um golpe tão mortal, mas como se seu aprendiz lesse seus pensamentos, comentou.
-... Não funcionou.
- O que...Mas – Porém não foi necessário completar sua pergunta, pois a figura do músico havia simplesmente se desfeito no nada.
- É a ilusão da Oitava Sinfonia*! Ele está em cima de você! – Exclamou a ex amazona.
Antes mesmo que a jovem falasse, o ex cavaleiro já havia sido alertado por seus sentidos.
- Crucificação Ankh! – Jogando ambos os braços para trás, com seus punhos fechados, chamas negras dispararam a partir de seu corpo, focando o prateado que caía em sua direção com a perna esticada, preparando o que parecia ser um chute. Os feixes atravessaram o corpo em queda, prendendo-o em pleno ar com labaredas que pareciam estacas, fazendo o corpo de Orphée figurar um perfeito formato de Cruz – AGORA EURÍDICE!
- NÃO! – Ela exclamou, na primeira vez que ouviu sua voz se exaltar – CUIDADO! ELE VAI USAR A MISO FONIA*, SAIA DE PERTO!
- É impossível ele se soltar disso! – Ainda assim escutou o conselho, dando um salto para trás.
A tempo.
Forçando seus braços a se juntarem, queimando seu próprio cosmo para isso, uma segunda agulha escarlate cresceu, dessa vez na mão esquerda, assim o músico levou uma palma virada para a outra, frente ao seu peito, encaixando uma unha dentro da contrária, raspando-as rapidamente, formando um som absurdamente agudo que fez todos presentes, com exceção de Shun, se arrepiarem.
Contudo, o mais impressionantes, foi a descarga que o atrito criou, como fagulhas que iniciavam o fogo, gerando um turbilhão em alguma medida similar ao Ave Fenix, destrutivo e estranhamente barulhento, que abriu uma cratera exatamente onde Ikki estava instantes antes, e conseguiu fazer seu usuário se libertar da Crucificação Ankh, pousando sem qualquer delicadeza no chão.
- Ikki! – Recriminou Daidalos, vendo como sangue escorria dos ombros e das pernas de Orphée. - Você não está se contendo.
- Eu não sou o único – Disse vendo como o escorpiano tornava a se levantar, cuspindo sangue, sua expressão seguia numa careta de ódio cego. – Ele é capaz de sentir dor ao menos?
- Não – Shun foi taxativo – Como um animal acuado, ele vai lutar até que...
Não teve tempo para mais, Orphée avançou a uma velocidade ridícula na direção do leonino, com as duas agulhas em posição.
Ao invés de recuar, Ikki correu na direção dele, com o intuito de não envolver Daidalos ou Eurídice no confronto.
- Corona Blast!! – Novamente jogando os braços para trás, o espectro dessa vez criou uma enorme esfera de cosmo-energia composta de chamas negras, contudo, não lançou ao seu inimigo, projetando-a apenas à sua frente, como uma muralha massiva de proteção.
Qual foi sua surpresa então quando o músico não deu qualquer importância para o inferno de fogo, entrando nele sem ressalva alguma com intuito de atingir mais agulhas em seu inimigo, seu corpo imediatamente pagando o preço, suas roupas, sua pele, sua alma, começando a arder frente aos olhos de todos.
- IKKI, ANULE SUA TÉCNICA AGORA!
Espantado como poucas as vezes em sua vida com o corpo à sua frente a ponto de se carbonizar, Benu obedeceu imediatamente.
E um grito de dor seu ecoo por todo o Tártaro como resultado, quando mais quatro agulhas escarlates perfuraram seu corpo.
Eurídice, tremula, deixou o arco cair ao chão, com um som agudo, levando ambas as mãos ao rosto, vendo a figura daquele que havia desistido de tudo de sua vida por ela, ressurgindo por entre as chamas, parte de sua bochecha direita em carne viva, mostrando um pouco de seu maxilar, seu ombro estava praticamente negro, e seu cabelo chamuscado e devorado pelas chamas agora chegava apenas até seus ouvidos.
- Não se desespere, Eurídice – Colocou Shun com um tom mais forte e imponente do que o seu habitual – Lembre-se que essa é uma projeção da alma de Orphée, esses ferimentos não são irreversíveis como seria se fosse seu corpo real aquele que enfrentamos. – Ainda assim engoliu em seco, vendo como Ikki caía de joelhos ao chão, abraçando o próprio corpo, tremendo de forma descontrolada, as cinco agulhas estavam colapsando seu sistema nervoso, a dor poderia até mesmo levá-lo a loucura nesse ritmo.
Isso porque Orphée lutava sem qualquer resguarda, sem se preocupar minimamente em dividir a dor excruciante em catorze agulhas e em Antares. Por mais que era extremamente doloroso testemunhar seu irmão passar por isso, Shun era consciente que se estivesse fisicamente ali, não conseguiria se controlar, e tendo sua energia e a de Hades somadas, poderia causar um estrago ainda maior tentando ajudar nesse momento.
- Eu irei intervir – Decretou com firmeza Daidalos enquanto a ex amazona se agachava tremula para recolher o arco. – Ikki pode acabar morrendo, mesmo sendo Benu, uma ressurreição tão brusca prejudicaria sua alma, sem mencionar o estado de Orphée...Prisão Cósmica*! – Sem esperar respostas do seu senhor, o juiz se posicionou à diante do grupo, com suas duas mãos para frente, como um títere pronto para controlar sua marionete. E assim, da ponta de seus dedos partiram correntes finas que prenderam as extremidades do cavaleiro, esticando seu corpo em X. – Eurídice.
A jovem confirmou com a cabeça, e estava para preparar o arco quando notou que Shun seguiu com a flecha do destino próxima a si, sem disponibilizá-la.
- Não adianta, isso não vai segurá-lo – Proclamou Shun apontando com o dedo, onde ambos viram espantado como o cosmo de Orphée seguia explodindo, porém não de forma desordenada, todo o contrário, pareciam formar à sua frente linhas, ironicamente, semelhante a habilidade de Minos – E o que ele está fazendo pode desviar o trajeto da flecha.
- ...O que ele está fazendo, exatamente? – Questionou o mais velho para a ex amazona – Como ainda pode ter tanto cosmo?
- Atro Réquiem* – Explicou Eurídice, engolindo em seco – Com essas linhas, e suas garras, ele pode produzir um efeito parecido ao Acorde Noturno, porém mais devastador, sem sequer precisar de sua Lira.
- Por algo ele era lendário, não é todo guerreiro músico que poderia mostrar tal capacidade destrutiva desprovido de sua arma fundamental – Colocou o imperador numa fria analise, surpreendendo o general, pois parecia manter a completa calma mesmo que seu irmão estivesse se contorcendo de dor poucos metros à sua frente.
Sequer parecia mais que estava frente a Shun, o que fez uma desconfiança crescer em sua mente, porque mesmo a aura que emanava era diferente.
E de fato, se não fosse pela influência de Hades, Shun já teria se deixado levar por suas emoções, pulando na frente de Ikki, mesmo que não fosse sólido.
O musicista começou a forçar os braços para frente novamente, com uma força surreal, fazendo o taurino ser arrastada devagar em sua direção, mesmo que com suma dificuldade, ele conseguiu assim posicionar esses mesmos braços adiante com as unhas para frente.
- Nesse ritmo a única forma de pará-lo é destruir sua alma – O seguinte dizer do imperador tomou os outros dois por surpresa – Isso se ele não fizer isso consigo antes, tu perguntaste de onde Orphée tira tanta energia, Daidalos, e a resposta é simples. Da queima de sua alma, veja, chamas brancas já começam a queimar ao seu redor.
-...O que isso significa? – Questionou aflito vendo que, de fato, ao tempo que Ikki conseguia se reerguer, mesmo que arfante, o cavaleiro seguia forçando suas mãos para frente, sob o som de ossos se partindo, sendo circulado além de seu cosmo, por quase imperceptíveis labaredas brancas.
O mais estranho de tudo é que não havia visto absolutamente nada sobre algo parecido em nenhum dos livros que leu com a ajuda de Trofônio. Tampouco tinha ideia de como Shun sabia de algo do gênero.
- Não se preocupem, eu tenho um plano. – Findou, para logo aumentar sua voz – IKKI! – Gritou chamando atenção de seu irmão – ELE IRÁ USAR UM GOLPE DE ÁREA, SAIA DAÍ! EU SEI O QUE FAZER!
Mesmo orgulhoso, Benu confirmou com a cabeça, confiava em Shun acima de tudo.
- Ele vai usar o Atro Réquiem agora! – Alertou Eurídice.
Tudo aconteceu muito rápido.
Orphée conseguiu soltar suas mãos o suficiente, fazendo as correntes voltarem ao seu senhor, para então usar suas unhas como palhetas nos fios de cosmo à sua frente, entoando a melodia de uma marcha fúnebre, que aos poucos destruía tudo ao seu redor, através de ondas ultrassonoras com um poder surreal.
- BENU! – Chamou Ikki, uma fenda se abriu imediatamente à sua frente, revelando sua sobrepeliz.
- DAIDALOS! – Shun ordenou, o juiz confirmou com a cabeça.
- DEFESA CIRCULAR!
E a explosão os engoliu completamente, se alastrando até um quilometro daquele infernal terreno.
Segundos antes da proteção se fechar, com um bater de asas, Benu conseguiu se infiltrar no resguardo férreo, parando próximo à projeção de Shun, ainda arfante, seu sangue começando a escorrer por entre os encaixes de sua armadura.
- ...Me perdoe irmão, por te colocar nessa situação – Disse aproximando-se do mesmo, desejando fervorosamente que pudesse tocá-lo, deixando a frieza e calculismo de Hades de lado, e voltando à sua empatia fervorosa, vendo que a mente contrária ainda parecia confusa pela dor de instantes antes, pela forma que visualmente se esforçava para compreender o mais novo. - ...Se eu soubesse que ele estava em Berserker... Eu devia ter previsto isso...
-...Shun...- Disse com esforço, fechando os olhos
Alheio a conversa o ex Cefeu seguia com sua proteção em volta de todos, com sua respiração engatada pelo esforço, dando tudo de si para evitar que a falha a cada 1/10000 segundos existisse e pudessem ficar expostos a emanação que ainda seguia no exterior.
- ...Cale a boca... – Findou Ikki sentando-se no chão - ...Eu estou bem, isso...Não vai me matar. Já passei por coisa pior com...Shaka.
Em resposta, o imperador não pôde deixar de sorrir, fazia muito tempo que não ouvia seu irmão o tratando de forma tão desrespeitosa e ofensiva.
-...Qual...Seu plano...? - Conseguiu dizer encarando a bruma, Eurídice também olhou para o imperador aflita.
-...Exigirá ainda mais de ti... – Admitiu com pesar.
- ...Se não agirmos rápido, ele vai se matar – Afirmou – Não há tempo para se preocupar comigo – Voltou-se para fora da proteção, vendo como o músico seguia com aquela explosão sem sentido, tentando destruir a defesa de Daidalos, que começava a suar pelo esforço, mas não parecia perto de vacilar. – Depois de tudo que aconteceu com ele... Eu não quero que termine assim...- Apertou os punhos com força.
Shun ampliou os olhos com aquela resposta, partindo de Hades a lembrança de que Benu, há milênios, em sua primeira vida, Aisakos, havia decidido juntar-se ao imperador para que sua esposa falecida, antes dele, pudesse desfrutar da plenitude eterna do Olimpo. Se isso não fosse o bastante para fazer Ikki empatizar com Orphée, havia ainda todo esse instinto protetor de Kagaho, que muito se assemelhava à total entrega, sem ressalvas, do prateado à sua amada.
-...Eu estou disposto a fazer o que for necessário para trazermos ele de volta – Findou com firmeza, ignorante dos pensamentos de seu senhor.
-...Muito bem... - Sorriu, apesar do que estava prestes a sugerir – Eu preciso que tu sejas meu receptáculo.
-...Isso é possível? – Foi a primeira coisa que foi capaz de perguntar, levando a mão a cabeça. – Por que não me disse antes? Eu podia ter permitido que você pudesse andar por aí de verdade se soubesse! E não se limitasse a essa bruma idiota o tempo todo!
- ...Sim... É possível, mas se demorarmos demais, eu posso te matar...Ou pior... – Findou, desviando o olhar – À essa altura, minha alma tem o peso de um deus. Apenas um receptáculo perfeito como Julian Solo, Astrapí ou - Hesitou -...Eu mesmo...Poderia suportar isso...Contudo, por termos o mesmo sangue, tu sobreviverias, mas apenas a troca de muita dor...Tendo um corpo, eu posso atuar, usar meus poderes como imperador das almas para controlar a de Orphée, para podermos enfim atirar. É a solução que pensei, já que não podemos pará-lo a força.
- Vamos tentar – Ergueu-se – Só precisamos ser rápidos, é isso.
Um grunhido de Daidalos denunciou que o tempo deles se esgotava.
- ...Que assim seja então...Possessão Demoníaca*... – E assim sua forma se desfez.
-...Eu odiei esse nome, por que não “possessão divina?” – Resmungou Ikki.
Do salão do trono, mais precisamente, de dentro do cadáver sobre o mesmíssimo trono, uma alma brilhante saiu, que, no entanto, possuía resquícios negros que palideciam um pouco do seu brilho. Voo em alta velocidade daquela sala, passou por cima do Cocítos, atravessou o Flegetonte, e ultrapassou sem dificuldades as portas do Tártaro.
Antes que Eurídice pudesse responder seu comentário, ou mesmo antes que a proteção de Daidalos se desfizesse com o falhar de sua energia, Ikki de Benu sentiu como algo o atingia pelas costas.
Era sem dúvida a pior sensação da sua vida.
- DEFESA CIRCULAR!
E milésimos antes que todos ali ficassem expostos, uma nova defesa se ergueu, dessa vez compostos por correntes grossas, feitas de puro cosmo negro, porém sem estarem presas as mãos de Ikki.
O qual estava parado, observando suas próprias palmas.
-...Eu tinha me esquecido da sensação do tato...Daqui dezenove anos estarei muito enferrujado – Comentou, ainda com a voz de seu irmão. Visualmente estava exatamente igual, com exceção de seus olhos, pois agora um era esmeraldino, enquanto o outro era azul claro.
-...Você...Vocês estão bem?- Perguntou o juiz, arfante.
“-Ikki....Você está aí....?”
- Sim, nós estamos, você se preocupa demais Daidalos – A resposta que saiu de seus mesmos lábios, trouxe consigo uma grande sensação de alívio.
“-...Hades...Também está aqui...?” – Questionou receoso o ex Fênix.
“- ...Tu podes dizer que sim...” – A resposta daquela voz sombria o sobressaltou, assustando a ex amazona e o juiz.
“-HADES! SE VOCÊ FIZER QUALQUER COISA CONTRA SHUN EU...!”
“-...Olá Aisakos...” – A voz se limitou a responder, com total tranquilidade “-...Saiba que eu não guardo rancor por tua traição. Sabia que era inevitável que voltasse a servir o submundo de qualquer forma. A influência que tenho sobre vós todos espectros é grande demais para ser quebrada apenas pela vontade. Pois foi um voto real e sincero, mesmo que milenar. Isso é tudo que eu tenho a dizer...”
- ... – Pensou em berrar que estava ali por Shun, e apenas por ele, mas essas palavras perdiam força uma vez que o mesmíssimo Hades vivia dentro de seu irmão, como se fossem a mesma pessoa.
Contudo, não pôde mais se preocupar com isso, pois no segundo seguinte teve os ombros tomados por Daidalos, que o observava com suma preocupação.
-...Shun?...Ikki? O que houve? Vocês...Estão simplesmente parados e... – Desviou o olhar para Orphée, caído no chão, sem forças, ainda assim, forçando a si mesmo a levantar, uma massa violenta de cosmo ainda ao seu redor.
- Tem razão Mestre, não há tempo para discussões – Respondeu, dito isso partiu na direção do cavaleiro. – Eurídice, eu imobilizarei o corpo dele com o meu poder, então você...- Porém, foi interrompido.
- Atro Réquiem novamente! – Exclamou a jovem.
Outra vez as cordas de cosmo se fizeram presentes, e Orphée as tocou mesmo que apenas semi-erguido.
- RELÂMPAGO NEGRO!! – Exclamou Ikki, porém ao invés de usar a Espada do Submundo como Hades, ou o braço como Shun, levou a mão direita para trás, como Aioria fazia seu Cápsula do Poder.
Os dois golpes se chocaram e se anularam completamente, antes que o movimento do músico pudesse fazer qualquer novo estrago.
- Já chega Orphée. Acabou. – Então seus olhos brilharam em amarelo e imediatamente o corpo do cavaleiro se tensou. – Chamado das almas!*
E com um simples movimento de dedos, o corpo de Orphée ficou de pé e estendeu os braços.
- Há...Se eu soubesse antes que seria tão fácil com sua ajuda – Ironizou Ikki, mas Shun não o respondeu. – Pode atirar, Eurídice.
Ao fim de suas palavras, a flecha que ainda flutuava próximo aos outros dois, voou até parar frente a guerreira.
Assim que a tocou, o corpo inteiro da amazona começou a tremer, como se estivesse recebendo uma intensa descarga elétrica.
- Eurídice! – Disseram Daidalos e Shun ao mesmo tempo.
-...Estou bem...- Ela disse, entre dentes - ...Eu só...Vou chegar mais perto, faz muitos anos que eu...Não treino...minha...Mira...
O corpo dela parecia prestes a convulsionar, sua respiração era arfante, era notório que o cosmo por vezes vermelho, por vezes prateado, da flecha estava consumindo-a.
-...Eurídice, eu posso...! – Tentou ofertar Daidalos, dando um passo a frente.
- N-não!! Eu...Eu tenho que...Fazer alguma coisa também...!! Eu...Fiquei... – Sangue começou a escorrer dos poros de suas mãos, enquanto a ponta de seus dedos começava a escurecer, necrosando- ...Anos....Décadas...Parada...Apenas vendo Orphée sofrer, por querer me salvar...! – Lágrimas rolavam por seus olhos que aos poucos perdiam seu brilho - ... Eu quero poder....Salvá-lo também!
E assim, a pouco mais de um metro de distância, a flecha foi lançada.
A mesma atingiu o coração do músico sem vacilar, criando uma luz verdadeiramente cegante. Fazendo, pela primeira vez na existência, todo o breu se iluminar, dissipando a escuridão do lugar, como se o mesmíssimo sol tivesse nascido no Tártaro, mesmo que seu brilho fosse, ironicamente, rosado.
Os titãs ali aprisionados ergueram suas cabeças um a um para presenciar tamanho fenômeno peculiar, as miseráveis almas dos mais vis seres das épocas passadas, os injustiçados pelos deuses, todos que ali estavam, pararam seu lamento e dor, uma a uma, para presenciar a mistura de dois cosmos tão diferentes entre si, e seu resultado tão particular e espetacular.
“Orphée...Esse é seu nome...?”
Porém, apenas uma pessoa em concreto não via nada daquele espetáculo, porque seus olhos estavam completamente nublado por lágrimas.
“Ouvi falar muito de você, apenas isso...”
-..Eurí....- Caiu de joelhos ao chão.
“O lendário Orphée, capaz de derrotar um comandante de Ares, é normal uma simples amazona como eu ficar interessada, não?”
-...Eurídice....- Ikki rapidamente correu para impedir que a jovem, agora inconsciente despencasse no chão.
“O que acha de treinarmos juntos? Já vou avisando para não me subestimar!”
-...Meu amor...- Daidalos correu até o cavaleiro.
“Sua melodia é realmente linda...Tem certeza que você devia ser um cavaleiro? Tem muito talento! Poderia fazer tanta coisa...”
-...Ah...Eurídice...- O tomou em seu colo, enquanto Ikki fazia o mesmo com a grega.
“...Sabe Orphée...Eu tenho um sonho, além das guerras e desse lugar...Eu queria ter uma família...Ser mãe...Eu sei que soa ridículo para uma amazona, mas...Eu já falei muito, me diga você, tem algum sonho...?”
- ...Meu sonho...Nosso sonho...
“...Essa música é mesmo para mim...? Nossa...Eu...Sinceramente não sei o que dizer...Qual o nome dela?”
-...Como pude...Esquecer....- Ambos corriam o mais rápido que podiam para sair do Tártaro, o qual o céu continuava resplendendo, agora hora prateado, hora vermelho vivo.
“...Se você ganhar, talvez, apenas talvez, eu te mostre meu rosto, o que me diz?”
-...Meu amor...Razão da minha...Existência...- E das portas do Tártaro as figuras, sobrevoaram os rios do submundo, com as asas de suas sobrepelizes abertas, por mais que a de Griffon não conseguisse subir tanto quanto a de Benu.
“Quebrar minha máscara! Sério? Que antiquado! Haha...Mas eu não...Me importo de seguir as regras, sabe...Então...Você...Se casaria comigo?”
E então não via mais o submundo, ao invés disso, via uma jovem de vestido a meio vestir, caída ao chão, enquanto se aproximava até ela a passos vacilantes, caindo de joelhos ao lado de seu corpo, para então lamentar, lamentar sobre o cadáver daquela que sonhava que um dia seria sua esposa.
-.-.-.-.-
Três meses após a chegada de Soleil ao santuário, e três meses da estada de Hyoga no Japão.
Saori Kido, milionária, herdeira dos bens e riquezas do magnata Mitsumasa Kido, não poderia estar mais feliz. Estava frente ao espelho, tentando se decidir sobre que roupa iria vestir para a grande festa que iria aquela noite.
- Tem certeza que gostaria de ir, Saori? Quer dizer...Julian Solo estará lá... – Perguntou June. Mesmo que se sentisse muito bem por aquela que agora considerava mais que sua deusa, uma amiga, estar radiante, não podia deixar de se preocupar.
No ano que se seguiu após a morte de Shun, quando ambas abandonaram o santuário e foram viver no Japão, sempre encontrou a deusa muito abatida, triste e infeliz, por vezes até evitando-a, e fazendo isso até mesmo com Seiya, seu fiel protetor.
Essa situação se estendeu por quase metade do ano de 1994, até o momento que o sagitariano retornou ao Japão para conhecer o filho de Aioria e sua mestra, já levando consigo a pequena Suite, a qual havia simplesmente se encantado e não desgrudado desde que a conheceu até enfim, para a surpresa de todos, manifestou interesse em adotá-la.
Enfim a sós, dado dia, quando June enfim reuniu coragem, abandonando os protocolos sobre os quais cresceu, enfim confrontou a jovem japonesa, compreendendo finalmente os seus motivos.
Ela se culpava. Se culpava severamente de que a morte de Shun fosse sua culpa, pois as Moiras haviam lhe avisado que um sacrifício definitivo precisava ser feito, e ainda assim ignorou os avisos, cega em seu afã de salvar Seiya custe o que custasse. Por isso Saori a evitava por vezes, por isso tinha vergonha de retornar ao santuário e encarar seus antigos companheiros nos olhos, simplesmente não conseguia se ver recebendo reverências dos recém ressuscitados cavaleiros de ouro, quando sentia que simplesmente não as merecia, que havia falhado como a deusa da sabedoria, e por essa falha, perdido um de seus companheiros mais queridos e leais.
Dessa forma, como fez na maior parte de sua vida repleta de luxos, tinha passado boa parte do tempo tentando afogar suas magoas através do consumo. Tentando fingir que os anos que passou como Athena nunca tinham existido, porém, isso não apenas não havia funcionado, como também fez uma divida crescer para os Kido, impactando diretamente na remessa de dinheiro que enviava ao santuário, fazendo uma crescente culpa carcomer seu ser. Assim ela começou a trabalhar mais na empresa para compensar suas falhas com seus amigos e supostos servos, até chegar a um ponto que Tatsumi veio procurá-la, preocupado pela saúde de sua senhora que não chegava a dormir por três horas, para logo voltar ao trabalho.
“-...Se eu tivesse sido mais sábia, levado mais tempo para pensar na situação...Talvez...” – Havia confessado a japonesa meses atrás, aos prantos, quando finalmente quebrou ao ser confrontada, sentada em sua cama, sendo amparada pela ex amazona.
“-...Senhorita Saori, Seiya tinha pouco tempo de vida. Vocês estavam sobre muita pressão, e...Mesmo que você tivesse parado para pensar em outro caminho, tenho certeza que isso não impediria Shun de seguir o caminho que ele seguiu...” – Expôs, na ocasião, atrevendo-se a sentar-se ao lado dela.
“-...Você o amava June... Como pode não me culpar pela morte dele?” – Sua voz saía aguda, seu rímel borrando em seus olhos.
“-...O miasma, e a bondade no coração de Shun, esse desejo de sempre se sacrificar pelos outros o mataram, não a senhorita.” – Nesses meses, ainda sentia muita dor ao se lembrar daquele que poderia ter sido seu amor para toda a vida, e que simplesmente havia sido arrebatado de suas mãos. Porém, não podia deixar sua deusa nesse estado, Shun não desejaria algo assim. “-...Eu entendo sua dor, mas por favor, não se aflija mais...Não se isole mais...”
Nessa noite, conversaram por horas a fio, em que confessaram seus medos uma a outra, principalmente aqueles relativos as Guerras Santas, June confessou o quão difícil foi perder seu mestre Daidalos, e como ainda não estava pronta para perdoar Milo de Escorpião por isso, muito menos Saga de Gêmeos, de quem a ordem partiu. Por sua vez, Saori, expressou como se sentia perdida desde que seu avô faleceu, e pouco tempo depois, havia simplesmente sido jogada de cabeça nesse universo de deuses gregos, sem chances de retorno.
“-...Eu sempre penso no que poderia ter sido minha vida, se...Isso...Não tivesse acontecido”- Chegou a comentar a divina com desgosto, encarando suas próprias mãos “-...Nunca foi me dado uma escolha, nunca foi me perguntado se eu queria ser Athena e defender a Terra...” – Suspirou fundo, desviando o olhar, envergonhada – “...Eu sei que soa egoísmo falar dessa forma, mas...Foi uma mudança muito brusca no estilo de vida que eu levei até minha adolescência. Eu realmente tentei me entregar de cabeça na vida simples e imaterial que ser a deusa Athena exigia...Porém era muito difícil, principalmente aquela cama de pedra” – Um arrepio percorria sua espinha – “...Eu não falo apenas por mim, que 100 crianças tenham sido enviadas assim para conseguir armaduras para defenderem a Terra, eu sei que a intenção do meu avó era proteger o mundo, ainda assim...Foi algo...Realmente cruel...”
Seguiram abrindo seu coração, ambas se sentindo muito à vontade com a presença da outra, como se se conhecessem de toda a vida, o suficiente para fazer a divindade, que insistia em ser chamada apenas de “Saori”, sentisse segurança para proferir algo que sempre esteve muito oculto em seu ser, desde que a guerra contra o santuário começou e infelizmente foi se tornando consciente de que não deveria nutrir tais sentimentos.
“-...Eu...Amo o Seiya, por isso... Agi tão impulsivamente para protegê-lo” – Desviou o olhar, sem coragem para encarar a jovem loira que abriu os olhos surpresa, até porque não sabia muito da relação dos dois até então, já que a deusa o havia evitado a maior parte do tempo pela culpa que sentia. – “...Não precisa me dizer que...Como a deusa virgem eu jamais poderei me relacionar com ninguém...” – Proferiu na ocasião, mais lágrimas despontando de seus orbes até o leito. “-... Eu sei muito bem, que apesar de a guerra ter terminado, das batalhas terem se findado, eu terei apenas que me contentar a ver Seiya e os outros criando suas próprias famílias, dando origem a uma nova geração, enquanto eu apenas continuo igual, parada no tempo, como se fosse a mesmíssima estatua da divina Athena no Santuário...”
“-Tudo bem, eu não vou te julgar, Saori” – Disse em tom suave a jovem colocando uma mão em seu ombro, tristeza estampada em sua própria face. “-...Pois eu entendo bem o que é ter aquilo que amamos...Tirado de nós sem que nada possa ser feito...”
Essas palavras retumbaram naquele luxuoso quarto, fazendo ambas abraçarem-se, consolando uma a outra. A japonesa sentindo-se mal pela recente amiga, porque ao menos, ainda podia ver Seiya quando quisesse, enquanto June pensava o quão difícil deveria ser ter quem amava à sua frente por toda a sua vida, e nunca poder entregar-lhe seu coração.
A empatia daquela noite, foi aos poucos fazendo com que uma sincera amizade acabasse crescendo entre ambas as mulheres.
Era por isso que June se sentia feliz em ver a japonesa tão animada, experimentando vários vestidos longos de cores claras, e vendo-se no espelho para ver como tinha ficado como uma jovem adulta normal faria, preparando-se para uma importante festa.
Boa parte desse novo entusiasmo se devia a uma figura da qual jamais imaginaria, levando-se em conta as histórias que ouviu ao seu respeito sobre sua atitude ríspida.
Hyoga.
Quando chegou, Athena se sentiu desconfortável na presença do cavaleiro, da mesma forma que ficou com Seiya, e por isso Tatsumi estava muito tentado de expulsá-lo da mansão. Porém, muito mais rápido que June, o russo confrontou sua divindade, garantindo-lhe que não a culpava pelo fim que Shun havia tomado e que por parte dele, não precisava se preocupar.
Isso claramente fez a japonesa sentir-se um pouco mais tranquila, mas não completamente, talvez por isso, numa atitude surpreendente, Hyoga começou a trazer flores para ela, de diferentes tipos, de adocicados aromas, e a cada novo ramo, mais a jovem retornava a sua vivacidade e felicidade típicas de sua idade.
- Não importa, que Julian esteja lá – Colocou sem importância Saori, respondendo a pergunta de sua amiga trazida de volta a realidade, colocando um vestido de tom verde claro e observando-se de todos os ângulos – Você conseguiu intermediário em japonês em apenas um ano! Isso merece sem dúvida uma comemoração. Além do que, mesmo que tivesse sido o receptáculo de Poseidon, Julian agora é só um jovem rico normal.
Uma batida suave na porta, porém, interrompeu a amigável conversa.
- Com licença – Era a voz do mesmíssimo Hyoga, e como já era costume, trazia em suas mãos um grande buque de flores, dessa vez tulipas amarelas. – A limosine já está nos esperando lá fora.
- Mas já?! - Exasperou-se a deusa, tentando cachear seus cabelos com os dedos. – Mas ainda é cedo!
- Sim, mas como representante de uma importante família japonesa, é primordial que cheguemos cedo, por isso, eu tomei a liberdade de avisar o motorista de antemão. – Colocou com seu tom convencional, entrando no quarto e entregando com suavidade o ramo para sua senhora.
- Você está falando como o Tatsumi! – Exclamou a japonesa, respirando profundamente o aromático das pétalas, com um suave sorriso no rosto.
- Deixa que eu coloco em um vaso para você Saori, eu já terminei de me arrumar – Comentou June aproximando-se e estendendo as mãos para que a japonesa lhe entregasse. – Assim você ganha tempo.
Contudo, ela hesitou por alguns instantes, como se estivesse hipnotizada pela beleza do ramo, mas tal gesto durou meros segundos, pois logo o entregou para seguir mexendo em seus cabelos.
– Sim! Tempo! Eu ainda preciso me maquiar! – E correu para seu banheiro enquanto a etíope saltava uma risadinha.
- Não se preocupe, eu ajudo ela com o que precisar, já estou pronto também – Garantiu o cavaleiro, que vestia um terno formal azul escuro, mesma cor de suas calças.
- Tudo bem, mas nem pense em espiá-la, heeeim! – Decretou com firmeza, fazendo o sério russo franzir a expressão.
- Eu jamais causaria tamanho sacrilégio desrespeitando assim minha deusa – Colocou com firmeza e convicção.
- Acho bom – E assim a jovem se retirou.
Estando agora sozinho no quarto, caminhou até uma pequena escrivaninha próxima a uma luxuosa cama, na qual Saori Kido por vezes seguia trabalhando mesmo depois de sair de seu escritório até altas horas da noite, e sentou na cadeira de couro para esperar a dona do quarto retornar maquiada.
Observou com desinteresse vários documentos empilhados, em sua maioria escritos em japonês. Se estava compreendendo bem, parecia ser que as empresas Kido estavam se recuperando bem da crise na qual sua dona a havia mergulhado devido a, sobretudo, impulsos adolescentes e má planejamento, principalmente após eventos tão trágicos como havia sido a Guerra Santa contra Hades e a morte de Shun.
Na parede, frente a si, estava um espelho, olhou sua própria aparência através dele. Era um homem pálido, de intensos olhos azuis claros, de um cabelo loiro volumoso, o qual estava deixando crescer, e possuía um tapa-olho decorado com uma matrioshka, presente de Saori, em seu olho esquerdo. Devido a uma infecção, um ferimento que a principio pensou que era superficial, acabou se tornando uma úlcera de córnea, que por não ser tratado devidamente pelo teimoso e orgulhoso russo, que via aquilo como um preço justo pelo que tinha feito Isaak passar, acabou ocasionando na perda desse olho.
“- O que foi que tanto olha? Será que o podeeeroooso Chronos, agora que tem um corpo humano, começou a se preocupar com sua aparência?...” – Uma voz feminina e provocante soou pelo recinto, fazendo o jovem cavaleiro franzir a expressão vendo como o espelho começava a escurecer, tornando-se negro, enquanto uma figura começava a se formar nele.
No entanto, o mesmo esticou sua mão, tocando a superfície vidrosa, seus olhos brilhando em amarelo vivo e seus cabelos reluzindo em um sutil prateado.
“Eu não vou permitir que apareça frente a Athena assim, tão descuidadamente, ela não é tão estupida” – Respondeu em sua cabeça. Um relógio sobre a cama, parado faltando três minutos para as seis da noite, indicava que o tempo ao seu redor havia igualmente se estagnado para dar margem àquela conversa.
“-...Eeeu tenho as minhas dúvidas, meu caro Chronos. Porém isso não importa agora...” – Sua voz então passou a uma séria e fria, enquanto a imagem começava a retroceder e voltar a ser apenas um objeto normal e recorrente. “...- Eu fiz a minha parte. Aliás, eu estou fazendo a minha parte há dezenove anos, e ainda não obtive todo o meu pagamento...”
“Seja paciente, Aphrodite, tu terá o que quer, quando for a hora.” – Decretou de forma solene.
“-...Tu és o deus do tempo Chronos, não eu. Seja breve, ou eu terei que tomar cartas nesse assunto, nem que eu tenha que eu mesma deflorar cada pétala de Athena por minha conta. Eu a repugno acima de tudo por roubar a atenção de Ares de mim, porém nada que alguns vinhos de Dionísio não me convençam a fazer. Por mais que seja um imprestável para me dar um filho decente, suas bebidas, ao menos, são uteis...”
Isso fez o deus franzir a expressão.
“Não será necessário. Quando tu ajudastes Mitsumasa Kido, a meu pedido, a engendrar os 101 filhos que eu necessitava para que o destino ideal fosse escrito, tu obtiveste sem demora teu pagamento, tomando para si os sacrifícios de suas noventa e nove mulheres. Por que crês que te defraudaria agora?”
“...- Mas tu ficaste com as 88 almas que morreram, ou seja, foste duplamente beneficiado!...” – Resmungou desgostosa “-...Além disso, eu simplesmente não consigo entender o que providenciar o nascimento do sucessor de Hades e do Cavalo de Athena pode ser de alguma forma útil. Tu deveria desejar justamente o contrário, que eles jamais tivessem nascido, ao invés de buscar minha ajuda para auxiliá-los a vir a esse mundo, já que tu desejas a destruição deles...”
“Está escrito a fogo no livro do destino de Moros que Athena e Hades devem reencarnar, eu não poderia alterar isso, caso contrário, Moros ficaria diretamente no meu caminho. Contudo, nada me impedia de criar um cenário favorável para seus nascimentos. Eu venho criando esse cenário perfeito há milênios, desde que Zeus caiu as mãos de Pégaso, todas as vezes que auxiliei Athena e seu exército, como ajudei o sobrevivente Avenir de Áries a viajar no tempo após a vitória de Hades em seu tempo, quando induzi as reencarnações dos guerreiros da deusa, e da própria, a emergirem em Avalon ao invés da própria Grécia no século IV, ou mesmo quando detive o andamento da peste negra para que não atingisse o santuário ainda em desfalque pela Guerra Santa de um século antes, foi tudo para chegar ao cenário que se pintará frente à nossos olhos daqui há dezenove anos. Portanto, se eu pude esperar milênios, tenho claro que tu podes esperar duas décadas para ter seus desejos nem um pouco pulcros realizados”
Um longo silêncio se fez, até que a voz irritada da divindade voltou a se pronunciar.
“...- Ganhaste, eu esperarei, porém, não aceitarei nada menos que as pernas de Athena decepadas em uma bandeja de prata, com a vulva bem aberta para mim, completamente diferente a repugnante imagem de puritana que o Olimpo teve que engolir por milênios desde que aquela desgraça nasceu da testa de Zeus!...”
O deus franziu a expressão com desgosto pela imagem mental, porém não sentiu mais sinais da divindade, motivo pelo qual fez o tempo voltar a correr.
Então não demorou muito para Saori sair do seu banheiro privativo.
- Como eu estou? – Questionou exibindo uma maquiagem suave, de bochechas levemente rosadas, uma sombra lilás e um suave batom rosa claro.
Hyoga levantou-se.
- Creio que agora eu entendo a perfeição a diferença entre bela e linda – Comentou aproximando-se e fazendo a se ruborizar prontamente. Tomou com delicadeza a mão dela, levando-a aos lábios e depositando um casto e cavalheiresco beijo ali, apenas a envergonhando mais.
-...Também não precisa exagerar... – Disse, desviando o olhar, colocando um cacho de cabelo atrás da orelha.
Ao invés de responder, Hyoga suavemente ergueu-se e tomou com gentileza as mão dela, conduzindo-a até o alto espelho que a deusa usava antes.
- Então veja com seus próprios olhos – Declarou, soltando-a e observando como ela se envaidecia frente a tantos elogios, vendo a si mesma. – Mas...
- Mas...? – Incentivou, voltando o rosto ao cavaleiro.
- Nada, esqueça, seria muito atrevimento meu dizer algo assim – Desviou o olhar para a porta. – Uma deusa como você não precisa da minha reles opinião.
Saori franziu a expressão, encarando-o completamente.
- Hyoga, você e seus irmãos salvaram a minha vida, mais do que isso, salvaram a Terra! Eu devo tanto a todos vocês...Mais do que eu tenho certeza que serei capaz de pagar nessa vida, por isso, não tenha receio de dizer algo para mim. Somos amigos, acima de qualquer papel de deusa e servo, certo?
Ele respirou profundamente, vencido.
-...Eu só ia dizer que você ficaria ainda mais linda com seu vestido roxo. – Comentou sem encará-la. – Esse expõe muito sua figura.
Saori tornou a se olhar no espelho depois desses dizeres, dando um novo olhar a si mesma, já não se achando tão bonita quanto antes, notando pela primeira vez como o decote daquele vestido que tanto gostava parecia realmente acentuado.
-...Creio que tem razão...- Colocou hesitante - Porém já estamos atrasados.
- Tenho certeza que o motorista pode esperar mais alguns minutinhos – Colocou com um sorriso.
-...Hmmm...- Franziu a expressão para seu reflexo, para logo assumir uma resolução - Certo, confio em você, vou me trocar. Avise June, encontro vocês no salão de entrada! – Dito isso correu até seu armário – Eu estarei pronta em um minuto.
- Como desejar – Fez uma suave reverência, seu sorriso se ampliando mais, e então se retirou, fechando a porta ao passar.
No hall, como esperava, encontrou-se com a ex amazona, que ao vê-lo chegando dirigiu-se a si.
- Onde está a Saori? Ainda se maquiando? – Perguntou estranhada.
- Ela decidiu mudar de vestido – Disse simplesmente.
- Mas aquele vestido já estava tão perfeito nela – Comentou, pensando em subir.
- Se você for argumentar com ela sobre isso, ela irá querer trocar de novo – Opinou – Eu vou avisar o motorista.
- Tudo bem, eu vou esperar aqui – E assim o russo partiu, deixando a jovem sozinha no hall - ... Estranho ela mudar de opinião assim... Bem, creio que não tem problema – Disse olhando para um relógio de pulso – Como Hyoga se adiantou demais, ainda estamos em tempo.
-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-
Seis meses após a utilização da Flecha do Destino.
- Com licença? – Questionou a voz doce de uma mulher, frente aos enormes portões do salão do trono, e como se respondesse ao som de sua voz, as mesmas se abriram prontamente.
O casal foi recebido pela imagem do mesmíssimo imperador, de pé na parte baixa do salão, Eurídice dedicou-lhe um sorriso radiante, suas mãos estavam envoltas em ataduras, mas de resto parecia bem, e por isso servia de apoio para quem estava do seu lado direito, segurando em seu ombro, Orphée, o qual possuía curativos em metade do seu rosto, além de uma expressão meio hesitante, que tentou disfarçar sorrindo amarelo.
- Olá Orphée... – Cumprimentou o imperador se aproximando – Queria ter ido vê-lo assim que soube que enfim acordaste, mas achei melhor esperar Eurídice te explicar tudo com calma...
O cavaleiro não respondeu de imediato, estranhando a forma de falar do virginiano, pois não lembrava que o mesmo falasse assim quando o conheceu.
- Ehem, Orphée, não seja mal-educado. – Repreendeu docemente Eurídice.
-...Sim...É muita coisa para digerir e...De toda a forma, olá Shun...Digo...
- Shun está bem – Disse sentando-se em pleno ar, o que surpreendeu e assustou o escorpiano, pois até então não havia notado que o outro não era físico.
- Aaah sim, eu esqueci de comentar o detalhe do seu corpo, Shun – Acrescentou Eurídice com uma suave expressão de culpa apontando para o cadáver sentado no trono, o que chocou ainda mais o pobre escorpiano.
-...E imaginar que a ilusão que eu destruí, que aquele que eu ajudei com o intuito de derrotar Hades...Viria a sucedê-lo... – Comentou com um deixe de desconfiança encarando o outro com o cenho franzido. – E receberia a mim e Eurídice justamente no salão onde eu perdi minha vida.
- Orphée! Shun salvou sua alma! Não seja grosseiro! – Ralhou. – Ele e seu irmão fizeram muito por nós.
-Tudo bem Eurídice, eu entendo toda a confusão e insegurança dele, é normal. – Comentou Shun, vetando importância - Por isso eu pedi que vós viésseis tão pronto como possível – Começou a caminhar pelo salão, parando no local exato onde um dia existiu um baú cheio de flores com dois cavaleiros escondidos dentro – Eu recém me tornei o imperador do submundo, na verdade isso já faz um ano e meio, mas aqui nesse reino isso não significa mais tempo do que a duração de um sofro. Ainda assim, eu queria que esse momento tivesse acontecido há dois invernos, contudo, infelizmente sua condição não me permitiu Orphée, eu sinto muito.
-...Não há o que desculpar sobre isso, suponho – Acrescentou o mais polido que pôde.
- Nós demoramos muito para achar a flecha, e mais um bom tempo para saber que ela existia. – Lamentou a jovem.
- Porém, agora que isso está no passado, eu queria garantir-lhes que vocês não estão ligados de modo algum a mim, mesmo depois do que fizemos. – Isso fez Orphée erguer as sobrancelhas e ampliar o olhar, enquanto a ex amazona se limitou a sorrir com carinho – Considerem tudo como um pedido pessoal meu de desculpas pelo que Faraoh e Pandora fizeram vocês sofrerem.
- É...Realmente muita bondade sua, Shun – Comentou desconcertado o músico.
- E isso não é tudo – Disse voltando a encará-los, com a mesma expressão bondosa e empática que o cavaleiro havia conhecido durante a guerra santa – Eurídice, tu tens a minha permissão para ingressar novamente aos Elísios, para então voltar a reencarnar na Terra, até mesmo como amazona de Athena, se quiser. Como eu já havia te dito antes.
- Eu me sinto realmente agradecida Shun – Colocou ela em seu tom doce - Mas...E quanto a Orphée...?
Então a expressão do imperador entristeceu-se um pouco.
-...Mesmo...Seis meses é pouco para uma alma apodrecida se recuperar – Confessou encarando o prateado – Seu ser ainda está sujo Orphée, apesar de suas boas memórias de volta, a flecha não limpou sua alma. Por isso eu não posso permitir que vá aos Elísios agora... – À esses disseres, o mencionado simplesmente baixou a cabeça abatido.
-...Mas...Eu não penso ir para o paraíso sem meu Orphée... – Disse pesarosa a única mulher, segurando seu amado com mais força – Não há outro jeito?
- Será apenas por dezoito anos – Seguiu o imperador com a esperança de animar o casal – Assim que a alma dele estiver purificada trabalhando no submundo, eu o enviarei até você.
Isso fez o grego reerguer a cabeça, agora pensativo.
- De modo algum! – Mas ambos se surpreenderam com a resposta veemente de quem costumava ser apenas doce e tranquila – Se meu marido não for comigo aos Elísios agora, eu ficarei com ele no submundo até que possamos ir.
- De forma alguma eu vou permitir isso! – Contestou o cavaleiro com olhar franzido – Além disso...Não chegamos a nos casar...Lembra?
- Outra razão pela qual eu posso tomar minha própria decisão. Pelos livros que eu li com Shun enquanto tentávamos encontrar uma forma de te trazer de volta, o casamento hoje em dia é diferente, tanto a mulher, quanto o homem, podem decidirem o que querem para seus próprios futuros!
- A questão não é essa Eurídice...Depois de tudo que eu te fiz sofrer, eu só quero que você...
- Será que não pode pensar em si mesmo uma única vez? – Questionou ela, encarando-o diretamente em seus olhos, enquanto Shun observava a discussão do casal, se perguntando se deveria se retirar do salão de seu próprio trono e deixá-los a sós um pouco. – Você só pensa na minha segurança, no meu bem-estar, mas quantos anos fazem que simplesmente não se pergunta o que VOCÊ quer, Orphée de Lira?!
O mencionado abriu a boca, mas logo tornou a fechá-la.
- Ehem...É...Escorpianos são movidos pelo amor, em todas as suas formas, acima de tudo - Comentou Shun, que resolveu intervir, apiedado pela expressão perdida do mais velho, nem um pouco acostumado em ser repreendido assim – É difícil para eles sobrepujarem essa natureza.
Eurídice franziu a expressão, nem um pouco convencida.
- Vamos servir o submundo juntos – Colocou ela com firmeza. – Shun precisa de ajuda, tem se esforçado muito para transformar esse lugar, eu sou testemunha! Porém, ele não dispõe de muitos que possam ampará-lo. Ficamos aqui, juntos, ajudamos ele, e quando você estiver purificado, decidiremos o que faremos. Está bem assim, Shun?
-... Você realmente quer adiar a ida aos Campos Elísios por minha causa...? – Questionou inseguro o prateado.
- Você desistiu da vida por mim Orphée, o que é o paraíso, frente a estar com o homem que eu amo? – Isso fez o mais velho envergonhar-se, ainda mais por terem plateia. Por sua vez o imperador lembrou-se com tristeza de seu próprio amor, June, que havia ficado na Terra.
- Nesse caso, eu tenho uma proposta a vós – Disse retomando a atenção do casal. – Fiquem comigo, e ajudem-me a fazer o submundo funcionar, até que os espectros voltem de suas reencarnações daqui dezenove anos. Então, quando isso acontecer, eu permitirei que escolham a vida que quiserem, e claro, que reencarnem juntos.
- Aceitamos.
- Eurídice!
- O que foi? – Perguntou com um doce sorriso feliz, que fazia seu coração acelerar, desistindo assim de contrariá-la, suspirando longamente, vencido.
- Tudo bem...Aceitamos. – Acabou por concordar, recebendo um sorriso empático do virginiano, que sabia o que era estar no lugar do outro.
- Então sobre esses termos, senhor Shun, só nos resta algo mais. Poderia nos convidar para sentar?
Compreendendo o que ela tinha em mente, o imperador sorriu, materializando com seu Dunamis duas cadeiras de ébano bem atrás do casal.
- Muito obrigada! – Então ajudou seu marido a se sentar, e logo fez o mesmo – E eu trouxe algumas romãs. – Disse mostrando uma bolsa de couro cru que trazia ao seu lado – Aceitar assento e comer a comida do submundo – Disse ofertando uma fruta para seu amor – Com isso aceitamos nossos papeis de hospedes aqui, o que nos torna, basicamente, seres pertencentes ao submundo.
Dessa forma, deu uma mordida no fruto, o músico a imitando logo em seguida.
- Pois bem, então muito bem-vindos, vós dois. Espero que nos levemos bem. - Colocou com um sorriso o imperador das almas.
E o músico sorriu para seu superior, pela primeira vez, mais seguro agora que o vira com seus próprios olhos.
-...Irei pagar por essa oportunidade de estarmos juntos, meu...Senhor – Colocou ainda hesitante – Por mais que eu tenha duvidas sobre muitas coisas, jamais esquecerei o que fez por mim – E então tomou a mão de seu amor com a sua - ...Por nós. Obrigado.
- Não se preocupe, eu já disse, eu que estou em divida com vós. – Então uma ideia no mínimo peculiar lhe ocorreu, enquanto Eurídice suspirava dizendo que não havia se sentado em momento algum no submundo em um ano e meio, e que era um alivio finalmente poder fazer isso – Quanto ao casamento de vós...Creio que podemos fazer algo a respeito.
Uma vez que os dois foram dispensados, e voltaram para cuidar um do outro em seu templo particular, a figura de Shun se desfez, rematerializando-se em um lugar particular, na margem do rio Estige, ao lado de alguém, que estava mergulhado até os ombros no rio de fogo, com os olhos fechados, como se estivesse tirando uma soneca.
- Já conversou com eles? – Perguntou esse alguém, usando seu braço esquerdo para sair do rio, enquanto seu direito não era mais do que carne viva.
- Ikki, como está se sentido hoje?
- Você pergunta isso todo o dia, o Flegetonte não vai regenerar meu braço de um dia para o outro – Resmungou Benu, tendo que virar mais o rosto porque um de seus olhos estava enfaixado.
- Com certeza já está melhor do que quando era apenas ossos – Tentou animá-lo Shun, embora sua expressão de culpa era evidente.
- Não se preocupe com isso – Disse levantando-se, ligeiramente trêmulo – Como foi com os dois? Você pode me contar enquanto caminhamos por aqui, não aguento mais ficar aqui nessa margem.
- Tem certeza que deveria caminhar tanto...?
- Você se preocupa demais Shun, já faz dois meses que eu posso andar normalmente. – Rebateu levando a mão esquerda a cintura.
Ambos caminharam, no caso, Ikki caminhou enquanto Shun flutuou ao seu lado, ao redor de toda a extensão do rio Estige.
- ...Então eles ficarão conosco pelos próximos dezenove anos – Colocou o espectro observando o horizonte. – Com certeza serão muito mais úteis que o imbecil do Kairos – Franziu a expressão desgostoso. – Falando nisso, eu não quero que você fale nada sobre nossa aventura no Tártaro para ele, não suportaria se um escorpiano achasse que tem uma divida comigo. Prefiro minha liberdade a um servo por milênios! Já até mesmo falei com Eurídice disso.
Quanto a isso Shun não pôde deixar de rir sutilmente.
- Eu imaginei que diria isso. – Respondeu, olhando para o horizonte, onde o rio Estige e o Cocitos se juntavam, fazendo as chamas gélidas distorcerem magnificamente sua forma até se tornarem apenas água – Sabe, eu tenho impressão que estamos frente a calmaria antes da tempestade – Confessou ao seu irmão.
- Provavelmente. – Confirmou – Mas estaremos prontos quando ela chegar – E então encarou o mais novo com confiança - E estaremos juntos.
Shun se permitiu sorrir enormemente, sentindo-se mais leve, apesar da culpa por deixar o outro naquele estado por ter usado seus poderes em seu corpo. Ainda assim acrescentou.
-...Sim, obrigado. Isso é muito importante para mim – Confessou vendo o outro – Obrigado por todo o tempo que passamos juntos, irmão.
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22 de agosto de 1995. Aproximadamente oito meses após a chegada de Soleil ao santuário.
- Nãaaao é que eu esteja dizendo que os remédios estão funcionando ou algo do tipo – Dizia Máscara da Morte apoiado nos pilares de Peixes, esperando a que seu amigo fizesse a manutenção do jardim de rosas a caminho do salão do Grande Mestre. – Longe de mim dar o braço a torcer para a loucura de vocês.
-....Claaaro – Ironizou o pisciano revirando os olhos e seguindo com seu trabalho.
- ...É apenas que eu ando de muito bom humor, em apenas três meses consegui capturar trinta e três almas podres. Esse trabalho será moleza, sem mencionar a Mione....Aaah, a Mione – Disse com um longo suspiro enamorado – Mas que puta, senhores, que puta! ...Você tem quer ver a bela mordida que ela deu bem no meu-
- DE FORMA ALGUMA! – Exclamava levantando-se desgostoso – Eu não sou voyer para querer testemunhas as coisas que vocês fazem em quatro paredes...
- Claaaroo que você não quer saber das poucas felicidades da vida de seu fratello – Forjou uma pose ofendida – Você já tem a dona Ersa, aliás, será que vocês já transaram nesses meses que eu estive fora?
Isso fez o mais novo ruborizar-se completamente, sua cor competindo com a de suas rosas.
- Será que você não sabe falar de outra coisa?! – Irritou-se, virando de costas.
-... Eu estou tentando te dizer que viver pode não ser tão merda quanto eu achei, e você me censura só porque eu falo de sexo – Balançou a cabeça com decepção – Eu esperava mais de você, Fratello, você que me jogou nessa história de tratamento em primeiro lugar.
O sueco respirou longamente, pedindo paciência, para então levantar-se, encarando o outro.
- Eu estou feliz por você, de verdade – Admitiu limpando as mãos sujas de terra em suas roupas – Sinceramente, acho que é a primeira vez que te escuto falando bem da própria vida, mas disso, a esperar que eu vejo a mordida no seu...
- Ombro – E então subiu a alça da regata azul que usava, mostrando uma grande mordida, cujas arredores estavam até mesmo roxos – Enorme não é? Essa mulher é um animal! O que foi? Achou que fosse em outro lugar? – Sorriu com malícia.
- Quer saber? Eu desisto. Eu vou simplesmente te ignorar a partir de agora até eu terminar o meu trabalho. – Dito isso agachou-se para cumprir com suas palavras.
O mais velho resmungou, mas para a sorte do menor, uma voz aguda captou sua atenção.
- MAH DA MOOOH! – Como um raio o pequeno Shoryu de quase dois anos se jogou contra as pernas do canceriano, seus cabelos já chegando ao seu queixo, mas ainda preso em seus ridículos três rabos de cavalos como quando era bebê – Você voltou!
- Oi pivete – Disse bagunçando os cabelos do mencionado – Parece que você está crescendo, que pena, está começando a ficar difícil te enfiar dentro de uma panela e jogar no rio sem que ninguém perceba.
- Meee ensina a fazer bababa, por faaaavooooooor! – Exclamou, apertando-o com mais força.
- Se você me soltar, eu te ensino até a fazer macarrão – Comentou sacudindo a perna.
- Nãaaao, só Bababaaaa!
- Certo, certo, pode ser, agora me solta...Que eu ainda tenho um caldeirão com o seu tamanho, a ameaça do rio ainda permanece!
- Ehem... – Fez Peixes, e não demorou muito para Máscara saber o porquê.
- Seja bem-vindo de volta Máscara da Morte! – Exclamou Dohko feliz, descendo as escadarias até a décima segunda casa - Que coincidência vocês dois voltaram quase juntos. Afrodite, Camus e Kiki voltaram da África ontem mesmo.- Quanto a essa informação, Câncer apenas franziu o olhar, o outro não tinha dito nada sobre viagem alguma. – Ele já te contou sobre a boa notícia?
-...Boa notícia...? – Questionou, voltando-se ao pisciano, que estava longe de saber do que falava o ancião, mostrando-se tão confuso quanto seu amigo.
Porém Afrodite passou a choque quando esse mesmo ancião simplesmente o abraçou com força, como nunca havia feito na vida.
- Felicidades, meu rapaz! O novo papai do santuário! – Exclamou feliz.
- Quê? – Questionou surpreso Câncer.
- QUÊ?! – E Peixes.
- E nem adianta fazer essa cara de desentendido para mim – Disse afastando-se e rindo da expressão lívida do mais novo – Eu já fiz as contas, sem dúvida nascerá um forte pisciano, muito bem! Eu faria a mesma coisa no seu lugar. – Dito isso deu um enorme tapa nas costas contrárias, um digno da casa de Touro, o suficiente para fazer Peixes perder o equilíbrio e quase ir ao chão pelo movimento inesperado, se Máscara não tivesse aparecido e o segurado – Vamos Sho! Temos que contar a notícia a todos!!
- Siiiim! – E ambos se retiraram sem mais, falando animadamente em chinês.
-...Que história é essa de filho, heim, Afrodite?! E essa tal viagem para África?! – Questionou, contudo, não obteve qualquer resposta -...Afrodite? Ei!
Fez demão de soltá-lo, mas com isso o mais novo apenas desabou sentado no chão.
- Eiiii! – Disse sacudindo a mão na frente da cara contraria – Eu já ouvi falar de que peixe dorme de olho aberto, mas isso é ridículo, você não sabia desse filho ainda? Isso responde MUITO BEM minha pergunta anterior. Afroodiite?! Eu não acredito que você vai me fazer te arrastar até a fonte de Athena...Não podia ter dado esse ataque pelo menos na sexta casa?!
O menor seguiu sem responder, completamente colapsado, com algo que jamais imaginou que viveria em sua vida.
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19 de setembro de 1995
Ao sair do seu salão naquela manhã quente, Shaka sentiu um suave cheiro permeado todo seu templo, seguiu o mesmo, reconhecendo aquele odor característico de uma longínqua época de sua infância.
Não estava errado, quando abriu seu olhos, deparou-se com dois pratos fechados de isopor, amarrados juntos, embaixo, seguravam um pequeno bilhete que dizia simplesmente “Grazie per tutto”. Não precisava sequer saber italiano para deduzir que aquilo era um agradecimento.
O virginiano encarou o embrulho por longos segundos, para depois suspirar longamente, aparentemente vencido.
E com um raro, e diminuto sorriso em seu rosto, voltou para dentro do seu templo com o presente em mãos.
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31 de dezembro de 1995.
Sorento tocava sobre uma rocha, numa parte mais afastada da praia privativa dos Solo, enquanto as pessoas brincavam e festejavam a virada do ano, o músico apenas esperava que os fogos acabassem, para que pudesse seguir praticando para um recital que teria em breve. As aulas da faculdade estavam tomando todo o seu tempo, e aprender a administrar um negócio tão grande quanto o dos Solo estava realmente tirando seu sono.
Quando enfim a última explosão se fez no céu, se viu finalmente livre para entoar sua flauta, por um tempo recorde sem ser interrompido, conseguindo entoar a melodia completa sem qualquer falha.
Qual foi sua surpresa então quando palmas ressoaram assim que sua peça terminou.
Buscou por toda a areia, mas os convidados estavam bem longe dali, deveria estar sozinho no lugar...
Então lhe ocorreu olhar para o mar.
- Thetis de Sereia! -Exclamou surpreso ao ver a comandante, com apenas o rosto e parte do ombro fora da água.
- Ora, então ainda lembra do meu nome – Colocou com um sorriso a esbelta figura loira – Já faz algum tempo, achei que tinham me esquecido.
- Pensávamos que estava morta – Respondeu com sinceridade, levantando-se – Não tivemos mais nenhum sinal de você depois que...Perdemos.
- Sim, eu morri, como a maioria de vocês – Disse sem rodeios fazendo jatinhos de água com a mão – Mas aparentemente eu fui ressuscitada.
- ...Mas...Quando o submundo ressuscitou os outros, não falaram nada de você.
- Deve ser porque me ressuscitaram como peixe. Eu só sei que eu estava de volta e um daqueles cavaleiros de bronze me jogou sem nem um pouco de delicadeza no mar – Ponderou desgostosa – Por que o submundo faria isso por nós de qualquer forma?
- Peixe? O que quer dizer com isso? – Perguntou confuso. – Você era um peixe?
- É uma loooonga história – Sorriu a loira. – Eu levei meses para conseguir voltar a forma que o Senhor Poseidon havia me dado, não é nem um pouco fácil quando te dão um novo corpo.
-...Então por que não sai do mar e explica tudo melhor. Estamos em dezembro, deve estar congelando. – Pontuou com zelo.
Quanto a isso, a Sereia sorriu com picardia, levantando-se, e imediatamente Sorento fechou os olhos, constrangido.
- O que você esperava? – Ela riu – Eu disse que levei meses para conseguir reassumir a forma humana, acha que tem armário de roupas aqui no mar?
- Eu....Eu vou buscar alguma coisa, e uma toalha. Eu voltar, volto, logo – Disse atropeladamente, e saiu antes que a jovem comandante pudesse dizer algo mais, a qual apenas se limitou a rir da timidez contrária.
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Março de 1996
- Boa noite a todos – Anunciava Shiryu, em alto e bom tom sob a arena do coliseu do santuário, ao seu lado, a acanhada Shunrei, e o saltitante e animado Shoryu.
Os cavaleiros de ouro, da antiga geração, até mesmo Aldebaran e um arrebentado Geki, estavam na plateia. O pequeno Soleil de apenas um ano sentado no colo de seu pai, enquanto Milo fingia que roubava seu nariz. Não muito longe dali, Julian corria pelo coliseu inteiro, brincando de pegar com Suite, enquanto o pequeno chinês, amigo de ambos, se mordia por não estar participando.
Além disso, haviam outras crianças presentes, que observavam tudo ao redor com curiosidade, sentadas próximas a Shion e Dohko.
Por último, Ersa segurava em seus braços um bebê de poucas semanas, enquanto seu noivo insistia que havia muita gente ali para estarem com uma criança tão pequena, totalmente exposta, e a mãe simplesmente argumentava que o filho de um cavaleiro, e descente de samurais, deveria superar algumas virozinhas.
- ... Eu não tenho certeza se funciona assim, Ersa – Brincou Máscara, se divertindo da veia super-protetora que seu fratello estava demonstrando.
-...Eu pedi que vocês viessem aqui hoje, em primeiro lugar para dar as boas-vindas ao nosso mais novo recém-chegado, Albafica II – Dito isso a enfermeira o ergueu em pleno ar, para desespero de Afrodite. – E também anunciar a chegada de novos companheiros, vindos de diferentes partes do mundo, mas aceitos e acolhidos aqui entre nós. Logam, Virgilio, Kaikoura, Alexis e a pequena Agatha! – Indicou por último uma diminuta menina sentada do lado direito de Shion, e apertando com força a faixa de sua roupa tradicional. – O que acham de virem aqui para frente cumprimentarem todos?
Antes mesmo que Ersa pudesse se levantar, Máscara forjou estar se espreguiçando para que agilmente Afrodite tomasse o menino dos braços dela. As demais crianças desceram normalmente, acompanhadas da dupla de anciões, e foram reapresentadas uma a uma.
- E por último, e não menos importante – Voltou a dizer, quando os pequenos retornaram aos seus lugares, menos Agatha, que Dohko teve que levar às pressas ao banheiro – Há alguém mais que virá muito em breve. – Disse indicando a barriga de sua noiva, que estava desejando que a terra a tragasse com tantos olhares sobre si. – Nosso segundo filho. Com boas chances de ser um capricorniano.
Uma pequena agitação se formou com aquele anuncio, principalmente por causa dos assobios de Seiya, mesmo que Seika pedisse para não fazer tanto barulho porque assustaria tantas crianças presentes.
-...Nós podíamos ter uma também – Comentou aleatoriamente Muh.
- Uma o quê? – Perguntou ela por não ter prestado atenção.
- Um filho. Talvez dois. – Comentou despretensiosamente, chocando ambos os irmãos japoneses.
-...Se for menino chamaremos de Izo, e se for menina de Guinevere. – Seguia dizendo Shiryu, enquanto Shion sentia que seu amigo ficaria insuportável por perder esse último anúncio.
- Sabe, a gente podia beber para comemorar, quer ir Ersa? – Perguntou Máscara que parou de prestar atenção no que o Grande Mestre dizia assim que anunciou que teria outro pivete.
- Não, eu vou levar Alba para casa, para que o senhor Afrodite aqui não surte – Disse provocante, fazendo seu noivo franzir a expressão. – Mas vocês podem ir.
- Podíamos chamar o Shaka também.
- ...O Shaka?!
- Sim, ele não bebe, mas é um bom ouvinte. Fomos numa taberna semana passada e eu tenho certeza que ele quaaase sorriu de uma piada que eu contei.
- Você anda saindo...Com...O SHAKA? – Exclamou em choque Peixes. – Em tabernas?!
- O que foi? Está com ciúmes? Não se preocupa que tem Máscara da Morte para todo mundo, eu apenas tive que variar meu círculo de amizades, sabe, para quando você está ocupado trocando fraldas.
-...Por isso, por tudo que fizemos e sacrificamos para estar aqui, e por todo esse tempo que passamos juntos, eu desejo a todos, o meu mais sincero obrigado. – Findou enfim, o Grande Mestre.
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