Finn.
Dou um passo rápido para trás devido o susto. Por ser também o pior momento da vida para encontrar com essa garota. Só pode ser sacanagem.
-Porque você está me perseguindo o tempo todo? -Grito com ela.
Ela se assusta e também pula para trás. Encolhe o pé em que eu acabei de pisar um pouco para cima e se afasta.
-Não estou perseguindo você. Foi você que apareceu aqui!
Me surpreendo pois não esperava que a bonequinha soubesse gritar. Mas não tenho tempo para isso.
-Tanto faz, apenas saia da minha frente!
Preciso socar alguma coisa e se ela não sair, provavelmente será o meu alvo.
Ela põe os dois pés de volta no chão e não sai da minha frente.
-Cheguei aqui primeiro. Se quer ficar sozinho, procure outro lugar.
Não estou preparado para lidar com essa petulância surpresa agora. Não mesmo. E também não vou fazer o caminho inverso para acabar dando de cara com aqueles merdas de novo.
Estou com tanta raiva que penso em coisas horríveis que posso fazer para tirá-la da minha frente. E seria bem fácil pois ela não deve pesar nada, mas ainda não estou tão louco ao ponto de tocar em uma garota para feri-la. Ainda mais uma que obviamente não sabe erguer uma unha para revidar.
Mas preciso dispersar o meu ódio antes que ele me mate.
Viro para a parede ao lado dela e como é a primeira coisa que encontro, eu a soco em cheio sentindo o impacto contra meu punho reverberar e sacudir meu corpo todo.
Millie tapa os ouvidos e estremece. Cambaleia para trás como se tivesse sido atingida pelo soco.
-Você... Você.. você é maluco!
É exatamente assim que me sinto mesmo. Louco de tanta raiva. A dor se torna nada perto da vontade que tenho de voltar dentro daquela escola e meter a porrada naqueles filhos da puta desgraçados.
Rio de mim mesmo encarando minha mão que agora está fodida, com os nós dos dedos esfolados e que em breve estarão sangrando, mas não pelo motivo que eu quero que sangrem.
Que merda eu fiz quando aceitei ir estudar aqui? Na rua podia me virar, mas e aqui?
Desabo no chão contra a parede que acabei de socar e estico as pernas doloridas para frente. Meus sapatos encostam em uma mochila cor de rosa que está no canto da outra parede e só então lembro da minha companhia indesejada que está em silêncio a algum tempo e que acabou de presenciar o meu surto.
E isso é uma merda pois tudo o que menos preciso agora é de uma menina birrenta contando o que aconteceu para todo mundo achar que sou mais maluco do que o normal.
Ergo a cabeça e a encaro de novo. Ela ainda está encolhida e em choque, parece nem ter respirado nos últimos segundos.
-Esqueça o que acabou de ver e saia daqui. -Dessa vez eu não grito.
Estou cansado demais para isso, embora a raiva ainda borbulhe dentro de mim como lava.
-Porque... Porque você fez isso? -Ela pergunta ainda parada no mesmo lugar.
Respiro fundo, pedindo a mim mesmo só mais um pouco de paciência.
-Não estou a fim de conversa.
-Mas você socou a parede com toda força. Isso não é normal.
-E também não é da sua conta.
-Você me machucou.
Dessa vez olho para ela de novo pois tenho certeza de que não a feri com o soco. Ela se senta no chão também e só quando estica as pernas é que percebo que está usando as sapatilhas de balé. Ela puxa as fitas de cetim do tornozelo e tira a sapatilha do pé esquerdo, revelando um dedo mindinho onde a unha está sangrando.
Foi o pé em que eu pisei.
-Fico aqui nos intervalos. Estudo um pouco e pratico alguns passos de dança nesse espaço para não esquecer. -Por alguma razão ela diz baixinho enquanto puxa a mochila que está perto dos meus sapatos.
Não digo nada, embora tivesse mesmo a curiosidade de saber onde ela se metia naqueles horários. Só fico olhando para sua unha minúscula e pensando que eu de fato a machuquei.
Millie abre a mochila e tira de dentro uma caixinha branca de primeiros socorros. Tem uma porção de coisas dentro, o que me faz ter certeza que a garota é mesmo maluca. Quem anda com isso para cima e para baixo na escola?
-Você deveria ir até a enfermaria ver a sua mão. Pode ter machucado feio.
-Pode ter quebrado. Não estou nem aí. -Respondo mais rápido do que posso conter.
Ela olha para minha mão sobre minha perna e ri irônica.
-Se tivesse quebrado você não estaria aguentando de tanta dor, vá por mim. Mesmo assim é bom pedir para a enfermeira dar uma olhada, talvez ela possa fazer um curativo.
Não disse que ela é maluca? Ela acabou de me ver literalmente socando a droga de uma parede próxima a ela completamente fora de mim e agora age como se não fosse nada.
-Não está com medo? Acabou de dizer que sou maluco. Deveria pegar suas coisinhas e sair correndo daqui. -Não sei porque insisto na conversa.
Talvez porque era exatamente isso que eu esperava que ela fizesse.
-Eu já disse que cheguei aqui primeiro e você me machucou. Estou esperando um pedido de desculpas. -Diz calmamente enquanto cobre o mindinho com uma gaze.
Gargalho. Gargalho de verdade. Que menina doida.
-Pode esperar sentada. Ninguém mandou você ficar no meu caminho. Aliás é você que tem que me pedir desculpas por ficar me encarando o tempo todo. Seu pai além de ser um preconceituoso também não te ensinou que encarar é feio?
Millie me encara. Seu cenho se franze e ela comprime os lábios.
-Não fale mal do meu pai. -Mas logo ela desanuvia a expressão. -Ele errou com você. Eu também. Mas não fizemos por mal. Nós achamos que...
-Eu sei bem o que vocês acharam, não precisa repetir e quer saber? Não ligo pro que você e o idiota do seu pai acham.
Ela parece perder o fôlego por um momento. As bochechas se inflamam. Acho que vou faze-la chorar, mas não é isso que acontece.
-Meu pai é um homem maravilhoso, gentil e educado. Cometeu um deslize, sim, mas não foi por maldade. Agora isso que você está fazendo é mesmo pura maldade. Não fiz nada para você me tratar desse jeito.
A melhor coisa que eu poderia fazer agora era rir dela e da forma certinha com a qual ela fala, mas não estou com vontade de fazer isso. Na verdade, por alguma razão, a forma como diz isso me incomoda e não deveria me incomodar.
Fico meio em pânico quando não acho uma resposta decente. Uso a única coisa que tenho contra ela.
-Você fica me encarando o tempo todo. Isso é chato.
-Idaí? Você também olha para mim e nem por isso te tratei mal alguma vez.
Droga. Ela não está errada.
-Eu olho para você porque você olha para mim primeiro.
Ótimo, agora sou eu a criança birrenta aqui.
Millie fica séria por um segundo. No outro ela abaixa a cabeça e começa a sacudir os ombros. A infeliz está rindo de mim.
Não gosto disso. Não gosto nenhum pouco, porém lembro dessa risada desde aquele dia e meio que demoro demais para achar uma boa resposta.
Ela só para de rir quando está cansada e sem fôlego, limpando lágrimas falsas dos olhos.
Encontro uma deixa para dizer alguma coisa.
-Terminou? Não achei nada engraçado. É a verdade.
Ela assente ainda rindo.
-Sim. É verdade, mas tem uma razão porque eu fico olhando para você. Não gostei do que meu pai fez naquele dia e me sinto mal por isso. Estava tentando me aproximar para pedir desculpas, mas não achei que você quisesse me ouvir.
Que merda de resposta é essa? O pior é que não acho que ela esteja inventando isso agora. Ela tem uma carinha de anjo inofensivo demais para fazer isso. Uma expressão sincera. Eu não sei lidar com isso.
-Quer me pedir desculpas pra que? Não faz diferença.
-Faz sim. Estou mostrando que fiquei arrependida e que foi errado pensar uma coisa de você sem te conhecer primeiro.
-E quem disse que você me conhece agora?
Eu a pego desprevenida. Ela demora um pouco para processar minha resposta.
-Bem, eu não conheço, é verdade, mas sei que não estava vendendo aqueles quadros para fazer coisas erradas com o dinheiro. Também não sei para que era, mas isso também não é da minha conta.
Porra. De onde essa garota saiu? Como assim não vai me encher de perguntas ou só julgar sem saber?
Me sinto um pouco constragido agora porque de repente tenho vontade de dizer para que eu estava vendendo os quadros, mas não quero a pena dela. Não quero que a história se espalhe.
-Você não tem que me pedir desculpas. Foi seu pai que disse aquilo, você só queria comprar minha tela e foi na onda dele. Normal.
Ela abaixa a cabeça e suspira assentindo.
-Eu sei, mas mesmo assim queria deixar claro que não penso mais essas coisas. Se você não quiser me desculpar tudo bem.
-Não quero mesmo. -Digo de súbito. Só quero encerrar esse maldito assunto.
Dá para ver que ela engole em seco com minha resposta. Parece importante conseguir meu perdão, mesmo isso realmente não significando nada para mim.
Ela pega um frasco antisséptico e molha algumas gazes e então se arrasta para mais perto de mim.
-O que está fazendo? -Indago em pânico quando tenta tocar no meu braço.
-Se você não vai para a enfermaria, pelo menos passe isso nos dedos. Vai evitar sangrar e ficar inchado depois.
-Eu não quero. Não gosto de pessoas encostando em mim. -Escapa da minha boca.
Ela franze o cenho para mim e olha para as gazes em suas mãos.
-Passe você mesmo então. Já que não quer minhas desculpas, considere isso como uma trégua. Não quero que seja meu inimigo. Também prometo que não vou contar sobre isso pra ninguém, aliás, nem tem alguém para eu contar de todo jeito.
É bem cruel dizer isso. Mas sei que é verdade. Quero perguntar porque ela não tem amigos, mas só aceito as gazes e esfrego em meus dedos. Arde pra caralho.
-Você é o que? Tipo uma médica em miniatura? -Digo para esconder o quanto a porcaria que me deu está mesmo ardendo.
Ela dá um leve sorriso orgulhoso.
-Quase. Meus pais são médicos e quero ser uma médica no futuro. Sempre tenho tudo em mãos, nunca se sabe quando alguém vai pisar no meu pé ou quando vou ver alguém socando paredes por aí.
O sinal toca assim que ela terminar de falar e interrompe o que quase seria mais uma pergunta que eu faria.
-Tenho que ir.
Millie ajeita a gaze no dedinho e guarda as sapatilhas de volta na bolsa. Depois retira os tênis da escola, mas geme de dor quando o enfia no pé.
Mesmo assim ela simplesmente levanta apressada e põe a mochila de volta nos ombros. Vai sair sem mais nem menos quando eu levanto e digo.
-Foi mal.
Ela para e olha para trás.
-O que?
E é claro que ela vai me fazer repetir. Respiro fundo e jogo as gazes sujas de sangue fora.
-Foi mal pelo pisão e valeu por isso.
Seja lá o que isso aqui seja.
Ela sorri e assente. Vai embora meio mancando, mas garanto que está bem satisfeita de ter arrancado isso de mim.
O que me irrita mais não é a sua pequena petulância, é o fato de que sem nenhuma explicação, eu me pego querendo terminar a conversa.
Sigo por onde ela foi para voltar a aula. O vento sopra e sinto cheiro de caramelo.
Estou mesmo ficando maluco.
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